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Noção sobre álgebra dos conjuntos

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Cap´ıtulo 1
Noc¸o˜es sobre a A´lgebra dos Conjuntos
A teoria moderna dos conjuntos e´ geralmente considerada ter sido criada em 1859 pelo
matema´tico famoso Georg Cantor (1845− 1918), que notou a necessidade de uma tal teoria
quando estudava se´ries trigonome´tricas. Cantor escreveu:
Por um conjunto entenderemos qualquer colec¸a˜o dentro de um todo de objetos distintos
definidos, de nossa intuic¸a˜o ou pensamento.
Esta definic¸a˜o na˜o pro´ıbe ningue´m de considerar o conjunto de todos os conjuntos, como
o fez Bertrand Russel e que o levou ao chamado Padoxo1 de Russell.
O paradoxo de Russell e´ um paradoxo descoberto por Bertrand Russell em 1901 e que
prova que a teoria de conjuntos de Cantor e´ contradito´ria. Considere-se o conjunto M como
sendo “ o conjunto de todos os conjuntos que na˜o conteˆm a si pro´prios como membros”.
Formalmente: A e´ elemento de M se, e somente se, A na˜o e´ elemento de A.
No sistema de Cantor, M e´ um conjunto bem definido. Sera´ que M conte´m a si mesmo?
Se sim, M na˜o e´ membro de M de acordo com a definic¸a˜o. Por outro lado, supondo que
M na˜o conte´m a si mesmo, M tem de ser membro de M , de acordo com a definic¸a˜o de M .
Assim, as afirmac¸o˜es “M e´ membro de M” e “M na˜o e´ membro de M” conduzem ambas a
contradic¸o˜es.
Um outro exemplo interessante de paradoxo, apresentado na Figura 1 a seguir, e´ o cha-
mado Frasco com auto-fluxo de Robert Boyle. Observe, que o frasco, tal como apresentado
na Figura 1, preenche a si pro´prio. Pore´m tal efeito na˜o se produz na realidade.
A dificuldade real na definic¸a˜o de Cantor de um conjunto e´ a palavra colec¸a˜o. O que e´
uma colec¸a˜o? E´ claro que podemos procura´-la em um diciona´rio e encontrar algo como estas
definic¸o˜es:
1Um paradoxo (do latim paradoxus, estranho, inesperado, absurdo) e´ uma figura de linguagem na
qual se afirma algo que e´ ou parece ser contra´rio ao que e´ comum, verdadeiro; expressa uma contradic¸a˜o,
mesmo que aparente. Em outras palavras, um paradoxo e´ uma declarac¸a˜o aparentemente verdadeira que
leva a uma contradic¸a˜o lo´gica, ou a uma situac¸a˜o que contradiz a intuic¸a˜o comum. Em termos simples,
um paradoxo e´ “o oposto do que algue´m pensa ser a verdade”. A identificac¸a˜o de um paradoxo baseado
em conceitos aparentemente simples e racionais tem, por vezes, auxiliado significativamente o progresso da
cieˆncia, filosofia e matema´tica.
Em suma, um paradoxo e´ o fato de que duas coisas opostas, contradito´rias, possam parecer verdadeiras ao
mesmo tempo.
1
Figura 1.1: Frasco com auto-fluxo de Robert Boyle
1. Colec¸a˜o: um grupo de objetos coletados.
2. Grupo: um agregado ou colec¸a˜o.
3. Agregado: uma colec¸a˜o
Estas dificilmente nos ajudara˜o. Quando um matema´tico da´ uma definic¸a˜o, na˜o e´ para
que seja um mero sinoˆnimo, tal como o sa˜o colec¸a˜o e conjunto ou uma definic¸a˜o circular
como encontra´ramos em um diciona´rio. Aparentemente, Cantor na˜o estava consciente de que
o termo conjunto era realmente indefin´ıvel.
A teoria dos conjuntos pode ser considerada uma teoria matema´tica particular, mas, por
sua grande poteˆncia e generalidade, ela tem um papel privilegiado na fundamentac¸a˜o de
praticamente a toda matema´tica pura e aplicada e, portanto, tambe´m em todas as cieˆncias
dedutivas de base matema´tica. Em partes mais avanc¸adas da teoria estudam-se as consequ¨eˆn-
cias de diversos axiomas fortes do infinito, bem como questo˜es meta teo´ricas diversas, como
as de consisteˆncia e de independeˆncia relativa, utilizando-se me´todos da teoria dos modelos.
Pore´m a discussa˜o nesta sec¸a˜o, e´ de cara´ter bem mais elementar, pois, a nossa intenc¸a˜o na˜o e´
da´ uma abordagem axioma´tica e profunda sobre a Teoria dos Conjuntos e sim apresentar de
maneira aceita´vel o conceito de conjunto, subconjunto, e operac¸o˜es entre conjuntos (unia˜o,
intersec¸a˜o, e complemento), bem como as principais regras dessas operac¸o˜es. Mais adiante
mostraremos que existe um paralelo entre a Teoria dos conjuntos e a Lo´gica.
1.1 Conjunto
Apresentamos a noc¸a˜o intuitiva de conjunto segundo Georg Cantor (1845− 1918):
Definic¸a˜o 1.1.1: Um conjunto e´ qualquer colec¸a˜o dentro de um todo de objetos distintos
definidos, de nossa intuic¸a˜o ou pensamento.
Exemplos 1.1.2:
(1) conjunto de todas as cidades do Estado de Goia´s.
(2) conjunto de todos os animais com quatro patas.
(3) conjunto de todos os estudantes desta universidade.
2
(4) conjunto de todas as letras do alfabeto grego.
(5) conjunto das letras a, b, c, d.
(6) conjunto das regras de direitos e deveres dos alunos de administrac¸a˜o.
(7) conjunto dos nu´meros naturais.
(8) conjunto de todos os nu´meros reais entre 0 e 1.
(9) conjunto de todos os nu´meros reais x tais que
√−1 = x.
Um conjunto que conte´m apenas um nu´mero finito de elementos e chamado um conjunto
finito; um conjunto infinito e´ um conjunto que na˜o e´ finito. No Exemplo 1.1.2, os itens
de (1) a (6) sa˜o conjuntos finitos, e os itens (7) e (8) sa˜o conjuntos infinitos.
Conjuntos sa˜o frequentemente designados fechando-se entre chaves os s´ımbolos que re-
presentam seus elementos, quando for poss´ıvel fazeˆ-lo. Assim, no Exemplo 1.1.2, o conjunto
no item (5) e´ denotado por {a, b, c, d} e o conjunto no item (7) pode ser denotado por
{1, 2, 3, 4, 5, · · · }.
O conjunto do item (9) na˜o possui elementos, tal conjunto, ou seja, que na˜o possui
elementos e´ chamado de conjunto vazio, sendo denotado pelo s´ımbolo ∅.
Usaremos letras maiu´sculas para denotar conjuntos, e letras minu´sculas para denotar
seus elementos. Se a e´ um elemento de um conjunto A, escrevemos a ∈ A (leia-se: “a e´ um
elemento de A” ou “a pertence a A”), enquanto que a /∈ A significa que “a na˜o e´ um elemento
de A” ou “a na˜o pertence a A”.
Dizemos que dois conjuntos A e B sa˜o iguais ou ideˆnticos quando conte´m os mesmos
elementos, e denotamos por A = B.
Observac¸a˜o 1.1.3:
1. A ordem em que aparecem os elementos num conjunto na˜o tem importaˆncia. Assim, o
conjunto {a, b, c, d} e´ o mesmo que {d, b, a, c}, etc.
2. Como os elementos de um conjunto sa˜o distintos, {a, a, b}, por exemplo, na˜o e´ uma
notac¸a˜o apropriada de um conjunto, e deve ser substitu´ıda por {a, b}.
3. Se a e´ um elemento de um conjunto, a e {a} sa˜o considerados diferentes, isto e´, a 6= {a}.
Pois {a} denota o conjunto consistindo somente do elemento a, enquanto que a e´ apenas
um elemento do conjunto {a}.
1.2 Subconjuntos
Sejam A e B conjuntos. Se todo elemento de A e´ elemento de B, enta˜o A e´ chamado um
subconjunto de B, em s´ımbolos: A ⊆ B ou B ⊇ A. Se A e´ subconjunto de B, enta˜o B
e´ chamado um superconjunto de A. Obviamente, todo conjunto e´ um subconjunto (e um
superconjunto) de si mesmo. Quando A ⊆ B e A 6= B, escrevemos, A ⊂ B ou B ⊃ A, e
dizemos que A e´ um subconjunto pro´prio de B, ou que B e´ um superconjunto pro´prio
3
de A. Em outras palavras, A e´ um subconjunto pro´prio de B quando todo elemento de A e´
um elemento de B, mas existe pelo menos um elemento de B que na˜o e´ elemento de A. Se
A na˜o e´ subconjunto de B, escrevemos A * B.
Exemplo 1.2.1:
(1) {a, b, c, d} ⊆ {a, b, c, d}
(2) {a, b, c} ⊂ {a, b, c, d}
(3) {nu´meros naturais} ⊂ {nu´meros inteiros}
(4) {nu´meros inteiros} * {nu´meros naturais}
Propriedades 1.2.2: Abaixo enunciamos, sem demonstrac¸a˜o, algumas propriedades sobre
conjuntos:
(a) O conjunto ∅ e´ um subconjunto de qualquer conjunto.
(b) A ⊆ B e B ⊆ C, enta˜o A ⊆ C (Transitividade).
(c) A = B se, e somente se, A ⊆ B e B ⊆ A.
Exerc´ıcios 1.2.3:
1. Demonstre que o conjunto de letras da palavra “catarata” e o conjunto de letras da
palavra “catraca” sa˜o iguais.
2. Verifique, dentre os seguintes conjuntos, quais sa˜o subconjuntos de quais:
(a) A = {todos os nu´meros reais satisfazendo x2 + 8x + 12 = 0}
(b) B = {2, 4, 6}
(c) C = {2, 4, 6, 8, ...}
(d) D = {6}
3. Liste todos ossubconjuntos do conjunto {−1, 0, 1}.
1.3 Especificando Conjuntos
Um modo de construir um novo conjunto, a partir de um conjunto dado, e especificar
aqueles elementos, do conjunto dado, que satisfazem uma propriedade particular. Por exem-
plo, seja A o conjunto de todos os seres humanos. A proposic¸a˜o “x e´ mulher” e´ verdadeira
para alguns elementos x de A e falsa para outros. Usamos a notac¸a˜o,
{x ∈ A | x e´ mulher}
para especificar o conjunto de todas os seres humanos que sa˜o mulheres. Similarmente,
{x ∈ A | x na˜o e´ mulher}
4
especifica o conjunto de todos os seres humanos que na˜o sa˜o mulheres.
Como regra, a todo conjunto A e a toda proposic¸a˜o p(x) sobre x ∈ A, existe um {x ∈
A | p(x)}, cujos elementos sa˜o precisamente aqueles elementos x ∈ A para os quais a afirmac¸a˜o
p(x) e´ verdadeira. O s´ımbolo {x ∈ A | p(x)} e´ lido como: o conjunto de todos os x em A,
tais que p(x) e´ verdadeira. A notac¸a˜o da forma {x ∈ A | p(x)}, que descreve um conjunto e´
chamada notac¸a˜o de construc¸a˜o do conjunto.
Exemplos 1.3.1: Seja R o conjunto dos nu´meros reais. Enta˜o
1. {x ∈ R | x = x + 1} e´ o conjunto vazio.
2. {x ∈ R | 2x2 − 5x− 3 = 0} e´ o conjunto {−1
2
, 3
}
3. {x ∈ R | x2 + 1 = 0} e´ o conjunto vazio.
Frequentemente no´s usamos os seguintes conjuntos (Observe que: N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R):
• N = {x | x e´ um nu´mero natural}
• Z = {x | x e´ um nu´mero inteiro}
• Q = {x | x e´ um nu´mero racional}
• R = {x | x e´ um nu´mero real}
• R+ = {x | x > 0}
Exerc´ıcios 1.3.2: Exiba entre chaves os elementos de cada um dos seguintes conjuntos.
1. A = {x ∈ N | x < 6}
2. B = {x ∈ Z | x2 < 25}
3. C = {x ∈ Q | 10x2 + 3x− 1 = 0}
4. D = {x ∈ R | x3 + 1 = 0}
5. E = {x ∈ R+ | 4x24x− 1 = 0}
1.4 Operac¸o˜es entre Conjuntos
Na aritme´tica, podemos somar, multiplicar e subtrair dois nu´meros quaisquer. Na Teoria
dos Conjuntos, ha´ treˆs operac¸o˜es (unia˜o, intersec¸a˜o e complemento) respectivamente ana´logas
a`s operac¸o˜es adic¸a˜o, multiplicac¸a˜o e subtrac¸a˜o de nu´meros.
A unia˜o de dois conjuntos quaisquer A e B, denotada por A ∪ B, e´ o conjunto dos
elementos x tais que x pertence a pelo menos um dos dois conjuntos A ou B. Ou seja,
x ∈ A ∪B se, e somente se, x ∈ A ou x ∈ B.
5
A intersec¸a˜o de dois conjuntos quaisquer A e B, denotada por A ∩B, e´ o conjunto dos
elementos x tais que x pertence a ambos os conjuntos A e B. Ou seja, x ∈ A ∩ B se, e
somente se, x ∈ A e x ∈ B.
Sejam A e B dois conjuntos, o complemento relativo de B em A e´ o conjunto A−B,
definido por:
A−B = {x ∈ A | x /∈ B}
Embora o conjunto universal, o conjunto de todos os conjuntos, no sentido absoluto na˜o
exista (veja o Paradoxo de Russel), na˜o ha´ problema em assumirmos temporariamente que
todos os conjuntos mencionados, no restante deste texto, sa˜o subconjuntos de um conjunto
fixado U , que pode ser considerado como um conjunto universal no sentido restrito. Com
o intuito de enunciar as regras ba´sicas a respeito de complemento, do modo mais simples
poss´ıvel, assumiremos, a menos que seja dito em contrario, que todos os complementos sa˜o
formados relativamente a este conjunto U . Escreveremos enta˜o Ac como sendo U − A.
Exemplo 1.4.1:
(1) N ∩ Z = N
(2) Q ∩ Z = Z
(3) Q ∪ Z = Q
(4) R ∪ Z = R
(5) {0, 1} ∩ Z = {0, 1}
(6) Sejam A = {a, b, c, d} e B = {c, d, e, f}.
i) A−B = {a, b, c, d} − {c, d, e, f} = {a, b}
ii) A− (A ∩B) = {a, b, c, d} − ({a, b, c, d} ∩ {c, d, e, f}) = {a, b, c, d} − {c, d} = {a, b}
Propriedades 1.4.2: Como antes enunciaremos algumas propriedades as quais sera˜o aceitas
sem demonstrac¸a˜o. Seja X um conjunto e A, B e C subconjuntos de X. Enta˜o temos:
(a) Os elementos neutros:
A ∩X = A A ∪ ∅ = A
(b) As leis de idempoteˆncia:
A ∩ A = A A ∪ A = A
(c) As leis comutativas:
A ∪B = B ∪ A A ∩B = B ∩ A
(d) As leis associativas:
A ∪ (B ∪ C) = (A ∪B) ∪ C A ∩ (B ∩ C) = (A ∩B) ∩ C
(e) As leis distributivas:
A ∪ (B ∩ C) = (A ∪B) ∩ (A ∪ C) A ∩ (B ∪ C) = (A ∩B) ∪ (A ∩ C)
6
1.5 Diagramas de Venn
Como aux´ılio na visualizac¸a˜o de operac¸o˜es de conjuntos, usaremos os diagramas que foram
introduzidos em 1881 pelo filo´sofo e matema´tico britaˆnico John Venn, tais diagramas sa˜o
chamados Diagramas de Venn, que representam a ideia de um conjunto geometricamente,
bem como suas operac¸o˜es. Representaremos o conjunto universal relativo U por um retaˆngulo,
e os subconjuntos de U por c´ırculos desenhados dentro do retaˆngulo. Por exemplo, nas
figuras a seguir, representamos dois conjuntos, A e B, como dois c´ırculos coloridos de azul, e
ilustramos, atrave´s da parte colorida de azul, algumas operac¸o˜es sobre tais conjuntos.
U
A B
A ∪B
Figura 1.2: Representac¸a˜o da unia˜o dos conjuntos A e B.
U
A B
A ∩B
Figura 1.3: Representac¸a˜o da intersec¸a˜o dos conjuntos A e B.
U
AA
Ac
Figura 1.4: Representac¸a˜o do complemento do conjunto A.
7
U
A B
(A ∩B)c
Figura 1.5: Representac¸a˜o do complemento do conjunto A ∩B.
A
U
B
A−B
Figura 1.6: Representac¸a˜o da diferenc¸a entre o conjunto A e B.
U
A
B
C
A ∩B ∩ C
Figura 1.7: Representac¸a˜o da intersec¸a˜o dos conjuntos A, B e C.
Exerc´ıcios 1.5.1:
1. Desenhe um Diagrama de Venn para cada uma das seguintes:
a) A ⊂ B
b) A ∩Bc
c) Ac ∩B
d) Ac ∩Bc
e) A ∪Bc
f) Ac ∪B
g) Ac ∪Bc
h) (A ∪B)c
i) Numa pesquisa sobre prefereˆncia de detergentes realizada numa populac¸a˜o de 100
pessoas, constatou-se que 62 consomem o produto A; 47 consomem o produto B e
10 pessoas na˜o consomem nem A e nem B.
8
j) Foi realizada uma pesquisa numa indu´stria X, tendo sido feitas a seus opera´rios
apenas duas perguntas. Dos opera´rios, 92 responderam sim a` primeira pergunta, 80
responderam sim a` segunda. 35 responderam sim a ambas e 33 responderam na˜o a
ambas as perguntas feitas.
k) Em uma pesquisa realizada, foram encontrados os seguintes resultados: 60% das
pessoas entrevistadas fumam a marca A de cigarros; 50% fumam a marca B; 45%
fuma a marca C; 20% fumam A e B; 30% fumam A e C; 25% fumam B e C; 8%
fumam A, B e C.
2. Sejam A e B conjuntos. Demonstre que A−B = A− (A ∩B).
3. Sejam A e B conjuntos. Demonstre que B ⊂ Ac se, e somente se, A ∩B = ∅.
4. Sejam A e B conjuntos. Demonstre que (A−B) ∪B = A se, e somente se, B ⊂ A.
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