Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL ALANNA OLIVEIRA SANTOS CRIME, DOENÇA OU REMÉDIO? ANÁLISE DO DISCURSO DE REPORTAGENS SOBRE O USO DA MACONHA NO JORNAL NACIONAL E NO FANTÁSTICO Cachoeira – BA 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL ALANNA OLIVEIRA SANTOS CRIME, DOENÇA OU REMÉDIO ? ANÁLISE DO DISCURSO DE REPORTAGENS SOBRE O USO DA MACONHA NO JORNAL NACIONAL E NO FANTÁSTICO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social habilitado em Jornalismo pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia ORIENTADOR: Prof.ª Dr. Gilmar Hermes Cachoeira – BA 2011 “Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois.” Walter Benjamim Dedico este trabalho as primeiras turmas do Centro de Arte, Humanidades e Letras, por encarar com coragem a missão de construir uma universidade. Foi essa coragem que me motivou a dar prosseguimento a esta pesquisa, ciente de que para alterar ou construir uma realidade é preciso agir sobre ela. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente aos meus pais, Helena e Jonas, por me possibilitarem a vivência e o aprendizado que a universidade oferece e por sempre aceitarem minhas escolhas, por mais estranhas que essas possam lhes parecer. Devo também muito a minha irmã, Arianne, que durante este tempo em que aqui estive foi para mim uma mãe, cuidando de mim e estando do meu lado, representando minha família. Ao meu orientador, Gilmar, agradeço mil vezes pela paciência, pela ajuda e pelas observações que muito contribuíram para o meu trabalho. Durante esses quatro anos e meio que passei nesta universidade pude vivenciar experiências maravilhosas, em contato com pessoas de diversos lugares, com visões de mundo diferentes e isso enriqueceu muito o meu aprendizado na universidade, que não aconteceu só na sala de aula ou através dos livros, mas também no contato direto com pessoas e ideias e que muito me transformou. No Cortiço Universitário constitui outra família, uma nova maneira de me relacionar com as pessoas, uma nova maneira de viver o mundo. Agradeço então aos integrantes desta comunidade alternativa, todos, dos moradores aos agregados, que me acompanharam durante esta jornada. São eles: Sarah, May, Thalita, Rodrigo, Larissa, Gustavo, Diego, Flávio, Mateus, Astrude, Zaine e, mais uma vez, minha irmã e seu marido, George. Além do C.U., sou grata a carruagem de Térpis e ao Coletivo Escritório, movimentos revolucionários do CAHL que muito me acrescentaram nos questionamentos sobre nossos valores, condutas e comportamentos. Meus agradecimentos também a todos os professores com quem tive aula. Quando cheguei aqui não tínhamos biblioteca, nem laboratórios. A nossa principal fonte de conhecimento foram vocês, que mesmo com a falta de estrutura da universidade realizaram um excelente trabalho. Nesses professores incluo os que ainda estão aqui e os muitos que foram embora, mas que, mesmo de passagem, deixaram suas marcas, um pouco de seu conhecimento, entre nós. Com tantos bons professores que tive acho uma lastima que, muitos deles, não vivenciem a realidade cotidiana das cidades de Cachoeira e São Félix. Duas belas cidades para as quais os conhecimentos desses professores podem propiciar grandes melhorias na educação e na qualidade de vida de quem é daqui. Agradeço então a essas cidades e a seu povo que aqui me acolheu. Agradeço também a toda minha turma, 2007.1, que muitas vezes confiou em mim e me apoiou como sua representante e que apesar das grandes diferenças de pontos de vista e de personalidade sempre me aceitou bem, percebendo o que há em mim atrás das aparências e estereótipos. Além de agradecer, peço também desculpa a vocês se nem sempre corresponder a vossas expectativas, mas as vezes a emoção e razão se confundem em mim de tal forma que não consigo fazer o que devo em detrimento do que acredito. Por ultimo, agradeço a todos que me incentivaram neste polêmico trabalho, vocês são responsáveis por eu levar esta ideia adiante. E aos que riram desta pesquisa também, por incentivar a superação, por provocar o meu desejo de provar que é possível e por me confirmar a necessidade e importância deste trabalho. RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo analisar os discursos sobre o uso da maconha presente nas matérias do Jornal Nacional e do Fantástico exibidas entre 2009 e 2011. E, através disso, perceber como a sociedade e a cultura dos jornalistas vão influenciar os discursos produzidos na notícia. É feita a ligação entre as relações históricas, sociais e os discursos produzidos, considerando o lugar de enunciação que a Rede Globo ocupa como importante meio de comunicação. Ao fazer a análise de produtos informativos, considero a relevância dos meios de comunicação na manutenção e transformação das relações sociais, procurando observar esse papel da imprensa nos casos analisados. Palavras chaves: Análise do Discurso, Telejornalismo, Maconha, Rede Globo LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 – Comissão Latino Americana reunida, matéria de 20/02/2009, da matéria, 10‟‟ 67 FIGURA 2 – Líderes da Comissão Latino Americana na reunião. 20/02/2009, 52‟‟ 67 FIGURA 3 – Passagem do repórter André Luiz Azevedo na matéria de 20/02/2009, 22‟‟ 67 FIGURA 4 – Mão segurando um cigarro de maconha, 38‟‟, matéria de 20/02/2009, 38‟‟ 68 FIGURA 5 – Grande quantidade de maconha. matéria de 20/02/2009, 42‟‟ 68 FIGURA 6 – Grande quantidade de cocaína. matéria de 20/02/2009, 43‟‟ 68 FIGURA 7 – Plantação de maconha. matéria de 20/02/2009, 44‟‟ 68 FIGURA 8 – Imagem de cocaína e caracteres ressaltando a fala do repórter. Matéria de 20/02/2009, 1‟38‟‟ 69 FIGURA 9 – Policiais em ação. matéria de 20/02/2009, 1‟42‟‟ 69 FIGURA 10 – Cigarro de maconha sendo preparado. matéria de 20/02/2009, 1‟47‟‟ 69 FIGURA 11– Ex usuária de maconha e cocaína. matéria de 20/02/2009, 2‟10‟‟ 71 FIGURA 12 – Ex usuário de maconha. Matéria de 15/10/2009, 22‟‟ 72 FIGURA 13 – Arte gráfica sobre os efeitos da maconha. Matéria de 15/10/2009, 54‟‟ 73 FIGURA 14 – Arte gráfica sobre a abstinência da maconha. Matéria de 15/10/2009, 1‟10‟‟ 73 FIGURA 15– Han Gotlib, paciente que sofre dor crônica e faz uso da maconha como medicamento. Matéria de 06/12/2009, 18‟‟ 77 FIGURA 16 – cigarros de maconha entregues pelo médico ao paciente. Matéria de 06/12/2009, 32‟‟ 77 FIGURA 17 – Paciente fumando maconha como medicamento. Matéria de 06/12/2009, 41‟‟ 77 FIGURA 18 – Primeira passagem dorepórter Ari Peixoto em frente ao hospital que receita maconha em Israel. Matéria de 06/12/2009, 49‟‟ 78 FIGURA 19 – Médico que receita maconha. Matéria de 06/12/2009, 1‟02‟‟ 79 FIGURA 20 – Han fumando o medicamento. Matéria de 06/12/2009, 1‟10‟‟ 79 FIGURA 21 – Paciente fazendo uso da maconha. Matéria de 06/12/2009. 1‟12‟‟ 79 FIGURA 22 – Segunda passagem do repórter Ari Peixoto, em uma plantação legal de maconha em Israel. Matéria de 06/12/2009, 1‟35‟‟ 80 FIGURA 23 – Médico responsável pelo tratamento a base de maconha. Matéria de 06/12/2009, 2‟10‟‟ 81 FIGURA 24 – Arte gráfica com os efeitos da maconha durante a quimioterapia. Matéria de 06/12/2009, 2‟25‟‟ 81 FIGURA 25 – Médico atendendo um paciente. Matéria de 06/12/2009, 2‟42‟‟ 81 FIGURA 26 – Perna que o paciente perdeu. Matéria de 06/12/2009, 3‟39‟‟ 82 FIGURA 27 – Plantação de maconha. Matéria de 06/12/2009, 3‟58‟‟ 83 FIGURA 28 – Flor da maconha sendo separada das folhas. Matéria de 06/12/2009, 4‟01‟‟ 83 FIGURA 29 – Flores de maconha secando. Matéria de 06/12/2009, 4‟07‟‟ 83 FIGURA 30 – Café que vende maconha a pacientes em Portland, nos Estado Unidos. Matéria de 06/12/2009, 4‟30‟‟ 84 FIGURA 31 – Pacientes no café onde podem consumir maconha. Matéria de 06/12/2009, 4‟32‟‟ 84 FIGURA 32 – Acessórios para fumar maconha. Matéria de 06/12/2009, 4‟37‟‟ 84 FIGURA 33 – Jovem californiano a favor da legalização da maconha. Matéria de 02/11/2010, 58‟‟ 85 FIGURA 34 – Plantação de maconha. Matéria de 02/11/2010, 1‟28‟‟ 86 FIGURA 35 – Pessoas comercializando a maconha. Matéria de 02/11/2010, 1‟36‟‟ 87 FIGURA 36 – Jovens andando pelas ruas. Matéria de 02/11/2010, 1‟39‟‟ 87 FIGURA 37 – Alguém fumando maconha. Matéria de 02/11/2010, 1‟41‟‟ 87 FIGURA 38 – Mulher fumando maconha que representa as pessoas a favor da legalização. Matéria de 02/11/2010, 1‟44‟‟ 87 FIGURA 39 – Maquinas com pacotes de cédulas que representam os bilhões em impostos. Matéria de 02/11/2010, 1‟46‟‟ 87 FIGURA 40 – Professora em sala de aula, representa os investimentos em educação. Matéria de 02/11/2010, 1‟48‟‟ 88 FIGURA 41 – Médica e paciente representando o dinheiro investido em saúde. Matéria de 02/11/2010, 1‟50‟‟ 88 FIGURA 42 – Policiais na fronteira da Califórnia com o México. Matéria de 02/11/2010, 1‟52‟‟ 88 FIGURA 43 – Marcha da Maconha de São Paulo. Matéria de 21/05/2011.46‟‟ 90 FIGURA 44 – Polícia lançando bombas nos manifestantes paulistas. Matéria de 21/05/2011, 57‟‟ 90 FIGURA 45 – Polícia prendendo um manifestante. Matéria de 21/05/2011, 1‟02‟‟ 90 FIGURA 46 – Manifestante provocando a polícia. Matéria de21/05/2011, 1‟09‟‟ 90 FIGURA 47 – Manifestante da marcha da maconha de São Paulo. Matéria de 29/05/2011, 10‟‟ 93 FIGURA 48 – Polícia lançando bombas nos manifestante. Matéria de 29/05/201, 18‟‟ 93 FIGURA 49 – Manifestante da marcha da maconha. Matéria de 29/05/2011, 28‟‟ 93 FIGURA 50 – Um dos cartazes da marcha da maconha. Matéria de 29/05/2011, 31‟‟ 93 FIGURA 51 – Animação do documentário Quebrando Tabu de dois garotos, traficantes, armados. Matéria de 29/05/2011. 1‟41‟‟ 95 FIGURA 52 – Animação do documentário Quebrando Tabu de homem morto pelos traficantes. Matéria de 29/05/2011. 1‟55‟‟ 95 FIGURA 53 – Imagens do documentário Quebrando Tabu das armas apreendidas pela polícia. Matéria de 29/05/2011. 2‟01‟‟ 96 FIGURA 54 – Imagens do documentário Quebrando Tabu das armas apreendidas pela polícia. Matéria de 29/05/2011. 2‟02‟‟ 96 FIGURA 55 – Imagens do documentário Quebrando Tabu de arma apreendida pela polícia. Matéria de 29/05/2011. 2‟07‟‟ 96 FIGURA 56 – Pessoas fumando maconha e dados sobre a quantidade de usuários da substância no Brasil. Matéria de 29/05/2011. 2‟26‟‟ 96 FIGURA 57 – Maconha em laboratório de pesquisa. Matéria de 29/05/2011, 2‟48‟‟ 98 FIGURA 58 – Dependente de drogas sendo ajudado. Matéria de 29/05/2011, 3‟17‟‟ 98 FIGURA 59 – Arte gráfica com o ranking das drogas perigosas da revista Lancet. Matéria de 29/05/2011. 3‟34‟‟ 99 FIGURA 60 – pessoas consumindo maconha. Matéria de 29/05/2011. 3‟ 50‟‟ 99 FIGURA 61 – Caractéres chamando atenção para o fato de que regular não é legalizar. Matéria de 29/05/2011. 3‟58‟‟ 101 FIGURA 62 – Imagens do documentário Quebrando Tabu de Fernando Henrique Cardoso indo a um café que vende maconha, na Holanda. Matéria de 29/05/2011. 4‟05‟‟ 101 FIGURA 63 – Imagens do documentário Quebrando Tabu.Vendedor do café que vende maconha, na Holanda, atendendo um cliente. Matéria de 29/05/2011. 4‟ 12‟‟ 101 FIGURA 64 – Pessoas sendo revistadas pela polícia. Matéria de 29/05/2011, 5‟12‟‟ 102 FIGURA 65 – Prisão. Matéria de 29/05/2011. 5‟17‟‟ 102 FIGURA 66 – Imagens do documentário Quebrando Tabu. Jovens na escola. Matéria de 29/05/2011. 5‟49‟‟ 103 FIGURA 67 – Alguém consumindo droga e o caracteres destacando a pergunta da repórter. Matéria de 29/05/2011. 6‟04‟‟ 104 FIGURA 68 – Cracolândia e caracteres destacando as falas da repórter. Matéria de 29/05/2011. 6‟37‟‟ 104 FIGURA 69 – Imagens do documentário Quebrando Tabu. Agulhas, seringas 106 limpas e heroína , fornecidas pelo governo aos dependentes. Matéria de 29/05/2011. 7‟19‟‟ 106 FIGURA 70 – Dependente de heroína fazendo uso da droga e caracteres destacando a fala da repórter. Matéria de 29/05/2011. 7‟24‟‟ 106 FIGURA 71 – Entrevista do documentário Quebrando Tabu. Paulo Coelho, escritor e ex usuário de drogas. Matéria de 29/05/2011. 7‟55‟‟ 107 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AD – Analise do Discurso AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida EUA – Estados Unidos da América IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística FHC – Fernando Henrique Cardoso JN – Jornal Nacional NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos ONU – Organizações das Nações Unidas PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PT – Partido dos Trabalhadores PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RJ – Rio de Janeiro SP – São Paulo THC – Tetraidrocanabinol UFBA– Universidade Federal da Bahia UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro USP – Universidade de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO 14 CAPÍTULO I - A Maconha 1. 1. A maconha na história e no mundo 20 1. 2. A Maconha no Brasil 27 1.2.1. A luta pela descriminalização da maconha no Brasil 30 CAPÍTULO II - O Jornalismo na TV: Informação, construção e poder 2.1. O papel da imprensa 36 2.1. 2. Construindo a realidade 38 2.1. 3. Sobre o que pensar e como pensar 43 2.2.O Telejornalismo 45 2.2.1. A Rede Globo 49 2.3.2. O Jornal Nacional 51 2.2.3 Fantástico 53 CAPÍTULO III - A Análise do discurso: O uso da maconha no JornalNacional e no Fantástico 3.1. A Análise do discurso 57 3.2. Mídia e discurso 62 3.3. O uso da maconha no Jornal Nacional e no Fantástico 63 3.3.1. Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia 64 3.3.2. Efeitos da abstinência de maconha 69 3.3.3. Maconha Medicinal em Israel 73 3.3.4. Plebiscito na Califórnia sobre o uso recreativo da maconha 82 3.3.5. Marcha da maconha em São Paulo acaba em pancadaria 86 3.3.6. Fernando Henrique Cardoso e o documentário “Quebrando Tabus” 90 3.4 Caminhos que levam ao mesmo lugar 105 CONSIDERAÇÕES FINAIS 109 REFERÊNCIAS 114 ANEXOS 129 14 INTRODUÇÃO O objetivo desta pesquisa é compreender qual o discurso dos programas informativos da Rede Globo sobre o uso da maconha, analisar como seus textos são produzidos, e qual a importância deles serem feitos pela Rede Globo. Para isso utilizo como metodologia neste trabalho a Análise do Discurso francesa (AD), pretendendo observar como a Rede Globo utiliza a linguagem verbal e visual para produzir sentidos no que se refere à maconha, como estes sentidos produzidos estão diretamente ligados à realidade histórica e social, e se os atores sociais têm papel fundamental na manutenção ou não destes discursos. Já que é no discurso que a ideologia se materializa, será através da sua análise que buscarei compreender quais os sentidos que as reportagens do Jornal Nacional e do Fantástico atribuem à maconha. Busca-se entender também quais os contextos, tanto imediato, quanto histórico em que cada matéria analisada está inserida, e como esses contextos ajudam a compor o significado da notícia. Também faz parte do trabalho relacionar o discurso produzido nas matérias com outros discursos anteriores a elas, com os quais elas se cruzam, e que têm efeito sobre os sentidos que elas irão atribuir à maconha, os chamados interdiscursos. A escolha dos produtos a serem analisados foi feita primeiramente obedecendo à delimitação de procurar matérias sobre o uso da maconha que tenham sido veiculadas nacionalmente pela Rede Globo. Outras matérias relacionadas à maconha foram ao ar pela emissora durante este período que compreende os anos de 2009 à 2011. No entanto, estas matérias falavam da apreensão de grandes quantidades da droga, e não serão utilizados por não se enquadrarem no objetivo do trabalho, já que não se pretende verificar o discurso da emissora em relação ao tráfico, mas sim ao uso da maconha. Esta delimitação pareceu não ser suficiente, já que a emissora apresenta quatro telejornais diários, além de outros formatos de programas informativos. A maior parte dos produtos encontrados que tratavam da temática a ser analisada pertenciam a um telejornal diário, o Jornal Nacional, e a uma revista semanal, o Fantástico. Esses dois programas apresentam características diversas na construção das matérias, já que, por exemplo, o Jornal Nacional trata dos fatos importantes do dia, com matérias curtas e, via de regra, quentes e o Fantástico trata de temas atuais, que tenham ou não ligação com notícias recentes, com uma 15 possibilidade de uma maior exploração da temática, com mais tempo tanto para a produção das reportagens quanto para sua divulgação, explorando-se, neste caso, as matérias frias. Uma dificuldade que enfrentamos e que está diretamente ligada às escolhas das matérias é a obtenção das mesmas. Foi feita uma busca sobre conteúdos relacionados ao tema no site da emissora e no site de hospedagem de vídeos You Tube. No site da Globo foram encontradas 246 matérias sobre a maconha, no entanto quase que a totalidade tratava de apreensão de grandes quantidades da mesma, se enquadrando como tráfico. De todas as matérias disponibilizadas pelo site somente três tratavam do tema. Sendo, duas delas, notícias recentes exibidas no Jornal Nacional (JN). A primeira, de novembro de 2010 é sobre a votação para legalizar o uso da maconha na Califórnia 1 . A segunda aconteceu enquanto esta pesquisa estava em andamento,no período de maio de 2011, e é sobre a Marcha da Maconha que aconteceu em São Paulo e, segundo a chamada da matéria, “acabou em pancadaria”. A outra matéria encontrada na emissora é uma reportagem exibida no Fantástico após a manifestação na capital paulista, ainda no mês de maio. A reportagem fala sobre a marcha, mas centra-se, principalmente, no documentário produzido pelo ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, defendendo a descriminalização do uso de drogas e da regulamentação do uso da maconha. No You Tube ainda foi possível encontrar outros cinco produtos sobre o tema. Um deles, exibido no Globo Repórter em 2003, estava incompleta e não pode ser utilizado. Outros três foram veiculados pelos programas Jornal Nacional (JN) e Fantástico no período de 2008 e 2009. A notícia exibida pelo JN é sobre uma declaração da Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia, feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a favor da descriminalização da maconha. A outra é um quadro, comprado da BBC pelo Fantástico, em que especialistas vão tentar ajudar uma família que está tendo problemas por que o filho adolescente passou a fumar maconha. Muito embora o quadro utilize de vários recursos do jornalismo é um formato enquadrado na categoria entretenimento, portanto não será analisado. Ainda encontrou-se uma matéria exibida no Jornal Nacional, em 2009, que fala sobre a abstinência do uso da maconha. Por ultimo encontra-se uma matéria telejornalísticas sobre o uso medicinal da planta em Israel, exibida pelo programa Fantástico ainda em 2009. 1 Matéria muito semelhante foi exibida no mesmo dia pelo Jornal Hoje. Como a exibida no Jornal nacional era a mesma matéria exibida meio dia, só que atualizada, optei por analisar a veiculada no jornal noturno, por estar mais completa e por ser assistida por um público maior. 16 No total, constitui-se como objeto de análise desta pesquisa estas seis matérias telejornalísticas exibidas pelos dois programas da emissora. Para isso, como já foi dito, será utilizada a análise do discurso e a pesquisa será dividida em três capítulos e considerações finais. O primeiro tem como intenção situar historicamente o uso da maconha, sua aceitação no mundo e no Brasil no decorrer da história, até os dias atuais. É o levantamento e contextualização histórica e social necessária para aplicação da análise do discurso. Será traçado um panorama da utilização da maconha mundialmente, baseando-se principalmente no livro de Rowan Robinson O grande livro da Cannabis (1999). Logo após, nos aproximaremos do contexto social e histórico do uso da erva no Brasil e dos movimentos pela sua descriminalização. O livro Diamba Sarabamba (1986), organizado por AnthonyHenman será um dos principais alicerces desta reconstituição histórica, sendo ainda importantes neste capítulo a obra Drogas e Culturas: Novas perspectivas (2008), organizado por Beatriz Labate, Maurício Fiore e Edward MacRae entre outros. Muitas informações também foram retiradas de uma série de artigos produzidos pelo Núcleo de Estudos sobre substâncias psicoativas (NEIP) da UFBA. Vale destacar a contribuição dos artigos dos autores Luiz Mott (1986), Osvaldo Pessoa Junior (1986), Elisaldo Carline (1986), Henrique Carneiro (2010) e de Waleska Aureliano de Araújo (2004). Sites de organizações que lutam em defesa da legalização ou descriminalização da maconha ajudaram a compreender este processo na atualidade, as ações desses grupos e os progressos em pesquisas científicas. No segundo capítulo estudarei o lugar que a imprensa, em especial os telejornais, ocupa na sociedade, a importância do que ela diz, de como ela diz, o lugar da ideologia na imprensa, as forças que envolvem a composição da notícia. Todo o aparato teórico do jornalismo que permite compor o papel da Rede Globo na reprodução dos sentidos atribuídos a maconha ao longo dos tempos. Ao tentar desvendar estas questões me deparo com outras, que são essenciais para o desenvolvimento deste trabalho. Através das teorias do jornalismo, deve-se levar em conta as condições em que as notícias são produzidas, de forma que conduzirão a narrativa de acordo com constrangimentos organizacionais e técnicas de produção, condicionando o jornalismo a reproduzir determinados discursos em detrimento de outros. Nessa busca pela compreensão do papel do jornalismo na sociedade e dos fatores que 17 regem a construção da notícia, serei guiada principalmente por algumas publicações de Nelson Traquina que me fornecerão o suporte teórico que será o alicerce de toda esta pesquisa, são elas Teorias Do Jornalismo Volume I (2005), Teorias Do Jornalismo Volume II (2005) e Estudo do jornalismo no século XX (2001). O percurso interpretativo na produção da notícia, de Josenildo Guerra (2008) e As notícias e seus efeitos (2000) e Teorias da notícia e do jornalismo(2002), ambos de Jorge Pedro Souza, também serão importantes para entender o pacto do jornalismo com o público e as forças que agem na construção da notícia. Ao me aprofundar nas teorias e práticas do telejornalismo encontrarei características que fazem deste meio peculiar e importante. Uma dessas características é a possibilidade do uso da imagem para compor a notícia. Possibilidade que geralmente se impõe como uma regra em que, muitas vezes, a imagem acaba sendo priorizada em detrimento da própria notícia. Será Guilherme Jorge de Rezende (2000), que apontará para a necessidade de equilibrar imagens e texto, de forma que uma não sobressaia a outra, mas ambos se complementem dando significado ao fato. A importância do texto como atribuidor dos sentidos à imagem é a principal contribuição deste autor para o entendimento do telejornalismo, além da importância do meio televisivo para a sociedade. Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima em Manual do Telejornalismo (2002), assim como Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior em Decidindo o que é notícia (2000), darão a noção de divisão hierárquica e de funções dentro do telejornal e, consequentemente, aprofundarão o conhecimento acerca das técnicas de elaboração da notícia, das relações entre os jornalistas e das forças organizacionais da profissão que irão contribuir na construção do discurso veiculado pela notícia. A constante preocupação dos jornalistas com a opinião dos seus próprios colegas fica evidente na leitura destes autores, além de outras questões como a autoridade que o jornalista assume, como pessoa pública, ao mostrar o seu rosto diariamente na TV. Após fazer as devidas considerações sobre o jornalismo e a televisão surge a necessidade de inserir a emissora estudada dentro deste contexto e, principalmente, os programas a serem analisados. Portanto um breve histórico da Rede Globo, com suas principais características como produtora e difusora de informação será realizado, apoiando-se principalmente no livro organizado por Valério Brittos e César Bolaño, Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia (2005), em que uma série de artigos faz um panorama sobre a chegada da Globo à situação de liderança em que se encontra desde meados da década de 70, bem 18 como a importância do telejornalismo para a consolidação da credibilidade da emissora. O livro de Sergio Mattos, intitulado A televisão no Brasil: 50 anos de historia (2000), ajudará a reconstruir a história da televisão brasileira e da Rede Globo. Os produtos a serem analisados neste trabalho são matérias exibidas nos programas Jornal Nacional e Fantástico que tratam do uso da maconha. Para tanto, se faz preciso uma definição dos gêneros e formatos dos programas televisivos utilizados neste trabalho, baseio- me no livro de José Carlos Aronchi de Souza (2004) sobre a temática. Muito embora ele classifique a revista eletrônica Fantástico na categoria de entretenimento, diversas características e conteúdos do programa possuem um caráter informativo, como admite o próprio autor. Serão reportagens com conteúdo jornalístico que serão analisadas nesta pesquisa. Já feita uma definição dos gêneros e formatos dos programas e tendo em mente as devidas considerações do entrelaçamento entre entretenimento e informação, busco em seguida compreender as particularidades desses dois programas consagrados da televisão brasileira. Faço isso através da leitura dos trabalhos sobre o modo de endereçamento dos programas feito pelas pesquisadoras Luana Santana Gomes (2006) e Itania Maria Mota Gomes (2005), que através dessa metodologia, traçam um perfil dos programas Fantástico e Jornal Nacional, respectivamente. Destacando aspectos sobre mediador, a temática, a organização das editorias e a proximidade com a audiência, o pacto sobre o papel do jornalismo, o contexto comunicativo, os recursos técnicos a serviço do jornalismo, os recursos da linguagem televisiva, os formatos de apresentação da notícia, a relação com as fontes de informação e o texto verbal. Já tendo então o contexto sócio histórico e o lugar que a Rede Globo, e em especial seus telejornais, ocupa na sociedade brasileira e que vai compor os discursos a serem estudados, tratarei no ultimo capítulo da análise do discurso, finalizando com a aplicação metodológica na análise das matérias veiculadas sobre o uso de maconha. Após traçar este caminho para o entendimento da importância do jornalismo e do telejornalismo da Rede Globo, principalmente nos dois referidos programas, e já tendo feito uma revisão histórica sobre o uso da maconha, será a Análise do Discurso (AD) quem conduzirá o estudo dos produtos. Permitirá observar a relação do discurso com a história e com as relações sociais. Para compreender está complexa metodologia me apoio 19 principalmente no livro de Helena Nagamini Brandão, Introdução a Análise do Discurso (2004) e na obra de Eni Orlandi, Análise de Discurso, princípios e procedimento (2009). Ainda servirá para o entendimento da relação entre discurso e jornalismo o artigo de Marcia Benetti, O jornalismo como gênero discursivo (2007). Para compreender o conceito de ideologia, presente na metodologia adotada, ainda me utilizo da obra O que é ideologia (1981), de Marilena Chauí. Assim feito o caminho estará aberto para a compreensão e análise dos discursos dos programas escolhidos da Rede Globo sobre a maconha, buscando sempre perceber os jogos de forças que há na busca da reprodução dos discursos e relacionar a imprensa como uma importante armaneste jogo, onde agentes sociais sempre estão se movendo para se fazerem ouvir, para que seu discurso sobressaia aos demais, ou seja, vire notícia. 20 Capítulo I -– A Maconha Neste primeiro capítulo será tratado o uso da maconha através dos tempos, sua aceitação, a proibição, suas propriedades medicinais, têxteis e o uso recreativo e religioso. Terá enfoque especial o tratamento dado à erva no Brasil, onde uma série de artigos médicos e científicos, escritos a partir do ano de 1915, nos permitirá reconstituir os hábitos que vieram a estabelecer o uso da maconha na nossa cultura e também a sua estigmatização, as leis sobre seu consumo e os recentes movimentos pela sua descriminalização. São as fêmeas da planta Cannabis o que no Brasil chamamos de maconha. Essa planta possui três espécies, a indica, a sativa e a ruderalis, tendo concentração de mais de 400 mil substâncias químicas, das quais pelo menos 61 são únicas, chamadas de canabinóides. Elas se concentram principalmente nas flores da fêmea, e causam os efeitos psicoativos, sendo os principais deles o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol. Rafael Guimarães Santos (2009) identifica como efeitos da maconha, normalmente, a alteração da percepção temporal, aumento de sensibilidade, leve euforia e, algumas vezes, até alucinação, além das propriedades sedativas e ansiolíticas. A sua derivação macho não produz os efeitos psicoativos, no entanto sua fibra é muito útil na confecção de tecidos e papel. A planta pode ser quase que totalmente aproveitada, servindo seu caule e talos grossos na fabricação da fibra têxtil, a semente na produção de óleo e produtos cosméticos, além de ser muito rica em proteínas, as folhas servem tanto para a fabricação de cosméticos quanto para a de medicamentos, as flores são ricas nas substâncias psicoativas e medicinais. Ao todo a planta da cannabis é aproveitada na produção de biocombustível, roupas, sapatos, óleo, perfumes, cremes, ração para bichos, fibra na construção de casas e carros, remédio no tratamento de doenças como câncer, AIDS, glaucoma, esclerose múltipla, atuando também como anticonvulsivo, relaxante muscular e analgésico. (ROBINSON, 1999) 1.1. A maconha na história e no mundo Ao longo da história a maconha foi usada como psicoativo pelos mais diversos povos, de acordo com sua cultura, sendo consumida de diversas formas: comida, bebida, usada em 21 infusões, fumada, cheirada, como incenso e até misturada a outras drogas como o ópio e o vinho. No entanto, seu uso não se restringiu apenas como substância capaz de alterar a percepção, mas também como medicamento, na produção têxtil e nas religiões como planta enteogenica, ou seja, é utilizada para obter efeitos xamânicos de aproximação ao divino. Conforme Rowan Robinson (1999), ela é originária da Ásia central, onde uma abundância de provas obtidas em sítios arqueológicos, em toda China, confirmam que o cultivo de cânhamo asiático existe desde os tempos pré-históricos. O seu uso medicinal está documentado na mais antiga farmacopeia existente, o Pen-Ts‟ao Ching, que foi reunida em 2.000 a.C. e que o recomenda como analgésico, antiespasmódico, sedativo, contra dores menstruais, reumatismo, prisão de ventre e malária. Na Índia, também por volta de 2000 a.C., os escritos Vedas recomendavam seu uso para obter saúde, longevidade e contato divino. O Bhang era preparado com a erva, e quem dele o tomasse estaria protegido contra o mal e livre dos pecados. Como medicamento, era utilizada no tratamento de diarreia, epilepsia, delírio, insanidade, cólica, reumatismo, gastrite, anorexia, náusea, febre, bronquite, diabetes, tuberculose e anemia. O uso somente para fins recreativos era comum. Em rituais religiosos é considerada a comida predileta do deus Shiva e, ainda hoje, é usada pelos homens santos devotos a ele para aproximar-se do divino, como aponta Rowan Robinson (1999) em O grande livro da Cannabis: O mais antigo indício específico de consumo de cânhamo para fins espirituais vem da Índia. Datado de cerca de 1400 a.C. e contendo material muito mais antigo, o texto religioso Athharva Veda menciona a erva sagrada “bangüê”, o meio pelo qual se dá a comunicação com Shiva, a divindade da iluminação espiritual da trindade hindu. (ROBINSON, 1999, p. 49) Na tradição budista Mahaiana, conta-se a história de que Buda viveu de uma semente de Cannabis por dia durante os seis anos de disciplina que antecederam sua iluminação. No Tibete, usa-se em cerimônias do budismo tântrico para obter melhor percepção e maior meditação. Ainda são encontradas referências ao seu uso religioso no zoroastrismo, judaísmo, taoísmo, xamanismo chinês, xintoísmo e rastafári. (ROBINSON, 1999) Entre os árabes o consumo da cannabis era comum e são eles os responsáveis por disseminar a planta por toda África e parte da Europa. O uso desta substância pelos mulçumanos, durante muito tempo, se deveu a sua não proibição pelo Alcorão, que proíbe o 22 álcool. No final da Idade Média, o haxixi (como é conhecido na região e em quase toda Europa) foi proibido pelos mulçumanos e só os sufis (dissidência da religião mulçumana) continuaram o seu uso. À época das Cruzadas, os católicos associavam o uso do haxixi pelos mulçumanos como responsável pela sua fúria, chamando-os de Hashashin, daí deriva a palavra assassino. Robinson, entre outros autores, afirma ter Heródoto falado de seu uso, pelos citas (outro povo importante responsável pela divulgação da cannabis na Europa) em cerimônias pós-funeral. Demócrito relatou sobre os efeitos do vinho tomado juntamente com a maconha, no entanto, os gregos e os romanos preferiam o uso do álcool para alterar o estado de consciência, limitando o uso da erva à produção têxtil. Na literatura seus efeitos foram citados em alguns livros como a “Ilíada”, “As mil e uma noites” e “O conde de Monte Cristo”. Rodrigues Dória, em 1915, faz uma retrospectiva dos mitos e histórias sobre o uso da maconha: (...) o famoso “remédio das mulheres” de Dióspolis, bem como o nepente de que fala Homero, e que Helena recebera de Polimnésio, era a Cannabis indica. Os cruzados viram os efeitos nos mulçumanos. Marco Pólo observou nas cortes orientais entre os emires e os sultões (DÓRIA, 1915, p. 26). No Egito, o uso da planta aparece relacionado à construção das pirâmides, sua fibra era usada para fundir as pedras. Foi lá também que houve as primeiras tentativas de repressão ao uso, quando os sufis que utilizavam o haxixi para obter iluminação espiritual passaram a habitar o Cairo, disseminando o uso da substância. Logo as autoridades locais que não pertenciam ou compactuavam com aquela religião sentiram que a situação estava fora de controle e em 1378 os cultivadores da cannabis foram perseguidos, presos e executados, o que, no entanto, não conseguiu exterminar o seu uso. Quando Napoleão Bonaparte chegou ao Egito, em 1798, vetou o uso do cânhamo. Esta parece ser a primeira lei de proibição da maconha, que ficou restrita ao Egito e não durou mais que o período em que Napoleão dominou a região. Não se sabe, porém se o motivo da lei se deve a algum problema com os usuários ou se a intenção era acabar com o comércio de cânhamo que abastecia a Inglaterra. 23 No norte da África, onde se localizava Cartago, próximo onde hoje é a cidade de Túnis, encontraram-se vestígios do uso do cânhamo nos séculos III e II a.C. Em outras regiões do continente, como na costa da África Ocidental as fibras do cânhamo eram usadas para fazer cordas, para fins religiosos, medicinaise como preparados narcóticos para obter efeitos intoxicantes. “A erva é um sacramento e um remédio para os pigmeus, os zulus e os 46 Hotentotes” (ROBINSON, 1999, p. 45) Na Europa, durante a Idade Média, a maconha era pouco conhecida e o seu uso era reprimido pela igreja católica, por fazer parte do culto de outras religiões, quem a usasse poderia ser acusado de bruxaria e corria risco de morte. A Europa só passou mesmo a ter contato com os efeitos psicoativos da erva a partir do século XI, com as Cruzadas e a consequente troca cultural com os mulçumanos. Nos séculos posteriores eventos como as Grandes Navegações, que também marcaram o final do feudalismo, terminaram por disseminar a cannabis pelo mundo todo. Logo os Europeus passam a aproveitá-la tanto na produção de tecido e cordas, através de suas fibras, quanto para obter os seus efeitos psicoativos. A Inglaterra observou seu uso na Índia, logo passando a produzir tecido com sua fibra, percebendo um lucrativo negócio que juntamente com a seda e o algodão passaram a constituir a rota de comércio têxtil que partia do Oriente. Rapidamente, Chile, México e Peru tiveram conhecimento da planta e dos seus poderes através dos espanhóis. Ao chegarem aos Estados Unidos da America, na época de sua colonização, os ingleses logo cultivaram o cânhamo, e em 1629 já haviam se estabelecido pequenas manufaturas para a produção têxtil, inclusive com o apoio do governo que incentivava o plantio da cannabis. Com a Guerra Civil (1861-1865), a produção decaiu e quando ainda tentava se reerguer, em 1930, foi criada a Lei de taxação da Marihuana, acabando com a indústria do cânhamo no país, que já contava até com carro produzido com suas fibras e utilizando combustível de cânhamo, fabricado pela Ford Motor Company. (ROBINSON, 1999) Elisaldo Carlini aponta que, no século XIX, tanto os ingleses quanto os norte- americanos descobrem seus poderes medicinais, útil nos tratamentos de epilepsia, neuralgia, enxaqueca e como espasmolítico. Nesse período, passa então a ser citada em revistas médicas e a constar em livros de terapêutica e na “Farmacopéia americana, sob o título de Extrato 24 purificado de Hemp (...)” (CARLINI, 1981, p. 70). É também neste século que os norte americanos passam a utilizar a maconha para fins recreativos, consumindo-o muitas vezes como um doce. Já na França ela entra em moda entre os intelectuais como Rimbaud, Balzac, Gauthier e Baudelaire, os três últimos participavam do Clube dos Haxixis e transpunham suas experiências com a substância em suas produções artísticas literárias, exaltando os efeitos da erva, como fez Baudelaire na obra Paraísos Artificiais. No século seguinte, Walter Benjamin, Jack Kerouak, Allen Ginsberg e John Lennon, entre muitos outros, tornam-se também admiradores dos efeitos da planta, principalmente pelo seu poder de inspiração artística. Utilizada há muitos milênios, só nos dois últimos séculos o uso da maconha passou a ser visto como um problema, do qual se tornou necessário ter o controle iniciando-se o modelo repressivo que está em voga a te a atualidade. Os Estados Unidos, que na época de sua colonização se beneficiou das fibras do cânhamo na fabricação têxtil, se tornaram severos combatentes da droga. Em 1906, passa a ser necessária uma regulamentação sanitária da maconha e, em 1930, foi criada a primeira lei de taxação da mesma. (...) A partir do início do século XIX, centenas de “casas de haxixe” atendiam os ricos e sofisticados de Nova York e outras grandes cidades – mas o segredo era a regra. A Lei sobre drogas e alimentação de 1906 foi a primeira lei federal a tratar diretamente da cannabis, mas mesmo essa lei limitou-se a afirmar que qualquer quantidade dessa substância (e de várias outras como álcool, ópio, cocaína e hidrato de coral) devia ser claramente declarada no rótulo de qualquer alimento ou remédio vendido ao público. (ROBINSON, 1999, p. 89) Artigos eram divulgados na imprensa associando o uso da maconha a negros e mexicanos e à violência e à degeneração psíquica a que ela os levava. Os artigos eram produzidos quase sempre pelo secretário da Junta Federal de Controle de Narcóticos, Harry Aslinger, e divulgada pelos meios de comunicação comandados por William Randolph Hearst. O presidente Nixon é veemente ao falar da importância do grave problema e a necessidade de sua imediata resolução através da repressão ao seu consumo, como é possível observar neste trecho de uma mensagem ao congresso do dia 17 de junho de 1971: (...) se não pudermos destruir a ameaça das drogas nos Estados Unidos, ela irá certamente nos destruir... Hoje o tráfico de drogas é o inimigo público número um no interior dos Estados Unidos e devemos nos engajar numa ofensiva total, abrangendo 25 toda a nação, abrangendo todo o governo e, se posso dizer isto, abrangendo toda a mídia. (NIXON apud ROBINSON, 1999, p.101) Em alguns Estados, as leis foram se tornando mais severas em relação a algumas substâncias. A onda puritana que atingiu os Estados Unidos e começou com a Lei Seca, proibindo o uso do álcool em 1919, logo se estendeu a outras substâncias de efeitos psicoativos e que foram consideradas como “drogas”, diferenciando-as das outras “drogas” produzidas pela indústria farmacêutica, porque essas “drogas” eram legais, as outras ilegais. Em 1933, o uso do álcool volta a ser permitido, o que não acontece com as demais substâncias. Após a Segunda Guerra Mundial, com os Estados Unidos se estabelecendo como grande potência Mundial e com a criação das Organizações das Nações Unidas (ONU), o problema foi levado a conhecimento do mundo todo, assim como a sua solução: que todos os países do mundo entrassem em uma nova guerra, a guerra às drogas, que deveria ser feita com o apoio e participação de todo o mundo, as drogas classificadas como ilegais deveriam ser proibidas, seu uso combatido e até os estudos realizados com a planta deveriam ser encerrados. Na década de 60, os movimentos de contracultura, como os hippies e a geração beat, pregando uma nova maneira de pensar e de viver, rompendo com o conservadorismo, trouxeram mais uma vez a maconha para a cena mundial, agora como sinônimo de contestação e dos ideais do movimento hippie de paz e amor. Esses movimentos irão repercutir e influenciar as gerações jovens em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, onde jovens de classe média e alta passam a fazer uso da planta. Ainda assim, em 1961, as Nações Unidas realizaram a Convenção Internacional Única de Entorpecentes. Sob pressão dos EUA, aconselha aos países que interrompam as pesquisas com a planta e façam o que for necessário para acabar com o uso e o tráfico da cannabis o mais rápido possível. Thiago Rodrigues (2008) analisa as medidas adotadas pela ONU em relação às substâncias psicoativas. Esse padrão, em linhas gerais, poderia ser resumido como calcado na postura estadunidense de repressão e fiscalização máximos. Em outras palavras, as normas internacionais celebradas desde a Convenção Única da ONU sobre Drogas, de 1961, consagraram o proibicionismo como a forma de tratar o “tema das drogas psicoativas” no mundo. (RODRIGUES, 2008, p .98) 26 Com a eleição de Jimmy Carter para a presidência, em 1977, e a sua declaração pública favorável à descriminalização da maconha, iniciou-se uma nova política no tratamento dado a cannabis. No seu governo foram eliminadas as penas criminais pela posse de até 30 gramas de maconha. Em seguida, vários setores organizados passam a defender sua descriminalização, como a Ordem dos Advogados Americanos, a Associação Médica Americana e a AcademiaNacional de Ciências que divulgou um relatório que concluía que as leis contra maconha só “conduzem à criminalização de grande números de jovens americanos.” (Academia Nacional de Ciências, apud ROBINSON, 1999; p.112). Atualmente ela é descriminalizada em 14 estados, sendo o uso medicinal permitido. Mesmo assim, os EUA são o principal país que incentiva o combate internacional ao uso e tráfico dessa e de outras substâncias, a “guerra às drogas”. A Holanda iniciou o processo de descriminalização que iria se suceder pela Europa a partir da década de 70. Em meados dos anos 90 começou a ser organizada a Marcha Mundial pela Regulamentação da Maconha em Nova York e, a partir daí, várias cidades em todo o mundo passaram a realizar passeatas contra as leis proibicionistas (site da Marcha Mundial da Maconha, 2011). Atualmente Portugal, Espanha, Itália, Dinamarca, Holanda, Suíça, Israel e Alemanha são exemplos de países onde o uso é tolerado e em alguns casos até descriminalizados, no entanto a produção e venda são considerados crimes nesses e nos demais países do mundo. A China ainda utiliza a cannabis na produção têxtil, mas proíbe seu uso como psicoativo. Na América Latina, a Argentina descriminalizou seu uso em 2010 e Chile e Colômbia, desde a década de 70, não punem quem é pego com pequenas quantidades de maconha, ou possua um pé em casa. Com a consolidação da Comunidade Européia, o consequente fortalecimento econômico e político dos seus países-membros pode prenunciar a possibilidade de uma contestação mais firme da hegemonia mundial da política americana em diversas esferas, inclusive no que tange à maneira de se fazer frente ao uso de substâncias ilícitas em geral e a canabis em especial. Neste sentido já se notam, em países daquele bloco, movimentos de maior tolerância em relação ao uso de produtos derivados dessa planta, tanto com a finalidade de alterar a consciência quanto para objetivos mais prosaicos tais como: a manufatura de tecidos, papel e a produção de óleo. (MACRAE & SIMÕES, 2000, p. 131) A cannabis foi levada, a partir dos mais diferentes trajetos, feitos por muitos povos, a todas as partes do mundo. Com o Brasil não foi diferente, tão logo sua descoberta havia acontecido e o cânhamo chega às terras brasileiras. As velas das caravelas portuguesas que 27 chegaram aqui, em 1500, eram produzidas com fibras de cânhamo. No entanto, foram os escravos africanos que trouxeram a planta e o hábito de usá-la para obter seus efeitos psicoativos e, é através da história deles, que se começa a contar a história do uso da maconha no Brasil. 1.2. A Maconha no Brasil Embora os portugueses ao chegarem ao Brasil, em 1500, já tivessem conhecimento sobre a cannabis, é provável que ela tenha chegado aqui através dos escravos africanos. É o que indica, por exemplo, o uso das palavras: “maconha”, “diamba”, “liamba”, “riamba”, “cagonha”, “aliamba”, “bongo”, “ganja”, “gongo”, “marigonga”, “maruamba”, “namba” e “pango”, todas de origem africana, assim como a expressão fumo de Angola, que também designa a substância e claramente a associa ao país africano, que curiosamente também foi colonizado por portugueses. (MOTT, 1984, p.123) Outro indício da origem africana é o registro do seu uso em alguns cultos de origem africana desde 1906. Segundo Luiz Mott (1984), Gilberto Freyre acredita que o uso da maconha é um dos elementos culturais negros que resistiu a desafricanização no Brasil. Uma expressão comum no Sudeste do país no início do século XIX, “maconha em pito faz negro sem vergonha” (HENMAN, 1980, p. 101), mostra a associação direta entre o uso da erva e escravos. Este ditado também reflete a intolerância ao consumo da cannabis no sul do país, o que não se verifica no Nordeste, onde os senhores de engenho não impediram os escravos de cultivarem a planta. No Nordeste, nas terras de massapé, onde a monocultura açucareira lançou suas raízes absorventes e exclusivas, criando entre os homens e as coisas, uma distância de extremos – negros e brancos, senhores e escravos, casas grandes e senzalas -, a maconha se opôs, diametralmente, ao fundo. Maconha para negro escravo, tabaco para o senhor branco. Gilberto Freire vai ao ponto de afirmar que a diamba assegurava a estabilidade dos senhores, nos períodos de ociosidade, quando na época da pejar esfriava o fogo dos engenhos. Enquanto o branco enchia os dias vazios com charutos cheirosos, o negro fumava para os sonhos e o torpor da maconha, que o senhor deixava plantar e crescer, em meio aos canaviais. Parece que os senhores das culturas de café ou da mineração, em São Paulo e Minas, não tinham a mesma tolerância para o hábito eurofísico de seus escravos, sujeitos a um regime de trabalho mais duro e contínuo. “maconha em pito faz negro sem-vergonha” é um provérbio colhido em Minas Gerais, sem circulação nos engenhos do Nordeste. (MORENO, 1958, p. 56) 28 Paradoxalmente, os primeiros registros que se tem do uso da substância no país vem do Sudeste e não se trata de escravos ou negros libertos. A Inquisição, em 1749, já havia interrogado, em Minas Gerais, um músico, vindo da ilha de Açores, que declarou que ao fumar o pito de pango “(...) se deitou na cama com vários rapazes (...) e que foi no pecado da sodomia agente e paciente (...)” (SANTO OFÍCIO apud MOTT, p. 127). Carlota Joaquina, quando esteve no Rio de Janeiro (1808-1821), tomou diversas vezes um chá de “diamba do Amazonas”, preparado por um escravo. Mas mesmo o hábito da rainha portuguesa não impediu que em 1830 a Câmara Municipal do Rio de Janeiro criasse a primeira lei de proibição da maconha no Brasil: É proibida a venda e o uso do “Pito de Pango”, bem como a conservação dele em casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia. (CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO apud DÓRIA, 1915, p. 38) O país de origem católica, em que a maioria das pessoas que usava a maconha até bem pouco tempo não era sequer considerada como cidadã, passou a marginalizar a diamba. Em 1915, o Dr. Rodrigues Dória 2 apresenta um artigo, no Segundo Congresso Científico Pan- Americano em Washington D.C., em que alerta o mundo sobre os “efeitos e males” do vício da maconha e aconselha a sua proibição como solução para sua epidemia. O artigo de Dória afirma ainda que a planta é consumida majoritariamente por negros, pessoas pobres, prostitutas, tarados, analfabetos, trabalhadores rurais, soldados e nos candomblés, acusando a erva de provocar “delírio”, “loucura transitória”, tornando as pessoas que a usam “rixosos”, “agressivos”, capazes de praticar “violências e crimes” (DÓRIA, 1915, p. 29). Dória também conclui que a disseminação da cannabis entre os brancos é um dos “prejuízos” da escravidão. A raça preta, selvagem e ignorante, resistente, mas intemperante, se em determinadas circunstâncias prestou serviços aos brancos, seus irmão mais adiantados em civilização, dando-lhes, pelo seu trabalho corporal, fortuna e comodidades, estragando o robusto organismo no vício de fumar a erva maravilhosa, que, nos êxtases fantásticos, lhe faria rever talvez as areias ardentes e os desertos sem fim de sua adorada e saudosa pátria, inoculou também o mal nos que o afastaram da terra querida (...). (DÓRIA, 1915, p. 37) 2 Professor de medicina pública da faculdade de direito da Bahia, Presidente da Faculdade de Medicina, Representante do Governo do Estado, da Faculdade de Direito, do Instituto Histórico e Geográfico, da Sociedade de Medicina Legal e Criminologiada Bahia no Segundo Congresso Científico Pan-Americano, reunido em Washington D.C., a 27 de dezembro de 1915. 29 A partir de então surgem outros artigos ligados à área de saúde pública, associando ao negro, a violência e o uso da maconha à delinquência, imbecilidade e até mesmo à morte, sempre retomando a necessidade de proibir o comércio e consumo da substância. A essas acusações também se unem outras de caráter moral, os fumadores da maconha são tachados como pervertidos sexuais, prostitutas, e gays que a usam para ludibriar os jovens e estimular o homossexualismo. Baseado nessas informações alarmantes, juntamente com discussões internacionais sobre o comércio de “entorpecentes”, em 1921, o decreto n° 4.294 passa a punir a venda de substâncias entorpecentes. O uso, no entanto, não é crime, e só passa a ser proibido onze anos depois, sendo diferenciado o usuário do traficante. Getulio Vargas, em 1938, lança o decreto lei que põe os usuários de tóxicos como doentes que necessitam de internação civil e interdição. Em seguida, o Código Penal de 1940 determina novamente punição somente para o tráfico. É importante observar as várias mudanças na lei em um período de 17 anos, mostrando sempre dificuldade de se qualificar o usuário, ora identificando como criminoso, ora como doente, ora como cidadão são e idôneo. Na década seguinte, a imprensa passa a publicar notícias em que o uso da maconha esta associado à desordem e ao “desvio de caráter” dos fumantes, alertando a população contra o ato que induz ao banditismo, serviria para disseminar a representação que já havia se iniciado no início do século, marcando profundamente “o modo como as novas gerações seriam prevenidas, instruídas, ou, surpreendidas por seus familiares como consumidores de maconha”. (MACRAE & SIMÕES, 2000, p. 22) Nos anos 60 o uso da maconha passa a espalhar-se também pela classe média, principalmente entre jovens e intelectuais que buscavam um estilo de vida alternativo, em que pudessem ser livres para pensar o que quisessem, e experimentar outras formas de percepção. Este estilo de vida foi alvo dos interesses dos militares que governavam o país e tentavam impor uma conduta moral e intelectual. MacRae (2000) aponta que, como a oposição ao regime militar, feita pelos comunistas, era majoritariamente componente dos mesmos grupos dos usuários de maconha, os jovens e intelectuais, o regime militar associou diretamente uma coisa a outra, tornando a maconha também inimigo importante do Estado, por induzir à subversão. Assim, em 1968, ano em que se intensificou a repressão às tentativas de oposição ao governo, também se verifica um aumento na repressão ao uso da maconha com o Decreto Lei 385, que equipara o usuário de maconha ao traficante, sendo os dois passiveis da mesma pena que vária de cinco a 30 vinte anos de prisão. Com essa lei o tráfico passou a ser crime hediondo, não tendo, o acusado, direito de pagar fiança ou responder ao processo em liberdade. As classes média e alta também passaram a se preocupar diretamente com o problema, que agora atingia os seus filhos. Ao mesmo tempo em que esses usuários eram recriminados pela família, enfrentando velhos estigmas de “vagabundo”, esta também passou a defender um menor rigor nas penas sobre o seu uso, afinal os filhos da classe média, futuros médicos e empresários, não poderiam ser presos e punidos como os traficantes, pertencente às classes mais baixas. Assim, em 1976, a Lei 6.368/76 volta a diferenciar o traficante do usuário e os que fossem considerados dependentes não seriam presos. Os acusados pegos com maconha passaram a entregar laudos médicos que atestavam sua dependência e que passavam a aumentar as estatísticas de viciados na droga. Robinson relata que foi entre os anos de 70 e 80 que houve uma maior divulgação na mídia sobre a maconha, já que várias personalidades foram apreendidas com a erva, como Paulo Ricardo, Lobão, Rita Lee, Gilberto Gil e o jogador de futebol Casagrande. Em agosto de 2006, a Lei 11.343 foi sancionada, nela o usuário de maconha é diferenciado do traficante, não vai preso e não é mais visto como um viciado. Porém continua sendo visto como um criminoso, sendo sua pena reduzida à prestação de serviço comunitário ou educativo e a decisão de enquadrar quem for pego como traficante ou usuário cabe a polícia. Está brecha acaba por incentivar a pratica de extorsão por parte dos policiais. Mas o fato de ela ter se disseminado entre os jovens de classe média, principalmente os universitários, foi decisivo para o inicio de um movimento pela descriminalização. Ele começa já no primeiro ano da década de 80, quando o país começava a passar pelo processo de reabertura política que marcava o início do fim da ditadura, e desponta dos meios acadêmicos, onde se dão os primeiros debates sobre a criminalização da maconha. 1.2.1. A luta pela descriminalização da maconha no Brasil Em A Liberação da Maconha no Brasil, Osvaldo Pessoa Junior (1985) conta que a primeira mobilização em prol da descriminalização da maconha ocorreu em 1980, através de um debate realizado pela Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Nele o 31 deputado estadual João Batista Breda, junto com outras personalidades do meio artístico como o poeta Jamil Haddad e o músico Jorge Mautner defendem a descriminalização da erva. No mesmo ano, em um Simpósio Psiquiátrico da UFRJ, o sociólogo Gilberto Velho e psiquiatras “levantaram argumentos médicos, éticos e sociais em favor da legalização do consumo da maconha”. (JUNIOR, 1985, p. 154) Evento semelhante a esse volta a acontecer em 82, lançando um Movimento pela Descriminalização da Maconha, organizado por estudantes da USP, da PUC-SP. Contou com a presença de políticos e pesquisadores como a candidata a vereadora Caterina Koltai (PT), do deputado Breda (PT), da candidata a deputada federal Ruth Escobar (PMDB), do psicofarmacólogo Elisaldo Carlini, do antropólogo Anthony Henman, a psicóloga Maria Rita Kehl e o advogado Alberto Toron. O movimento redigiu um Manifesto pela Descriminalização que defende uma reformulação nas leis e propõe a criação de uma assessoria jurídica em defesa do usuário e uma comissão cientifica de estudos interdisciplinares sobre a planta. Ainda em 82, no período das eleições, o músico Galvão, candidato a deputado na Bahia e Caterina Koltai a vereadora em São Paulo, levantaram a bandeira da descriminalização da maconha. Koltai chega a ser indiciada por defender o uso da planta, após ter panfletos de sua campanha proibidos de circular pelo Tribunal Regional Eleitoral. Só em 84, Caterina é absolvida, ano em que Beaco Vieira, candidato a deputado estadual, também respondeu processo por defender a legalização da maconha, sendo inocentado no mesmo ano. O grupo de São Paulo continua realizando debates e buscando organizar grupos de assessoria jurídica, de pesquisa cientifica e de mobilização pela descriminalização em 83. Enquanto no Rio de Janeiro um grupo intitulado de Maria Sabina organiza o 1° Simpósio Carioca sobre a Maconha, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Participou do debate o Juiz Álvaro Mayrink da Costa, que já havia dado o primeiro passo para a reflexão sobre a necessidade de revisão das leis, ao absolver, em 1980, um jovem indiciado por porte de cannabis, por considerar que: (...) a maconha já faz parte dos usos e costumes da sociedade de hoje: 80% dos jovens entre 19 e 23 anos já experimentaram. Considerar como crime esta prática atenta contra os direitos humanos e as garantias individuais. É uma herança nefasta do Estado totalitário. (MAYRINK apud ROBINSON, 1999,p.106) 32 O evento contou também com a presença do escritor Luiz Carlos Maciel, dos professores Antônio Serra, Mauro Sá Rego Costa, Gilberto Velho, Michel Misse, Yvonne Maggie, do médico homeopata Gervásio D‟Araújo, dos jornalistas Chico Jr. e Jorge Mourão, dos advogados Nilo Batista, Oswaldo Jr., Técio Lins e Silva e Lizt Vieira, deputado estadual pelo PT-RJ. Em 1985, os trabalhos apresentados no simpósio foram registrados no livro Maconha em Debate. A Associação Brasileira de Antropologia, numa atitude pioneira, divulga uma moção pela descriminalização da cannabis, em 1984, espalhando-a na universidade, e entre políticos e a polícia. Ao voltar do exílio, em 1986, Fernando Gabeira expõe sua opinião a favor da legalização da maconha e a inclui como ponto de sua campanha, no entanto, atualmente, Gabeira tem assumido uma postura mais conservadora sobre o tema. Em 1995, o Ministro da Justiça Nélson Jobim declarou publicamente ser favorável à descriminalização da maconha. No entanto, Pedro Santos Mundim observa que na década de 90 é a banda carioca Planet Hemp que vai trazer o debate sobre a maconha novamente à tona, causando grande rebuliço na imprensa nacional. Revistas como Veja, IstoÉ e Época passaram a publicar mais matérias sobre o uso da maconha, chegando a entrevistar personalidades que defendem o seu consumo e a dar lugar de destaque ao assunto como a Veja Rio, de janeiro de 1996, em que o tema é capa da revista. Com letras que defendem a legalização da erva, a banda Planet Hemp gerou polêmica, tendo shows cancelados, CDs apreendidos e chegando a ser presa por apologia em 1997. Muitas das letras do Planet trouxeram um esforço para se poder falar de maconha. É uma referência à liberdade de expressão demandada pelo grupo e uma rejeição à idéia de que as músicas da banda fariam apologia à droga. Isso pode ser notado sobretudo após os vários problemas que o grupo teve com a lei – encarados como censura –, depois do lançamento de “Usuário”. (MUNDIM, 2004, p 73) No início do século XXI é a Bahia que dá mais um passo nesta discussão. Com a criação do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), a UFBA abre o espaço para uma discussão que gira não somente nos âmbitos médico legais, e assim como as iniciativas da PUC e UFRJ na década de 80, procura dar uma visão humanística ao tema das drogas. 33 Trabalhamos para ocupar cada vez mais espaço no debate público sobre o "problema das drogas", defendendo que as Ciências Humanas têm um papel fundamental neste cenário geralmente dominado por profissionais da área de saúde e por posições marcadas por um viés muitas vezes preconceituoso. Nossa abordagem no campo teórico não nos exime de reconhecer a necessária postura experimentalista e marca-se, principalmente, pela interdisciplinaridade de diversos saberes, seja entre os campos históricos, sociológicos e antropológicos, como no diálogo destes com a psicologia, a economia e com as artes ou ainda com o domínio mais geral da filosofia. Finalmente, como pesquisadores nos sentimos compelidos a tomar um posicionamento político e ético indispensável diante da questão das drogas na época em que vivemos, declarando-nos frontalmente opostos ao regime de proibicionismo vigente em escala internacional. (site: NEIP) Outros grupos de pesquisa no assunto se formaram. É o caso da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas, assim como grupos de ativistas de redução de danos, contribuindo para a ampliação do debate. Um grande número de Organizações também são criadas com o intuito de promover o debate e lutar contra o proibicionismo, é o caso do Coletivo Princípio Ativo, do Growroom, Psicotrópicus, Dínamo e do Coletivo Marcha da Maconha Brasil, grupo que existe em diversos países e cujos principais objetivos são: Criar espaços onde indivíduos e instituições interessadas em debater a questão possam se articular e dialogar; Estimular reformas nas Leis e Políticas Públicas sobre a maconha e seus diversos usos; Ajudar a criar contextos sociais, políticos e culturais onde todos os cidadãos brasileiros possam se manifestar de forma livre e democrática a respeito das políticas e leis sobre drogas; Exigir formas de elaboração e aplicação dessas políticas e leis que sejam mais transparentes, justas, eficazes e pragmáticas, respeitando a cidadania e os Direitos Humanos. (Site: Marcha da Maconha no Brasil) Com as novas tecnologias e a possibilidade de divulgar as ideias em um canal livre, esses grupos passam a existir e se organizar também na internet, mantendo sites destinados aos usuários de maconha ou aos interessados no tema, através da divulgação de conhecimentos sobre a planta que antes eram limitados, fortalecem e fomentam o movimento pela sua descriminalização. A eles se unem outros usuários e militantes que, através de blogs e até redes sociais, passam a produzir informações a respeito da maconha destinadas aos usuários, é o caso dos blogs Hempadão e Ecologia Cognitiva, entre muitos outros que se encontram na rede atualmente. Em 2002, realiza-se a primeira Marcha da Maconha no Brasil, no Rio de Janeiro, movimento que volta a acontecer nos anos seguintes em Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. No entanto, o movimento só vai se consolidar em 2006, quando o Coletivo da Marcha da Maconha no Brasil é criado e o evento se expande também a Curitiba e 34 Florianópolis. Porto Alegre, que participou da edição anterior, teve a marcha proibida em 2007. Em 2008, o grupo tentou realizar a passeata em dez capitais brasileira (Cuiabá, Curitiba, Belo Horizonte, João Pessoa, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo), além da capital federal, Brasília. Mas, a marcha foi proibida nacionalmente, sendo realizada somente em Porto Alegre e Recife onde o grupo conseguiu um habeas corpus preventivo. Em 2009, o grupo novamente organizou a marcha, desta vez em 14 cidades, em algumas delas houve problemas com a Justiça, mas foram resolvidos e a marcha aconteceu, sendo que somente em duas delas o Ministério Público proibiu (São Paulo e João Pessoa). Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis, Natal, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro realizaram a marcha em 2010 sem problemas com a Justiça. Em Salvador e São Paulo ela foi novamente proibida, mas aconteceu mesmo assim, já em Fortaleza, os manifestantes não foram à rua com a proibição. A marcha, que acontece mundialmente no mês de maio, ocorreu, em 2011 nas capitais: Belo Horizonte, Rio de Janeiro,Vitória, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Brasília, Florianópolis, Fortaleza, Natal, Salvador e ainda em quatro cidades do interior: Atibaia (SP), Niterói (RJ), Jundiaí (SP) e Campinas (SP). Em Recife, São Paulo, Salvador e Campinas a marcha foi proibida, mas ainda assim os manifestantes destas cidades foram às ruas, manifestando-se a favor da liberdade de expressão. (Site da MARCHA DA MACONHA NO BRASIL, 2011) Juntamente a esse movimento algumas figuras importantes na política nacional se uniram aos já militantes da causa, dentre eles vale destacar a participação do ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, de Marta Suplicy, Paulo Teixeira, Sergio Cabral e dos ministros Carlos Minc, Tarso Genro, Juca Ferreira e Gilberto Gil. Outro elemento importante é a criação da Comissão Latino Americana Sobre Drogas e Democracia, da Comissão Global sobre Políticas de Drogas e da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia que reune políticos, intelectuais e especialistas nas áreas de saúde, direito, economia, finanças, jornalismo, segurança pública, ciência, religiões, artes, esportes e movimentossociais. 3 Os estudos destes três grupos obtiveram conclusões semelhantes que podem ser observadas na conclusão do trabalho apresentado pela comissão brasileira: 3 Retirado da página do grupo na internet http://cbdd.org.br/pt/ 35 (...) alcançar um mundo sem drogas, como proclamado pela ONU em 1998, revelou- se um objetivo ilusório. A produção e o consumo clandestinos mantêm-se apesar do imenso esforço repressivo. Além dos cultivos, uma nova geração de drogas sintéticas espalhou-se mundo afora. O estigma dificulta a prevenção e o tratamento, que são fundamentais. Contribui, na prática, para um afastamento de parcelas da juventude das instituições públicas. Os altos ganhos do negócio ilícito reforçam o crime organizado e a corrupção, gerando situações insustentáveis, no Brasil e internacionalmente. (Site da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, 2011) Vale notar a participação nas comissões nacional e latino americana, de João Roberto Marinho, vice-presidente editorial das Organizações Globo, responsável pelo direcionamento estratégico das empresas, pelas relações institucionais e pela sua orientação editorial. È também vice-presidente da Associação Nacional de Jornais e da Associação Brasileira de Rádios e Televisão. (site da COMISSÃO BRASILEIRA SOBRE DROGAS E DEMOCRACIA e da COMISSÃO LATINO AMERICANA SOBRE DROGAS E DEMOCRACIA, 2011) Pode-se notar, então, grandes mudanças históricas sobre o consumo da maconha que estão diretamente relacionadas como o modo pelo qual a sociedade encara este uso. A imprensa compõe um dos lugares de força na sociedade muito importante na legitimação de valores, normas de condutas, etc. Então, qual o papel da imprensa, notadamente da Rede Globo, na manutenção e na transformação desses discursos? Como o discurso que ela produz sobre o uso da cannabis está marcado pelos vários outros discursos construídos histórica e socialmente? Essas são as perguntas que este trabalho pretende responder e, para isso, também é necessário entender este novo campo que surge juntamente com o capitalismo: a imprensa, seu funcionamento e os seus profissionais. 36 Capítulo II - O Jornalismo na TV: Informação, construção e poder Neste capítulo serão abordados diversos aspectos do jornalismo, visando compreender qual o lugar de força que ele ocupa na sociedade e, a partir deste lugar, como ele é capaz de dizer às pessoas sobre o que pensar e como pensar e a sua responsabilidade na construção da realidade através das notícias. Será dado ênfase principalmente ao meio televisivo, já que é sobre ele que se desenvolve esta pesquisa e, em especial, a Rede Globo e aos produtos informativos veiculados nos programas Jornal Nacional e Fantástico que são o objeto deste estudo. A importância deste capítulo é entender como se dá a construção da notícia, quais os valores utilizados nesta construção, como esses valores ajudam a manter ou modificar as representações construídas através da história e da própria mídia, e quais são as relações de poder dentro da própria instituição jornalística responsável por esses enquadramentos. Assim feito será possível compreender o lugar de força que a Rede Globo ocupa na sociedade e, consequentemente, o seu papel na construção das representações e dos estereótipos. 2.1. O papel da imprensa O jornalismo, como conhecemos hoje, é uma atividade que surgiu no século XIX, ligada à teoria democrática e a um crescente interesse das pessoas de saberem o que estava acontecendo ao redor delas. Tendo essa função, o jornalismo logo passa a ser um negócio lucrativo. Como aponta Nelson Traquina (2005), ela deixa então de ser produto para manifestar uma posição política, e passa a procurar mostrar o que acontece de importante e interessante na cidade, no país e no mundo, resumindo, o jornalismo passa a vender a informação como um produto. Na busca pela informação, os jornalistas acabam por adquirir outro papel importante, assumindo uma dupla função de mostrar aos governantes as necessidades da população e de mostrar à sociedade as ações e irregularidades dos seus governantes. Passam, portanto, a prestar um serviço à sociedade. 37 (...) Segundo o historiador George Boyce, a imprensa atuaria como um elo indispensável entre opinião pública e as instituições governantes (Boyce, 1978:21). Os jornais eram vistos como um meio de exprimir as queixas e injustiças individuais e como uma forma de assegurar a proteção contra a tirania insensível. (TRAQUINA, 2005, p. 47) Para diferenciar este novo jornalismo do jornalismo político opinativo que existia até então e para aproximar-se da informação, surgem valores que irão guiar a construção da notícia, são eles: verdade, independência e objetividade. Portanto a atividade jornalística preza pela busca da verdade, pela independência política ideológica e pela objetividade dos fatos. Esses valores são de extrema importância para o acordo tácito estabelecido entre os jornalistas e os consumidores da notícia. É acreditando no jornalismo como reflexo do real e na sua imparcialidade, que a sociedade passa a dar credibilidade a ele, encarando a notícia como a realidade transmutada para as páginas dos jornais, para o rádio ou para a televisão. (GUERRA, 2003) Assim o jornalismo passa a ocupar um importante papel na sociedade, como mediador entre o poder público e a população e responsável por informar as pessoas sobre o que acontece. Essas pessoas acreditam que a notícia é um discurso verdadeiro devido ao compromisso ético de imparcialidade, objetividade e da busca pela verdade, estabelecido pelos meios em contrapartida a esta confiança depositada nos noticiários. (TRAQUINA, 2005) (GUERRA, 2003) O papel do jornalismo torna-se então relevante. Mas será que o jornalismo reflete mesmo a realidade? Percorrendo as teorias do jornalismo, é possível encontrar diferentes respostas para essa pergunta, de acordo com os períodos históricos e com a visão de cada grupo. Levaremos em consideração as teorias construcionistas, especialmente a teoria interacionista, que acredita que a notícia não é um reflexo do real, pois: (...) é impossível estabelecer uma distinção radical entre realidade e os media noticiosos que deve “refletir” essa realidade, porque as notícias ajudam a construir a própria realidade. Em segundo lugar, defende a posição de que a própria linguagem não pode funcionar como transmissora direta do significado inerente aos acontecimentos, porque a linguagem neutral é impossível. (TRAQUINA, 2005, p. 168-169) 38 2.1.2. Construindo a realidade Dentro da perspectiva construcionista, encarando a notícia como uma construção da realidade, seremos guiados pela teoria interacionista, que enxerga, como sublinha Traquina, que a notícia constrói e não reflete a realidade, porque ela é “o resultado de processos complexos de interação social entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação; os jornalistas e a sociedade; os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organização.” (TRAQUINA. 2005, p.173) Ao mesmo tempo em que as construções jornalísticas são influenciadas pelo meio sócio-histórico-cultural em que se encontram, o conteúdo das matérias sofre influências, principalmente, de forças organizacionais dentro da instituição jornalística. É através das rotinas estabelecidas que o jornalista será guiado na construção da realidade na notícia. É por exemplo, na escolha da fonte, ou no recorte de sua fala, que o jornalista atribui um
Compartilhar