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Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Matemática: o novo Ensino Médio Orgs. Isauro Beltrán Nuñez Betania Leite Ramalho Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Matemática: o Novo Ensino Médio Todos os direitos desta edição reservados à Editora Meridional Ltda. Av. Osvaldo Aranha, 440 cj 101. Cep: 90035-190 Porto Alegre-RS Tel: (51) 3311 4082 - Fax: (51) 3264 4194 www.editorasulina.com.br sulina@editorasulina.com.br Novembro / 2004 Impresso no Brasil / Printed in Brazil © Editora Meridional, 2004 Capa: FOSFOROGRÁFICO / Vitor Hugo Turuga Projeto Gráfico e Editoração: Clotilde Sbardelotto Editor: Luis Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Responsável: Denise Mari de Andrade Souza CRB 10/960 F981 Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Matemática: o Novo Ensino Médio / Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho (orgs.). – Porto Alegre: Sulina, 2004. 300 p. ISBN: 85-205-0392-6 1. Educação. 2. Aprendizagem - Matemática. 3. Aprendizagem - Ciências Naturais. 4. Ensino - Fundamentos I. Nuñez, Isauro Beltrán. II. Ramalho, Betania Leite CDD: 370 371.39 CDU: 37.01 372.85 Apresentação ............................................................................................... 9 PARTE I Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem ........................................................................ 15 O ensino tradicional e o condicionamento operante ...................................... 17 Tereza Cristina Leandro de Faria e Isauro Beltrán Nuñez A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Naturais ..................... 29 Raimunda Porfírio Ribeiro e Isauro Beltrán Nuñez A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget .............................................43 Tereza Cristina Leandro de Faria e Isauro Beltrán Nuñez O enfoque sócio-histórico-cultural da aprendizagem: os aportes de L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin .................... 51 Isauro Beltrán Nuñez e Tereza Cristina Leandro de Faria A aprendizagem como processamento de informação ................................... 69 Isauro Beltrán Nuñez, Márcia Adelino da Silva Dias e Tereza Cristina Leandro de Faria O Construtivismo no ensino de Ciências da Natureza e da Matemática ........ 84 Analice de Almeida Lima, José Paulino Filho e Isauro Beltrán Nuñez SUMÁRIO PARTE II Pensando a formação de competências e a aprendizagem no Novo Ensino Médio ........................ 103 Os saberes escolares e a formação das competências no Ensino Médio ......................................................... 105 Márcia Adelino da Silva Dias, Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho A noção de competência nos projetos pedagógicos do Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos ..................................... 125 Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho O uso de situações-problema no ensino de Ciências ................................. 145 Isauro Beltrám Nuñez, Marcelo Pereira Marujo, Lidiane Estevam Lima Marujo e Márcia Adelino da Silva Dias Metacognição: aprender a aprender? ....................................................... 172 Betania Leite Ramalho, Isauro Beltrán Nuñez e Analice de Almeida Lima A flexibilidade do pensamento, pensamento crítico e criatividade. Generalização e transferência de aprendizagem ....................................... 186 Tereza Cristina Leandro de Faria, Anadja Marilda Gomes Braz e Isauro Beltrán Nuñez Pensando a aprendizagem significativa: dos mapas conceituais às redes conceituais .............................................. 201 Raimunda Porfírio Ribeiro e Isauro Beltrán Nuñez Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem como pesquisa orientada ......................................................................... 226 Márcia Gorette Lima da Silva, Antônia Francimar da Silva e Isauro Beltrán Nuñez Aprendizagem por modelos: utilizando modelos e analogias ....................... 245 Analice de Almeida Lima e Isauro Beltrán Nuñez Ensino por projetos: uma alternativa para a construção de competências no aluno ................................................... 265 José Paulino Filho, Isauro Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho A história da Ciência e da Matemática na formação de professores ..................................................................... 284 Arlete de Jesus Brito, Luiz Seixas das Neves e André Ferrer Pinto Martins Os autores .............................................................................................. 297 8 9 APRESENTAÇÃO O Ensino Médio constitui a última etapa de escolarização da Educação Bá- sica no Brasil. As condições da expansão do Ensino Fundamental, e as novas exi- gências do mundo do trabalho têm sido, dentre outros fatores, responsáveis pela expansão significativa da matrícula de alunos (crescimento de 84%) nos dez últi- mos anos no Ensino Médio. Esse crescimento aponta para o ingresso de alunos que procuram esse nível de ensino não só como via para acessar à universidade, mas como possibilidades para uma melhor inserção no mercado de trabalho e para construção de sua cidadania. Sendo assim, o Ensino Médio voltado para preparar os alunos para a universidade, cede espaço à busca de uma nova identidade. O grande contingente de alunos no Ensino Médio e sua diversidade, assim como as Reformas Curriculares, têm influenciado os professores, pesquisadores, alunos e a sociedade, na construção da identidade desse nível de escolaridade me- diada pelo conhecimento, pela informação, pelas novas tecnologias de um mundo “globalizado”. A busca de uma nova identidade do Ensino Médio se movimenta numa rede complexa de fatores e exigências, que nos levam a formular perguntas- problemas, tais como: – Como educar e atender às necessidades formativas e educativas dos alu- nos no Ensino Médio de maneira que possa contribuir na construção da sua cida- dania, inseri-los no mundo do trabalho e prepará-los para o estudo na Educação Superior? – Quais são os objetivos/finalidades desse nível de educação? Que conteú- dos são necessários face ao crescimento da informação em ordem exponencial e ao tempo disponível? – É possível formar competências no Ensino Médio? Quais devem ser essas competências? A procura de respostas para essas e outras questões, talvez mais complexas nos obriga, necessariamente, a considerar as orientações curriculares do Ministério de Educação para o Ensino Médio. A LDB/96, e a Resolução CNE/98, bases das novas diretrizes curriculares para o Ensino Médio, focalizam três eixos básicos para a sua organização curricu- lar: a formação de competências, a interdisciplinaridade e a contextualização do conhecimento. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) se apoiam numa concepção construtivista da aprendizagem, mediada por um discurso plural, uma vez que integra conceitos de diferentes perspectivas da aprendizagem e da educação dando referências para se pensar em Projetos Pedagógicos. A implementação de uma nova Reforma na Educação como é o caso do Novo Ensino Médio, pressupõe uma análise das condições objetivas e subjetivas, necessárias para setrabalhar na construção de uma nova cultura escolar. Nessa 10 lógica, se discute hoje a importância que ganha a formação dos professores(as) para atender às novas exigências das propostas curriculares que levam os/as docen- tes, necessariamente, a novas formas de trabalho e de agir. Portanto, faz sentido procurarmos identificar as novas necessidades formativas desses docentes. Nessa perspectiva uma pesquisa, intitulada: Estudos das Necessidades Formativas de Professores(as): o Caso do Novo Ensino Médio, foi desenvol- vida no âmbito do grupo de Pesquisa Formação e Profissionalização docente da UFRN, nos anos 2001/2003, financiada pelo CNPq. Os resultados, de forma geral, evidenciam que há fragilidades conceituais/didático-pedagógicas a serem superadas na base formativa dos/as docentes de maneira que possibilitem, a estes(as), um novo olhar para o ensino das Ciências Naturais e de Matemática, assim como a compreensão das teorizações que fundamentam a aprendizagem dessa área de conhecimento nos PCNEM. Reconhecemos que isso implica na construção, pelos/as professores(as), não só de novos saberes e competências, como também de um novo referencial sobre o profissionalismo. Nesse sentido, a busca de novos saberes não está dissociada dos contextos do exercício da profissão. Este alerta é necessário, uma vez que o ensino/apren- dizagem não pode ser reduzido a problemas de natureza didático-psicológica. Não obstante, as teorizações da didática do Ensino das Ciências e da Matemá- tica podem ser um elemento que contribua com os professores na compreensão da aprendizagem de seus alunos e conseqüentemente na escolha de referências teó- ricas para organizar as situações de aprendizagem dos alunos. As referências teóricas possibilitam construir o planejamento de ensino como hipóteses de trabalho, uma vez que a sala de aula é um dos espaços de construção de saberes dos professores(as). Refletir de forma crítica, sistematizar, socializar os resultados da aprendizagem dos alunos sob os diferentes fatores dos contextos escolares possibilita mecanismos de validação desses saberes na busca da inovação educativa. A presente pesquisa esteve fortemente influen- ciada por este princípio. Este livro pretende estimular o debate dos professores (as) do Ensino Mé- dio, na área de conhecimentos das Ciências Naturais e de Matemática na busca de “mudanças” significativas da prática docente no ensino da Física, da Química, da Biologia e da Matemática. Assumimos a intencionalidade de apresentar uma obra perceptível de aperfeiçoamento na qual se discutem idéias por vezes polê- micas, superadoras e superadas (de outras e por outras idéias) expressas nas re- flexões dos autores, dos diferentes artigos. Os autores dos capítulos que compõem esta obra são professores-pesqui- sadores e alunos do Programa de Pós-Graduação, vinculados à Base/Linha de Pesquisa Formação e Profissionalizarão Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. Esse grupo tem participado, de forma comprometida, na busca de alternativas para melhorar a educação científica dos alunos do Ensino Básico, na perspectiva de contribuir com idéias que norteiem os professores(as) a 11 pensar na sua formação. Com esses autores compartilhamos momentos de refle- xão, de discussão e muito trabalho conjunto foi desenvolvido para se chegar na sistematização dos textos aqui presentes. Por razões metodológicas, a obra se organiza em duas partes: na primeira parte, “Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem” tem-se como intencionalidade subsidiar com referências da psicologia da aprendizagem os textos da segunda parte. Na segunda parte : “Pensando a formação de competências e a aprendizagem no Novo Ensino Médio”, se discutem algumas estratégias que po- dem contribuir com uma aprendizagem que desenvolva capacidades cognitivas e afetivas necessárias ao exercício da cidadania, e à formação de habilidades/ competências no Ensino Médio, nas disciplinas de Matemática, Física, Química e Biologia. As discussões da Parte I procuram fornecer uma visão didática e de ten- dências para o ensino dessas disciplinas, sendo apresentados, para tanto, 6 textos. No primeiro texto, “O ensino tradicional e o condicionamento operante”, é feita uma reflexão sobre o ensino das Ciências Naturais baseado na tradição pedagógica que assume como base o condicionamento operante da psicologia. O texto não pretende caracterizar uma forma de “ensino tradicional”, da qual muitos procuram afastar-se, por vezes sem reconhecer de forma crítica as possibilidades e limitações dos mecanismos transmissivos da informação. O segundo texto, “A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Na- turais”, discute idéias de P. D. Ausubel sobre a aprendizagem significativa como estratégia superadora do ensino memorístico. Diferencia tipologias de conceitos, procura esclarecer diferenças entre conteúdo significativo e aprendizagem signi- ficativa, idéias por vezes tomadas como semelhantes. O terceiro texto, “A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget”, discute os conflitos cognitivos, suas possibilidades e limitações em relação ao ensino de ciências, revelando as contribuições da teoria da Equilibração para explicar a aprendizagem. O quarto texto, “O enfoque sócio-histórico-cultural”, fornece o marco dos trabalhos de L.S. Vigotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin sobre a aprendiza- gem como tipo específico de atividade que acontece em contextos sócio-históri- cos mediados pelos outros e por ferramentas culturais. Mostra de forma sintética a discussão sobre: o caráter social da aprendizagem, a formação de conceitos cien- tíficos, a internalização da atividade externa em interna, assim como indicadores qualitativos que caracterizam as habilidades como tipo de atividade. No quinto texto, “A aprendizagem como processamento da informação”, é apresenta como uma alternativa para se compreender os processos mentais que operam a aprendizagem e com a intencionalidade de abrir a “caixa preta” da psicologia condutista. O processamento da informação enquanto enfoque psicológico da aprendizagem é objeto de reflexões nesse artigo que traz uma 12 distinção entre conhecimento e informação, discutindo como o aluno aprende en- quanto sujeito que processa informação, os tipos de memórias e os mecanismos da “armazenagem da informação”. Essa dimensão procura nos situar na pro- blemática de como favorecer uma aprendizagem duradoura e não esporádica. Para concluir a Parte I do livro se faz uma breve apresentação da polis- semia da categoria “construtivismo” tomando-se por base diferentes tipos de construtivismo no ensino das Ciências Naturais e da Matemática. Em resumo, a Parte I do livro nos chama a atenção para pensar que não devemos assumir uma única possibilidade de se pensar como o aluno aprende. Os artigos dessa parte do livro, procuram mostrar que o professor deve ter domínio dessas referências como subsídios para suas escolhas na hora de ensinar e refletir em relação aos processos da aprendizagem dos alunos. A Parte II do livro focaliza sua atenção para discutir algumas estratégias que podem contribuir com a formação de capacidades, habilidades, competên- cias, etc. na área de conhecimento do Ensino Médio CNMT. No primeiro texto, intitulado “Os saberes e a formação de competências no Ensino Médio”, discute-se a questão do conteúdo escolar, como este se confi- gura a partir de outros saberes. O lugar do conhecimento científico no conteúdo escolar é o foco de atenção desse capítulo, um tema que requer reflexões de dife- rentes naturezas: epistemológica, sociológica, psicológica, histórica, na procura de pensar melhor como deslocar a atenção da escola de hoje (responsabilizada em transmitir um grande volume de informações) para uma escola que eduque e desenvolva estratégias de aprendizagem, de convívio social com um conteúdo significativo voltado para a educação.O segundo texto, “A noção de competência nos projetos pedagógicos do Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos”, abre um espaço à polêmica dos sentidos que se atribuem a noção competência, assim como a necessidade de se refletir sobre o que pode significar formar competência no Ensino Médio e sobre as possibilidades e limitações dessa noção como estruturadora do Currículo. O terceiro texto, “O uso de situações-problemas no ensino de Ciências”, percorre reflexões teóricas sobre as categorias: situação-problema, problema, a tarefa-problema e o problemático. Essas categorias se vinculam a “métodos” para o trabalho com situações-problema no ensino. No ensino das Ciências Naturais e da Matemática o uso de problemas se constitui numa estratégia que pode contri- buir com a criatividade, assim como com atitudes positivas para a aprendizagem. Esse assunto se analisa desde um, dentre outros, enfoques do trabalho com pro- blema para ensinar. O quarto texto, intitulado “Metacognição: aprender a aprender?”, parte do pressuposto de que um dos objetivos da Escola Básica é desenvolver nos alunos capacidades de aprender a aprender. A formação dessas capacidades são anali- sadas desde a ótica da metacognição no ensino de Ciências Naturais. Na linha de pensamento em relação à formação de capacidades cogni- 13 tivas/afetivas como elemento da educação no Ensino Básico, o quinto capítulo “A flexibilidade do pensamento. Pensamento crítico e criatividade. Generali- zação e transferência da aprendizagem” discute estratégias para contribuir com a criatividade, a flexibilidade do pensamento, a generalização e a transferência da aprendizagem, para pensar nessas capacidades como necessárias à educação escolar. Esse artigo nos ajuda a sair de uma visão instrumental da noção de com- petências como organizadora do currículo uma vez que volta nosso olhar para pensar sobre o que se fala quando se fala, de formar competências nesse nível escolar. O sexto texto, “Pensando a aprendizagem significativa: dos mapas concei- tuais às redes conceituais”, constitui uma reflexão sobre as possibilidades do uso dos mapas conceituais como estratégia da aprendizagem significativa. Apresen- tam-se as limitações dessa estratégia discutida nas perspectivas de aprendizagem como processamento da informação que reconhece as redes de conhecimentos como formas de se organizar a informação na memória. No sétimo texto, “Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem como pesquisa orientada”, ao se discutir as bases dos modelos de mudança conceitual e suas limitações, se analisam as propostas da aprendizagem como pesquisa orientada, a qual supõe não só uma mudança conceitual como também procedimental a atitudinal para favorecer a aprendizagem. Essas reflexões apon- tam para dificuldades de se construir o conhecimento científico escolar. Orien- tações construtivistas sobre o ensino das Ciências propuseram os modelos de mudança conceitual baseados em conflitos cognitivos como formas dos alunos substituírem os conceitos do cotidiano, as idéias prévias, pelo conhecimento científico. No oitavo texto, se discute a “Aprendizagem por modelos: utilizando modelos e analogias”, é desenvolvida uma reflexão sobre essas ferramentas metodológicas para o ensino das Ciências Naturais. O uso de modelos e analogias se revela hoje como um campo de pesquisa da Didática das Ciências Naturais, uma vez que reconhece o caráter de modelo-representação do conhecimento. Embora hoje se tenha escrito muito sobre o ensino usando projetos, o nono capítulo intitulado “Ensino por projetos: uma alternativa para a construção de competências no aluno” se insere no sistema de estratégias didáticas do livro, segundo as orientações curriculares dos PCNEM. A história das Ciências e da Matemática e os estudos sobre as epistemolo- gias do conhecimento científico se apresentam como importantes ferramentas do conhecimento pedagógico-didático do conteúdo dos professores de Ciências Na- turais e da Matemática. No texto “A história da Ciência e da Matemática na for- mação de professores” se relata uma experiência de trabalhar a história da ciência para o ensino, focalizando a atenção para os processos de “construção do conhe- cimento” na formação de professores. Os diferentes textos das duas partes do livro sinalizam para a necessidade 14 de se dispor de um leque de referências teóricas, ao se pensar e refletir de forma crítica a prática, na busca de novas práticas inovadoras no caminho da educação científica dos alunos do Ensino Médio. O livro prioriza algumas dessas referências teóricas, algumas inconclusas, outras conflitantes. A finalidade do livro é promover a reflexão e discussão conjunta de professores na área das Ciências Naturais e da Matemática como uma estratégia para contribuir com a profissionalização do trabalho docente. Isauro Beltrãn Nuñez Betania Leite Ramalho Organizadores 15 Parte I Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem 16 17 O ENSINO TRADICIONAL E O CONDICIONAMENTO OPERANTE Tereza Cristina Leandro de Faria e Isauro Beltrán Nuñez Introdução A pedagogia tradicional começou a gestar-se no século XVIII, com o surgimento das escolas na Europa e na América Latina. Trata-se de uma tendência pedagógica que não se fundamenta em teorias empiricamente validadas, mas numa prática educativa baseada na tradição. Tal pedagogia, além de ter fornecido um quadro referencial a todas as tendências que a ela se seguiram, ainda persiste no tempo. Entretanto, como explicam Pozo e Crespo (1998) não é conveniente pensar que existe uma única pedagogia tradicional. A tradição pedagógica apresenta-se de formas diferentes. Mesmo assim podemos enumerar as características mais marcantes desse movimento, evitando qualquer “caricatura”. O pressuposto básico dessa pedagogia é considerar que a aquisição de co- nhecimentos se realiza principalmente na escola, cuja tarefa é preparar intelectual e moralmente o aluno para assumir seu papel na sociedade. O caminho em direção ao “saber” é o mesmo para todos os alunos, havendo necessidade de que estes apenas se esforcem. Nessa perspectiva, quem sabe (o professor) ensina a quem não sabe (o aluno). Os conteúdos de ensino são os conhecimentos e valores sociais acumu- lados ao longo das gerações passadas, que devem ser repassados ao aluno como verdades absolutas. Esses conteúdos, geralmente pouco relacionados com a expe- riência de vida do aluno e com sua realidade social, têm um caráter seqüencial, que se expressa nos programas curriculares, embora suas partes não apresentem interação entre os temas, os quais, inclusive, podem aparecer de forma isolada, sem relação entre si. O ensino ancora-se na exposição verbal da matéria e na demonstração, oferecendo ao aluno uma grande quantidade de informações, que devem ser memorizadas, o que faz com que a pedagogia tradicional seja chamada enciclo- pedista e intelectualista. É o que Freire (1985, p.66) chama de Educação Bancária interpretada, em tom de crítica, na linha de seu discurso, tal como segue: A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo 18 educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem do- cilmente “encher” tanto melhores educandos serão. A seguir, uma representação do que afirma Freire. Figura 1 – No ensino tradicional, os alunos devem memorizar um grande número de informações como se fossem recipientes a serem enchidos pelo professor Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin Del Pozo (1998) afirmam que uma aprendizagem desse tipo parte de um conjunto de crenças generalizadas que en- tendem o fato de aprender como um ato de apropriação cognitiva,mediante o qual o sujeito que aprende toma do exterior (seja de outra pessoa, de um texto escrito ou da própria realidade) determinados significados. Supõe que a comunicação de significados é um processo neutro e objetivo, em que as mensagens não são altera- das no processo que vai do emissor ao receptor. Essa aprendizagem supõe também que cada conceito, processo ou dado que é conveniente ensinar e aprender é único, ou seja, só tem um significado correto. Quem aprende algo, aprende porque não possui ditos significados ou os que tem são incorretos. Essas idéias sobre a apren- dizagem têm sido representadas pela metáfora da mente em branco. No “ensino tradicional”, tanto a exposição quanto a análise das informações são realizadas pelo professor, observado-se os seguintes passos: 19 Figura 2 - Passos característicos do ensino tradicional Conseqüentemente, esses procedimentos estimulam a aprendizagem recep- tiva e mecânica. A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e pela recapitulação da matéria. A generalização e a trans- ferência da aprendizagem são limitadas e dependem do treino, sendo indispensá- vel a memorização, a fim de que o aluno possa responder a situações similares da mesma maneira. O relacionamento professor-aluno é vertical, predominando a autoridade do professor, que exige atitude receptiva dos alunos e não estimula a comunicação entre eles no decorrer da aula. Assim sendo, a classe, como conseqüência, torna-se intelectual e afetivamente dependente do professor. Em virtude do pressuposto de que aprender é um processo individual, em que os alunos progridem de forma similar (homogeneidade da aprendizagem) e em pequenos passos, a avaliação consiste em constatar se o aluno aprendeu e atingiu os objetivos propostos, de forma mais adequada, quando o programa chega ao fim. A avaliação está, pois, diretamente ligada aos objetivos propostos e normal- mente se realiza no início, meio e fim do processo de ensino-aprendizagem. Avalia- se, no início do processo, com a intenção de se verificar o que o aluno conhece para, a partir daí, planejar e executar as etapas seguintes; no decorrer do processo, para, em função dos dados obtidos, planejarem-se os reforços que a aprendizagem requer, e, no final do processo, com o propósito de verificar se a aprendizagem realmente se efetivou. • preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da aula anterior, despertamento do interesse); • apresentação (realce de pontos-chave, demonstração); • associação (combinação do conhecimento novo com o já conhecido por comparação e abstração); • aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou resolução de exercícios). 20 1. Os fundamentos psicológicos do ensino tradicional: o condicionamento operante Durante o seu desenvolvimento e aprimoramento, a pedagogia tradicional foi recebendo influências, procurando dar caráter científico ao trabalho didático na sala de aula. Vale destacar as contribuições advindas do modelo psicológico condutista ou behaviorista, que surge e se desenvolve nas primeiras décadas do século XX. Para Ribes (1982, apud Río,1996, p.33), o condutismo, diferentemente das teorias psicológicas formuladas como um todo acabado, constitui uma filosofia da ciência psicológica e, como toda filosofia da ciência genuína, não é mais do que a reflexão sobre o próprio desenvolvimento teórico da disciplina. Esta filosofia concebe o homem como um ser unitário, em contínua relação funcional com seu meio e cujo comportamento encontra-se regido por leis naturais, passíveis de serem abordadas a partir de uma metodologia científica. Watson (1924, apud Río, 1996), com base nos princípios da reflexologia russa de Pavlov, foi o fundador do movimento condutista ou behaviorista na Psicologia, a qual definiu como a ciência do comportamento e este como sendo a resposta do organismo a um estímulo presente no meio ambiente. O estímulo constitui toda modificação do ambiente percebida pelo indivíduo e resposta à modificação que ocorre no organismo como conseqüência do estímulo. Para a Psicologia de Watson, o importante é a relação entre estímulos e respostas, ou seja, fatos exteriores que possam ser empiricamente observados, e não o que ocorre no interior do organismo, pois o que não pode ser visto e mensurado não interessa aos psicólogos behavioristas (princípio da aprendizagem como caixa preta). Ressaltamos, entretanto, que Watson não negou a existência de processos mentais internos, ele apenas não os estudou por acreditar que esses estudos eram de responsabilidade da Fisiologia. O condutismo ou behaviorismo preocupa-se, portanto, em prever a res- posta quando conhece o estímulo e identificar o estímulo quando conhece a res- posta. De acordo com Fontana e Cruz (1997, p.25), “o estudo do comportamento deve possibilitar o conhecimento das relações estímulo-resposta, das quais ele é o resultado”. A aprendizagem, tema fundamental para os behavioristas, é entendida como um processo que, em suas unidades mais primárias ou básicas, ocorre quando o indivíduo, em virtude de determinadas experiências que incluem necessariamente inter-relações com o contexto, produz respostas novas ou modifica as já existen- tes. A aprendizagem está sintetizada em Estímulo-Resposta-Reforço, como mos- tramos abaixo: 21 Estímulo Resposta Reforço Esquema 1 – Representação da aprendizagem por mecanismo condutista Os elementos desse processo são o impulso, os estímulos ambientais, a resposta e a recompensa. O impulso corresponde a estímulos internos muito for- tes que levam o organismo a agir; na maioria das vezes, são associados à moti- vação. Os estímulos ambientais dirigem a resposta, que é a reação do organismo e deve ocorrer primeiro, para posteriormente ligar-se a um estímulo. A resposta pode ser natural (ligada ao repertório inato do organismo) ou aprendida (resul- tante da experiência). A recompensa ou reforço, por sua vez, corresponde à con- seqüência da resposta. Thorndike (1913, apud Talízina,1988, p.259), um dos teóricos desse mo- vimento, preocupou-se com o estudo da aprendizagem em situação escolar e sintetizou o controle exercido pela conseqüência da resposta ao elaborar a Lei do Efeito, assim concebida: Quando o processo de estabelecimento da relação entre a situação e a reação recíproca é acompanhado ou substituído pelo estado de satisfa- ção, a solidez da relação aumenta; quando esta relação é acompanhada ou substituída pelo estado de insatisfação, sua solidez diminui. O maior expoente da teoria condutista ou behaviorista foi Burrhus Frede- ric Skinner (1904-1980). Ele é o mais influente representante do movimento comportamentalista, e seus seguidores constituem o mais bem organizado grupo de psicólogos nas áreas aplicadas. Apesar de suas proposições terem sido alvo de inúmeras críticas (estas consideradas extremamente radicais), Skinner ainda é atualmente um dos autores mais estudados em Psicologia. Ao contrário da maioria dos psicólogos contemporâneos seus, explicitou as implicações políticas de sua obra, chegando inclusive a descrever uma sociedade utópica onde o controle do comportamento fosse utilizado para promover o bem-estar dos indivíduos. A teo- ria behaviorista aplicada resultaria em “uma tecnologia para levar as pessoas a fazerem o que queremos que elas façam” (Goulart,1987, p.55). A idéia básica aí subentendida seria a de que o comportamento é modelado e mantido devido às suas conseqüências e, por isso, cabe ao psicólogo, professor ou pai propiciar os estímulos para que o indivíduo emita ou omita o comportamento desejado ou indesejado.22 São dois os tipos de aprendizagem para Skinner: por condicionamento clássico e por condicionamento operante. A aprendizagem por condicionamento clássico abrange as reações inatas do organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio. Envolve um tipo de comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também determinado, como mostra o exemplo a seguir: E R Assim, se toda vez que houver sopro nos olhos soar uma campainha, pode acontecer de o indivíduo piscar os olhos ao ouvir a campainha, mesmo na ausência do sopro. Diz-se, então, que o indivíduo aprendeu a piscar ao ouvir a campainha. Conclui-se, pois, que à medida que o sopro é associado a um determinado som, esse som passa a ser um estímulo que também provocará uma resposta do orga- nismo. Nesse caso, o som é chamado pelos comportamentalistas de estímulo con- dicionado, porque ele, por si só, não provoca nenhuma reação, mas o faz quando associado a outro estímulo. Como nem todos os comportamentos aprendidos podem ser explicados por meio do condicionamento clássico, foi necessária a formulação de novas explica- ções para a formação dos comportamentos mais complexos. Isso foi o que fez Skinner com a sua teoria do condicionamento operante, segundo a qual os indiví- duos aprendem por meio das conseqüências de suas ações (Coutinho, 1995). A aprendizagem por condicionamento operante acontece quando compor- tamentos emitidos pelo organismo são seguidos por algum tipo de conseqüência. Caso a conseqüência seja agradável, o comportamento tende a se repetir; se a con- seqüência for desagradável, o comportamento possui menos probabilidade de se repetir. Cabe ressaltar que, para Skinner, a grande maioria dos comportamentos é aprendida por condicionamento operante. Como não é possível interferir na pri- meira emissão de uma resposta operante, utiliza-se a manipulação da conseqüência para modificar a probabilidade de sua ocorrência no futuro. Qualquer estímulo pode ser considerado um reforçador, desde que contribua para a ocorrência do comportamento desejado. A Figura 3 abaixo ilustra o condicionamento operante ou instrumental de Skinner em animais. Sopro nos olhos Piscar de olhos 23 Figura 3 – Caixa de Skinner Fonte: Ross ([1995?], p.79) Tendo em vista estudar a programação do reforço no condicionamento ope- rante, Skinner utilizava em suas pesquisas com ratos uma caixa em cujo interior havia um dispositivo que, quando acionado, liberava água ou comida. Essas caixas, com isolamento contra ruídos e controle rigoroso de temperatura e iluminação, conhecidas como “caixas de Skinner”, serviam para programar de modos diferentes a liberação de reforçadores e estudar como cada programação afetava o compor- tamento do animal: qual era a mais eficiente para levar à aprendizagem de um comportamento novo; qual era a mais adequada para manter esse comportamento por mais tempo; qual representava a melhor forma de extinguir um dado com- portamento, etc. O procedimento adotado era o seguinte: inicialmente, toda vez que o rato se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava-lhe, por meio de um dispositivo, um pouco de água. Após determinado tempo, estando o rato próximo à barra, a água só era liberada se ele a tocasse com o focinho ou a pata. Em seguida, reforçava-se apenas o comportamento de tocar a barra com a pata e, depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-se que o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água. Esse procedimento ficou conhecido como “Modelagem do comportamento”. Conseguia-se modelar o comportamento proporcionando reforçadores após a resposta que se desejava obter do animal (Fontana; Cruz, 1997). As idéias do condicionamento operante constituem o suporte psicológico do Ensino Programado e da Programação Educativa que, de acordo com Skinner, possuem os seguintes passos (Río, 1996): 24 · formulação de objetivos terminais, em termos operativos; · análise e avaliação da situação inicial dos alunos, considerando os conhe- cimentos prévios e relativos aos objetivos formulados; · seqüência da matéria e análise das tarefas; · avaliação do programa, dos processos de ensino e avaliação final dos alunos, em termos de comparação com os objetivos propostos. Desde as primeiras formulações teóricas sobre o condicionamento operan- te e a Análise Experimental do Comportamento, a influência do condutismo ou behaviorismo se fez sentir na prática pedagógica. Em se tratando do ensino de Ciências, pode-se dizer que não fugiu à regra devido, tanto à formação recebida por seus professores quanto à própria cultura da escola. A Figura 4 ilustra a orga- nização típica de uma sala de aula tradicional de base condutista. Figura 4 – Organização da sala de aula tradicional de base condutista 2. Implicações didáticas do ensino tradicional de Ciências O ensino de Ciências, como sucede com outras áreas, parte do princípio de que o conhecimento científico é um saber absoluto, cópia da realidade, portanto aprender Ciências significa adquirir esse conhecimento, reproduzindo-o da ma- neira mais fiel possível (concepção empirista). E a via mais direta para isso é apre- sentá-lo mediante uma exposição clara e rigorosa. Assim sendo, ainda privilegia a transmissão de conhecimentos verbais, prevalece a lógica interna das disciplinas sobre qualquer outro critério de organização dos conteúdos e ao aluno fica reser- vado um papel meramente reprodutivo. 25 O professor explica Ciências aos alunos, que copiam e repetem. Para Pozo e Crespo (1998), as classes magistrais baseiam-se em exposições do professor diante de uma escuta mais ou menos interessada, que tenta tomar nota do que ele diz e acompanhar os exercícios e demonstrações que servem para ilustrar e apoiar as explicações. Portanto, toda dinâmica da aula é dirigida e controlada pelo pro- fessor, que vai levando, passo a passo, o aluno em sua aprendizagem. De acordo com Giordan e De Vecchi (1996, p.218), “apóia-se esse modo de fazer na idéia comum de que para o professor ensinar um fato ou um princípio significa enun- ciá-lo, e o aluno ser capaz de repeti-lo é conhecê-lo”. O critério para organizar os conteúdos permanece o “conhecimento disci- plinar”, entendido como o corpo de conhecimento aceito pela comunidade cientí- fica. O calor, a energia ou a ionização ensina-se não pelo valor formativo para os alunos mas porque são conteúdos essenciais da ciência, sem os quais esta não tem sentido. Assim, quanto mais científico ou acadêmico, melhor o currículo. Além do mais, os conhecimentos são apresentados como saberes acabados, estabelecidos, proporcionando aos alunos uma cisão estática e absoluta do saber cientifico. Vale salientar, em se tratando de teorias já superadas, essas não são ensinadas ou então são apresentadas como saberes abandonados, que não são científicos, portanto, não se faz necessário aprender. O conhecimento científico apresenta-se como pro- duto e se desconhecem os processos de sua produção. No ensino tradicional de Ciências, o trabalho experimental e as demonstra- ções práticas têm como objetivo motivarem os alunos para os conhecimentos a serem transmitidos pelo professor ou comprovar esses conhecimentos, no sentido de mostrar na prática os conhecimentos teóricos. Figura 5 – No ensino tradicional de Ciências, as atividades experimentais têm como objetivo mostrar na prática os conhecimentos teóricos 26 Nesse tipo de ensino, a avaliação conduz o aluno a devolver ao professor o conhecimento que dele recebeu da forma mais precisa possível, isto é, mais repro- dutiva possível. Também são utilizados na avaliação exercícios repetitivos para comprovar o grau que o aluno domina de uma rotina ou de um sistema de resolução previamente explicado pelo professor. É umaavaliação seletiva e somativa que trata de determinar quais alunos superam o grau mínimo exigido, o que tem a ver com o grau em que são capazes de reproduzir o conhecimento científico tal como o receberam. A seguir, uma representação do ensino tradicional que Giordan e De Vecchi (1996, p.217) apresentam: Figura 6 – Representação do ensino tradicional 27 É importante mencionar que, segundo Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin Del Pozo (1998), o enfoque tradicional representa uma concepção acientífica dos processos de ensino-aprendizagem, segundo a qual, no melhor dos casos, basta que o professor tenha uma boa preparação nos conteúdos das disciplinas e certas qualidades humanas relativas à atividade de ensinar, para que o sistema funcione. Quando o sistema fracassa, esse fracasso se deve ao professor, que não reúne os requisitos mencionados, ou então os alunos são deficientes ou têm suas capaci- dades intelectuais reduzidas. Nesse enfoque didático, o eixo fundamental sobre o qual gravita a organização e o desenvolvimento das tarefas de classe é o eixo temático dos conteúdos, daí a denominação, que às vezes recebe, de pedagogia por conteúdos. Conclusões A escola que ainda se baseia nesses princípios oferece resistência à mudança, mesmo quando as limitações do ensino tradicional já são bastante conhecidas e se vêm colocando em prática experiências pedagógicas novas, que buscam suporte teórico/metodológico em teorias de aprendizagem bem mais adequadas à prepa- ração do homem para enfrentar as constantes transformações culturais, sociais, políticas e econômicas pelas quais passam as sociedades no século XXI. O ensino tradicional de base condutista ou behaviorista não assegura um uso dinâmico e criativo dos conhecimentos fora da aula. Com freqüência, existe uma distância entre as metas e os motivos do professor e as metas e os motivos dos alunos, o que faz com que estes se sintam “desconectados” e desinteressados, ao mesmo tempo em que o professor se sente mais frustrado. É comum os professores dizerem que os alunos não os escutam, possivelmente porque cada vez menos os alunos entendam o que aqueles estão pretendendo. Em se tratando da motivação, não é só um problema de falta de disposição prévia por parte dos alunos, mas principalmente o desinteresse em compartilhar metas e motivos de aprendizagem e instrução na aula. Entretanto, abordar esse problema requer, dentre outros requisi- tos, adotar concepções de ensino-aprendizagem que se centrem mais nos próprios alunos (Pozo, 1998). Referências COUTINHO, M.T. da C. Psicologia da educação: um estudo dos processos psicológicos de desenvolvimento e aprendizagem humanos voltados para a educação. Ênfase na abordagem construtivista. Belo Horizonte: Lê, 1995. FONTANA, R.; CRUZ, M. N. de. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. GIORDAN, A.; DE VECCHI, G. As origens do saber: das concepções do aprendente aos conceitos científicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 28 GOULART, I.B. Psicologia da educação: fundamentos teóricos e aplicações à prática pedagógica. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987. PORLÁN ARIZA, R.; RIVERO GARCIA, A.; MARTIN DEL POZO, R. Conocimiento Profesional y Epistemología de los Profesores II: estudios empíricos y conclusiones. Enseñanza de las ciencias, Barcelona, v.16, n.2, p.271-288, 1998. POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano al conocimiento científico. Madrid: Ediciones Morata, 1998. ROSS, O. H. Calidad educativa y enfoques constructivistas. Peru: San Marcos, [1995?]. RÍO, M. J. Comportamento e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL, C. et al. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1996, v.2, p.25-44. (Desen- volvimento Psicológico e Educação). TALIZINA, N. Psicología de la Enseñanza. Moscú: Progreso, 1988. 29 A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS Raimunda Porfírio Ribeiro e Isauro Beltrán Nuñez Introdução No ensino médio trabalha-se com uma série de conteúdos, como os de Física, Química, Biologia, entre outros, com a preocupação de que os alunos aprendam essas disciplinas. No entanto, nem sempre se ensina como desenvolver uma atividade de estudo que permita a utilização de estratégias de aquisição e apropriação dos conhecimentos científicos como um sistema de relações e seus devidos níveis de aprofundamento. Ensinar, considerando os aspectos destaca- dos, é necessário. Também, faz-se necessário repensar a educação nesse nível, refletindo sobre a sua organização escolar, analisando como vem sendo trabalha- do o conteúdo específico das diversas disciplinas e a possibilidade de utiliza- ção de estratégias para reorientar a ação educativa e a formação de conceitos1 escolares de forma mais significativa. A aprendizagem significativa tem como precursor David P. Ausubel, criador de uma nova teoria da aprendizagem em resposta à aprendizagem memorística mecânica e a aprendizagem por descobrimento. Esse tipo de aprendizagem (em relação aos dois tipos destacados) apresenta uma contribuição relevante na com- preensão e mudança do modo de ensinar e aprender no contexto escolar. Podemos entender que é uma aprendizagem auto-regulada, que privilegia estratégias cogni- tivas mediante componentes metacognitivos e motivacionais. A metacognição relaciona-se com a gestão e evolução de níveis de conhe- cimento, mediante o desenvolvimento de metas parciais de aprendizagem e aplica- ção organizada das estratégias adequadas à resolução das dificuldades cognitivas encontradas durante o processo de aquisição do conhecimento. A motivação vincula- se diretamente aos interesses epistêmicos dos aprendizes referentes ao domínio do conhecimento envolvido na atividade de estudo, no sentido de auto-eficácia e de êxitos que se podem alcançar nesse tipo de trabalho, o que pode criar uma disposi- ção para aprender. 1 Os conceitos são elementos importantes do pensamento lógico. Podem ser considerados como uma categoria que representa uma classe de objetos, como expressão da generalização do pensamento. Nos conceitos, expressam-se a experiência social e os conhecimentos sistematizados pela cultura, como forma de reflexão do mundo. 30 David Ausubel, em sua Psychology of Megningful Verbal Learning e no Educacional Psychology: a cognitive view apresentou uma coerente teoria cogni- tiva da aprendizagem humana, especialmente em instituições escolares. Essa teoria, uma década mais tarde, foi parcialmente modificada (Novak e Hanesian, 1983). 1. Aprendizagem significativa A ação educativa pode ser melhorada a partir da construção de um novo saber, saber fazer não só para aprender, mas para aprender a aprender. Nessa perspectiva, a aprendizagem dá-se por significação. O mecanismo interno do pen- samento vinculado à aprendizagem significativa é explicado pela teoria de assi- milação de David P. Ausubel (1989) mediante a relação entre a estrutura cognitiva do aprendiz e as novas informações com as quais estabelece relações não-arbitrá- rias e substantivas. Ou seja: a construção de sentidos para a nova informação dá- se a partir dos conhecimentos que os(as) alunos(as) já têm sobre o objeto de estudo, como se ilustra no Esquema 1, a seguir. A estrutura cognitiva contém as informações armazenadas pelos(as) alu- nos(as), e apresenta uma determinada organização. Esse conteúdo informacional, previamente assimilado, transforma-se em uma estrutura que permite a inclusão de novos dados (a compreensão pelas relações que se estabelecem), mecanismo necessário ao processo de aprendizagem significativa. As informações conceituais incorporadas por uma estrutura cognitiva são consideradas o ponto de partida da assimilação, uma vez que possibilitam intera- ção entreo novo e o que já se conhece, isto é, o material novo integra-se àquilo que o(a) aluno(a) já tem assimilado, resultando num processo interativo entre o conhecimento já existente na mente e os dados novos. Essa inter-relação entre o que já se sabe e as novas idéias transforma-se em um processo de associação de informações e construção de sentidos para nova informação, denominada por Ausubel (1989) de aprendizagem significativa. A aprendizagem significativa pode ser por recepção, quando o aluno rece- be as informações e consegue relacioná-las com suas estruturas cognitivas, criando novos significados. Também pode ocorrer aprendizagem significativa por des- coberta, quando o aluno por si só constrói conhecimento relacionando as novas informações com aquelas já existentes em sua mente, como idéias prévias. Em contrapartida, a teoria de Ausubel (1989) não nega a aprendizagem me- cânica no contexto escolar, mas reconhece que esse tipo de aprendizagem diferen- cia-se de sua proposta, visto que a primeira considera muito pouca ou nenhuma informação prévia da estrutura cognitiva, de modo a estabelecer relações. Assim, na aprendizagem mecânica, a informação é armazenada de maneira arbitrária, não relacionada à informação anterior. 31 A aprendizagem significativa, comparada à aprendizagem mecânica, demons- tra maiores possibilidades de compreensão, visto que, em vez de assimilar conceitos sem estabelecer relações entre eles, de forma arbitrária, tornando-se de difícil com- preensão, encontra um ponto de inclusão na estrutura cognitiva, facilitando a ati- vidade de assimilar e compreender o que se aprende no contexto escolar. As principais diferenças entre os tipos de aprendizagens comparadas podem ser conferidas no Quadro 1. Esquema 01 – Mapa conceitual: processo de modificação da estrutura cognitiva esclarece as relações entre pressupõe uma recebe o conhecimento de forma é mediante a construção de relacionada com o por meio deassimilados por meio de um contínuo transforma-se em transforma-se em novos aprendizagem significativa significativa aprendizagem por recepção aprendizagem por descoberta estrutura cognitiva memorística significados espontânea conhecimento anterior relações não-arbitrárias relações substantivas 32 Quadro 1– Diferença entre a aprendizagem significativa e a aprendizagem por recepção mecânica Ausubel (1989), na sua teoria de assimilação, acredita que conceitos prévios precisam estar presentes na estrutura cognitiva para viabilizar a aprendizagem significativa. Tais conceitos, denominados inclusores, são estruturas específicas altamente organizadas e possuem uma hierarquia conceitual (que guarda simboli- camente as experiências prévias dos(as) alunos(as), na qual uma nova informação pode ser integrada. Caso isso não ocorra, se os conceitos são inteiramente novos para quem está aprendendo, a aprendizagem memorística tem lugar nesse processo de assimilação. Preocupado com esse tipo de aprendizagem, que geralmente ocorre de maneira mecânica e isolada, o autor procura estabelecer um contínuo entre dois extremos: memorização e significação. A memorização é a possibilidade da criação de um vínculo com a nova informação, transformando-se em uma relação signi- ficativa. Se, por exemplo, o(a) aluno(a) memoriza a fórmula da lei da gravitação universal, sem estabelecer nenhuma relação significativa com ela, terá dificulda- des para resolver problemas com essa equação pelo mecanismo de entendimento e compreensão. No entanto, se for construída uma nova significação na aplicação da fórmula, estabelecem-se relações com a nova informação. A assimilação na aprendizagem significativa decorre de rela- ções estabelecidas intencionalmente entre o material novo potencialmente significativo e as idéias já existentes na estru- tura cognitiva do(a) aluno(a). Essas idéias são os conheci- mentos prévios utilizados como conceitos inclusores da nova informação num processo de interação e ampliação desses conceitos. Aprendizagem significativa Aprendizagem por recepção mecânica A assimilação na aprendizagem mecânica decorre da acu- mulação de informações de forma arbitrária. O aluno recebe o conhecimento e não relaciona com sua estrutura cognitiva. Os conhecimentos são armazenados por meio de estímulo resposta ou do resultado entre conduta e o reforço. 33 Quadro 2 – Aprendizagem por recepção significativa Fonte: Peligrini, 1999, p.131-136; Gaspar, 2002, p.260-274 Esse tipo de informação pode ter um significado para os(as) alunos(as), se os(as) professores(as) criarem situações de aprendizagem que possibilitem a operacionalização com o material novo. Isto é, à medida que as informações são assimiladas, estabelecem-se relações significativas para reestruturar os conheci- mentos existentes na estrutura cognitiva, isto porque o processo significativo é um processo continuado de inclusão 1.1. Tipos de conceitos As orientações didáticas vinculadas à aprendizagem significativa de Ausubel (1989) referem-se à aprendizagem de conceitos. O autor também dá atenção especial à aprendizagem verbal, visto que nas palavras encontram-se generalizados os Fórmula da lei da gravitação universal Considerações na busca de significados Ensinar fórmulas aos(as) alunos(as) requer o estabelecimento de uma relação significativa com elas. Quem aprendeu na escola essa fórmula, enuncia logo a lei da gravitação universal. No entanto, é importante saber o que significa para o aluno dizer: F é a força diretamente proporcional a cada uma das massas? As explicações geralmente são assim formuladas: para obter o valor da força F, deve-se multiplicar a constante G pelas duas massas, M e m, que estão no numerador do lado direito da fórmula. E o que significa dizer que a força é inversamente proporcional ao quadrado da distância? Outra explicação é que a força F diminui do seguinte modo: quando a distância d aumenta, temos de elevar a distância d ao quadrado, no denominador, e, depois, divide-se o numerador pelo denominador. Assim, se a distância entre dois corpos dados passar para o dobro, a força entre eles passa a ser quatro vezes menor! E se passar para o triplo, a força passa a ser nove vezes menor. Essas explicações dadas pelos(as) professores(as) nem sempre são relacionadas com a estrutura cognitiva dos alunos. Qual o significado dado pelos(as) aluno(as) ao opera- cionalizarem com esses conceitos? Qual é o nível de entendimento e compreensão quando resolvem tarefas ou problemas de lápis e papel? Eles conseguem alcançar esse nível de abstração? Como? F é a força diretamente proporcional a cada uma das massas, G é uma constante universal, M é a massa do primeiro corpo, m é a massa do segundo corpo e d é a distância entre os centros dos dois corpos. F = G x M x m d2 34 significados socialmente construídos por um determinado grupo. Quando se fala de conceitos é preciso saber qual o tipo referido, se são aqueles com estrutura de classe logicamente definida, ou os que representam um protótipo dos membros de uma classe. Essa segunda categoria apresenta as características familiares da classe. O primeiro tipo de conceito reflete o conjunto de propriedades necessá- rias e suficientes, que permitem generalizar uma classe de objetos, pela fór- mula apresentada [C = f (x,y,z...)]: “C” representa o conceito que é função “ f ” do conjunto de propriedades necessárias e suficientes (x , y e z ). Um exemplo desse tipo de conceito é o conceito de triângulos, figuras geométricas planas fechadas, de três lados e três ângulos. Equivalendo a dizer que os triângulos são polígonos de três lados e três ângulos, como no Quadro 3. Triângulos = Polígonos de três lados e três ângulos C = f (x,y, z). X = polígono conjunto de propriedades Y= três lados necessárias e suficientes Z = três ângulos Quadro 3 – Conceito com estrutura de classe logicamente definida O segundo tipo de conceito toma como base os aspectos comuns compar- tilhados entre o protótipo e os exemplares analisados, ou seja, uma certa “seme- lhança familiar”, um grau de probabilidade. No processo de aprendizagem, usa-se o protótipo para buscar as semelhanças com outros membros da família. A categorização é do tipo que não tem uma estrutura determinada pela lógica dos atributos necessários e suficientes. No lugar de classes definidas, formula-se a existência de um mecanismo de categorização de estímulos baseado em protótipos. Para Rosch, (1973 a; 1976, apud Pozo, 1998) os protótipos são, no ge- ral, os casos mais claros de pertinência a uma determinada classe. São definidos operacionalmente pelo juízo das pessoas em relação a sua inclusão nessa classe (Pozo, 1998). O modelo é o protótipo construído pelo sujeito e a partir dele é possível identificar a pertinência ou não de outros exemplares à classe. Os exem- plos do Quadro 4 representam diferentes tartarugas no processo de elaboração conceitual, possibilitando ao sujeito construir um “protótipo” que se constitui a referência conceitual da classe. 35 Exemplo 1 Protótipo Exemplo 2 Exemplo 3 Exemplo 4 Exemplo 5 Quadro 4 – O protótipo e seus análogos na família do conceito de “tartaruga mordedora” Fonte: Dutra (2004) Na busca da semelhança entre os exemplares e uma tartaruga, que é assu- mida como modelo, apresenta-se a base da formação do conceito da espécie. Nessa perspectiva, a elaboração dá-se pela “semelhança familiar”. Dentre esses exemplos procuram-se estabelecer relações intracategoriais entre o modelo e os exemplos, apresentados. Aqueles que são mais representativos são considerados como bons exemplos por apresentarem maior número de características perceptíveis. Os maus exemplos são aqueles cujas características não são diretamente perceptíveis, como sendo similar ao modelo. Para a identificação e classificação dos exempla- res, faz-se a descrição do modelo, podendo ser destacadas as características físicas, observando-se o tipo de alimentação, o movimento, entre outros atributos. Os exem- plos que demonstram maior quantidade de características similares ao protótipo apresentam a maior probabilidade de fazer parte do conceito. Na análise de formação de conceitos, no texto, assumimos a perspectiva do conceito como uma construção da lógica na ótica dialética. Ensinar, tomando como base o fundamento de estrutura de classe,2 corresponde a levar em consideração o conteúdo e a extensão do conceito,3 como 2 Estrutura de classe ou conteúdo é a estrutura do conceito definida por um conjunto de proprie- dades necessárias e suficientes. 3 A extensão do conceito é a totalidade de objetos que pertencem ao dito conceito (a mesma classe). 36 parte de um plano didático de orientação ao(à) aluno(a) para atribuir significado ao novo conhecimento. No entanto, se o trabalho funda-se no modelo sem classe definida por um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, a lógica da orientação da aprendizagem conceitual, dá-se pelo maior número de caracterís- ticas semelhantes para estabelecer relações entre o protótipo apresentado e os exemplares do conceito (Pozo, 1998). Seguindo uma lógica ou outra, o diagnóstico do que sabe o(a) aluno(a) (nesse caso, o domínio do conceito inclusor, a partir do qual se atribui novo sentido à nova informação) é a base para criar situações de aprendizagem, de modo que possibilitem uma determinada elaboração do conhecimento, mediante relações substanciais entre o novo e o conhecimento prévio de quem aprende. O processo de interação, em que o material novo encontra significado mediante um conceito já assimilado (tipo de conceito definido por classe), ou mediante a estrutura corre- lacional, que permite estabelecer maior nível de semelhança objetiva (tipo de con- ceito definido por semelhança familiar) pode ser susceptível às novas construções. 1.2. Tipos de aprendizagens Aprender significativamente é estabelecer relações entre os conceitos que o(a) aluno(a) dispõe na sua estrutura cognitiva e as novas informações; isso requer uma atitude favorável à construção do conhecimento, vinculada à disposição psicológica para relacionar as informações novas aos conhecimentos prévios. Essa forma ativa e pessoal de aprender os conteúdos pressupõe três condições básicas, representadas no Quadro 5. Ausubel (1978 apud Antória, 1994) reflete sobre três tipos de aprendiza- gem significativa: – a aprendizagem de representações – refere-se basicamente a uma asso- ciação simbólica em nível primário. Nesse sentido, vão se atribuindo significados a símbolos, como por exemplo: valores sonoros vocais e caracteres lingüísticos; – a aprendizagem de conceitos – esta é uma extensão da representação, mas os alunos vão se conscientizando das propriedades necessárias e suficientes ou dos traços comuns entre o protótipo e os exemplares do novo conceito. Esse nível é mais abrangente e mais abstrato. Como, por exemplo, o significado que é atribuído aos mamíferos como uma categoria conceitual, a partir de animais (conceito inclusor); – a aprendizagem de proposições – aquela que promove a compreensão de uma proposição,4 por meio da relação entre dois ou vários conceitos numa uni- dade semântica.5 4 Proposição é entendida por nós como uma sentença formada por conceitos e palavras de en- laces, que ajudam a estabelecer relações entre os conceitos. 5 Unidade semântica é uma unidade de sentido, formada pela proposição. 37 1.3. Mecanismos de aprendizagem significativa A aprendizagem significativa, segundo a teoria de assimilação de Ausubel (1989), toma como referência dois mecanismos básicos: a diferenciação progres- siva e a reconciliação integradora. A diferenciação progressiva é um tipo de mecanismo de diferenciação de conceitos (Ausubel, 1989), que se fundamenta no princípio da relação de inclusão, estabelecida entre o conceito mais geral (inclusor), já assimilado por quem aprende, e os conceitos mais específicos, que progressivamente vão sendo incluídos como extensão do conhecimento mais geral. Nesse mecanismo, os conceitos inclusores são ampliados, o aprendizado ocorre em um movimento do geral ao particular, num processo hierarquizado. Para exemplificar a elaboração dessa relação com o conceito de mamíferos e outros conceitos subordinados, destaca-se o Esquema 2 a seguir. 1) O conhecimento novo deve ser potencialmente significativo. 2) A estrutura cognitiva prévia deve comportar a existência de inclusores prévios. O(a) aluno(a) deve apresentar uma disposição para esta- belecer relações e não memorizações mecânicas (Ausubel, 1982). Isto é, no processo de aprendizagem, com os conteú- dos específicos das disciplinas do currículo escolar. Nesse sentido, as idéias prévias dos alunos devem ser considera- das como propriedades de organização imediata. A motiva- ção e a orientação da atividade possibilita a assimilação de novos significados. Encontrar na estrutura cognitiva possibilidade de inclusão para estabelecer uma relação lógica ou substancial (aspecto relevante da estrutura cognitiva como: imagem, conceito ou proposição) com as idéias prévias já existentes na mente daquele que aprende (Antória, 1994). 3) Predisposição, uma atitude ativa a respeito do conteúdo da aprendizagem. Os conceitos já assimilados de forma sistematizada são os in- clusores. À medida que se vão tornando potencialmente inclu- sores, aumentam a capacidade cognitiva, porque incorporam a nova informação e ampliam as idéias já existentes na men- te (Antória, 1994; Galagovysky, 1993; Galagovysky, 2002). Quadro5 – Condições básicas para assimilação significativa 38 Esquema 2 – Relação conceitual como resultado do mecanismo de diferenciação progressiva À medida que o conceito é assimilado na aprendizagem significativa, os conceitos inclusores expressam-se pela diferenciação progressiva. No mecanismo de diferenciação progressiva, as gradações progressivas de inclusividade são explicadas pelas relações de diferenciação entre os objetos de uma mesma classe, para formação de subclasses. As diferenciações progressivas possibilitam a organização de conceitos subordinados, permitindo as hierarquias conceituais, (Antória, 1994). Desse modo, as idéias gerais podem incorporar as menos gerais expressas por meio das novas informações (novas propriedades necessárias e suficientes, que delimitem o novo conceito). A nova propriedade vai sendo incorporada ao conceito geral, possibilitando mamíferos carnívoros herbívoros canídeos felídeos raposas orelhuda comum vermelha Inclui-se a nova propriedade da ordem (come carne de outros animais). Incluem-se as novas propriedades da família (dentes caninos pontiagudos; dentição para regime carnívoro e adaptação ao regime onívoro). Incluem-se as novas propriedades do gênero (focinho esguio, caça a sua presa e mata para comer no próprio dia e esconde o resto para consumir em outro momento, é considerada esperta pela sua agilidade). Incluem-se as novas propriedades relativas à espécie (cada espécie apresenta propriedades que a distinguem uma da outra). Existe na mente de quem aprende a idéia geral da classe (animais vertebrados que possuem glândulas mamárias e sangue quente). onívoros podem ser incluem encontram-se as das espécies 39 a elaboração de um novo conceito mais particular e derivado do primeiro, permitindo estabelecer as relações hierárquicas entre os conceitos de maior e menor inclusão. Na reconciliação integradora, quando dois ou mais conceitos relacionam os seus significados de uma forma significativa, tem lugar a reconciliação integra- dora. Esse mecanismo dá-se por níveis de integração, reconciliadora, visto que no processo de aprendizagem nem sempre é possível seguir a linearidade (dos conceitos inclusores aos conceitos inclusivos); é preciso estabelecer relações entre os conceitos específicos assimilados pelos alunos e ir integrando novas informações que permitem a ampliação e evolução desses conceitos em níveis de formulação mais geral. Apren- der mediante esse mecanismo significa que durante o processo se encontra problema ou dissonância entre a nova informação e o conceito inclusor, mas é percebido pelo aprendiz que os conceitos que aparentemente estão em contradição, e não têm ne- nhuma ligação, estão na realidade ligados. A aprendizagem do novo conceito (mais geral) produz-se pela integração das características (propriedades) dos conceitos mais particulares em um movimento ascendente. Nesse sentido, a apresentação do material ao aluno deve ser feita de maneira que haja exploração de relações entre as idéias, destacando semelhanças e diferenças entre os conceitos relacionados, para integração em uma nova reformulação con- ceitual. Como no exemplo do Esquema 3 , o conceito de mamífero é assimilado a partir do conceito de raposa “comum”, ou “vermelha”, ou “orelhuda”. . Esquema 3 – Construção de conceito pelo mecanismo de reconciliação integradora mamíferos carnívoros herbívoros canídeos felídeos raposas orelhuda comum vermelha 40 No mecanismo de reconciliação integradora, tem-se como ponto de partida os conceitos particulares (que o aluno conhece), tais como raposa vermelha. Assim, estabelecem-se novas relações entre aquilo que se conhecia de maneira particular e algo mais geral, pelo mecanismo ascendente. Os dois mecanismos discutidos são necessários à aprendizagem significa- tiva dos(as) alunos(as). O aprendiz integra e diferencia conceitos nos processos de atribuir novos significados aos conceitos que se aprende. Na aprendizagem por assimilação significativa, é importante que o(a) aluno(a) assimile o significado não como um pacote de informação a ser guardado na memória e utilizado quando necessário, mas de forma significativa, de modo que o incorpore em sua estrutura cognitiva de caráter relacional, pressupondo uma atitude mais criativa. Nesse tipo de assimilação, é necessário que o aprendiz esteja interessado e disposto, mas isso não é suficiente; é preciso ter na sua estru- tura significados prévios ou seja, os conceitos inclusores que permitem construir novos significados com sucesso. 2. Considerações finais A aprendizagem significativa de Ausubel (1989), vinculada às teorias cog- nitivas, desempenha um papel predominante no desenvolvimento de estratégias de aprendizagem do conhecimento. Esse tipo de aprendizagem limita-se a explicar a organização do conhecimento na memória, relacionada aos esquemas concei- tuais, com base, tanto nas semelhanças familiares como na hierarquia dos concei- tos. Desse modo, apresenta uma limitação: centra sua atenção na aprendizagem de conceitos (por reconciliação e diferenciação progressiva) em detrimento do con- teúdo procedimental. As investigações sobre as idéias prévias têm revelado que os conhecimen- tos dos alunos(as), relacionados com os conhecimentos científicos, geralmente apresentam-se problemáticos, nem sempre são potencialmente significativos, como recomenda Ausubel (1989). Alguns pesquisadores, como Campanario e Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) detectaram que os aprendizes às vezes apresentam idéias errôneas, que, em vez de facilitar o processo de assi- milação, têm interferido negativamente na aprendizagem escolar. Outra polêmica instala-se sobre a disposição para a aprendizagem signi- ficativa, postulada por Ausubel (1989). Os estudos de Shuell (1990) já apontavam a pouca disposição dos alunos(as) para a aprendizagem significativa. Do mesmo modo, o estudo das idéias prévias, realizado por Campanario (1993 b); Campanario e Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) alertam para essa condição dos conceitos inclusores. As suas pesquisas apresentam resultados com estudantes que processam superficialmente os conteúdos científicos, a ponto de não detectar inconsistência em textos curtos. Nesse caso, apontado pela pesquisa, quando os pesquisadores revelam que 41 nem sempre os conceitos inclusores possibilitam aprendizagem significativa, é importante outra reflexão sobre os níveis de formulações conceituais dos alunos, os quais nem sempre estão coerentes com os conteúdos ministrados no contexto escolar; muitas vezes, essa inconsistência ocorre devido ao nível de entendimento e compreensão daqueles que chegam em níveis escolares mais avançados, sem a construção do conhecimento necessário, a operacionalização de novos significados vinculados ao nível de exigência do ensino médio ou de outro nível escolar. Apesar das reflexões dos pesquisadores da Didática das Ciências quanto aos aspectos que limitam a aprendizagem significativa, reconhece-se a teoria de Ausubel (1989) como uma contribuição para a aprendizagem construtivista, visto que o aprendizado ocorre com base em uma atividade ativa dos significados. Na tentativa de superação da superficialidade e construção de uma apren- dizagem significativa, teóricos da Didática das Ciências fazem algumas suges- tões, como: a) relacionar sempre a nova informação com os conhecimentos pré- vios do(as) alunos(as); b) favorecer as reconciliações integradoras e as diferen- ciações progressivas; utilizar recursos como os mapas conceituais, entre outros; utilizar provas de evolução, que exigem estratégias da aprendizagem significativa, como aplicação de conhecimentos; e c) utilizar leis e princípios científicos mais do que como simples reprodução memorística.Referências ANTORIA, A. et al. Mapas Conceituais: uma técnica para aprender. 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La Red Conceptual: Estrategia Cognitiva del Aprendizaje. Revista Especializada en Educación: Escuela Viva. Lima, n. 13, p.1-4, fev. 2000. 43 A APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DE JEAN PIAGET Tereza Cristina Leandro de Faria e Isauro Beltrán Nuñez Introdução Jean Piaget, biólogo e psicólogo, interessou-se pela filosofia e pela teoria do conhecimento: o que é conhecimento? o que conhecemos? como evoluem nossos conhecimentos? Nessa busca, sintetizou uma teoria interacionista e construtivista do desenvolvimento da inteligência: os conhecimentos não são resultantes de condições inatas ou da experiência com os objetos, mas construções sucessivas, com constantes elaborações de novas estruturas. Para Gomez e Sanmartí (1996), as idéias de Piaget postulam a existência de estruturas cognitivas comuns aos membros da espécie humana e a idéia de que o desenvolvimento se produz segundo leis naturais que possibilitam superar etapas fixas, cada uma delas com suas estruturas cognitivas características, correspondendo a idades determinadas: a etapa sensório-motora, a da inteligência representativa (pré-operatória e das operações concretas) e a etapa das operações formais. Essa classificação, para os autores, introduz determinações que não explicam aprendi- zagens não naturais, como as da disciplina Ciências. 1. Assimilação, acomodação e equilibração: conceitos-chave da teoria A teoria de Piaget (1977) é dinâmica e procura explicar como se gera o conhecimento e se constrói a inteligência, como forma de adaptação do indivíduo ao meio em que vive. A adaptação produz-se por dois mecanismos: a assimilação e a acomodação, mediada pela equilibração dos esquemas cognitivos. A aprendi- zagem, nessa perspectiva, está relacionada a quatro fatores comportamentais: a maturação, a transmissão social, a experiência e a equilibração das estruturas cognitivas esquematizados a seguir. 44 Figura 1 – Fatores comportamentais relacionados à aprendizagem Assim, a Teoria da equlilibração da escola piagetiana baseia-se em princí- pios tais como: · a aprendizagem é um processo de construção interna, ativa do sujeito; · a aprendizagem é um processo de reorganização cognitiva, um processo de auto-regulação; · os conflitos cognitivos, bem como sua tomada de consciência, desempe- nham um papel importante; · a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento e das estruturas cognitivas; · as relações sociais (com colegas e adultos) são importantes para o desen- volvimento, como geradoras de contradições e conflitos cognitivos. As estruturas são sistemas mentais cognitivos com leis de transformação que se aplicam ao sistema como um todo, não apenas aos seus elementos. São caracterizadas por três propriedades: totalidade, transformação (relações entre partes, como uma se torna outra) e auto-regulação (as estruturas buscam a automanutenção, organização e fechamento). A formação de esquemas e/ou estruturas cognitivas é resultante dos processos de assimilação, acomodação e equilibração, como está representado na Figura 2. Equilibração das estruturas cognitivas Experiências Transmissão social Maturação 45 Figura 2 – Representação do equilíbrio da estrutura cognitiva Piaget (apud Pozo, 1998) distingue dois tipos de aprendizagem: no sentido estrito, a aquisição de informação específica sobre o meio; e, no sentido amplo, o progresso das estruturas cognitivas segundo processos de equilibração. É impor- tante ressaltar que, para Piaget, se produz aprendizagem quando ocorre um dese- quilíbrio ou conflito cognitivo. O conflito cognitivo é um estado psicológico que contradiz a experiência (as estruturas cognitivas), ou seja, entra em contradição com as idéias que o aluno tem sobre o objeto ou fenômeno. A situação de apren- dizagem promove uma contradição quando as idéias de que o indivíduo dispõe para explicar um fato mostram-se