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| PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 9 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Juliana Stuginski-Barbosa Naila Godói Machado Paulo César Rodrigues Conti INTRODUÇÃO A Ortodontia tem passado por grandes mudanças nos últimos anos e notavelmente de- monstra uma ascensão como uma especialidade odontológica cada vez mais difundida e procurada por diversos pacientes. Naturalmente, é provável que o ortodontista receba cada vez mais crianças cuja preocupa- ção dos pais é a presença de um hábito parafuncional muito frequente nos dias atuais: o bruxismo. Bruxismo é uma atividade repetitiva da musculatura mastigatória, caracterizado pelo apertamento, pelo ranger de dentes e/ou por segurar ou empurrar a mandí- bula. Movimentos cêntricos e/ou excêntricos e a manutenção da mesma posição mandibular são realizados por meio de contrações dos músculos mastigatórios de forma isolada ou até mesmo alternada. Pela nova definição apresentada, mesmo sem o contato entre dentes, o bruxismo pode ocorrer. O bruxismo apresenta duas manifestações circadianas: ocorrer enquanto se está acordado (bruxismo em vigília – BV) ou durante o sono (bruxismo do sono – BS), cada um com carac- terísticas fisiopatológicas e com tratamentos distintos.1 10 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Essa nova definição foi apresentada por um grupo de pesquisadores em BS em 2013, acom- panhada da clara necessidade da distinção entre as diversas formas de bruxismo, o que facilita a abordagem e o controle de seus efeitos deletérios. Segundo a Classificação Internacional de Distúrbios do Sono, o BS é uma disfunção de movi- mento relacionada ao sono, caracterizado por ranger e/ou apertar os dentes durante o sono, usualmente associado a microdespertares.2 A prevalência do BS:3 § varia entre 8 e 16%; § não apresenta diferenças entre os gêneros; § é inversamente proporcional à idade, ou seja, na infância, é mais prevalente (20%), diminuindo na idade adulta (8%) e ainda mais na terceira idade (3%). Apesar de mais frequente na infância, o tema bruxismo infantil ainda é pouco estudado em todo o mundo. Sabe-se que, assim como na população adulta, o bruxismo gera problemas dentários como desgastes, fraturas, hipermobilidade, sensibilidade e até mesmo pulpites e necroses pulpares. Conhecer bem essa condição é importante para o ortodontista cujos pacientes são, em grande parte, crianças ou adolescentes. OBJETIVOS Ao final da leitura deste artigo, o leitor poderá: § reconhecer a nova definição relacionada ao bruxismo, inclusive a graduação diagnós- tica; § classificar o bruxismo; § reconhecer aspectos relacionados à epidemiologia, à etiologia e à fisiopatologia do bruxismo; § identificar a melhor abordagem à criança com bruxismo de acordo com a classifica- ção e com fatores associados a ele. | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 11 ESQUEMA CONCEITUAL EPIDEMIOLOGIA Ao analisar os estudos realizados para estimar a prevalência do bruxismo na infância, po- de-se dizer que grande parte desses estudos se baseia no relato por parte dos pais do ruído de ranger os dentes, especialmente durante o sono. Assim, a maioria dos trabalhos aborda o BS em vez do BV. Além disso, são poucos os estudos que estimam a prevalência do BV na infância. Na população adulta, o BV atinge cerca de 20% da população e, usualmente, apresenta-se como apertamento ou encostar de dentes (mantê-los ocluídos) durante o dia. Esse hábito parafuncional deve ser discriminado de atividades usuais (mastigação funcional, deglutição, fala) e de outros hábitos semelhantes.3 A presença de BS começa a ser observada na primeira infância, com a erupção dos incisivos centrais superiores decíduos. Epidemiologia Fisiopatologia Bruxismo primário Bruxismo e fatores secundários O diagnóstico de bruxismo Tratamento Casos clínicos Considerações finais Caso clínico 1 Caso clínico 2 12 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Uma recente revisão sistemática indicou que a prevalência de BS na infância apresenta alta variabilidade, entre 3,5 e 40,6%, sem diferença entre os sexos. A variabilidade parece estar diretamente associada a fatores como distribuição geográfica, status socioeconômico, rela- ção entre BS e outras condições e faixa etária observada.4 A maior ocorrência de BS é encontrada em crianças entre 5 e 8 anos. A presença de BS parece reduzir com a idade, o que é confirmado com o decréscimo na prevalência de BS a partir dos 9 anos.4-6 Já o BV parece ser mais comum em adolescentes, e a prevalência é de 8,7 a 12,4%, observados em crianças e jovens entre 7 e 18 anos.5,7 Os estudos sobre o bruxismo realizados no Brasil foram os que apontaram maior preva- lência tanto de BS na infância, na faixa etária de 7 a 9 anos (35,9% e 39,1%),8,9 como de BV (20%).8 O bruxismo seria realmente mais comum no Brasil comparativamente a outros países? Essa pergunta ainda precisa ser respondida pelos pesquisadores. De fato, a metodo- logia empregada nos diversos estudos foi distinta. A relação de ambos os tipos de bruxismo (BS e BV) com sinais e com sintomas de disfunção temporomandibular (DTM) é mais observada em adolescentes. Na faixa etária de 12 a 18 anos, o BV foi associado à presença de dor na musculatura mastigatória, assim como a ruí- dos e a dor na articulação temporomandibular (ATM). Há associação também entre BS e dor na face pela manhã e ruídos na ATM.7 O fato de a associação ser observada em crianças com maior idade pode ser atribuído tanto ao limiar de tolerância a dor quanto à própria fisiologia muscular, com maior resistência à fadiga em crianças mais novas.10 Em crianças mais jovens, parece não haver associação significativa entre hábitos orais parafuncionais e dor por DTM.11 Em crianças, o BS é frequentemente associado a dores de cabeça. Em estudo recente, crianças com cefaleia apresentaram 1,6 vezes mais chances de relatar BS.12 Da mesma maneira, crianças com BS relataram aproximadamente três vezes mais ce- faleias do que controles.13 Cautela é importante ao analisar esses resultados. Os estudos são observacionais, baseados em autorrelatos, e consideram o sintoma cefaleia, e não o diagnóstico de qual subtipo de cefaleia o paciente apresenta. Ainda, infelizmente pouco se sabe a respeito da relação entre cefaleia e BV. Para avaliar a relação entre cefaleia e bruxismo, o ortodontista deve estar familia- rizado com os principais diagnósticos de cefaleias primárias (a cefaleia é a própria doença) e secundárias (há uma condição gerando a cefaleia). | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 13 Isso porque, muitas vezes, pais e/ou responsáveis atribuem a presença da cefaleia ao bru- xismo e até mesmo à maloclusão. Infelizmente, estudo realizado no Brasil demonstrou que especialistas em Ortodontia apresentam pouco conhecimento sobre a cefaleia primária mais comum, a migrânea (enxaqueca).14 A Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD III, sigla em inglês), que está em sua tercei- ra edição, é a única ferramenta reconhecida e aceita internacionalmente para o diagnóstico e para a classificação das cefaleias. Dentre as cefaleias primárias, as mais comuns são migrâ- nea e cefaleia tipo tensional (CTT).15 A migrânea é uma cefaleia primária recorrente, que se manifesta em crises com duração de 4 a 72 horas, de localização unilateral, caráter pulsátil, com intensidade moderada ou forte, exacerbada por atividade física rotineira e associada à náusea e/ou a vômitos ou a fotofobia e a fonofobia. Na CTT, a dor é tipicamente em peso ou pressão, de intensidade fraca ou moderada, de lo- calização bilateral, frontotemporal ou occipital, não piorando com atividade física rotineira, não acompanhada por vômito, mas podendo apresentar fotofobiaou fonofobia.15 Entre crianças em idade pré-escolar, 22% delas receberam diagnóstico compatível com mi- grânea e 17,5% demonstravam CTT. O fato de a criança apresentar cefaleia aumentou o risco de relato de bruxismo em 2,4 vezes quando a cefaleia era compatível com migrânea e 1,4 vezes com CTT.16 Crianças com cefaleia apresentam relato frequente de problemas relacionados ao sono, como:17 § sono não reparador; § insônia; § ansiedade relacionada ao momento de dormir; § pesadelos; § outros distúrbios do sono. Crianças com relato de cefaleias frequentes devem ser encaminhadas para neuro- logista, especialmente para os cefaliatras (especialistas no diagnóstico e no trata- mento de cefaleias). FISIOPATOLOGIA Conforme visto anteriormente, o BS e o BV apresentam características específicas, respon- sáveis por suas respectivas distinções. O BV parece estar associado a tiques nervosos e ao estresse gerado por responsabilidades familiares ou por pressão no trabalho em adultos.3 14 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Na rotina clínica, não é incomum encontrar crianças que apresentam BV como reação a situações de estresse e de concentração, como estudar, usar o computador ou até mesmo jogar videogame. Nem sempre os pais e/ou os responsáveis têm conhecimento sobre essa situação. As crianças tendem também a imitar o comportamento apresentado pelos pais e/ou pelos responsáveis mais próximos, ou seja, as crianças, ao notarem que os pais e/ou os respon- sáveis apresentam o hábito de apertar e/ou de ranger os dentes, acabam reproduzindo o hábito. Com relação ao BS, a fisiopatologia passou a ser conhecida após o uso do exame de polisso- nografia (PSG), direcionado para a determinação de vários parâmetros relacionados ao sono, útil para o diagnóstico de diversos distúrbios do sono. A PSG registra, em uma noite inteira, os principais eventos fisiológicos do sono por meio de eletrodos e de sensores especiais, como: § eletroencefalograma (EEG); § eletroculograma (EOG); § eletromiograma (EMG); § eletrocardiograma (ECG); § fluxo aéreo; § microfone traqueal; § sensor de posição. Para o exame de BS, é indicada a adição de eletrodos para EEG de músculos masseteres, microfone para registro de ruídos dentais e câmera filmadora em infravermelho. O uso da câmera e de microfone permite maior acesso válido e quantitativo das atividades oroman- dibulares. A caracterização das fases do sono pode ser feita com base em três variáveis fisiológicas que compreendem o EEG, o EOG e o EMG submentoniano. Por meio dessas variáveis, são carac- terizados dois padrões fundamentais de sono: sem movimentos oculares rápidos (NREM) e com movimentos oculares rápidos (REM). O sono NREM é composto por três etapas em grau crescente de profundidade, os está- gios I, II e III. No sono NREM, há relaxamento muscular comparativamente à vigília, porém mantém-se sempre alguma tonicidade basal. Já, no sono REM, há hipotonicidade. O sono acontece de forma cíclica, ou seja, quando a pessoa adormece, ela passa pelas fases NREM até chegar à fase REM do sono, o que caracteriza um ciclo. Durante o sono, em condições normais, o indivíduo inicia pelo estágio NREM I e, progressi- vamente, muda de fase até a fase mais profunda do sono NREM, a III. Passados 90 minutos, o indivíduo atinge o sono REM, o que, nas primeiras horas de sono, tem duração bem curta (de 5 a 10 minutos), aumentando com o passar das horas. Após esse primeiro ciclo, retorna- se à fase II de sono NREM. Durante oito horas de sono, de 5 a 6 ciclos de sono acontecem.2 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 15 Por meio da PSG, observou-se que, nos pacientes com BS, a atividade da muscula- tura mastigatória rítmica (RMMA) teve sua frequência aumentada entre 3 e 8 ve- zes, com maior amplitude da descarga neuromuscular e 90% com contato dental e com ranger de dentes.3 Em adultos, pode-se verificar que os eventos de BS ocorrem com maior frequência na fase NREM II do sono (de 60 a 80%), ou seja, em fase de sono leve, com, em média de 5,4 a 6 episódios por hora, sendo 88% em movimentos que geram ranger de dentes, mantendo a arquitetura do sono normal. Os eventos de bruxismo em adultos foram correlacionados a microdespertares,10 que são caracterizados por uma mudança da atividade do EEG para uma atividade rápida, com du- ração entre 3 e 15 segundos. Não há um despertar consciente e não chega a alterar a arquitetura do sono, mas o micro- despertar constitui um dos marcadores da fragmentação do sono e pode estar correlaciona- do à fadiga e à sonolência diurna.3 A sequência de eventos fisiológicos que leva ao bruxismo foi descrita com mais detalhes por Lavigne e colaboradores:3 1. De 4 a 8 minutos antes da RMMA, ocorre ativação do sistema autonômico cardíaco, com aumento na atividade simpática; 2. 4 segundos antes da RMMA, a atividade alfa no EEG; 3. 1 segundo antes da RMMA, taquicardia; 4. 0,8 segundos antes da RMMA, ocorre ativação da musculatura supra-hioidea; 5. então ocorre a RMMA com primeira ativação da musculatura mastigatória e só nesse momento há o ranger de dentes. A fisiopatologia do bruxismo descrita por Lavigne e colaboradores concorda com uma fisio- patologia central, e não periférica para o BS; porém ainda carece de confirmação quando relacionada a crianças.3 Poucos são os estudos que utilizaram a PSG em crianças para verificação do BS. Um estudo mostrou que crianças e jovens entre 5 e 18 anos apresentaram 66% de episódios de BS associados ao aumento no número de microdespertares, e esses episódios ocorreram com maior frequência na fase II do sono NREM. Entre esses indivíduos com BS, 40% apresenta- ram índices elevados de problemas de comportamento e de atenção.18 É interessante observar que a dificuldade para dormir foi um fator predisponente para o relato de BS em crianças,19 sendo também que crianças com sono leve apre- sentaram significativamente mais relatos de BS.12 16 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Em estudo tipo caso-controle, verificou-se que havia uma associação entre o relato de BS em crianças e o número de horas dormidas, sendo que crianças que dormiam menos de oito horas por noite apresentavam chance maior de relatar BS. Estímulos como luz acesa e sons no ambiente enquanto a criança dorme foram fatores ambientais associados à presença de BS.20 Entretanto, não há como se determinar a direção dessa associação, ou seja, causa e efeito. Talvez essas crianças não apresentem sono repa- rador. Ainda, sabendo que o BS ocorre em fases mais leves do sono, os estímulos no ambiente enquanto a criança dorme poderiam exacerbar o número de eventos de BS. Estudos longi- tudinais seriam necessários para explicar essa relação. BRUXISMO PRIMÁRIO De acordo com a origem, o bruxismo pode ser classificado em primário ou secundário. O bruxismo primário é controlado pelo sistema nervoso central (SNC) e sua etiologia ainda é desconhecida. Já o bruxismo secundário está relacionado às condições identificáveis à pre- sença do hábito.1 A oclusão era historicamente citada como um dos fatores etiológicos do bruxismo; entretanto, atualmente, faltam evidências científicas que comprovem seu papel como gerador de eventos de bruxismo.21 Um ponto importante sobre o bruxismo, que pode, muitas vezes, confundir o clínico, é o conceito de hipervigilância oclusal e sua relação com BV. A hipervigilância está associada ao aumento anormal da atenção aos estímulos externos, ou seja, o indivíduo foca sua atenção em determinado estímulo. Transportando esse conceito para o BV, alterações oclusais agu- das desempenham um papel importante no agravamento de parafunções preexistentes em alguns indivíduos considerados hipervigilantes. A interferência oclusal não é geradora direta de BV, mas o comportamentode alguns pa- cientes, hipervigilantes, frente a esse estímulo, faz com que a atividade muscular mastigató- ria aumente e, em consequência, o paciente apresente BV. Essa hipótese contribui também para a compreensão dos aspectos cognitivos nas atividades de bruxismo.21,22 Sintomas emocionais foram associados à alta prevalência de bruxismo.8 Um estudo caso- controle revelou que crianças com bruxismo apresentam maior probabilidade (16 vezes) de serem ansiosas. Crianças com alto nível de neuroticismo foram mais propensas a relatarem BS.23 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 17 Neuroticismo é a tendência para experimentar emoções negativas, como raiva, ansiedade ou depressão, que afetam a capacidade adaptativa do indivíduo. Atividades domésticas foram também relacionadas a BS, o que, em crianças com nível alto de neuroticismo, pode gerar um aumento da irritabilidade. Por outro lado, praticar uma atividade esportiva pode ser um fator de proteção contra o alto nível de neuroticismo. Em estudo recente, a maioria das crianças que praticava esportes com frequência não apresen- tou BS.24 O papel do estresse e da ansiedade por atividade das catecolaminas (norepinefrina, dopa- mina e serotonina) ou pelo papel do eixo hipotalâmico e adrenérgico e amígdala central foi relacionado ao BV em adultos.3 O eixo hipotalâmico-pituitário controla a liberação dessas catecolaminas (norepinefrina, do- pamina e serotonina) das glândulas adrenais. Há alguns estudos em que altas concentrações urinárias de catecolaminas, como dopamina, epinefrina e adrenalina, foram reportadas em crianças com bruxismo.25,26 Em contrapartida, recente estudo realizado em crianças com BS revelou baixas concentra- ções de cortisol salivar pela manhã, o que fez com que os autorressugerissem que talvez, em crianças, o estresse pode não estar diretamente relacionado ao BS.27 Crianças com BS apresentam qualidade de vida relacionada à saúde similar à das crianças sem essa condição.13 De fato, o papel dos fatores emocionais ainda necessita de mais esclarecimentos para se compreender exatamente qual seria o papel do estresse e da ansiedade no bruxismo infantil, tanto no relato do BS como do BV. Recentemente, uma pesquisa em adultos comparando pacientes com bruxismo com indiví- duos saudáveis observou apenas associação entre bruxismo e sintomas psicológicos naque- les que apresentavam BV, e não BS.28 O papel da dopamina como neurotransmissor participante do mecanismo do microdesper- tar no SNC parece também influenciar a etiologia do BS primário.3 Crianças com BS apre- sentam alto número de microdespertares.18 A genética também parece ser um fator relacionado à etiologia do bruxismo. Um estudo com gêmeos mostrou que aqueles monozigóticos foram propensos a rangerem os dentes de forma semelhante.29 Se um dos pais biológicos apresenta bruxismo, a criança tem quase duas vezes mais chance de também apresentar bruxismo.30 Ainda não há a descrição precisa de um padrão de transmissão genética para bruxismo. 18 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER 1. Sobre a definição e a classificação do bruxismo, qual é a alternativa correta? A) Bruxismo é uma atividade repetitiva da musculatura mastigatória, caracterizado por apertamento e por ranger de dentes e/ou por segurar ou por empurrar a mandíbu- la. B) Bruxismo é uma doença tanto muscular quanto óssea que leva ao apertamento e ao ranger de dentes e/ou a segurar ou a empurrar a mandíbula. C) Bruxismo apresenta duas manifestações circadianas: pode ocorrer enquanto se está acordado (BV) ou durante o sono (BS), cada um com características fisiopatológicas e tratamentos muito semelhantes. D) A classificação do BV e do BS como dois distúrbios com mesmas características e abordagem facilitou seu tratamento e o controle de seus efeitos deletérios. Resposta no final do artigo 2. Sobre a prevalência de bruxismo na infância, qual é a alternativa correta? A) A prevalência de BV na infância apresenta alta variabilidade, entre 3,5 e 40,6%, sem diferença entre os sexos. B) A forma de bruxismo mais encontrada na infância é o BV, atingindo 20% da popu- lação infantil. C) A maior ocorrência de BS é encontrada em crianças a partir de 9 anos, diminuindo a prevalência com a idade. D) O BV parece ser mais comum em adolescentes, sendo os que mais frequentemente apresentam relação com sinais e com sintomas de DTM. Resposta no final do artigo 3. Quanto à relação entre bruxismo na infância e cefaleias, qual é a alternativa correta? A) Não há diferença em relação ao bruxismo entre cefaleias primárias e secundárias, não alterando o diagnóstico e o tratamento do bruxismo na infância. B) Dor de cabeça pela manhã nas têmporas, em forma de pressão, pode ser somente causada por BS. C) O fato de a criança apresentar cefaleia primária não aumenta o risco de relato de bruxismo. D) O fato de a criança apresentar cefaleia compatível com migrânea aumenta o risco de relato de bruxismo em 2,4 vezes e 1,4 vezes quando compatível com CTT. Resposta no final do artigo | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 19 4. Em relação à fisiopatologia do bruxismo, analise as afirmativas a seguir. I. – Na rotina clínica, não é incomum encontrar crianças que apresentam BV como rea- ção a situações de estresse e de concentração, como estudar, usar o computador ou até mesmo jogar videogame. II. – Por meio da PSG, observou-se que, nos pacientes com BS, a RMMA teve sua fre- quência diminuída entre 3 e 8 vezes. III. – A dificuldade para dormir foi um fator predisponente para o relato de BS em crian- ças, sendo também que crianças com sono leve apresentaram significativamente mais relato de BS. Quais estão corretas? A) Apenas a I e a II. B) Apenas a I e a III. C) Apenas a II e a III. D) A I, a II e a III. Resposta no final do artigo 5. Qual é a sequência correta da cascata de eventos que caracteriza o BS? A) (1) Microdespertar, com ativação do SNC e atividade alfa no EEG; (2) ativação do sis- tema nervoso autonômico, com aumento na frequência cardíaca (FC); (3) ativação da musculatura mastigatória e contato das superfícies dentárias. B) (1) Ativação da musculatura mastigatória e contato das superfícies dentárias; (2) ativação do sistema nervoso autonômico, com aumento na FC; (3) microdespertar, com ativação do SNC e atividade alfa no EEG. C) (1) Ativação da musculatura mastigatória e contato das superfícies dentárias; (2) mi- crodespertar, com ativação do SNC e atividade alfa no EEG; (3) ativação do sistema nervoso autonômico, com aumento na FC. D) (1) Microdespertar, com ativação do sistema nervoso periférico e atividade alfa na RMMA; (2) ativação do sistema nervoso autonômico, com diminuição na FC; (3) relaxamento da musculatura mastigatória e contato das superfícies dentárias. Resposta no final do artigo 20 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER 6. Analise as afirmativas a seguir e marque V (verdadeiro) ou F (falso). ( ) O bruxismo primário é controlado pelo SNC e sua etiologia é conhecida. ( ) O bruxismo secundário está relacionado às condições identificáveis à presença do hábito. ( ) Sintomas emocionais foram associados à alta prevalência de bruxismo. Crianças com alto nível de neuroticismo foram mais propensas a relatarem BS. ( ) Crianças com BS apresentam qualidade de vida relacionada à saúde inferior a crian- ças sem essa condição. Qual é a sequência correta? A) V – F – V – F. B) F – V – F – V. C) F – V – V – F. D) V – F – F – V. Resposta no final do artigo 7. A genética também parece ser um fator relacionado à etiologia do bruxismo. Justifique a afirmação. __________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ BRUXISMO E FATORES SECUNDÁRIOS Em relação ao bruxismo secundário, pode-se dizer que existem condições específicas rela- cionadas ao aparecimento da atividade muscular mastigatória. Entretanto, essas mesmas condições podem perpetuar a ocorrência de bruxismo primário. É importante observar não só a presença de uma condição secundária, mas tam- bém o aspecto temporal, ou seja, se os sinais e os sintomas de bruxismo se inicia- ram ou exacerbaram após o início específico dessas condições para que, no trata- mento, quando possível, essa condição seja eliminada para o controle do bruxismo. Em adultos, bruxismo pode ser associado a fatores como etilismo, tabagismo, uso de drogas como a cocaína, ingestão de cafeína, anfetamina e uso de antidepressivos inibidores seleti- | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 21 vos da recaptação de serotonina (ISRS – fluoxetina, sertralina etc.) ou antidepressivos do tipo dual (venlafaxina). Foi observado, ainda, que o bruxismo pode ser secundário a condições como:3 § distúrbios de movimento, como doença de Parkinson; § distúrbios neurológicos (por exemplo, coma e hemorragia cerebelar); § distúrbios psiquiátricos (por exemplo, estados demenciais e retardo mental); § distúrbios respiratórios do sono, como a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS). O Quadro 1 traz alguns fatores relacionados à presença de bruxismo em crianças. Quadro 1 FATORES ASSOCIADOS AO BRUXISMO EM CRIANÇAS Parassonias § Enurese § Falar durante o sono § Andar durante o sono Outros distúrbios do sono § Distúrbios respiratórios do sono (ronco, apneia obstrutiva do sono) § Insônia (dificuldade para dormir, despertares frequentes) § Epilepsia relacionada ao sono § Movimento periódico de membros Condições médicas e psicológicas § Hipertrofia de tonsilas e adenoides § Alergias § Transtorno de hiperatividade e déficit de atenção § Cefaleias § DTM § Ansiedade § Problemas neurológicos Medicamentos § Metilfenidato (ritalina) § Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e/ou norepinefrina (paroxetina, sertralina, fluoxetina, venlafaxina) § Antipsicótico (haloperidol) Hábitos orais concomitantes § Morder objetos (canetas, lápis etc.) § Onicofagia Fonte: Carra e colaboradores (2012).17 22 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Interessante notar que estudos realizados em países subdesenvolvidos e em desenvolvimen- to apontam a infecção por parasitas (verminoses) como fator correlacionado ao relato de BS, o que foi disseminado principalmente no Brasil. Entretanto, estudo realizado em Ribeirão Preto/SP investigou essa associação em crianças com e sem BS e concluiu que não há supor- te para ela, ou seja, não houve diferenças na presença de parasitas intestinais entre crianças com e sem BS.31 Em crianças, alta prevalência de bruxismo foi observada em condições como sín- drome de Down (23 a 42%) e paralisia cerebral (25 a 36,9%).32-34 Tem sido proposta também uma possível associação entre transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e concomitante BS em crianças.30 Crianças em tratamento para TDAH e em uso de metilfenidato apresentam alta prevalência de bruxismo secundário ao uso desse medicamento, quando comparadas com crianças com TDAH sem tratamento e com grupo controle.35 Assim como em adultos, o uso de medicamentos como haloperidol, inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina, paroxetina, sertralina) e antidepressivos do tipo dual (venlafaxina) é fortemente associado à presença de BV e de BS. A hipótese seria de que essas medicações mantêm por mais tempo o neurotransmissor serotonina na fenda sináptica, o que, nos centros de controle motor, levaria a uma relação desbalanceada com o neurotrans- missor dopamina.3 O tabagismo parece ser um fator contribuinte para exacerbar o bruxismo infantil. Um estudo em que se observaram jovens entre 10 a 22 anos constatou que o BV foi associado ao hábito de fumar cigarros por pessoas próximas.7 Estudo realizado na Itália constatou que, entre 498 crianças com idade média de 9 anos, o BS foi observado pelos pais e/ou pelos responsáveis em 31% delas. Entre as crianças com BS, 76% tinham pais e/ou responsáveis que fumavam. A exposição ao fumo foi então classifica- da em alta, moderada ou leve. Observou-se que o relato de BS estava associado à exposição moderada a alta ao tabagismo.36 A exposição de crianças ao tabagismo deve servir de alerta aos pais e/ou aos responsáveis. Além do próprio prejuízo gerado pelas substâncias químicas no SNC, o fumo é conhecido por intensificar processos alérgicos e problemas respiratórios, além de todos os outros ma- lefícios conhecidos. Alguns distúrbios do sono foram fortemente associados ao relato de BS como enurese, so- nilóquio e sonambulismo.5 De fato, movimentos durante o sono e problemas respiratórios foram fortemente relacionados a BS.6 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 23 O relato de BS em crianças é mais comum nas que apresentam rinite alérgica, asma e in- fecções do trato alto respiratório e foi quatro vezes mais frequente nas crianças que falam durante o sono. Em crianças com obstrução nasal, o relato de BS está presente em 62,5% delas. A explicação para esse fato pode recair no controle central dos músculos da face envolvidos. Tanto a fala durante o sono como o bruxismo são associados à resistência à passa- gem do ar e ocorrem após um evento de obstrução parcial (hipopneia) ou obstru- ção total (apneia).6 Apesar de BS e resistência à passagem do ar estarem frequentemente associados, a possível relação causa-efeito precisa ainda ser investigada. Há a hipótese de que a ocorrência de um evento de hipopneia/apneia pode desencadear microdespertares, iniciando a cascata para a ocorrência de um evento de BS. Uma segunda hipótese explica que a RMMA poderia ser uma atividade motora que aju- daria a restabelecer a patência da via aérea após o evento de hipopneia/apneia obstrutiva. Também a RMMA poderia ser um evento fisiológico motor que auxilia na lubrificação das estruturas orofaríngeas que podem estar prejudicadas pela respiração oral.17 A fragmentação do sono por episódios de síndrome da apneia/hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) em adultos tem como sintoma sonolência diurna. Em crianças, episódios de SAHOS podem levar à hiperatividade e a problemas de atenção e de aprendizado,37 o que pode ser confundido, muitas vezes, com sintomas de TDAH pelos pais e/ou pelos responsáveis. Também crianças com TDAH podem apresentar problemas relacionados ao sono, como sono não reparador, ronco, SAHOS e distúrbios do movimento do sono. Assim, por conta das associações relatadas, é muito importante para o clínico estar familiarizado com o diag- nóstico dos distúrbios respiratórios do sono na população infantil.17 Enquanto em adultos a SAHOS é associada fortemente à obesidade, estudo realizado em clínica de Ortodontia indicou que, em crianças, os sintomas de distúrbios respiratórios du- rante o sono foram associados à hipertrofia adenotonsilar, a fatores morfológicos como face longa e estreita (padrão dolicofacial, ângulo mandibular obtuso, palato profundo, atresia maxilar e mandibular), a alergias, a resfriados frequentes e à respiração oral habitual. Nesse mesmo estudo, o relato de BS foi duas vezes mais frequente em crianças com deficiência mandibular.38 Crianças/jovens de 7 a 17 anos apresentaram 2,2 vezes mais chances de relatarem BS quan- do portadoras de maloclusão Classe II esquelética e 1,9 quando dental.5 Esse perfil retrog- nático em crianças com BS pode ser um fator predisponente a distúrbios respiratórios do sono.17 24 BRUXISMO INFANTIL: O QUEO ORTODONTISTA DEVERIA SABER O DIAGNÓSTICO DE BRUXISMO Não há um consenso para os critérios de diagnóstico que possam ser utilizados na rotina clínica de um consultório odontológico. Determinar se o paciente apresenta bruxismo ativo é um desafio para o clínico. Avaliações objetivas e reprodutíveis são necessárias para imple- mentar o diagnóstico.1 Atualmente, a forma mais utilizada para avaliação do BS é o uso de questionários associados a sinais encontrados durante o exame físico. As vantagens do uso de um questionário são a praticidade e o baixo custo. Porém, a subjetividade das respostas dadas pela criança ou pelos pais e/ou pelos responsáveis faz com que esse método não seja preciso. No questionário para avaliação do BS, é importante não só identificar os sintomas, mas também quantificar a frequência, por exemplo, por noites de sono durante a semana ou durante o mês ou por tempo durante a vigília (Quadro 2). O relato de ruídos de ranger de dentes pelos pais e/ou pelos responsáveis é, usual- mente, o principal sintoma a ser considerado como indicador de bruxismo no ques- tionário. A informação sobre se há ruído de ranger de dentes, amplamente utilizada em pesquisas de epidemiologia do BS infantil, pode apresentar vieses importantes, responsáveis, talvez pela heterogenia dos resultados já apresentados neste artigo. Da mesma forma que o bruxismo infantil pode não ser diagnosticado pela falta de conhe- cimento dos pais e/ou dos responsáveis sobre o comportamento da criança no sono ou em vigília, a chance de uma criança apresentar bruxismo aumenta quase duas vezes se os pais e/ ou os responsáveis estão atentos e reconhecem os sinais e sintomas de bruxismo e 1,7 vezes se os pais e/ou responsáveis dormem com a porta de seu quarto aberta. A presença dos pais/ou dos responsáveis no mesmo quarto que a criança e a ansie- dade da separação no momento de dormir são mais comuns em crianças com BS.30 O Quadro 2 traz algumas questões mais utilizadas para sintomas de bruxismo e suas limitações. | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 25 Quadro 2 QUESTÕES SOBRE SINTOMAS RELACIONADOS A BRUXISMO INFANTIL E SUAS LIMITAÇÕES Questões Limitações 1. A criança range ou aperta os dentes durante o sono? Alguém já observou se ela faz ruídos de ranger os dentes enquanto está dormindo? § Necessita da observação do sono da criança por terceiros. § Ruídos de ranger podem ser confundidos com outros ruídos durante o sono. 2. Ao acordar, a criança relata dor ou cansaço nos músculos da face? § Pode não estar relacionado ao bruxismo. § Pode estar relacionado a outros distúrbios do sono. 3. A criança relata dor, desconforto ou sensibilidade nos dentes? § Pode ser atribuído a outros fatores, como erosão química e cáries dentárias. § Deve ser considerado pela manhã, para diagnóstico de BS. 4. Ao acordar e movimentar a boca, a criança relata rigidez ou travamento na sua articulação? § Pode não estar relacionado ao bruxismo. 5. Nos últimos três meses, a criança apresentou dentes ou restaurações fraturadas, exceto por cárie dentária, infiltrações ou outro trauma conhecido? § Não é específico para bruxismo. § Não determina se BS ou BV. 6. A criança sente dor de cabeça nas têmporas ao acordar? § Pode não estar relacionado ao bruxismo. § Pode estar relacionado a outros distúrbios do sono. § Pode estar relacionado a outro tipo de cefaleia. 7. A criança mantém os dentes encostados (apertando ou segurando os dentes unidos) quando acordada? § Nem sempre a criança ou os pais e/ou os responsáveis têm consciência desse hábito. § Não especifica a situação em que o hábito ocorre (momentos de concentração, tensão, estudos, uso de videogame etc.). Fonte: Koyano e colaboradores (2008).39 26 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER O exame físico de investigação do bruxismo deve incluir avaliação de desgaste dentário, marcas em bochechas, endentações em língua, dor e hipertrofia da mus- culatura mastigatória. Considera-se hipertrofia da musculatura mastigatória um aumento de volume muscular em masseter e/ou temporal entre 2 e 3 vezes quando em contração má- xima.40 Baseado nas respostas obtidas no questionário e nos achados em exame físico, o Manual da Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono, publicado em 2005 pela Academia Americana de Medicina do Sono (AAMS), criou um critério clínico para o diagnóstico do BS4 (Quadro 3). Quadro 3 CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO DE BRUXISMO DO SONO SEGUNDO A CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DOS DISTÚRBIOS DO SONO4 Questionário Relato recente do indivíduo ou de terceiros sobre ruídos de ranger os dentes durante o sono por, pelo menos, 3 a 5 noites por semana nos últimos 3 a 6 meses. Exame físico Apresentar um ou mais dos seguintes sinais: § desgaste anormal dos dentes; § desconforto na musculatura mastigatória, fadiga ou dor e rigidez ou travamento mandibular ao acordar; § hipertrofia do músculo masseter no apertamento dental voluntário máximo. A atividade muscular mastigatória não pode ser explicada por outro distúrbio do sono, por distúrbio neurológico ou médico ou por uso de medicação ou de outras substâncias. Fonte: American Academy of Sleep Medicine (2005).2 O desgaste dentário não é um marcador específico para bruxismo ativo, uma vez que o bru- xismo pode ter ocorrido meses ou anos antes da consulta do paciente. Assim, não se pode afirmar que todos os pacientes que apresentam bruxismo necessariamente apresentam uma dentição desgastada, assim como não se pode atribuir todo desgaste dental ao bruxismo.40 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 27 Os fatores envolvidos no surgimento e na progressão do desgaste dentário são multifatoriais e complexos, envolvendo a interação entre fatores biológicos, mecânicos e químicos. Nesse contexto, o bruxismo é considerado um fator mecânico que pode estar associado a outros fatores, potencializando o desgaste dental. Durante a anamnese e o exame físico de diagnóstico de bruxismo, deve-se considerar: § a condição oclusal; § a dieta; § a xerostomia resultante do uso de medicamentos ou da condição de saúde; § o refluxo gastroesofágico; § a erosão química; § a consistência de alimentos. Fatores associados com a incidência de desgaste erosivo apontam que tanto o consumo de refrigerante como o ranger de dentes foram associados positivamente à presença de des- gaste dental em incisivos decíduos.41 O exame polissonográfico associado à gravação de áudio e de vídeo é o padrão-ou- ro para o diagnóstico de BS.1,3,40 Com isso, o BS pode ser discriminado de outras atividades orofaciais, como: § ronco; § apneia; § mioclonia noturna (contrações musculares repentinas); § deglutição; § tosse. O diagnóstico de BS pode ser realizado baseado na frequência de episódios na EMG por hora de sono com histórico de ruídos de ranger de dentes, de preferência confirmado por gravações de áudio e de vídeo realizadas durante o exame de PSG. A amplitude média na EMG deve ser, pelo menos, 10% maior do que a obtida durante a máxima contração mus- cular voluntária da musculatura mastigatória.40 Por meio da EMG, pode-se verificar que o evento de bruxismo poderia apresentar episódios fásicos, tônicos ou mistos de RMMA. Um episódio fásico corresponde a pelo menos três bursts, com duração entre 0,25 e 2 segundos separados por dois intervalos. Um episódio tônico corresponde a um burst com duração de mais de dois segundos. Um episódio misto de bruxismo apresenta episódios tanto fásico como misto em um só evento. Um episódio isolado é considerado quando há um intervalo entre os episódios de duração de, pelo menos, três segundos. 28 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Considera-se bruxismode baixa frequência a ocorrência entre 2 e 4 episódios por hora de sono, e de alta frequência quando o número de episódios for maior ou igual a quatro, ou o número de bursts na EMG for maior ou igual a 25 por hora de sono.40 Esses métodos e critérios para BS foram desenvolvidos para adultos e ainda não foram validados para a população infantil, o que leva à necessidade de que pesquisas sejam dire- cionadas para essa área, tornando os critérios validados e utilizando novas notas de corte apropriadas à população infantil. Apesar de ser considerado o exame padrão-ouro para o diagnóstico de BS, a PSG apresenta alguns problemas. A maior limitação é a mudança no ambiente de dormir do paciente du- rante o exame, o que pode interferir em seu padrão de sono. Além disso, os eventos de BS podem variar noite a noite. Então, é sugerido que os pacien- tes sejam submetidos a mais de uma noite de sono no laboratório, o que aumenta o custo financeiro, a ansiedade e o desconforto desse exame, especialmente em crianças.27 Hoje, o mercado busca alternativas ao exame polissonográfico, com a introdução de apa- relhos de EMG portáteis para uso domiciliar. O poder de detecção desses aparelhos é, em geral, menor do que o exame polissonográfico, uma vez que não descarta outras atividades orofaciais. Cerca de 30% das atividades oromotoras durante o sono não são específicas de BS. Um destes dispositivos é um EMG em miniatura (Bitestrip®), que indica o número total de contrações musculares realizadas durante o período de uso. Esse dispositivo foi considerado como de eficácia moderada, com 72% de sensibilidade e 75% de especificidade, ou seja, conseguiu determinar quem apresenta ou não BS, mas não a intensidade da condição.23 Outro dispositivo é um EMG com um software para detecção de movimentos de BS (Grind- care®). Esse dispositivo permite avaliar o total de contrações musculares pelo tempo de uso e por hora de uso. Sua eficácia no diagnóstico do BS, quando comparado à PSG, ainda está em fase de testes.39 Ambos os dispositivos não foram ainda testados em crianças e, prova- velmente, necessitarão de adaptações. Para o BV, a avaliação ainda está restrita aos questionários e ao exame físico. A busca por métodos de avaliação para quantificar a magnitude do BV é um desafio, já que o uso de fer- ramentas para isso parece alterar o comportamento do paciente, o que dificulta a avaliação de forma natural.1 Crianças com BS têm duas vezes mais chance de também apresentar BV.42 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 29 Uma graduação para bruxismo baseada nos meios de diagnóstico foi proposta recentemen- te em possível, provável e definitivo.1 (Quadro 4). Quadro 4 CLASSIFICAÇÃO DO BRUXISMO SEGUNDO OS MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO1 1. Possível BS ou BV: baseado no relato do paciente pelo uso de questionários. 2. Provável BS ou BV: baseado no relato do paciente pelo uso de questionários mais os achados no exame físico. 3. BS definitivo: no relato do paciente, pelo uso de questionários mais os achados no exame físico, mais a confirmação pela PSG com gravações de áudio e de vídeo. Fonte: Lobbezzo et al., 2013.1 Fatores que possam gerar ou perpetuar eventos de bruxismo devem também ser investigados (Quadro 1). O ortodontista deve estar familiarizado com o diagnóstico dos problemas respiratórios que possam gerar bruxismo secundário. A inspeção por fatores oclusais contribuintes para problemas respiratórios do sono, como retrognatia, micrognatia, macroglossia e hipertrofia de adenoides e tonsilas deve ser realiza- da.17 Muitos dos sintomas relatados por crianças que apresentam distúrbios respiratórios do sono são também relatados por aquelas que apresentam BS, o que pode confundir o clínico (Quadro 5). 30 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Ainda, a sintomatologia envolvida com bruxismo pode ser avaliada por questionários espe- cíficos, voltados a sinais e a sintomas de DTM, à qualidade de vida, à qualidade do sono, a sintomas de depressão, de ansiedade e de estresse e à cefaleia.17 Quadro 5 SINTOMAS RELACIONADOS A DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO EM CRIANÇAS Durante o sono Em vigília Ronco Dificuldade de respirar durante o sono Pausas na respiração durante o sono Respiração oral Sono agitado Movimento periódico de membros Insônia Despertares frequentes Babar Falar durante o sono Andar durante o sono Suor excessivo Enurese Dificuldade de acordar pela manhã Despertar confuso Dor de cabeça tipo tensional pela manhã Respiração oral Cansaço e sonolência excessiva Sede excessiva pela manhã Problemas de comportamento Sintomas de TDAH Agressividade Irritabilidade Problemas para se concentrar Dificuldade em aprendizado Esquecimento Pobre desempenho escolar Fonte: Carra e colaboradores (2012).17 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 31 8. Analise as afirmativas a seguir sobre buxismo. I – É importante observar se os sinais e os sintomas de bruxismo se iniciaram ou exa- cerbaram após o início específico das condições inerentes relacionadas ao apareci- mento da atividade muscular mastigatória. II – Em crianças, alta prevalência de bruxismo foi observada em condições como síndro- me de Down e paralisia cerebral. III – É muito importante para o clínico estar familiarizado com o diagnóstico dos distúr- bios respiratórios do sono na população infantil. Quais estão corretas? A) Apenas a I e a II. B) Apenas a I e a III. C) Apenas a II e a III. D) A I, a II e a III. Resposta no final do artigo 9. Cite pelo menos cinco fatores associados ao bruxismo em crianças. __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 10. Atualmente, qual é a forma mais utilizada para avaliação do BS? A) O uso de questionários associados a sinais encontrados durante o exame físico. B) O uso de questionários e o relato de ruídos de ranger de dentes pelos pais e/ou pelos responsáveis. C) O exame físico e o relato de ruídos de ranger de dentes pelos pais e/ou pelos res- ponsáveis D) O uso de questionários. Resposta no final do artigo 32 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER 11. Correlacione as questões sobre sintomas relacionados a bruxismo infantil da coluna da esquerda com as limitações relacionadas na coluna da direita. (1) A criança range ou aperta os dentes durante o sono? Alguém já observou se ela faz ruídos de ranger os dentes enquanto está dormindo? (2) Ao acordar, a criança relata dor ou can- saço nos músculos da face? (3) A criança relata dor, desconforto ou sensibilidade nos dentes? (4) Ao acordar e movimentar a boca, a criança relata rigidez ou travamento na sua articulação? (5) Nos últimos três meses, a criança apre- sentou dentes ou restaurações fratura- das, exceto por cárie dentária, infiltra- ções ou outro trauma conhecido? (6) A criança sente dor de cabeça nas têm- poras ao acordar? (7) A criança mantém os dentes encosta- dos (apertando ou segurando os den- tes unidos) quando acordada? ( ) Pode não estar relacionado ao bruxis- mo. ( ) Nem sempre a criança ou os pais e/ou os responsáveis têm consciência des- se hábito. Não especifica a situação em que o hábito ocorre (momentos de concentração, tensão, estudos, uso de videogame etc.). ( ) Pode não estar relacionado ao bruxis- mo. Pode estar relacionado a outros distúrbios do sono. ( ) Não é específico para bruxismo. Não determina se BS ou BV. ( ) Necessita da observação do sono da criança por terceiros. Ruídos de ran- ger podem ser confundidos por ou- tros ruídos durante o sono.( ) Pode ser atribuído a outros fatores, como erosão química e cáries dentá- rias. Deve ser considerado pela ma- nhã, para diagnóstico de BS. ( ) Pode não estar relacionado ao bruxis- mo. Pode estar relacionado a outros distúrbios do sono. Pode estar relacio- nado a outro tipo de cefaleia. Qual é a sequência correta? A) 4 – 6 – 1 – 5 – 2 – 7 – 3. B) 4 – 7 – 2 – 5 – 1 – 3 – 6. C) 6 – 3 – 2 – 1 – 5 – 7 – 4. D) 2 – 7 – 5 – 4 – 1 – 3 – 6. Resposta no final do artigo 12. Qual é o padrão-ouro para o diagnóstico de BS? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 33 13. Quanto ao diagnóstico do bruxismo, qual é a alternativa correta? A) Questionário não é um meio válido de diagnóstico para crianças e deve ser evitado pelo clínico. B) Durante o exame físico, o desgaste dental é o principal indicador de um bruxismo ativo. C) Alguns critérios para o diagnóstico do bruxismo são: (1) desgaste anormal dos den- tes; (2) desconforto/fadiga na musculatura mastigatória; (3) hipertrofia do masseter durante o apertamento dental voluntário máximo. D) A PSG é um método secundário para o diagnóstico do BS, não oferecendo poucos dados relevantes ao diagnóstico. Resposta no final do artigo 14. Em relação à graduação para bruxismo, com base nos meios de diagnóstico, qual é a alternativa correta? A) O bruxismo pode ser classificado em primário ou secundário. B) Possível BS ou BV é baseado no relato do paciente pelo uso de questionários, sem- pre com gravações de áudio e de vídeo. C) Provável BS ou BV é baseado no relato do paciente pelo uso somente dos achados no exame físico. D) BS definitivo: no relato do paciente pelo uso de questionários mais os achados no exame físico, mais a confirmação pela PSG, com gravações de áudio e de vídeo. Resposta no final do artigo TRATAMENTO Conhecer a fisiopatologia do bruxismo primário, os principais fatores que podem perpetuar os eventos e, ainda, os fatores que geram bruxismo secundário é fundamental para se guiar a abordagem ao paciente e o controle de seus efeitos deletérios. O bruxismo primário é controlado pelo SNC.3 Nenhuma terapia até a presente data é efetiva na cura ou na prevenção de bruxismo primário. As modalidades terapêuticas visam controlar e prevenir as consequências deletérias do bruxismo às estruturas orofaciais.43 Não há evidências suportando a indicação do uso de intervenções irreversíveis, como equilí- brio oclusal por desgaste seletivo ou reabilitações orais e alinhamento ortodôntico no trata- mento para bruxismo primário.17, 43 34 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER O tratamento para bruxismo primário deve abordar três fatores: informar, controlar e proteger. O primeiro passo do tratamento talvez seja o mais importante em se tratando de bruxismo infantil: orientar, acalmar e informar os pais e/ou os responsáveis sobre essa condição. Muitas vezes, os pais e/ou os responsáveis procuram o atendimento odontológico para as crianças não pelos danos causados pela parafunção, mas pelo incômodo gerado pelo ruído de ranger os dentes. É importante alertá-los de que a tendência é a redução do hábito com o passar do tempo, embora algumas crianças possam perpetuar o hábito até a idade adulta. Pais e/ou responsáveis devem ser educados sobre técnicas de relaxamento, de higiene do sono e de terapias cognitivo-comportamentais. A maioria das estratégias de orientação não foi testada em estudos clínicos randomizados e também se desconhecem seus efeitos em longo prazo; entretanto, parecem melhorar a qualidade de vida e devem ser consideradas como primeira linha na abordagem do paciente com bruxismo.17 Sabe-se que sono leve, ansiedade e dificuldade para dormir são fatores associados ao BS. Deve-se pedir aos pais que anotem por duas semanas todos os eventos relacionados à rotina do momento de dormir da criança no diário do sono (hora de dormir, hora em que acordou, número e duração de despertares noturnos, número e duração dos cochilos durante o dia). O Quadro 6 traz algumas orientações com relação à higiene do sono em crianças. | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 35 Deve-se considerar encaminhar a criança ao médico especialista em sono ao perceber dis- túrbios do sono frequentes, como, por exemplo, insônia, que podem não só exacerbar o número de eventos de BS, mas também trazer prejuízo à qualidade de vida da criança. A educação da criança para que não encoste seus dentes durante o dia e controle outras parafunções é indicada para pacientes com BV. O uso de um dispositivo interoclusal não é indicado, pois acaba por não evitar o hábito durante o dia, ou seja, a criança acaba apertando os dentes no dispositivo e não cessando o hábito. Quadro 6 ORIENTAÇÕES COM RELAÇÃO À HIGIENE DO SONO Manter horários relativamente constantes para dormir e acordar A hora de deitar e de acordar deverá ser aproximadamente a mesma todos os dias. Não pode haver mais de uma hora de diferença entre a hora de deitar e de acordar durante a semana e no fim de semana. Manter uma rotina antes de dormir Estabelecer uma rotina na hora de ir para a cama que dure cerca de 20 a 30 minutos. A rotina deve incluir atividades calmas, como ouvir uma música relaxante ou um momento especial que inclua contar histórias. Prestar atenção ao ambiente de dormir O quarto da criança deve ser confortável, silencioso e escuro. Calor e frio excessivos alteram bastante o sono, portanto tentar manter o quarto com temperatura agradável. Ruídos podem ser a causa de um sono ruim. Ambiente escuro é necessário para liberação de melatonina, hormônio regulador do sono. Evitar comidas e bebidas com cafeína Próximo ao horário de dormir, é interessante evitar a ingestão de alimentos e de bebidas que contenham cafeína, como refrigerantes à base de cola, café, chá-preto e chocolate. Não usar o quarto de dormir para estudar ou assistir à televisão Não ter televisão ou computadores no quarto da criança. Não permitir uso de celulares, smartphones, tablets, videogame, jogos eletrônicos no momento de dormir. Não dormir com a televisão ligada. Praticar atividade física todos os dias Exercícios físicos devem ser feitos, no máximo, de seis a quatro horas antes de ir para a cama. Fonte: Lobezzo e colaboradores (2008).43 36 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Pode-se usar de artifícios para que o paciente se recorde de evitar o hábito de apertar os dentes, como o uso de adesivos coloridos ou despertador. Com a tecnologia, cada vez mais as crianças têm acesso a tablets e smartphones. Hoje já há um aplicativo para smartphones disponível no mercado em plataformas iOS e Android para o auxílio nessa função, o que torna, muitas vezes, o combate a esse hábito mais prazeroso.44 Controlar diz respeito a prestar atenção em fatores que podem desencadear ou perpetuar eventos de bruxismo, o que pode incluir hábitos, uso de substâncias, medicamentos, diag- nóstico de TDAH, presença de outros distúrbios do sono e de resistência a passagem do ar. Os fatores de risco para início ou para exacerbação de bruxismo infantil devem ser evitados, como exposição ao fumo, álcool, consumo excessivo de bebidas contendo cafeína e uso de drogas como cocaína, crack ou ecstasy. Quando o bruxismo infantil tem seu aparecimento associado ao uso de medicação como inibidores ISRS e duais, haloperidol e metilfenidato, deve-se, juntamente com o prescritor dessa medicação, avaliar a manutenção ou a mudança de categoria farmacológica, o que nemsempre é possível. Assim, deve-se orientar o paciente e protegê-lo dos possíveis efeitos deletérios do bruxismo.43 Em se tratando de bruxismo secundário a SAHOS ou a outra restrição à passagem do ar, é fundamental que o ortodontista avalie o paciente com relação a fatores morfológicos que possam contribuir para a obstrução e, se necessário, utilizar terapias para restabelecimento da passagem do ar.38 Deve-se considerar também encaminhar a criança ao médico otorrinolaringologista e a es- pecialistas em sono para avaliação de outros fatores que podem contribuir para a obstrução da passagem do ar, como hipertrofia de tonsilas. Estudos demonstraram redução na presença do relato de BS de 45,5 para 11,8% quando procedimento de tonsilectomia foi realizado e de 25,7 para 7,1% quando adenotonsilectomia foi realizada.45,46 Ainda não se encontrou uma medicação capaz de parar com a atividade muscular relaciona- da ao bruxismo. Medicamentos já foram relatados, na literatura, no tratamento do bruxis- mo em adultos, como clonazepam, clonidina, gabapentina, topiramato, buspirona e toxina botulínica, porém sem estudos clínicos em crianças. Em relação a crianças, há relato do uso de buspirona com melhora dos sintomas de BV em paciente com transtorno de desenvolvimento pervasivo não especificado de outra forma (TDP-NES).47 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 37 Recentemente, foi publicado um estudo clínico, placebo-controlado, em que um anti-hista- mínico, cloridrato de hidroxizina (25-50mg/dia) foi testado para controle do BS em crianças/ jovens de 4 a 17 anos por quatro semanas. Os pais relatavam por meio de uma escala de 0 a 100 a severidade do BS. Nesse estudo clínico sobre o uso de cloridrato de hidroxizina, observou-se que tanto o grupo experimental quanto o grupo placebo apresentaram redução na severidade relatada do BS; entretanto esse resultado foi significativo para o grupo que utilizou a medicação. Nenhum efeito colateral importante foi observado. As explicações para a melhora do BS com o uso de cloridrato de hidroxizina recaem na so- nolência provocada, na melhora da ansiedade e no relaxamento muscular. Esses resultados, entretanto, devem ser vistos com cautela, uma vez que não se sabe os efeitos do uso do cloridrato de hidroxizina em longo prazo. Ainda, as crianças em uso de cloridrato de hidroxizina não foram avaliadas para presença de outros fatores secundários, como processos alérgicos e padrão facial e respiratório, que po- deriam contribuir para a presença de bruxismo secundário a resistência à passagem do ar.48 As pesquisas com farmacoterapia estão evoluindo, e medicações mais específicas e relacionadas à fisiopatologia do BS, como às relacionadas ao ritmo circadiano, poderão ser testadas. Toxina botulínica aplicada a masseter e temporal vem sendo indicada, com o intuito de reduzir a atividade muscular relacionada ao bruxismo em adultos. A toxina botulínica afeta a atividade muscular pela inibição de liberação de acetilcolina na junção neuromuscular. Existem muitos relatos de casos, mas não há estudos bem delineados que comprovem a sua eficácia no tratamento do bruxismo. Estudo realizado em amostra com 12 pacientes com BS demonstrou que houve redução na atividade muscular em que a toxina botulínica foi aplicada. Entretanto, é importante lem- brar que não são apenas músculos superficiais envolvidos no fechamento de mandíbula. O estudo não demonstrou o que acontece em longo prazo, ou quantas aplicações mais são necessárias ou, ainda, se houve desgaste dentário gerado pelo bruxismo após a aplicação. Assim, o uso da toxina botulínica está indicado a pacientes com comprometimento psiquiá- trico ou neurológico e a pacientes refratários aos métodos tradicionais de controle do BS em adultos.43 É possível redução de força muscular, mas não eliminação da atividade muscular relacionada ao BS. Assim, não se deve descartar o uso das placas oclusais para proteção das estruturas nos pacientes submetidos à terapia com toxina botulínica. 38 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Por fim, as crianças com bruxismo, especialmente com BS, podem necessitar de proteção das estruturas dentárias e periodontais, vítimas do efeito deletério do hábito de ranger os dentes. Para isso, dispositivos interoclusais são utilizados. Várias são as placas e os dispositi- vos desenhados para esse fim disponíveis no mercado odontológico. O exato mecanismo de ação dos dispositivos interoclusais está sob debate; entretanto, já se sabe que não há evidências de que possa curar bruxismo.43 Até o presente momento, há poucas evidências sobre eficácia e segurança do uso dos dispositivos em crianças. A maioria dos estudos realizados em adultos mostra que, em curto prazo (2 a 6 semanas), há uma redução entre 40 a 50% na atividade muscular com o uso de qualquer tipo de disposi- tivo interoclusal. Entretanto, também é observado que, após esse curto período, a atividade muscular rítmica volta aos valores basais.43 O uso dos dispositivos interoclusais em crianças deve ser restrito àquelas com diag- nóstico de BS primário e em casos em que o fator secundário relacionado ao bru- xismo não possa ser modificado; deve-se também levar em consideração os efeitos deletérios, como presença de desgaste dentário intenso. É necessário informar aos pais que, muitas vezes, o acompanhamento e as técnicas de higiene do sono são suficientes na abordagem do bruxismo. Se for necessário o uso de dispositivo interoclusal, utilizar um que não interfira no crescimento e no desenvolvimento da criança. Nesse sentido, as placas interoclusais estabilizadoras constituem uma boa opção quando cuidadosamente supervisionadas e com uso monitorado.49,50 Existe um apelo comercial para o uso de dispositivo flexível ou maleável, como pré-fabri- cados e placas confeccionadas com silicone, como se fossem mais confortáveis para os pacientes ou que não impedissem o crescimento. Entretanto, placas rígidas, lisas, confeccio- nadas em acrílico são preferidas por várias razões, como facilidade de ajuste e de adaptação, prevenção de movimentos dentários e por serem mais efetivas na redução da atividade muscular mastigatória durante o sono. Cerca de 20% dos pacientes com BS apresentam aumento na atividade muscular, sobretudo com o uso de um dispositivo confeccionado com material maleável. Além disso, a fricção do material resiliente das placas de silicone no esmalte dental e nos materiais dentários poderia levar a danos nessas estruturas.43 | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 39 O uso de dispositivos interoclusais com cobertura somente em alguns dentes (an- teriores ou posteriores) é contraindicado em longo prazo, pelo risco de movimen- tação dentária, como extrusão, e pelo risco de a criança engolir e engasgar com o dispositivo.43 Assim, para prevenção ou limitação de danos a estruturas dentais, periodontais e reabilitadoras, é prudente manter o uso de placas oclusais rígidas e com cobertura total no tratamento do BS.43 Gianassi e colaboradores publicaram um estudo piloto no qual avaliaram o uso da placa de acrílico lisa e com cobertura total em nove crianças com BS com idade média de 5 anos. A redução dos ruídos de ranger de dentes e dos sintomas relacionados ao BS foi observada em todas as crianças que utilizaram o dispositivo.49 Um estudo clínico randomizado testou o uso da placa de acrílico lisa e com cobertura total em 19 crianças com BS, de 3 a 6 anos, com o uso por dois anos versus um grupo controle composto por 17 crianças com BS que não receberam tratamento. Após dois anos, nenhu- ma diferença foi verificada com relação a desgaste dentário e a presença de sinais e sintomas de DTM, exceto pela redução do desvio em abertura bucal. O nível de ansiedade reduziu significativamente em ambos os grupos.50Os resultados desse estudo que testou a placa de acrílico lisa e com cobertura total ques- tiona a indicação das placas interoclusais. Ainda, os dados remetem à observação de que, na primeira infância, pode ocorrer remissão espontânea do BS, o que concorda com a epi- demiologia, em que a prevalência na infância é quatro vezes maior do que na idade adulta. Entretanto, deve-se ter cautela ao analisar esse estudo: a amostra é pequena e é o único estudo com essa metodologia. Novos estudos devem ser realizados. A abordagem com o uso de dispositivo interoclusais exige acompanhamento su- pervisionado, troca e ajuste quando necessário. O acompanhamento das marcas deixadas na placa permite também avaliar o quão ativa está a condição.39 Cabe aos pais e/ou responsáveis manter e fiscalizar a assiduidade no uso e a higiene dos dispositivos interoclusais.50 Quando os dentes estão em erupção, a placa pode ser confeccionada com alívios.49 40 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER 15. Quanto ao tratamento do bruxismo, qual é a alternativa correta? A) Nenhuma terapia até a presente data é efetiva na cura ou na prevenção de bruxis- mo primário. B) O uso de intervenções irreversíveis, como equilíbrio oclusal por ajustes oclusais ou reabilitações orais e alinhamento ortodôntico, são opções válidas no tratamento para bruxismo primário. C) O uso de um dispositivo interoclusal é indicado para pacientes com BV. D) Em se tratando de bruxismo secundário a restrição da passagem do ar por hipertro- fias de tonsilas, o tratamento cirúrgico junto ao otorrinolaringologista não é uma opção válida para a redução de relatos de BS. Resposta no final do artigo 16. Dentre os métodos válidos para o tratamento de BS primário, indique, na sequência, qual seria a conduta clínica adequada para controle dessa parafunção. __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ Resposta no final do artigo 17. De acordo com o artigo, manejo de fatores secundários, acompanhamento e técnicas de higiene do sono podem ser bastante eficazes no tratamento de BS. Em quais situa- ções o uso de dispositivos interoclusais NÃO está indicado? A) Nos casos de desgaste e de danos severos às estruturas dentárias e periodontais. B) Quando há um fator secundário que não pode ser removido ou modificado. C) Para eliminar o simples ruído do ranger de dentes, não apresentando o paciente sinais de desgaste. D) Com a finalidade de prevenir ou de limitar os danos às estruturas dentárias. Resposta no final do artigo | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 41 18. Sobre o tratamento do bruxismo primário, qual é a alternativa correta? A) O uso de toxina botulínica está indicado para a eliminação da atividade muscular, e seu uso em crianças é seguro e de eficácia comprovada. B) O uso de toxina botulínica é uma alternativa aos dispositivos interoclusais. C) Placas oclusais rígidas podem ser utilizadas em crianças, desde que seja realizado um acompanhamento criterioso, realizando ajustes, desgastes e troca do dispositivo quando necessário. D) Em crianças, é preferível a utilização de placas oclusais confeccionadas em material maleável, por serem mais confortáveis e por não causarem prejuízos ao esmalte dentário e ao crescimento facial. Resposta no final do artigo 19. Quanto ao diagnóstico de bruxismo, qual é a alternativa correta? A) Questionários são considerados os métodos de escolha, por serem rápidos, de baixo custo e confiáveis, consistindo o principal meio para o diagnóstico de bruxismo. B) O clínico deve associar diversas informações, especialmente o ruído de ranger de dentes relatado pelos pais e/ou pelos responsáveis. É importante também questio- nar sobre os hábitos de sono da criança, sobre a qualidade e sobre eventos que costumam ocorrer, como fala, sonambulismo, distúrbios respiratórios. Achados de desgaste dentário, marcas na bochecha e na língua, dor e hipertrofia da musculatu- ra mastigatória contribuem para o diagnóstico. C) O diagnóstico definitivo de BS pode ser obtido sem a realização da PSG. Questioná- rio específico associado a relatos de dor, a desgaste severo, a marcas nas bochechas e na língua, a dor e a hipertrofia da musculatura mastigatória confirmam o diagnós- tico. D) O diagnóstico de bruxismo não pode ser confirmado sem que haja o relato de dor. Dor de cabeça, musculatura mastigatória ou rigidez muscular são frequentes em crianças e condição obrigatória para o diagnóstico de bruxismo infantil. Resposta no final do artigo 20. Qual NÃO é uma recomendação para um sono de qualidade? A) Manter uma rotina de horários para dormir e para acordar. B) Utilizar computador, tablets e smartphones para ajudar a relaxar. C) Praticar atividade física. D) Planejar um ambiente adequado para um bom sono: escuro, livre de ruídos, sem objetos eletrônicos ou distrações. Resposta no final do artigo 42 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER CASOS CLÍNICOS Criança com 6 anos procura atendimento com queixa de ruídos de ranger os dentes durante o sono. A mãe relata que o ruído é intenso e audível mesmo com a porta do quarto fechada. A frequência do bruxismo vem piorando ao longo do tempo, sendo, atualmente, mais de cinco vezes na semana. Durante o atendimento, a criança apresenta-se ansiosa e agitada, e o comportamento descrito é confirmado pela mãe durante todo o dia. A criança costuma jogar videogame antes de dormir e sente um pouco de dificuldade em iniciar o sono. A televisão permanece no quarto e ligada no momento de dormir. Não tem uma rotina para noites de sono, mas dorme cerca de oito horas por dia. Não relata outros sintomas. Aos três anos, foi submetida à tonsilectomia e, a partir dessa situação, não foram detectados problemas respiratórios. Não faz uso de nenhum medicamento. A criança tem o hábito de ingerir refrigerantes à base de cola todos os dias. Exame físico revelou desgaste em dentes decíduos, língua mordiscada, hipertrofia em músculo masseter. Nenhuma anormalidade morfológica importante. Figura 1 – Imagem frontal do paciente. Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Juliana Stuginski Barbosa. | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 43 21. Qual a hipótese diagnóstica no caso clínico 1? A) Possível BS. B) Provável BS. C) BS definitivo. D) SAOS. Resposta no final do artigo 22. Qual seria a possível conduta para o caso clínico 1? A) Informar a mãe sobre a condição, encaminhar ao otorrinolaringologista, solicitar documentação ortodôntica e placa de mordida em acrílico. B) Informar a mãe sobre a condição, orientar sobre higiene do sono, evitar o consumo de refrigerante à base de cola e placa de mordida em acrílico sob acompanhamen- to. C) Informar a mãe sobre a condição, orientar quanto à respiração oral, solicitar docu- mentação ortodôntica e placa de mordida em acrílico. D) Informar a mãe sobre a condição, orientar sobre higiene do sono, evitar o consumo de refrigerante à base de cola e prescrição de antialérgico. Resposta no final do artigo 44 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Criança com 10 anos procura atendimento com queixa de ruídos de ranger os dentes durante o sono. A mãe relata que todos os dias escuta a criança rangendo os dentes, o que a incomoda muito, fazendo com que não consiga dormir. A criança não é agitada ou ansiosa, mas apresenta dificuldade para dormir e sono agitado, com respiração oral. Pela manhã, a mãe relata ser complicado retirar a criança da cama. Nos últimos dois anos, a criança sofre com baixo desempenho escolar,com problemas de concentração. A criança é respiradora oral também em vigília. Em exame físico, verifica-se desgaste dentário em decíduos. Criança com problemas morfológicos, como atresia em maxila, mordida cruzada posterior, mordida aberta anterior, hipertrofia de tonsilas, projeção de cabeça para anterior. A mãe trouxe docu- mentação ortodôntica realizada há dois meses na qual se verifica a redução da passa- gem do ar, tanto na região nasal quanto em orofaringe. As Figuras 2 a 5 ilustram o caso clínico 2. Figura 2 – Intraoral frontal. Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Juliana Stuginski Barbosa. Figura 3 – Intraoral lado direito. Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Juliana Stuginski Barbosa. Figura 4 – Intraoral lado esquerdo. Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Juliana Stuginski Barbosa. | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 45 23. Qual seria a hipótese diagnóstica para o caso clínico 2? A) Possível BS primário. B) Provável BS primário. C) Provável BS secundário. D) Possível BV primário. Resposta no final do artigo Figura 5 – Radiografia cefalométrica Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Juliana Stuginski Barbosa. 46 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER 24. Qual seria a possível conduta no caso clínico 2? A) Informar a mãe sobre bruxismo e sua relação com a restrição a passagem do ar, encaminhar ao otorrinolaringologista, solicitar documentação ortodôntica e placa de mordida em acrílico. B) Informar a mãe sobre bruxismo e sua relação com a restrição a passagem do ar, encaminhar ao otorrinolaringologista, solicitar documentação ortodôntica e aplicar toxina botulínica. C) Informar a mãe sobre bruxismo e sua relação com a restrição a passagem do ar, orientar quanto à higiene do sono, encaminhar ao otorrinolaringologista, solicitar documentação ortodôntica e planejar a terapia ortodôntica. D) Informar a mãe sobre bruxismo e sua relação com a restrição a passagem do ar, orientar quanto à higiene do sono, solicitar documentação ortodôntica e planejar a terapia ortodôntica. Resposta no final do artigo CONSIDERAÇÕES FINAIS É de suma importância que o cirurgião-dentista, no atendimento a crianças, esteja familiari- zado com os conceitos atuais de classificação, de diagnóstico e de controle do bruxismo. Por conseguinte, o profissional deverá informar o paciente sobre as possíveis consequências do bruxismo e conscientizá-lo do hábito nocivo, buscando estabelecer uma efetiva e constante comunicação, com o intuito de proporcionar com eficácia o controle do bruxismo. RESPOSTAS ÀS ATIVIDADES E COMENTÁRIOS Atividade 1 Resposta: A Comentário: A definição apresentada por Lobbezoo e colaboradores,1 sendo hoje a mais aceita pela comunidade científica. Atividade 2 Resposta: D Comentário: Em se tratando de sinais e de sintomas de DTM, esses aumentam em prevalên- cia com a idade e atingem mais adolescentes. | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 47 Atividade 3 Resposta: D Comentário: Deve-se lembrar de que CTT pela manhã não é um sintoma patognomônico apenas para BS, e sim pode ser causada por distúrbios respiratórios do sono, por exemplo, ou ser uma cefaleia primária. A presença de uma cefaleia primária aumenta o risco para relato de bruxismo. Atividade 4 Resposta: B Atividade 5 Resposta: A Comentário: Conhecer a fisiopatologia do BS primário é essencial para entender novas pos- sibilidades terapêuticas. A partir do momento em que se compreendeu que o BS primário era controlado pelo SNC, entendeu-se também por que o uso da placa oclusal não cura o BS, mas sim controla seus efeitos deletérios, por exemplo. Também se intensificou a busca por uma medicação capaz de controlar o BS primário. Atividade 8 Resposta: D Atividade 10 Resposta: A Atividade 11 Resposta: B Atividade 13 Resposta: C Comentário: Segundo o manual da Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono pu- blicado em 2005 pela AAMS. Atividade 14 Resposta: D Comentário: O exame polissonográfico associado à gravação de áudio e de vídeo é o padrão ouro para o diagnóstico de BS, e associado ao questionário e ao exame físico, fecha um diagnóstico completo para o bruxismo. 48 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Atividade 15 Resposta: A Comentário: O bruxismo primário é controlado pelo SNC, não havendo um tratamento defi- nitivo específico para o distúrbio, as modalidades terapêuticas visam controlar e prevenir as consequências deletérias do bruxismo às estruturas orofaciais. Atividade 16 Resposta: Informar aos pais sobre a condição e como os eventos podem reduzir com o pas- sar da idade. Controlar possíveis fatores secundários que possam aumentar o número de eventos, sobretudo indicar higiene do sono e o preenchimento de um diário do sono. Quan- do o desgaste dentário for intenso e não houver indicação para ortodontia, pode-se planejar o uso de um dispositivo interoclusal com cobertura total e em acrílico. Tomar o cuidado de realizar alívios em dentes que estão em erupção. Atividade 17 Resposta: C Comentário: Quando o paciente não apresenta desgaste acentuado, as placas interoclusais não são indicadas, uma vez que têm o intuito de proteger as estruturas dentárias e limitar os danos, e não de eliminar a atividade muscular. Atividade 18 Resposta: C Comentário: O uso de toxina botulínica não é seguro e de eficácia comprovada em crianças, além de não eliminar as atividades musculares, mas sim reduzir a força muscular. Desse modo, as placas oclusais podem ainda ser necessárias. Placas rígidas, lisas, confeccionadas em acrílico são preferíveis, pela facilidade de ajuste e de adaptação, pela prevenção de mo- vimentos dentários e por serem mais efetivas na redução da atividade muscular mastigatória durante o sono. As placas maleáveis podem aumentar a atividade muscular e causar danos aos tecidos dentários. É importante salientar que a abordagem com o uso de dispositivos in- teroclusais exige acompanhamento supervisionado, troca e ajuste quando necessário, além de uso frequente e de cuidados com a higiene. Atividade 19 Resposta: B Comentário: Determinar se o paciente apresenta bruxismo ativo é um desafio para o clínico. Os questionários, apesar de rápidos e de baixo custo, são subjetivos, dependem das respos- tas dadas pela criança ou pelos pais e/ou responsáveis. Além disso, podem evidenciar sin- tomas não relacionados ao bruxismo, então não se pode considerá-los um método preciso quando utilizados sozinhos. | PRO-ODONTO ORTODONTIA | CICLO 8 | VOLUME 4 | 49 A AAMS considera os seguintes critérios para o diagnóstico de bruxismo: § relato recente do indivíduo ou de terceiros sobre ruídos de ranger os dentes durante o sono por pelo menos 3 a 5 noites por semana nos últimos 3 a 6 meses; § apresentar um ou mais dos seguintes sinais: § desgaste anormal dos dentes; § desconforto na musculatura mastigatória, fadiga, ou dor e rigidez, ou travamento mandibular ao acordar; § hipertrofia do músculo masseter no apertamento dental voluntário máximo. Ainda assim, o padrão-ouro para o diagnóstico de bruxismo é a PSG. Entretanto, a PSG apresenta alto custo e algumas limitações, portanto aceita-se o possível diagnóstico de bru- xismo (baseado no relato do paciente pelo uso de questionários) e o provável diagnóstico de bruxismo (quando os relatos e os questionários somam-se a achados do exame clínico), mas a confirmação do diagnóstico só é realizada com a PSG. Atividade 20 Resposta: B Comentário: Recomenda-se não utilizar aparelhos eletrônicos, se possível, nem tê-los no quarto de dormir. O ideal é manter uma rotina de atividades calmas antes de ir para a cama. Atividade 21 Resposta: B Comentário: Segundo a nova classificação e definição para bruxismo, esse seria BS provável, pois há o relato de terceiros(mãe) e achados no exame físico (desgaste dentário, hipertrofia em masseter). Atividade 22 Resposta: B Comentário: Informar a mãe sobre o BS, sobre sua comum ocorrência na infância e sobre a redução na prevalência com a idade. Orientar sobre higiene do sono e solicitar que acom- panhe a rotina do sono de seu filho através do diário do sono. Controlar fatores que podem aumentar os números de eventos de bruxismo, como consumo excessivo de cafeína. Se o desgaste dentário for extenso, considerar utilizar uma placa de mordida em acrílico, com cobertura total, com alívio para permitir a erupção dos dentes permanentes. O uso da placa deve ser supervisionado. Considerar trocas e ajustes conforme o crescimento da criança. Atividade 23 Resposta: C Comentário: Pela sintomatologia apresentada, a hipótese diagnóstica recai em BS secun- dário à obstrução da passagem do ar. Como foi baseada na resposta a questionários e no exame físico, é classificada como provável. 50 BRUXISMO INFANTIL: O QUE O ORTODONTISTA DEVERIA SABER Atividade 24 Resposta: C Comentário: Importante conhecer os sintomas que podem se relacionar a SAHOS em crian- ças e sua relação com o bruxismo infantil para orientar corretamente os pais. Para o diag- nóstico da SAHOS e também dos problemas relacionados às obstruções nasais e faríngeas, deve-se encaminhar ao otorrinolaringologista, para diagnóstico e conduta. Problemas mor- fológicos, como atresia em maxila, contribuem para a obstrução da passagem do ar. Assim, são fundamentais o diagnóstico e a terapia ortodôntica nesse caso. REFERÊNCIAS 1. Lobbezoo F, Ahlberg J, Glaros AG, Kato T, Koyano K, Lavigne GJ, et al. Bruxism defined and graded: an international consensus. J Oral Rehabil. 2013 Jan;40(1):2-4. 2. American Academy of Sleep Medicine. International classification of sleep disorders. 2nd ed. Chicago: AASM; 2005. 3. Lavigne GJ, Kato T, Kolta A, Sessle BJ. Neurobiological mechanisms involved in sleep bru- xism. CritRev Oral Biol Med. 2003;14(1):30-46. 4. Manfredini D, Restrepo C, Diaz-Serrano K, Winocur E, Lobbezoo F. Prevalence of sleep bruxism in children: a systematic review of the literature. J Oral Rehabil. 2013 Aug;40(8): 631-42. 5. 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