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Aula 01 Ciência Política e Gestão Pública p/ AFC/CGU - Prevenção da Corrupção e Ouvidoria Professor: Rodrigo Barreto Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 1 de 120 AULA 01 SUMÁRIO PÁGINA 1. Temas centrais da teoria política clássica: constituição e manutenção da ordem política; contrato social; demarcação das esferas pública e privada; repartição de poderes. 1 1.1. Nicolau Maquiavel 1 1.2. Contratualismo 8 1.2.1. Thomas Hobbes 8 1.2.2. John Locke 12 1.2.3. Jean-Jacques Rousseau 18 1.3. Charles-Louis de Secondat ou Barão de Montesquieu 21 1.4. Alexis de Tocqueville 24 1.5. John Stuart Mill 25 1.6. O Federalista 27 2. Temas modernos da filosofia política do Estado 30 3. Questões comentadas 42 4. Lista de questões 90 5. Gabarito 120 1. Temas centrais da teoria política clássica: constituição e manutenção da ordem política; contrato social; demarcação das esferas pública e privada; repartição de poderes. 1.1. Nicolau Maquiavel (1469 ± 1527) Pessoal, ao longo do curso nós já falamos um pouco sobre Maquiavel, aliás, lembro-me daquela discussão sobre se teria ele sido o primeiro a usar o termo Estado ou não. Ressalto que a Esaf considerou que ele foi sim o primeiro a usar o termo, ainda que autores renomados, como Bobbio, entendam que o termo é anterior a ele e o que Maquiavel teria feito foi dar-lhe uma acepção 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 2 de 120 moderna. Depois vocês vão ver que há uma questão com outra posição. Maquiavel escreveu sobre e vivenciou um contexto histórico de profundas mudanças no cenário político, social, econômico e cultural, a União Italiana. Em um primeiro momento, consolidava-se a urbanização, iniciada ainda na chama Baixa Idade Média, gerando modificações nos hábitos e no comportamento dos habitantes italianos que então se urbanizavam, inclusive com o reconhecimento de classes sociais, sobretudo, a burguesia. Além disso, destaca-se o crescimento econômico europeu, devido à intensificação comercial, com a consequente acumulação de riquezas, que passou a ser medida pelo lucro monetário e não mais pela terra e seus produtos. Portanto, Maquiavel presenciou um contexto de mudanças acentuadas, vide o Renascimento, que valorizava a estética (arquitetônica, plástica e literária) e a laicização do pensamento, abandonando dogmas da igreja. Pessoal, foi exatamente nessa época que ocorreu a centralização do poder, que já vinha, na realidade, se desenhando desde o século XIII. Esse processo permitiria a criação de uma nova mentalidade política. Suíça, Portugal e Inglaterra foram os primeiros, logo depois vieram França e Espanha, formando a unidade política centralizada, Estado Nacional. No século XV, a Itália passou por graves problemas políticos e econômicos, o que comprometeu a independência dos Estados italianos, muito em razão do fortalecimento dos seus vizinhos e do medo de invasões. Mesmo sendo a região mais rica da Idade Média, 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 3 de 120 a Itália teve dificuldades em seu processo de unificação, gerando grande frustração no século XVI. Com o território desunido, a população desesperançada e envolta em um clima de decadência social, os italianos acabavam delegando seus poderes a outros, como aos mercenários, condottieris. Bom, é aqui que surge um ponto importante: a quem caberia salvar a Itália? A Bórgia ou a Medici? E a qual forma de governo? O principado ou a república? Maquiavel buscou solucionar exatamente essas questões. A obra teórica de Maquiavel, pessoal, causou uma verdadeira reviravolta na perspectiva clássica da filosofia grega. Enquanto esta buscava primordialmente elaborar do que seria o melhor regime SROtWLFR� SRVVtYHO�� 0DTXLDYHO� SURFXUDYD� SDUWLU� ³GDV� FRQGLo}HV� QDV� TXDLV�VH�YLYH�H�QmR�GDV�FRQGLo}HV�VHJXQGR�DV�TXDLV�VH�GHYH�YLYHU´�� desse modo ele enchia o pensamento político de realidade. Assim, a teoria política passava a ser entendida a partir do conhecimento realista das relações morais, com análises descritivas (factuais) do cenário político. Na realidade, a obra de Maquiavel é até hoje muito mal compreendida, pois, o que ele fez, foi retirar a máscara idealizadora do pensamento grego e jogar o pensamento no que de mais humano havia, formulando um pensamento novo, livre e laico, subordinado à razão do Estado. Maquiavel também se afastou da sistematização medieval, instituindo as bases de uma nova ciência, rompendo com o pensamento anterior, por meio da defesa de uma investigação empírica da política. O objeto das investigações passava a ser a realidade política, pensada em termos de prática humana concreta e o fenômeno de seu maior interesse era o da centralização do Poder 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 4 de 120 em direção ao Estado. Não se tratava de estudar um tipo ideal de Estado, mas sim de compreender como as organizações políticas tinham o poder como objeto maior. Dessa maneira, deixava-se de lado da política a moralidade ou aquilo que devia ser, incorporando na análise o que realmente era. O próprio Maquiavel dizia não estar percorrendo um caminho honroso do comportamento ou como a sociedade deveria se organizar; ele estava simplesmente tratando de como era o comportamento e como a sociedade se organizava. Maquiavel HVERoRX� XP� PpWRGR� LQGXWLYR�� RX� VHMD�� ³XP� SURFHVVR� PHQWDO� SRU� intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, chegava-se a uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Fazia observação dos fenômenos, descoberta das relações entre eles, bem como da generalização dos fenômenos políticos, ou seja, transformava teoria política em ciência SROtWLFD´�� (OH� XWLOL]DYD� DLQGD� R� PpWRGR� UDFLRQDO�� EDVHDQGR� VHX� conhecimento científico em certa quantidade de postulados genéricos, por exemplo, de que a natureza humana era a mesma em toda a parte e em todo o tempo. Como visto acima, o autor florentino acreditava que a natureza humana era imutável, concluindo que os homens eram naturalmente egoístas e ambiciosos, só havendo limites em suas práticas do mal quando detido pela força da lei. Para ela, ainda que a natureza humana pudesse ser boa e má, a política deveria encará- la apenas como sendo má. Daí que, no Capítulo XVIII de O Príncipe, aparece a questão mais discutida atualmente sobre o autor: é melhor ser temido ou ser amado? Como é difícil sê-los ao mesmo 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 5 de 120 tempo, era mais seguro para o governante que se fosse temido, pois assim os homens o respeitariam mais do que se apenas eles o amassem. Foi em Maquiavel que a operou-se a separação radical entre política e moral, de maneira que a autonomia política era sua principal preocupação; portanto, devia-se separar política de ética. 6HJXQGR� HOH�� ³D� DWXDomR� SROtWLFD� QmR� HVWDYD� UHJUDGD� SRU� DVSHFWRV� morais, mas em nome do interesse político, principalmente, na FRQVHUYDomR� GR� SRGHU´�� FRQIRUPH� HQVLQD� &RVWD�� 1mR� TXH� HOH� ignorasse que existia uma intenção mais ou menos moral nos governantes, mas isso não era para ele importante no fazer político. Um ponto muito interessante de se ressalta é de que, na realidade, Maquiavel não discutia as questões do que era o Estado QHP�SRUTXH�HOH�H[LVWLD��2�LPSRUWDQWH�HUD�R�(VWDGR�³VHQGR´��RX�VHMD�� o fato dado de sua existência; preocupando-se com sua conservação, seu reforço e mesmo sua reforma a fim de conservá- lo. Portanto, a finalidade era a manutenção, a prosperidade e a grandeza do Estado, indo para além de discussões entre bem e mal, FHUWR� H� HUUDGR�� 3DUD� &RVWD�� ³R� RUJDQLVPR� HVWDWDO� HUD� R� REMHWR� próprio do interesse político, conquistá-lo e o manter eram as TXHVW}HV�SULQFLSDLV�GRV�JRYHUQDQWHV´�� 2�3UtQFLSH�VH�LQLFLD�DILUPDQGR�TXH�³WRGRV�RV�(VWDGRV��WRGRV�RV� domínios que tem havido e que havia sobre os homens foram e HUDP�UHS~EOLFDV�RX�SULQFLSDGRV´��SRUWDQWR��D�SULPHLUD�GLscussão da obra era sobre a forma de governo. Maquiavel substituiu a tripartição do governo aristotélico, por uma bipartição: o principado 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 6 de 120 que correspondia ao reino e a república, que englobava a democracia e a aristocracia. A diferença entre elas, era bem simples: a questão era se o Estado era governado por poucas ou muitas pessoas. No principado, o poder residia na vontade de um só. Nas repúblicas, o poder residia na vontade coletiva, que podia se manifestar em colegiados ou assembleias restritas (caso das repúblicas aristocráticas) ou nas assembleias populares (caso das repúblicas democráticas). Para Maquiavel, a melhor forma governamental era mista, pois se manteria o equilíbrio e se protegeria contra os defeitos de uma forma pura de governo. A solução, portanto, seria um governo no qual houvesse órgãos distintos dos quais participaria poucos em um deles e muitos em outro deles. A solução de governo misto passaria para o mundo atual como democracias representativas. Filosoficamente, Maquiavel trabalha com dois conceitos importantes: fortuna e virtu. A fortuna proporcionaria a chave para o êxito da ação política e constituía parte da vida que não pode ser controlada pelo indivíduo. A fortuna proporcionaria a ocasião, que seria ou não aproveitada pela virtu do governante. Assim, o homem de virtude era aquele que sabia quando e a melhor maneira de agir. A fortuna daria oportunidade ao livre arbítrio humano, que, se fosse sábio, a usaria com coragem, energia e eficácia política. A ideia de Maquiavel era a de que deveria se romper o equilíbrio entre esses dois fatores, resistindo a fortuna e ampliando a virtu (que afinal era controlável pelo homem). Era com se ele dissesse para o governante fugir a sorte das coisas, não dando ocasião ao azar. O governante deveria agir de forma mais audaciosa do que prudente, controlando as ocasiões e se aproveitando delas. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 7 de 120 O termo maquiavélico ou maquiavelismo acabou incorporando um aspecto pejorativo, pois Maquiavel fazia uma defesa da dispensa da moralidade ± não esqueçam que ele não trabalhava com o que deveria ser, mas sim com o que era. A obra de Maquiavel, na verdade, abriga uma extensa expressão de renovação cultural e científica, dessacralizando o político, tomando independência frente ao poder da igreja e dando primazia ao Estado frente a religião. Desse modo, Maquiavel deu um novo rumo a visão histórica, na qual a desordem, a desarmonia e o conflito davam o tom das UHODo}HV�SROtWLFDV�UHDLV��'H�DFRUGR�FRP�1HOVRQ�1HU\�&RVWD��³D�REUD� O Príncipe versa sobre o poder, o que não se pode negar, pois dispões sobre sua aquisição, manutenção e utilização, de forma a subverter a moralidade tradicional. O autor não fazia a apologia de que a simples posse do poder resulta em atos que não eram adequados a moral cristã, mas não lamentava que o príncipe pudesse agir como não cristão para conservar ou obter governo. Não procurou justificar os casos em que existia a traição, assassinato, dissimulação ou outras torpezas que eram condenadas pelas leis cristãs, pois se faziam necessárias para o exercício da SROtWLFD´�� 1. 2. Contratualismo Contratualismo é a doutrina segundo a qual o Estado é o produto da decisão racional dos homens destinada a resolver os conflitos gerados pelo seu instinto antissocial ou para solucionar os problemas advindos da convivência. Assim, o contrato é um ato de lógica política, consistindo numa decisão deliberada e racional. Os 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 8 de 120 contratualistas têm os seguintes aspectos em comum: (i) partem da ideia hipotética de que um Estado de natureza, anterior à constituição de uma sociedade regida por leis positivas e no qual os indivíduos teriam direitos naturais; (ii) colocam que por meio de um contrato social os indivíduos decidem constituir uma sociedade civil regida por leis positivas, dando surgimento ao Estado, a fim de solucionar problemas do estado de natureza e (iii) estabelecem diversos tipos de Estado, como o absolutista (Hobbes), o liberal (Locke) e o democrático (Rousseau). São esses três autores que estudaremos agora. 1.2.1. Thomas Hobbes (1588 - 1679) O contexto histórico é o cisma anglicano ocorrido na Inglaterra, quando o rei Henrique VIII proclama a si o rei do Estado e ao mesmo tempo da igreja, e as guerras civis que marcaram o período. Hobbes, surge em um contexto posterior à Revolução de Crowell, com o Leviatã. Na obra Leviatã, de acordo com Farias Neto, Hobbes discute sobre um estado de natureza e um estado político ou civil, definidos em função da contraposição identificada entre esses estados. Para o contratualista, o estado de natureza humano significaria uma estrutura ficcional, vigente entre os seres humanos, que se daria de forma conflituosa e beligerante, sob um inexorável estado de guerra. Assim, o estado de natureza proporcionaria o amplo e irrestrito uso da liberdade, de forma a que esse gozo total da liberdade daria margem a uns lesarem os outros, invadindo, usurpando e prejudicando. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 9 de 120 Ressalte-se que, em Hobbes, o homem é naturalmente agressivo e invejoso, devido ao seu desejo de tirar vantagem quando há um contexto de igualdade. Por essa razão, impera-se no estado de natureza hobbesiano a guerra de todos contra todos, no qual cada um se declara com direito a tudo. A agressão de todos contra todos, em realidade, não seria um objetivo, mas sim um meio para os seres humanos sustentarem seus direitos a todos os bens do mundo. Nesse sentido, a formação do Estado limitaria essa liberdade, disciplinando o egoísmo humano, estabelecendo restrições com vista à preservação e à harmonia da espécie. Ou seja, para que não morressem todos, o Estado teria sido constituído, já que, quando ausente o Estado, os seres humanos ficam entregues às suas paixões inerentes, com guerra e destruição generalizada. $� IDPRVD� H[SUHVVmR� GH�+REEHV� ³R� KRPHP�p� ORER� GR� SUySULR� KRPHP´�VLQWHWL]D�HVVD�VLWXDomR�GH�FRQIOLWR�JHneralizado que marca o estado de natureza para o pensador. Acontece que, no momento em que a vida humana se sente ameaçada, nenhum outro empreendimento humano faz sentido. A partir daí, a fim de garantir ordem, harmonia e estabilidade, os indivíduos cedem seus direitos de liberdade total e irrestrita, assumindo um contrato social, limitando-se a fim de garantir a segurança para todos. Para Hobbes, ³GXUDQWH�R�WHPSR�HP�TXH�RV�KRPHQV�YLYHP�VHP�XP�SRGHU�FRPXP� capaz de mantê-los a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os KRPHQV�FRQWUD�WRGRV�RV�KRPHQV´� 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 10 de 120 Em Hobbes, a sociedade necessitaria de uma autoridade à qual seus membros se renderiam, abdicando da liberdade natural, de modo que a autoridade assegurasse a paz interna. É daí que resultaria o Estado, como sendo o único impositivo para afastar o nefasto estado natural dos homens. Apenas o Estado seria capaz de impor sua vontade, ordem, instaurando um governo comum e regras comuns, exercendo justiça e soberania diante da sociedade. Portanto, a submissão ao Estado é a condição por meio do qual os súditos devem ao soberano por ter-lhes salvado do seu destrutivo estado de natureza no qual se encontravam. Por meio do contrato social as pessoas renunciam a liberdade e a ideia de possuírem todos os direitos, em troca ganham a defesa da paz, da harmonia e GD�RUGHP��1DV�SDODYUDV�GH�+REEHV��³GHSRLV�GH�FHOHEUDGR�XP�SDFWR�� rompê-lo é injusto. E a definição de injustiça não é outra senão o não cumprimento de um SDFWR��(�WXGR�TXH�QmR�p�LQMXVWR�p�MXVWR´�� Para Hobbes, os seres humanos só podem viver em paz se ficassem submetidos a um poder absoluto e centralizado. Assim, o Estado e a Igreja cristã deveriam formar um só corpo, dirigido pelo monarca, com poderes absolutos, que teria inclusive o pleno direito de interpretação bíblica, decidindo questões religiosas e dirigindo cultos. Nesse sentido, há uma crítica hobbesiana da livre- interpretação da Bíblia, proposta pela Reforma Protestante, pois isso enfraqueceria o poder soberano. Em Hobbes, pessoal, o poder soberano constituído como monarca ou assembleia seria autoridade inquestionável identificada pela figura do monstro bíblico Leviatã, que, no Livro de Jó, representa a solução radical de organização estatal. Vejam que a ideia hobbesiana é de que a força de todos 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 11 de 120 consentida em um Estado absoluto limitaria o egoísmo de cada indivíduo, em favor do bem comum. Para Hobbes o soberano pode ser um monarca ou aristocratas ou ainda uma assembleia democrática, desde que dotados de poder e soberania pertencentes ao modelo absolutista estatal. Assim, por meio das instituições públicas, o Estado teria o poder necessário para promulgar e aplicar leis, definir e garantir a propriedade privada, exigir obediência incondicional, punindo os desobedientes, de maneira a garantir a vida, a paz, a ordem e a harmonia. Como podemos perceber, Hobbes acredita em uma grande maioria de vontades a favor do contrato social. De maneira que é esse pacto que dará ao soberano a possibilidade de estabelecer a moral e as leis, já que o justo passa a coincidir com a vontade do soberano. O soberano é o único poder legislativo, o Estado é a única fonte de Direito, mesmo em assuntos religiosos. A autoridade máxima é o soberano. Aliás, o soberano também detém a força de todos de maneira a garantir a repartição pacífica de bens comuns. 1DV�SDODYUDV�GH�)DULDV�1HWR��³R�SRGHU�SROtWLFR�UHVXOWD�GD�GHOHJDomR� racional e voluntária da agressividade individual com a finalidade de instaurar, artificialmente, a paz e promover o aperfeiçoamento do FRQYtYLR� KXPDQR�� �«�� D� H[WLQomR� GD� VRFLHGDGH� DVVRPD� FRPR� R� alternativo e ameaçador efeito implacável da luta de todos contra WRGRV��D�PHQRV�TXH�D�IRUoD�GH�WRGRV�FRQVWLWXD�XP�(VWDGR´�� Por essa razão, justificando a existência do Estado, Hobbes diz TXH� ³R� ILP� ~OWLPR�� FDXVD� ILQDO� H� GHVtJQLR� GRV� KRPHQV� �TXH� DPDP� naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 12 de 120 aquela restrição sobre si mesmos sob a qual podemos viver nos Estados, é o cuidado com a sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, é o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária das paixões naturais do homem, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis da QDWXUH]D´� 1.2.2. John Locke (1632 - 1704) John Locke foi um médico inglês e um dos principais expoentes da ciência política moderna, classificado dentro da escola do direito jusnaturalista (que defende que o direito independe da vontade humana, existindo antes mesmo do homem e estando acima do homem, ou seja, o direito é algo natural), tendo expressado o pensamento político mais importante do período das Revoluções Inglesa. Locke é ainda considerado o precursor do liberalismo político, tendo sido fundamental para o empirismo inglês e um dois mais importantes teóricos do contratualismo. Locke parte da condição natural humana, ou seja, do estado de natureza, mas a compreendia de maneira distinta da de Hobbes. Em Locke, o estado de natureza é um estado de liberdade e de LJXDOGDGH�� HP� VXDV� SUySULDV� SDODYUDV�� R� HVWDGR� QDWXUDO� p� ³XP� estado de perfeita liberdade para ordenar-lhe a ação e regular-lhe a posse e as pessoas conforme acharem conveniente, dentro dos OLPLWHV�GD� OHL� GD� QDWXUH]D´��$VVLP��R� HVWDGR�GH�QDWXUH]D� GH� /RFNH� 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 13 de 120 não é uma guerra virtual de todos contra todos, mas regida por uma lei natural que obriga a todos. A razão para tal, em Locke, é que o estado de natureza se trataria da condição na qual o poder executivo da lei da natureza permanecia exclusivamente nas mãos dos indivíduos, sem se tornar coletiva. Então, todos os homens participam dessa sociedade singularista (por mais paradoxal que o termo possa parecer). Assim, podemos dizer que o estado de natureza era regido por uma lei da natureza, que ensinava todos os homens, que eram independentes e iguais, que nenhum deles deveria prejudicar o outro. Cada indivíduo deveria obedecer a lei natural e os transgressores deveriam ser punidos. Nesse sentido, Locke considerava que todos tinham o direito de fazer valer a lei natural, considerando que o estado humano primitivo é a paz, a liberdade e a felicidade. É por isso que todos tinham o direito de também deter os transgressores, a fim de evitar que o prejuízo a ordem fosse causado. Nesse ponto, Farias Neto coloca que esse contrato social vincularia o transgressor da lei natural, de um lado, assim como o guardião executor da lei que não foi ainda positivada ou organizada, de outro. Vejam que, dessa forma, o estado de natureza em Locke é pacífico ± percebam essa contraposição ao estado de natureza de Hobbes -, dotado de relativa paz, concórdia e harmonia. Segundo Locke, já nesse estado natural, os seres humanos eram dotados de razão e desfrutavam da liberdade e dos bens como direitos naturais. Para ele, o estado civil, que seria estabelecido a partir do contrato 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 14 de 120 social, surgiria como aperfeiçoamento, melhoramento, do estado natural e não como a forma de limitação hobbesiana. Claro que Locke não supunha que tudo eram flores no estado de natureza, já que este não estaria completamente isento de inconvenientes gerados pela violação da individualidade natural. Assim, diante da ausência de lei positivada, de juízes imparciais e da força coercitiva para impor a execução de castigos, os seres humanos acabariam tendendo, em algum momento, para um estado de guerra. Portanto, a fim de evitar esse estado de guerra e também a fim de reduzir a possibilidade de inconvenientes, houve o estabelecimento de um contrato social, transformando o estado de natureza em um estado civil. A passagem do estado de natureza ao estado civil é conveniente, em Locke, já que quando um homem assume a razão, adquire também o direito de impor aos demais o seu cumprimento. Para ele, a razão coincide com a lei e o homem ao interpretá-la para assuntos particulares, se torna juiz e parte interessada, o que gera parcialidade no julgamento. Dessa forma, a passagem para o estado civil, com a positivação das leis e a constituição de um corpo jurídico, afastaria esse problema da parcialidade jurídica. Então, a fim de evitar distúrbios e impor aos violadores do estado de natureza a sanção, os homens entravam, para Locke, na sociedade civil, política. Abandonavam, dessa forma, o estado de natureza, aliando-se em comunidades e designando governos para agir sobre eles como um juiz neutro, protegendo seus direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Para reforçar o que foi dito até 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 15 de 120 aqui: no estado de natureza o homem já possuía direitos, contudo a possibilidade de usurpação deles por outrem fazia com que a sua fruição fosse reduzida. Assim foi necessário estabelecer uma lei positivada, um juiz competente e imparcial e uma força coercitiva capaz de impor sanção. Esses elementos resultaram na associação coletiva que deu forma à sociedade civil. 6HJXQGR�1HU\�&RVWD��HP�/RFNH��³R�FRQWUDWR�HVWDEHOHFLGR�SDUD� resolver esses problemas era operado entre homens livres e iguais, e não entre governantes e governados. O pacto social não criaria nenhum direito novo, que viesse a ser acrescentado aos direitos naturais. O pacto teria apenas um acordo entre indivíduos, reunidos para empregar sua força coletiva na execução de leis naturais, renunciando a executá-las pela mão de cada um. Seu objetivo seria a preservação da vida, da liberdade e da propriedade, bem como reprimir a violação desses direitos. Em oposição às ideias de Hobbes, Locke acreditava que, por meio do pacto social, os homens não renunciariam aos seus próprios direitos naturais, em favor dos SUySULRV�JRYHUQDQWHV´�� Em Locke tem-se a formação de um Estado Liberal e não de um Absolutista. O pacto social dividiria a sociedade em governantes e governados, mas a estes seriam concedidos meios para a escolha daqueles. A teoria de Locke considerava que o indivíduo possuía apenas duas alternativas: ou as pessoas desempenhavam sua atividade cotidiana sob proteção de um governo liberal e constitucional ou elas se revoltavam contra um governo que em vez de ser liberal era tirânico, perdendo seu direito à obediência. Dessa maneira, se o Estado ou o governo não respeitassem o contrato, 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 16 de 120 este poderia ser desfeito. Para que o contrato continuasse em vigor, era necessário que os direitos fossem protegidos. Devemos ter em mente que se o estado civil nasce a partir dos direitos naturais e se baseia no consenso, entende-se que o poder do estado é essencialmente limitado; primeiramente, porque não pode violar direitos naturais; segundo, porque há a necessidade de consenso. Como vocês puderam perceber, o contratualismo de Locke é positivo ou otimista, já que se baseia na ideia de paz, liberdade e igualdade; enquanto que, em Hobbes, o contratualismo é negativo ou pessimista, já que se baseia na ideia de guerra de todos contra todos. Em Locke, o indivíduo, ao atuar na vida pública, não perderia suas prerrogativas naturais de liberdade, paz e felicidade, uma vez que caberia ao Estado garantir as mesmas, por meio das leis e da imposição delas. Não se esqueçam de que Locke é um liberal: ele admitia que a liberdade pudesse gerar desigualdade entre os indivíduos, manifestadas de acordo com as capacidades inatas e desenvolvidas. Acontece que, pela livre iniciativa, cada indivíduo seria capaz de evoluir na escala social, de acordo com o modelo de Estado liberal. 3RU�LVVR��GL]�1HU\�&RVWD�TXH�³D�ILORVRILD�SROtWLFD�H�MXUtGLFD�GH�/RFNH� evidencia a orientação no sentido de propiciar o máximo de liberdade para o indivíduo, em vez de propiciar o máximo de segurança e ordem, conforme a orientação evidenciada pela filosofia GH�+REEHV´�� Algo que costuma causa muito problema em Locke é sua discussão acerca da separação de poderes. Para ele, são três os 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 17 de 120 poderes: legislativo, executivo e federativo. O legislativo é o poder supremo, cabendo-lhe governar por meio das leis estabelecidas e já promulgadas, que não poderiam diferenciar a partir do caso, ou seja, deveriam ser abstratas e genéricas. No legislativo estava investido o poder supremo, sendo a alma do corpo político, representando o consenso social. De suas prerrogativas dependiam a forma de governo, a democracia, as eleições ou monarquias e as possíveis combinações. O executivo compreenderia a execução das leis internas da sociedade dentro dos limites do país com relação a todos que a ela pertencessem. Este poder estaria subordinado ao legislativo, pois sua tarefa era dar execução às leis emanadas do poder ditado ao povo. Por fim, Locke previa o poder federativo e cuja missão era a ordem exterior (diante de outros estados), alianças, tratados, guerras e paz. Como esse poder é bem próximo ao executivo, alguns cientistas afirmam que em Locke só havia dois poderes, mas cuidado com essa afirmação. É preferível o entendimento de que Locke considerava três poderes. Antes que me perguntem, o judiciário, em Locke, não era um poder específico e constituía parte das funções executivas do Estado. 1.2.3. Jean-Jacques Rousseau (1712 ± 1778) Rousseau foi um contratualista considerado revolucionário dentro da Ciência Política, defensor de que a liberdade faz parte da natureza humana, inspirando diversos movimentos libertários. Ele concebia as pessoas no estado de natureza como livres, bons e iguais entre sim, sendo que é a sociedade que as corrompe. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 18 de 120 Acontece que, no estado de natureza, existem dificuldades para a satisfação das necessidades humanas, assim, os indivíduos se associam, colocando sua vontade a serviço de todos. A esta ele chama de vontade geral e ao obedecê-la o indivíduo obedece a si mesmo. O resultado institucional deste contrato é o Estado Democrático de Direito, representativo, em que o Parlamento é o instrumento fundamental da vontade geral que se expressa por meio da lei. Para Rousseau, o verdadeiro fundado da sociedade civil foi o ser humano selvagem que configurou e limitou seu espaço particular, o que acabou sendo acreditado por outros seres humanos a partir dos laços de convivência. É exatamente essa situação que marca a primeira situação de desigualdade gerada pelos seres humanos, ou seja, a primeira desigualdade não autorizada pela lei natural: demarcar uma propriedade. A ideia de desigualdade, em Rousseau, não se deu de maneira instantânea na mente do homem, derivando em função do progresso social ao longo do tempo. Um ponto interessante e pouco falado: Rousseau afirmava que o estado de natureza nunca tinha realmente existido, mas era uma pura ideia da razão. Assim, apenas a partir dessa construção imaginária de estado de natureza é que se poderia inferir a real natureza humana, pois essa natureza significa em Rousseau o desenvolvimento das potencialidades humanas, em que a sociedade contemporânea é apenas um momento parcial e incompleto. É interessante ressaltar que em Rousseau há duas expressões da liberdade: uma que é a natural (ausência de leis positivadas) e a 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 19 de 120 civil (no sentido de submissão às leis estatais). O homem natural era livre porque não tinha leis, já o homem civil é livre, pois, REHGHFH� jV� OHLV� TXH� GHX� D� VL�� 6HJXQGR� 1HU\� &RVWD�� ³R� KRPHP� Vy� podia ser livre se fosse igual, pois assim que surge a desigualdade entre os homens acabava a liberdade. Referia-se tanto à igualdade diante de lei, a igualdade jurídica, mas também chegava a compreender que existia um problema de igualdade econômico- VRFLDO´�� Rousseau entendia a propriedade como um ato arbitrário, que resultou em um direito de domínio. Assim, a propriedade gerou exclusão e usurpação em razão do direito de excluir. A propriedade foi ganhando significado e o ser humano ficou sociabilizado e civilizado com base na propriedade, ou seja, com base na desigualdade e exclusão. Para o pensador, a desigualdade empobreceu os que não a detinham, consolidando a dominação por aquelas que a possuíam, fazendo valer o direito do mais forte, acentuando a dicotomia entre ricos e pobres. Essa situação teria transfigurado os seres humanos, perdendo sua real identidade e sua verdadeira natureza, ficando corrompido e degradado. Percebam que é a sociedade, baseada na propriedade privada, que corrompe o homem para Rousseau. Como eu já disse, o contrato social rousseauniano possui existência apenas teórica, não correspondendo a uma verdade empírica. Esse contrato significaria a deliberação conjunta ou o consenso estabelecido entre os indivíduos no sentido da formação da sociedade que fundamenta o Estado. É esse contrato que promoveria a transição do estado de natureza para o estado cívico. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 20 de 120 'L]� 1HU\� &RVWD� TXH� ³R� FRQWUDWR� VRFLDO�� DVVLP�� HUD� XPD� OLYUH� associação de seres humanos inteligentes que, deliberadamente, resolviam formar certo tipo de sociedade, à qual passavam a prestar obediência. O contrato social seria a única base legítima para uma comunidade que desejava viver de acordo com os pressupostos de liberdade humana. O ato coletivo de renúncia não era feito em favor de um terceiro, mas por cada um em favor de todos, ou seja, por cada indivíduo para si mesmo. A alienação acontecia em favor da comunidade inteira, ou do corpo político, do qual era manifestação VXSUHPD�D�YRQWDGH�JHUDO´�� Para fecharmos esse tópico, é interessante estudarmos o que vem a ser o conceito de vontade geral em Rousseau. A vontade geral indicava as características gerais da soberania, que são: (i) inalienável, (ii) indivisível, (iii) infalível e (iv) absoluta. A vontade geral fundaria algo sobreposto a todas as vontades individuais, que ficariam consolidadas em uma só vontade geral orientada para a efetivação do bem comum. Isso não significa que a vontade geral só se dá a partir de unanimidade, na verdade poderia haver discordância. A vontade geral consistiria no todo, na totalidade de ideias, opiniões, contribuições e discordâncias integrantes do sistema. Para Rousseau, o critério para estabelecer a vontade geral está na participação de todos a fim a formar um consenso da PDLRULD�� )DULDV� 1HWR� GHILQH� D� YRQWDGH� JHUDO� FRPR� VHQGR� ³XPD� vontade pactuada para a preservação dos direitos inatos ao ser humano, anteriores ao contrato social. A vontade geral evolveria de PRGR�FRQVWDQWH�H�RULHQWDGR�R�TXH�VHULD�R�EHP�FRPXP�D�WRGRV´�� 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 21 de 120 Mais uma coisa antes de terminar: Rousseau contestava a ideia de representação, contestando a validade da existência de partidos políticos ou de qualquer outra maneira de representação. Para ele não deveria haver intermediário entre o Estado e os indivíduos. Ele entendia ainda que uma vontade não poderia ser representada, e, assim ocorrendo, o povo deixaria de ser realmente livre, porquanto a vontade não seria a geral, mas sim a dos representantes. Dessa forma, o exercício da representação significava, para ele, uma sobreposição de vontades e a vontade delegada não existiria mais, não estando efetivada. Vejam que para o pensador o fortalecimento de vontades particulares (como no caso da representação) enfraquece a força do Estado, esvaziando a vontade geral. 1.3. Charles-Louis de Secondat ou Barão de Montesquieu (1689 ± 1755) Montesquieu, como é mais conhecido entre nós, foi um pensador do período iluminista e que propugnava, a exemplo de Locke, a monarquia constitucional como a melhor forma de governo, constituída de três poderes: executivo, legislativo e judiciário. O poder executivo seria responsável pela administração e deveria ser exercido de modo concentrado pelo monarca. O poder legislativo seria responsável pela elaboração das leis e representado pelas câmaras parlamentares. O poder judiciário seria responsável pela fiscalização do cumprimento das leis e seria exercido por juízes e magistrados. Assim, Montesquieu consolidou a teoria da tripartição de poderes, que havia sido preconizada por Locke e, ainda de acordo com alguns autores, ela já havia sido pensada em termos 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 22 de 120 mais básicos por Aristóteles anteriormente. Deixo claro que Montesquieu já falava sobre a necessidade de haver limitação ao poder do monarca, pois, caso não houvesse, a monarquia descambaria para o despotismo ou individualismo. O pensador em questão defendeu a existência dos corpos intermediários entre os indivíduos e o Estado, como a magistratura, o parlamento e os partidos políticos. Para ele, é necessário que haja uma constituição, em qualquer Estado, com aqueles três tipos de poder. Assim, essas funções do Estado (termo tecnicamente mais adequado) deveriam atuar de forma articulada e sistemática, a fim de impedir excessos. Vocês podem perceber, portanto, que para ele a tripartição de poderes é essencial e só com ela o indivíduo possui segurança e liberdade frente ao Estado. O autor francês já alertava para o perigo do acúmulo das funções (de legislar, julgar e executar), colocando que esse acúmulo representaria não só perigo para a sociedade, como também para o Estado. Portanto, era necessário, segundo o próprio Montesquieu, um equilíbrio entre esses poderes (funções), exaltando o controle que um deveria exercer sobre o outro. Ressalte-se que Montesquieu nunca defendeu a igualdade de todos perante a lei. Vejam só: o poder legislativo, convocado pelo executivo, deveria ser constituído por duas instituições distintas: o corpo dos comuns (representantes do povo) e o corpo dos nobres (direito hereditário). O corpo dos nobres teria a faculdade de impedir (vetar) as deliberações do corpo de comuns. Montesquieu 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 23 de 120 ressaltou que cada poder deveria se manter autônomo, constituindo-se por indivíduos e grupos diferentes. Dessa forma, percebe-se que Montesquieu não defendeu tão somente uma separação e independência de poderes, mas sim a combinação e o equilíbrio entre eles, de modo que a limitação mútua estabelecida entre os poderes impediriam a eventual usurpação por parte de algum deles. 1. 4. Alexis de Tocqueville (1805 - 1859) Tocqueville foi um pensador político francês famoso por suas análises sobre a Revolução Francesa, a democracia norte-americana e a evolução das democracias ocidentais. Ele é sem dúvida um dos pensadores mais importante de todos os tempos, destacando-se com as obras A Democracia na América e O Antigo Regime e a Revolução. Ele acreditava que a democracia era uma tendência política inevitável, natural, pois expressava a própria vontade divina, aplicada à história da humanidade. Segundo ele todos os acontecimentos e todos os seres humanos serviriam ao desenvolvimento da democracia, que resultaria num fim universal e permanente. Para Tocqueville, impedir a democracia significaria lutar contra os desígnios de Deus, o que, por óbvio, não teria eficácia. Mesmo que cada nação evoluísse conforme seu próprio desenvolvimento democrático, todas as nações caminhariam para uma situação cada vez mais ampla de igualdade de condições vigentes entre os seus cidadãos. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 24 de 120 Para o pensador francês, há basicamente dois elementos que podem prejudicar o desenvolvimento da democracia (e que deveriam ser evitados, portanto): (i) o aparecimento de uma sociedade de massa que ensejaria a tirania da maioria (ou seja, a minoria ficaria sempre reprimida diante da vontade da maioria) e (ii) o surgimento de um Estado autoritário e despótico. Assim, a cultura igualitária de uma maioria poderia impedir as possibilidades de manifestação da minoria. Ele criticava ainda o individualismo capitalista, gerado em função do lucro e da riqueza. Para impedir que houvesse um Estado autoritário e despótico, e também que houvesse uma sociedade de massas, Tocqueville entendia fundamental a participação da sociedade; além da constituição e manutenção de instituições políticas consolidadas. Percebam que o Estado despótico seria a consequência de uma cidadania omissa em relação à política. Tal Estado oprimiria um povo massificado, ocupado apenas com atividades particulares. Dessa maneira, Tocqueville acreditava que a garantia da liberdade seria alcançada a partir da ação intensa dos cidadãos, somada a capacidade das instituições políticas liberais de defender os direitos fundamentais. Assim, em Tocqueville, a verdadeira base da liberdade é a ação política dos cidadãos, sua participação nas coisas públicas, que se daria basicamente com instituições atuantes e descentralizadas; organização de associações políticas promotoras de cidadania e existência de grandes partidos. Portanto, podemos dizer que a teoria de Tocqueville consistiu em uma apologia da democracia enquanto promotora da liberdade (mais frágil e que 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 25 de 120 deve ser sempre vigiada) e da igualdade (mais forte decorrente da lei natural). 1. 5. John Stuart Mill (1806 - 1873) Stuart Mill foi defensor da corrente utilitarista, da liberdade e da representação política, sendo considerado por muitos como o grande representante do pensamento liberal democrático no século XIX. Ele era filho do filósofo também utilitarista James Mill, tendo estado próximo também de outro utilitarista, James Bentham. Mill entendia que a participação política não podia ser considerada como privilégio de poucos, assim como a aceitação de que o trato da coisa pública envolveria a todos. Para ele, incorporar os segmentos populares significava uma forma oportuna de preservação da liberdade de todos em relação aos interesses egoístas das classes prósperas. Entendia ainda que o voto não era um direito natural, mas sim uma forma de poder que deveria ser facultada aos cidadãos para que pudessem defender seus direitos e interesses. Um ponto interessante em Mill é que ele considerava que a tirania da maioria era tão perigosa quanto a tirania da minoria, já que em ambas haveria interesses puramente classistas. Para ele era importante que houvesse um bom governo representativo, impedindo que se caísse em uma ou em outra tirania. Para tal, ele apresentou duas proposições: (i) adoção do sistema eleitoral proporcional e (ii) adoção do voto plural. A adoção do sistema proporcional garantiria a representação das minorias, mesmo se 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 26 de 120 dispersa em muitos distritos eleitorais. Já a adoção do voto plural, com pesos diferentes a partir das condições econômica e cultural, levaria a tendência de que os interesses privados ficassem polarizados em dois grupos principais: o dos trabalhadores assalariados e o dos proprietários. Ressalte-se que, por causa desse desequilíbrio polarizado, o equilíbrio ficaria estabelecido por um terceiro grupo de cidadãos eminentes, dotados de condições específicas, como a moral e o conhecimento. Para o pensador inglês, a finalidade da vida coletiva seria alcançar a maior felicidade para o maior número de pessoas e que só assegurando-se o bem-estar é que se poderia avaliar um governo ou uma sociedade (dois critérios característicos do utilitarismo). Entendia ele que a felicidade era o prazer individual ou a ausência de sofrimento, assim, as ações seriam boas à medida que proporcionassem felicidade nas pessoas. Portanto, a regra suprema da moralidade, em Mill, era a conquista da felicidade de todos os participantes de uma sociedade. Para Stuart Mill, a liberdade era condição para o desenvolvimento da humanidade, mas não a considerava um direito natural (os utilitaristas não aceitam o jusnaturalismo). Ele entendia que a liberdade era essencial, pois ela possibilitaria a manifestação da diversidade, ainda que dentro de uma unidade social, tendo em vista que, para ele, a diversidade e o conflito seriam forças motrizes determinantes da reforma e do desenvolvimento social. Ele defendeu o liberalismo como ideal político, no qual o Estado deveria garantir a diversidade e a manifestação de opiniões, 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 27 de 120 protegendo legalmente os fracos contra os fortes e o pensamento individual frente ao coletivo. Defendeu, ainda, a emancipação das mulheres, entendendo que elas deveriam ter os mesmo direitos que os homens. Considerou que todo o povo deveria ter participação na política; que toda participação tivesse utilidade na busca pela felicidade; que a participação se desse tão ampla quanto compatível ao desenvolvimento da sociedade e que, para finalizar, que houvesse possibilidade de acesso de todos a uma parte do poder soberano do Estado. 1.6. O Federalista De acordo com LimoQJL�� ³HQWUH� PDLR� H� VHWHPEUR� GH� ������ reuniu-se em Filadélfia a Convenção Federal que elaborou uma nova Constituição para os Estados Unidos, propondo que esta substituísse os Artigos da Confederação, firmados em 1781, logo após a independência. O Federalista é fruto da reunião de uma série de ensaios publicados na imprensa de Nova York em 1788, com objetivo de contribuir para a ratificação da Constituição pelos Estados. Obra conjunta de três autores, Alexander Hamilton (1755 ± 1804), James Madison (1751 ± 1836) e John Jay (1745 ± �����´� Esses três autores e, portanto, o contexto de O Federalista, estão fortemente relacionados à luta pela independência norte- americana. Madison e Hamilton, aliás, eram líderes do movimento que culminou na convocação da Convenção Federal. Madison é considerado aquele que mais contribuiu na elaboração da Constituição norte-americana. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 28 de 120 Não podemos dizer que houvesse consenso absoluto entre esses três autores, mas todos trabalharam para a ratificação da Constituição. Entretanto, eles concordavam que a Constituição elaborada pela Convenção Federal oferecia um ordenamento político superior aos Artigos da Confederação. Percebam que, até então, os Estados norte-americanos constituíam uma Confederação e somente após a ratificação da nova Constituição é que passaram a ser uma Federação. Veremos mais adiante as diferenças entre essas formas de Estado. Fernando Limongi coloca que a filosofia política de então, especialmente a proposta por Montesquieu, era evocada pelos adversários da ratificação questionando o texto proposto, isso, pois, Montesquieu apontava uma incompatibilidade entre governos populares e tempos modernos ± para o pensador francês a melhor forma de governo seria a monarquia. Dessa maneira, os Federalistas tiveram como objetivo teórico desconstruir os pressupostos de uma longa tradição filosófica, que se iniciava com Maquiavel e chegava a Montesquieu, tentando demonstrar que o espírito comercial da época não impedia a constituição de governos populares e que estes não dependiam da virtude do povo ou da necessidade de confinamento em pequenos territórios. O federalismo, então, nasce como um pacto político entre os Estados, fruto de esforços teóricos e negociações políticas. Um dos eixos de O Federalista era o ataque à fraqueza do governo central instituído pelos Artigos da Confederação, já que nesta forma de Estado o Congresso central não tem poderes para exigir o cumprimento de suas leis nem punir os que não as cumprissem. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 29 de 120 De acordo com O Federalista, a limitação do poder só pode ser obtida pela contraposição a outro poder, isto é, o poder freando poder. Nesse sentindo, o Federalista se aproxima de Montesquieu. Essas reflexões, como podemos perceber, embasam a teoria da separação dos poderes, visto que essa separação não é estanque. A diferença está em que a teoria da separação de poderes de Montesquieu é ligada a teoria do governo misto, segundo a qual as funções do governo devem ser distribuídas por diferentes grupos sociais (intermediários), de forma que o exercício do poder deixa de ser prerrogativa exclusiva de qualquer um dos grupos, forçando-os a colaborar. O governo misto, portanto, difere da separação de poderes. O governo misto pressupõe um esquema de corpos intermediários verticais, ou seja, grupos sociais com maior ou menor força (realeza, nobreza, povo) que devem colaborar entre si; enquanto que a separação de poderes pressupõe um esquema horizontal, ou seja, no mesmo nível das três funções do poder (legislativa, executiva e judiciária), sendo desenvolvidas por órgãos distintos e autônomos. Um detalhe: Montesquieu acreditava que era possível haver ao mesmo tempo o esquema vertical e o horizontal, quando cada grupo social exercesse um poder, caso da Inglaterra descrita pelo pensador francês. Em O Federalista, a defesa da separação dos poderes deve ser construída pautada em medidas constitucionais, garantindo a autonomia das diferentes funções do poder (exercidas por órgãos independentes), postos em relação uns com os outros para que possam se controlar e frear mutuamente. Portanto, a adoção do 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 30 de 120 princípio de separação dos poderes justifica-se como forma de evitar a tirania, na qual os poderes se concentram todos em uma só mão. 2. Temas modernos da filosofia política do Estado Pessoal, para concurso, quando a gente vai falar sobre esse tema, a primeira coisa que lembramos é que as bancas costumam diferenciar formas de estado, formas de governo e sistemas de governo. Forma de Estado se refere a Estado Simples (Unitário) ou Estado Composto (Federação ou Confederação basicamente). Forma de Governo diz respeito à Monarquia ou à República. E Sistema de Governo diz respeito ao Presidencialismo ou ao Parlamentarismo. Vamos estudar agora as Formas de Estado. As Formas de Estado comumente estudadas são: o Estado Simples ou Unitário e o Estado Composto ± conforme mencionei anteriormente. O Estado Unitário pode ser caracterizado pelo centralismo político-administrativo, pela descentralização administrativa ou pela descentralização política. Enquanto que Estado Composto se dividiria em União Pessoal, União Real, Federação e Confederação. Confesso ter visto pouquíssimo em provas de concursos as formas União Pessoal e União Real, por isso falarei brevemente sobre elas. Salvo engano só vi isso em uma ou outra prova para Promotoria e Magistratura. No Estado Unitário Centralizado há a centralização política e o monismo de poder, ou seja, um só polo político detém o poder. Esse centro de poder é único no território do Estado. Em 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 31 de 120 consequência dessa centralização, as normas jurídicas são produzidas por um só órgão legislador. Essa espécie estatal costuma ser chamado de Estado Unitário Puro e não possui, segundo Novelino, precedentes históricos, por conta da inviabilidade de se controlar um território sem que haja ao menos uma descentralização administrativa. Já Estado Unitário Descentralizado Administrativamente é aquela na qual há uma centralização política, porém há também certa dose de descentralização administrativa visando a uma melhor gerência das competências delegadas pelo poder centralizado. E no Estado Unitário Descentralizado Politicamente há tanto uma descentralização da execução das decisões políticas quanto da gerência das competências administrativas. Nessa Forma de Estado ocorre também descentralização dos órgãos legislativos. Agora no que se refere à Forma de Estado Composto, temos o seguinte: Tanto na União Real quanto na União Pessoal temos a forma de governo monárquica. A diferença é que na União Real o vínculo entre os estados unidos são definitivos, havendo uma só pessoa jurídica de direito público internacional. Já na União Pessoal, os estados unidos permanecem soberanos estando ligados apenas com figura una do soberano. Vejam: na União Real o vínculo de dá juridicamente e em pé de igualdade entre os estados, na União Pessoal o vínculo só exista à medida que existe uma figura 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 32 de 120 soberana. Não se preocupem muito com essa classificação, pois ela é raríssima. Pessoal, só para exemplificar, a França e o Uruguai são conhecidos exemplos de estados simples (unitários), que constitui, aliás, a forma de estado padrão, conforme o desenvolvimento histórico. O Estado Unitário é o tipo padrão de forma de Estado, já que somente nele as características teóricas da soberania se aplicam totalmente (unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade). Então, como vimos, na forma estatal centralizada é possível a ocorrência de uma descentralização político-administrativa, a qual se dá por meio de delegação. Nesse Estado Unitário existe um só polo detentor de poder; assim, ainda que haja descentralização, essa se dará por meio de uma delegação do polo central. Dessa maneira, o órgão central delega às unidades descentralizadas uma pequena parcela dessa capacidade política ou administrativa. Contudo, como em qualquer delegação, aquele que a recebe não a titulariza. Para fixar: (i) no Estado Unitário descentralizado, essa descentralização se dá por meio de delegação; (ii) o Estado Unitário ao delegar não perde a titularidade do poder político nem das competências administrativas. Aqui entra o ponto mais importante dos comentários acerca de Forma de Estado: as características da Federação e da Confederação. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 33 de 120 A Federação é caracterizada por: existência de uma Constituição do tipo rígida e consequentemente por um controle de constitucionalidade das leis; os entes federados gozam de autonomia (e não de soberania); o pacto federativo é indissolúvel, ou seja, é vedado o direito de secessão; ocorre a repartição constitucional de competências e a separação de poderes. Já a Confederação se caracteriza por: existência de um Tratado Internacional; os estados confederados não abrem mão de sua soberania; é permitido o direito de secessão, ou seja, o vínculo confederativo é solúvel; há o Congresso Confederal, que é o único órgão e suas decisões são sempre tomadas por unanimidade dos Estados, assim os estados confederados possuem o poder nulificador das decisões. Uma observação: Sahid Maluf lembra que parte da doutrina aponta ainda a possibilidade de existência do Estado sui generis, que seria uma espécie distinta de estado composto. O Reino Unido seria uma espécie desse estado; não sendo nem Federação nem Confederação, no qual todos os seus estados gozam de soberania e independência. A forma federativa de Estado tem origem norte-americana, lembrem-se dos Federalistas, e foi idealizada pelos chamados Constituintes da Filadélfia em 1787. A forma federativa realmente consiste em uma organização plural. Se observarmos o modelo norte-americano perceberemos que aqueles Estados outrora soberanos (quando havia a união deles em uma Confederação), se uniram abrindo mão de sua soberania em favor de um pacto 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 34 de 120 federativo. Esse federalismo por agregação certamente é plural, concordam? Diferente é o caso do Estado Unitário, que não é uma organização plural. Além disso, da união desses componentes federativos surge uma entidade diferente dos mesmos, dotada de soberania. No caso brasileiro, por exemplo, da união dos entes federativos (União, Estados-membros e Municípios) surge a República Federativa do Brasil, essa sim dotada de soberania. Segundo Raul Machado Horta, as características que identificam a Federação podem não ser encontradas totalmente em alguns Estados Federais. De modo que a ausência de alguma(s) dessas características não importa a impossibilidade de um Estado ser classificado como Federação, mas sim o que ocorre é a falta de amadurecimento de um Estado. O constitucionalista citado coloca ainda que essa ausência de características marcantes da Federação dá lugar a um federalismo incompleto, não autêntico, sem que essa falta ocasione a rejeição desse Estado no conjunto de Estados Federais. Ao contrário do modelo norte-americano, a formação federalista do Brasil é atípica, pois se dá de dentro para fora (movimento centrífugo). O movimento federalista típico é aquele que se dá de fora para dentro (movimento centrípeto). Lembro que no Federalismo não há hierarquia entre os entes federativo, de forma que o que ocorre é uma repartição constitucional de competências. Aí vocês podem questionar: "- Fessor, mas e no controle de constitucionalidade? A Constituição Federal não é hierarquicamente superior à Constituição do Estado? 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 35 de 120 E as Constituições estaduais não são superiores às Leis Orgânicas Municipais?" Vejam bem, para fins de controle de constitucionalidade isso realmente ocorre. Mas não há que se falar em hierarquia entre os componentes da Federação. Não se esqueçam de que a competência e os bens de cada ente estão definidos na própria Constituição Federal. Assim, as divergências são se definem com base na hierarquia, mas no próprio texto constitucional. Não se esqueçam, ainda, de que a rigidez da constituição, o controle de constitucionalidade e a repartição de competências decorrem da própria lógica federativa. Mas sem que haja hierarquia entre os entes. Quanto à repartição de competências o federalismo pode ser classificado como dual, por integração ou por cooperação. O Federalismo dual se caracteriza pela repartição horizontal de competências constitucionais entre a União e os Estados, estabelecendo-se uma relação de coordenação como no federalismo clássico norte-americano. Nesse modelo, a repartição de competências é estanque, de forma que não há ingerência de um ente nas competências de outro. Assim, não há que se falar em competências comuns ou concorrentes. O Federalismo por integração possui a característica de que a União sujeita os Estados-membros, ou seja, há um grande fortalecimento do poder central na União. Embora esse modelo seja atribuído à forma estatal federativa, ele muito se aproxima do Estado Unitário. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 36 de 120 Temos ainda o Federalismo por cooperação. Nesse modelo encontramos a repartição vertical de competências, ou seja, ocorrem as chamadas competências comuns e as concorrentes. Vejamos agora resumidamente a história do Federalismo no Brasil. A forma unitária de Estado foi adotada aqui no Brasil apenas pela Constituição de 1824 (Carta Imperial). Em 1834, descentralizou-se o poder com o Ato Adicional do Império. Já em 1891 a Constituição Republicana de então adotou a forma federativa de Estado. Desde essa Constituição, a forma federativa vem sendo adotada em todas as constituições brasileiras. A Constituição de 1934 adotou o chamado federalismo por cooperação, sendo mais centralizadora do que sua antecessora. Essa Constituição (1934) ampliou as competências da União, centralizando o poder. Em 1937, a chamada Constituição do Estado Novo (época ditatorial de Vargas) adotou um modelo ainda mais centralizador e passou a adotar a nomeação de interventores no Estados-membros. Em 1946 a nova Constituição tenta romper com o modelo centralizador da Carta de 1937. A Constituição de 1946 outorgou uma extensa autonomia aos Municípios e reservou competências residuais aos Estados-membros. Já em 1967, durante o regime militar, houve a manutenção do federalismo de 2º grau (duas esferas de poder: União e Estados). Nessa Carta ficou assentado um modelo centralizador, o que prejudicou a autonomia municipal. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 37 de 120 E, conforme vimos, a Constituição de 1988 continuou a adotar a forma de estado federalista. Nessa Carta, restaurou-se a autonomia dos Municípios, consolidando um modelo de federalismo de 3º grau (três esferas de poder: União, Estados e Municípios) bem como um modelo descentralizado. Fiquem espertos aqui: alguns autores entendem que a CF/88 consagra o federalismo de 2º (por exemplo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho), mas a maior parte dos estudiosos já entendeu que a CF/88 adota o federalismo de 3º grau. Diante do exposto, o modelo federalista do Brasil, ao longo da história, passou de uma Carta centralizadora para um modelo descentralizador. Ou seja, o poder central que era exercido pelo Império, por meio de um processo histórico, passou a ser exercido por vários entes federativos, não foi assim que vimos? Então de um só polo passamos a ter vários polos de poder político. Esse processo histórico é chamado de Federalismo por desagregação, porque nele ocorre a saída do centro para vários outros polos. Nos Estados Unidos ocorreu um fenômeno diverso. A Confederação Norte-Americana que fora instituída em 1781, posteriormente chamada Convenção da Filadélfia, que era um tratado internacional que instituiu a Confederação, deu lugar a uma Convenção Constitucional. Assim, os Estados soberanos que formavam uma Confederação abriram mão de sua soberania e passaram a formar uma Federação. Assim, de modo inverso ao brasileiro, vários estados soberanos (unidos apenas pelo vínculo confederativo) se unem formando um só estado soberano 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 38 de 120 (federativamente). Esse modelo de federalismo é chamado de federalismo por agregação. O Federalismo por agregação é o modelo típico de federalismo, conforme já conversamos. A experiência brasileira, federalismo por desagregação, é um fenômeno atípico. Outra observação: os Estados formados pelo federalismo por agregação são chamados perfeitos e os formados pelo federalismo por desagregação são chamados imperfeitos. São exemplos de estados imperfeitos, além do brasileiro, o estado austríaco e o belga. Pouco comentada, mas importante, a chamada lei da participação é núcleo do Estado Federado; segundo essa lei os componentes da federação devem participar da formação da vontade estatal. Essa tal lei de participação na verdade corresponde a um princípio, segundo o qual a manutenção da unidade federativa estaria condicionada a uma efetiva participação dos componentes da federação na formação da vontade estatal. Em nosso ordenamento jurídico, essa participação na formação da vontade do Estado federal se dá por meio da eleição dos senadores. Não podemos esquecer que o Senado Federal representa os interesses dos estados-membros, enquanto que os deputados representam os interesses do povo. Da mesma forma, há a chamada lei da autonomia, que também é um princípio, segundo a qual há competência constitucional primária para organizar e gerir o ordenamento federativo, dentro dos limites constitucionais. Esses dois princípios, segundo Scelle, embasam a forma federativa de Estado. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 39 de 120 Contudo, podemos falar ainda em alguns outros princípios federativos. O princípio da coordenação é aquele segundo o qual é necessário certo nível de coordenação política para que a repartição constitucional de competências seja respeitada e concretizada. Além disso, para que a Federação se mantenha íntegra é necessário que os seus entes coordenem suas ações e políticas públicas a fim de solucionar problemas comuns: fome, violência, inflação etc. O princípio da separação se relaciona com a necessidade federativa de que a Constituição Federal reparta as competências. Assim, segundo esse princípio, as competências legislativas de cada ente devem estar previstas no texto constitucional. O princípio da simetria decorre da nossa própria lógica federativa. Segundo esse princípio certas matérias são de reprodução obrigatória na Constituição Estadual. Por exemplo, o processo legislativo obedece ao princípio da simetria naquilo que couber. Dessa maneira, não poderia um Estado-membro prever um quórum diferente de maioria absoluta para a aprovação das leis complementares ou uma tramitação distinta para o processo legislativo sumário previsto na Constituição Federal ± é claro que nos Estados-membros o processo não será bicameral. Assim, se uma determinada matéria obedece ao princípio da simetria, ela deve se dar da mesma forma nos entes federativos. O Federalismo é caracterizado pela repartição constitucional de competências, como vocês sabem. A Constituição de 1988 manteve as linhas gerais das constituições anteriores no que se refere à 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 40 de 120 repartição de competências, mas trouxe algumas inovações. A CF/88 adotou o princípio da predominância do interesse. Dessa maneira, a competência para tratar de assuntos de interesse nacional é da União. Já nos assuntos de interesse predominantemente local a competência será dos Municípios. Em relação aos Estados-membros, há uma competência residual para tratar de assuntos de maior interesse regional. O Distrito Federal por sua vez possui uma competência híbrida, em razão de sua natureza, tratando dos assuntos locais e regionais. Segundo o constitucionalista Raul Machado Horta, na CF/88 houve um amadurecimento do sistema de repartição de competência, já que essa Carta consagra a possibilidade de o Estado-membro ingressar na competência privativa da União, além da repartição tributária (o que fortalece a capacidade administrativa dos entes federados). Ainda conforme esse autor, são pontos essenciais da federação: (i) a autonomia constitucional do Estado- membro; (ii) a organização peculiar do Poder Legislativo Federal, permitindo a participação dos Estados na formação da vontade; (iii) previsão da intervenção federal, que é mecanismo de manutenção da ordem federativa e espécie de controle de constitucionalidade; (iv) e a repartição constitucional de competências, reservando aos estados poderes não delegados. Devemos perceber que a competência residual dos Estados não é delegada pela União, embora a CF/88 consagre a possibilidade dessa delegar competências legislativas sobre questões específicas àqueles. Ficou confuso? Vamos devagar então. 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 41 de 120 (a) Os Estados possuem competência residual outorgada diretamente pela CF. (b) Essa competência residual independe da vontade da União. (c) A União (CF, art.22) pode autorizar os Estados a legislarem sobre questões específicas das matérias sobre as quais a União legisla privativamente. (d) Essa delegação se dá por meio de lei complementar. (e) A delegação somente pode ser concedia a todos os Estados e ao DF. (f) A União não pode delegar essas competências aos Municípios. (g) A autorização pela União não impede que ela a retome posteriormente. Essa revogação da autorização também deverá se dar por lei complementar. (h) Os Estados e o DF não podem exceder a competência para legislar somente sobre questões específicas. 3. Questões comentadas 1) A organização política da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados-membros, o Distrito Federal 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 42 de 120 e os Municípios, todos soberanos, nos termos da Constituição Federal. Nosso Estado adotou o seguinte: (a) Forma de Governo Republicana; (b) Forma de Estado Federativa. Assim nossos governantes devem ser responsáveis (prestam contas), são investidos em cargo político por meio de eleição e neles permanecem por um dado período de tempo. E os entes federativos que compõem nosso Estado (União, Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal) gozam de autonomia de governo, organização, legislação e administração. Porém, esses entes não gozam de soberania. E olha que isso vive caindo em prova. Vou mostrar para vocês. Questão errada. 2) (CESPE - OFICIAL DE CHANCELARIA - MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES ± 2006 ) No Estado federal, cada componente da Federação detém soberania e autodeterminação para desempenhar relações de direito público internacional. Os componentes da Federação possuem autonomia e não soberania. Quem possui soberania é a República Federativa do Brasil. Embora a União represente a República Federativa do Brasil no plano internacional, nem mesmo esse ente possui soberania. A União, assim como os demais componentes da Federação, possui tão somente autonomia. Questão errada. 3) (CESPE ± MPS - 2010) O Estado federado nos moldes do brasileiro é caracterizado pelo modelo de descentralização 40531388093 Ciência Política e Gestão Pública para AFC/CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Barreto ʹ Aula 1 Prof. Rodrigo Barreto www.estrategiaconcursos.com.br 43 de 120 política, a partir da repartição constitucional de competências entre entidades federadas autônomas que o integram, em um vínculo indissolúvel, formando uma unidade. Vejam só que enunciado bonitão! Ele está todo correto. O Estado Federado é descentralizado (lembram que há
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