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Bases Moleculares da Ação dos Fármacos Fármacos para o tratamento da hipertensão arterial Conjunto de apostilas de Química Farmacêutica II - UFRN Sumário 1 Hipertensão arterial 1 1.1 Mecanismos fisiológicos de controle da pres- são arterial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.2 Tratamento da hipertensão . . . . . . . . . . . 2 2 Diuréticos 2 2.1 Diuréticos tiazídicos . . . . . . . . . . . . . . . 3 2.2 Diuréticos de alça . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2.3 Diuréticos poupadores do potássio . . . . . . . 4 3 Inibidores da ECA 5 3.1 Efeitos advesos dos inibidores da ECA . . . . 8 4 Bloqueadores do receptor de angiotensina II 8 5 Inibidores da Renina 9 5.1 Desenho racional do alisquireno . . . . . . . . 10 6 Referências 10 1 Hipertensão arterial A hipertensão é uma doença amplamente prevalente e um importante fator de risco para eventos cardiovasculares ad- versos, incluindo acidente vascular cerebral, doença arte- rial coronariana, doença vascular periférica, insuficiência cardíaca e doença renal crônica. Há uma relação contínua entre a pressão arterial e resultados cardiovasculares ad- versos, incluindo morte. Esta relação mantém-se mesmo dentro do nível da pressão arterial, anteriormente definido como "normal". A crescente valorização da importância da hipertensão suave tem contribuído para as revisões periódi- cas na abordagem a esta doença, incluindo critérios mais ri- gorosos para o diagnóstico de hipertensão, estratificação e gravidade bem como indicações de tratamento clínico. Por exemplo, embora a pressão arterial diastólica elevada ter sido a principal indicação para iniciar o tratamento, é agora relevante que a pressão arterial sistólica elevada somente (hipertensão sistólica isolada) é indicação suficiente para iniciar o tratamento, particularmente em pacientes idosos. Os critérios atuais, que estão listados na Tabela 1, sendo o consenso atual (em 2015). Embora a hipertensão possa ocorrer de forma secundá- ria em outras doenças, mais de 90% dos pacientes que têm hipertensão essencial, uma desordem de origem desconhe- cida que afeta a os mecanismos de controle da pressão ar- terial. A história familiar de hipertensão aumenta a proba- bilidade de que um indivíduo em desenvolver pressão ar- Tabela 1: Definição de pressão arterial normal e alta. Nível Pressão sistólica Pressão diastólica1 Alta 140 ou mais 90 ou mais Pré-hipertensão 120 a 139 80 a 89 Normal 119 ou menos 79 ou menos 1Valores em mmHg. terial alta. A incidência de hipertensão essencial é quatro vezes mais frequente entre afrodescendentes do que entre caucasianos. Ocorre mais frequentemente entre os homens de meia-idade do que entre as mulheres de meia-idade, a prevalência aumenta com a idade e a obesidade. Fatores ambientais, tais como um estilo de vida estressante, alta ingestão de sódio e fumo, predispõem um indivíduo para a ocorrência de hipertensão. 1.1 Mecanismos fisiológicos de controle da pressão arterial A pressão arterial normal deve estar dentro de uma faixa estreita para fornecer a perfusão adequada dos tecidos sem causar danos ao sistema vascular, particularmente ao en- dotélio. A pressão arterial é diretamente proporcional ao débito cardíaco e resistência vascular periférica (Figura 1). O débito cardíaco e a resistência periférica, por sua vez, são controladas principalmente por dois mecanismos de controle que se sobrepõem: os baroreflexos e o sistema renina-angiotensina-aldosterona (Figura 1). A maioria dos fármacos agem sobre a pressão arterial tentando reduzir o débito cardíaco e/ou diminuindo a resistência periférica. Os baroreflexos agem alterando a atividade do sistema nervoso simpático. Portanto, eles são responsáveis para a regulação rápida, reagindo ao momento da pressão arte- rial. Uma queda da pressão arterial faz com que neurônios sensíveis à pressão (barorreceptores no arco aórtico e no seio carotídeo) enviem menos impulsos para centros car- diovasculares na medula espinhal. Isso solicita uma dimi- nuição na respesta parassimpática e aumento da resposta simpática para o coração e vasos, resultando em vasocons- trição e aumento de débito cardíaco. Essas alterações re- sultam em um aumento compensatório da pressão arterial. O rim fornece um controle a longo prazo da pressão arte- rial, alterando o volume de sangue. Os barorreceptores no rim respondem a pressão arterial reduzida (e estimulação simpática de receptores adrenérgicos β1), liberando a en- zima renina (Figura 2). A ingestão de sódio menor e maior perda de sódio também aumentam a libertação de renina. A renina é um peptidase que converte angiotensinogênio a 1 Figura 1: Presão arterial e os fatores que a compõe. angiotensina I, que é convertido, por sua vez, a angioten- sina II, na presença de enzima conversora de angiotensina (ECA). A angiotensina II é um potente vasoconstritor circu- lante, contrai as arteríolas e veias, causando um aumento na pressão arterial. A angiotensina II exerce uma ação pre- ferencial vasoconstritora sobre as arteríolas eferentes do glomérulo renal, aumentando a filtração glomerular. Além disso, a angiotensina II estimula a secreção de aldosterona, levando à reabsorção aumentada renal de sódio e volume aumentado do sangue, que contribuem para um aumento adicional da pressão arterial. Estes efeitos da angiotensina II são mediados por estimulação dos receptores da angio- tensina II o receptor AT1. 1.2 Tratamento da hipertensão O objetivo da terapia anti-hipertensiva é reduzir a mor- talidade e morbidade cardiovascular e renal. A relação entre a pressão arterial e o risco de um evento cardio- vascular é contínua, e, assim, redução da pressão arterial mesmo moderadamente elevada significativamente reduz a incidência de doenças cardiovasculares. A classificação de "pré-hipertensão"reconhece esta relação e enfatiza a ne- cessidade de diminuir a pressão arterial na população em geral pela educação e a adopção de comportamentos que reduzem a pressão arterial. A hipertensão leve às vezes pode ser controlada com um único fármaco, mas a mai- oria dos pacientes necessitam de mais de um para conse- guir o controle da pressão arterial. As recomendações atu- ais são para iniciar a terapia com um diurético tiazídico, salvo se existirem razões que impeçam o uso. Se a pres- são arterial é inadequadamente controlada, é adicionado um segundo fármaco que o mínimo de reações adversas no regime para atingir a pressão arterial almejada. Pode ser adicionado um beta-bloqueador se o primeiro fármaco Figura 2: Esquema do sistema renina-angiotensina- aldosterona. era um diurético e vice-versa. Um fármaco vasodilatador pode ser adicionado como uma terceira escolha para aque- les pacientes que ainda não conseguem atingir a pressão meta. Quando um inibidor da enzima conversora de angi- otensina ou um bloqueador dos receptores da angiotensina II (AT1) são usados para iniciar a terapia, um diurético é o fármaco mais comum a ser adicionado adicionada. Os beta-bloqueadores são usados menos frequentemente para terapia inicial. Neste capítulo iremos explorar o descobrimento dos diu- réticos, dos inibidores da ECA e dos bloqueadores de angi- otensina II. Também exploraremos o desenho racional em- pregado para o descobrimento do aliquireno inibidor da re- nina. Os beta-bloqueadores são explorados num capítulo à parte. 2 Diuréticos Compostos que aumentam a taxa de fluxo de urina são co- nhecidos há séculos. Uma das primeiras substâncias co- nhecidas para induzir a diurese é própria água. O calome- lano (Cloreto de mercúrio(I), Hg2Cl2) foi usado desde o século XVI como um diurético, mas por causa da má ab- sorção do trato gastrointestinal e toxicidade, o calomelano foi substituído por organomercuriais (por exemplo, clor- merodrina, Figura 3). Os organomercurials representaram o primeiro grupo de diuréticos altamente eficazes disponí-veis para uso clínico. A necessidade de administrar estes fármacos por via parenteral, a possibilidade de tolerância e sua toxicidade potencial, levaram à busca de diuréticos menos tóxicos. Hoje, os organomercuriais já não são utili- zados como diuréticos, mas sua descoberta fez começar a busca pelos diuréticos utilizados hoje. Outros compostos anteriormente utilizados como diuréticos incluem o ácidos formadores de sais (cloreto de amônio) e metilxantinas (te- ofilina). Os primeiros diuréticos a substituir os organomercuriais 2 Figura 3: Estrutura da clormerodrina. foram os inibidores da anidrase carbônica. Em 1940, o ci- entista da Universidade de Cornell, Robert Pitts descobriu que a sulfanilamida (agente antibacteriano) inibe a enzima anidrase carbônica no rim e interfere com o processo de acidificação urinária. Ao administrar sulfanilamida em pa- cientes cardíacos, eles eliminavam grandes quantidades de sódio e potássio pela urina. Esta descoberta foi de impor- tância incrível para o tratamento da hipertensão, e novos derivados das sulfanilamidas foram desenvolvidos pela em- presa farmacêutica Cyanamid. Os inibidores da anidrase carbônica foram usados am- plamente na década de 1950. Mas esta família de diuréti- cos tinha sérias desvantagens. Mais notadamente, a perda de bicarbonato levava à acidose metabólica, que causava problemas a longo prazo. Era necessário desenvolver um agente que inibisse a reabsorção de íons sódio e cloreto no rim e aumentar a produção de urina sem perturbar o equi- líbrio do corpo de eletrólitos. O pesquisadores da Merck desenvolveram um composto chamado clorotiazida, dando origem a uma nova classe denominada diuréticos tiazídi- cos. 2.1 Diuréticos tiazídicos Esta classe de compostos foi descoberta quando pesquisa- dores da Merk decidiram sintetizar um grande número de compostos em busca um inibidor melhor da anidrase carbô- nica. No processo, eles tropeçaram na clorotiazida (Figura 4), que era, na verdade, uma sulfonamida, bem como um inibidor da anidrase carbônica. Este era um diurético mais potente que distinguia-se de um inibidor da anidrase carbô- nica por aumentar a excreção de cloreto , ao invés de bicar- bonato. Muito mais tarde descobriu-se que a clorotiazida estava inibindo a anidrase carbônica de forma irrelevante, esta influenciava mais no sistema de de cotransporte de cloreto de sódio. Figura 4: Estrutura da clorotiazida. Mecanismo de ação dos diuréticos tiazídicos Os diuréticos tiazídicos e relacionados agem principal- mente no túbulo contorcido distal, onde o cotransporter de NaCl é bloqueado, resultando em reabsorção prejudicada de Na+ e Cl−, e entrega aumentada Na+ para os túbulos coletores, troca reforçada de Na+ e K+ e perda de K+. As tiazidas prejudicam a capacidade de diluição do rim e pre- judicam reabsorção de Mg2+ mas estimulam a reabsorção Ca2+. Este último efeito é responsável por seu papel no tratamento de cálculos renais que contém cálcio (Figura 5). Figura 5: Mecanismo de ação dos diuréticos tiazídicos. As tiazidas diminuem a resistência periférica por um me- canismo desconhecido e, assim, diminuem a pressão arte- rial. Inicialmente, as tiazidas diminuem o volume extrace- lular e o débito cardíaco, mas o volume extracelular gradu- almente retorna para perto de normal ao longo de várias semanas a meses. Relação estrutura e atividade dos diuréticos tiazídi- cos Os diuréticos tiazídicos são fracamente ácidos. O átomo de hidrogênio no N-2 é o mais ácido por causa do efeito retirador de elétrons da sulfona vizinha. O grupo sulfo- namida em C-7 fornece um ponto adicional de acidez na molécula, mas é menos ácido. Estes prótons ácidos tor- nam possível a formação de um sal de sódio solúvel em água que pode ser usado para administração intravenosa dos diuréticos. Um grupo retirador de elétrons (GRe−) é necessário na posição 6 para atividade diurética. Compostos com cloro ou trifluorometil em C-6 são altamente ativos. Os diuré- ticos trifluorometilados são mais solúvel em lipídios e têm uma maior duração de ação do que seus análogos de cloro- substituídos (Figura 6). A substituição ou remoção do grupo sulfonamida na po- sição 7 produz compostos com pouca ou nenhuma ativi- dade diurética. A saturação da dupla ligação em C-3 e N-4 produz um diurético que é 10 vezes mais ativo do que o de- rivado insaturado. A substituição com um grupo lipofílico na posição 3 dá um aumento na potência diurética. Se o grupo em C-3 for haloalquil, aroalquil ou tioéter tem-se um aumento na lipofilia resultando em maior duração de ação. A substituição de alquil na posição N-2 também diminui a polaridade e aumenta a duração da ação diurética. A fi- 3 77 66 55 88 S 11 OO N22 33 N 44 Na Formar sal injetável R GRe- Essencial S OO H2N Sulfonamida essencial 77 66 55 88 S 11 OO N22 33 N H 44 S OO H2N R2 Aumento da potência R3 Alquila aumenta a meia vida Saturar aumenta a potência Figura 6: Relação estrutura e atividade dos diuréticos tia- zídicos. gura 7 mostra algumas estruturas com melhor perfil que a clorotiazida. Hidroflumetiazida F F F N H NHS OO S O O H2N O S O Cl S OO NH N H H2N Hidroclorotiazida O S O Cl S OO NH N S H2N Benztiazida Figura 7: Exemplos de diuréticos tiazídicos. A clortalidona (Figura 8) é considerado um diurético ti- azídico por ter o mesmo mecanismo de ação, contudo a es- trutura deste fármaco difere bastante dos outros compostos desta classe. Clortalidona tem uma meia-vida de elimina- ção muito longa (40 a 60 horas) em comparação com 6 a 15 horas de hidroclorotiazida. Além de uma meia-vida longa, a clortalidona também tem uma maior duração de ação, duração de 24 a 72 horas, é aproximadamente duas vezes tão potente como a hidroclorotiazida e tem um maior grau de ligação às proteínas. A estrutura comum entre os fármacos é o grupo sulfonamida (SO2NH2). A estrutura molecular da clortalidona diferenciada permite a inibição da anidrase carbônica. Os diuréticos tiazídicos induzem hipocalemia e hiperuri- cemia em 70% dos pacientes e hiperglicemia em 10% dos pacientes. Ataques de gota aguda podem ser desencadea- dos. A hipomagnesemia pode também ocorrer. Os níveis de potássio séricos devem ser acompanhados de perto em pacientes que estão predispostos a arritmias cardíacas (par- ticularmente os indivíduos com insuficiência cardíaca crô- O S O H2N Cl OH O HN Clortalidona Figura 8: Estrutura da clortalidona. nica, doenças do coração isquêmica ou hipertrofia ventri- cular esquerda) e aqueles que estão sendo tratados simulta- neamente com diuréticos tiazídicos e digoxina. A incidên- cia de efeitos colaterais é reduzida quando empregando de baixa dose de diuréticos (6,25 a 25 mg/dia de hidrocloro- tiazida). 2.2 Diuréticos de alça Os diuréticos (furosemida, bumetanida e torsemida, Figura 9) agem prontamente, mesmo em pacientes com má fun- ção renal ou que não responderam a tiazidas ou outros diu- réticos. Os diuréticos de alça causam diminuição da resis- tência vascular renal e aumento do fluxo renal de sangue renal. O S O H2N Cl O OH N H O HN O OH O SH2N O O H N O H N S O O HN N Furosemida Bumetanida Torsemida Figura 9: Estrutura dos diuréticos de alça. Essa classe de fármacos é caracterizada pela similaridade farmacológica do que por suas semelhanças químicas. Es- ses diuréticos produzem um pico de diurese muito maior do que o observado com os outros comumente utilizados diuréticos, daí denominados diuréticos (de teto alto). Seu principal local de ação possivelmente é o segmento des- cendente da alça de Henle onde inibem a simportador de Na+/K+/2Cl− (NKCC2) luminal (Figura 10). Os diuréti- cos de teto alto sãocaracterizados por um rápido início e curta duração da atividade. Seu efeito diurético aparece em cerca de 30 minutos e dura cerca de 6 horas. Os diuré- ticos de alça podem levar a hipocalemia, alcalose metabó- lica, elevações no nitrogênio de uréia do sangue e concen- tração de creatinina sérica, hiperuricemia e hiponatremia. 4 Figura 10: Mecanismo de ação dos diuréticos de alça. 2.3 Diuréticos poupadores do potássio Os diuréticos poupadores de potássio aumentam a diurese interferindo com a troca de Na+/K+ no túbulo contorcido distal nos rins ou agindo como um antagonista do receptor da aldosterona. A espironolactona e a eplerenona (Figura 11) são es- teroides sintéticos que antagonizam a ação da aldoste- rona em sítios receptores citoplasmático intracelulares. O complexo inibidor-receptor previne a translocação do com- plexo receptor para o núcleo da célula alvo e, portanto, ele não pode se ligar ao DNA. Isso resulta na não produção de proteínas que são sintetizadas normalmente em resposta à aldosterona. Estas proteínas mediadoras normalmente es- timulam as trocas de Na+ e K+ no túbulo coletor. Assim, a falta de proteínas mediador impede a reabsorção Na+ e, portanto, a secreção de K+ e H+ (Figura 12). O O S O O O O O O O O Espironolactona Eplerenona NH2 N NH2 N H2N N N Triantereno NH2 NH2N O NH2NH2N Cl N Amilorida Figura 11: Estrutura dos diuréticos poupadores do potássio que antagonizam a ação da aldosterona. O triantereno e a amilorida (Figura 11) bloqueiam os canais transportadores de Na+ resultando em uma dimi- nuição da troca Na+/K+. Apesar de terem uma ação diu- rética poupadora de K+ similar a da espironolactona, sua capacidade de bloquear a troca Na+/K+ no túbulo coletor não depende da presença de aldosterona. Assim, eles têm atividade diurética, mesmo em indivíduos com doença de Addison. Como a espironolactona, eles não são muito efi- cazes. Tanto o triantereno e a amilorida são comumente usados em combinação com outros diuréticos, geralmente por suas propriedades de poupadores de potássio não pela diurese. Como os antogonistas do receptor de aldosterona estes fármacos evitam a perda de K+ que ocorre com as tiazidas e furosemida. Os efeitos colaterais do triantereno são cãibras nas pernas e a possibilidade de haver ureia san- guínea aumentada, bem como ácido úrico e K+ retenção (Figura 12). Figura 12: Mecanismo de ação dos diuréticos de alça. 3 Inibidores da ECA A Enzima Conversora da Angiotensina (ECA) é um compo- nente chave da via biossintética que gera o hormônio an- giotensina II (Figura 2). A rota envolve a conversão do an- giotensinogênio em angiotensina I catalisada pela enzima renina, seguido da conversão da angiotensina I a angioten- sina II, catalisada pela ECA. A angiotensina II é um potente vasoconstritor que resulta em aumento da pressão arterial, assim os fármacos bloqueiam a síntese ou as ações desse hormônio podem atuar como anti-hipertensivos. O desenho dos inibidores da ECA demonstra como é pos- sível desenvolver fármacos para um alvo proteico de forma racional, mesmo que a estrutura deste alvo ainda está elu- cidada. A ECA é uma enzima ligada a membrana que foi muito difícil de isolar e estudar. É um membro de um grupo de enzimas chamado de metaloproteinases de zinco e ca- talisa a hidrólise de um fragmento de dipeptídeo do final de um decapeptideo chamado angiotensina resultando em no peptídeo angiotensina II. A angiotensina II é um importante hormônio que faz com que os vasos sanguíneos se contraiam, resultando em um aumento da pressão arterial. Portanto, inibidores da ECA são potenciais agentes anti-hipertensivos porque eles ini- 5 Figura 13: Interações do substrato peptídeo com o sítio enzimático da carboxipeptidase. bem a produção da angiotensina II. Embora a enzima ECA não pôde ser isolada, o desenho dos inibidores da ECA foi ajudado pelo estudo da estrutura e do mecanismo de outra metaloproteinase de zinco, uma enzima chamada carboxi- peptidase. Esta enzima quebra o aminoácido terminal de uma cadeia peptídica, conforme indicado na Figura e é ini- bida pelo ácido L-benzilsuccínico. O sítio ativo da carboxipeptidase (Figura 13) contém uma arginina carregada (Arg-145) e um cátion zinco, que são ambos cruciais na ligação do substrato peptídeo. O peptídeo se liga de tal forma que o ácido carboxílico ter- minal faz uma ligação iônica com a arginina, enquanto a a carbonila da ligação peptídica terminal faz interações com o cátion zinco. Há também um bolso hidrofóbico, chamado o S1’ bolso que pode aceitar a cadeia lateral do aminoá- cido terminal. Os anéis aromáticos se ligam fortemente neste bolso o que explica a especificidade da enzima para substratos com aminoácido aromático no C-terminal, pore- xemplo fenilalalina. A hidrólise da ligação peptídica ocorre auxiliada pelo cátion zinco, que desempenha um papel cru- cial no mecanismo de polarização do grupo carbonila o tor- nando mais suscetíveis à hidrólise. O desenho do inibidor da carboxipeptidase, o ácido L- benzilsuccínico, baseou-se nos produtos de hidrólise de- correntes desta reação enzimática. O grupo benzila foi in- cluído para ocupar o S1’ do bolso, enquanto o ânion carbo- xilato adjacente está presente para formar uma interação iônica com a Arg-145. O segundo carboxilato atua como um ligador ao cátion zinco, imitando o íon carboxilato do outro produto de hidrólise. O ácido L-benzilsuccínico se liga como indicado na Figura 14, no entanto, este não pode ser hidrolisado como não há nenhuma ligação peptídica presente e a enzima é inibida enquanto o composto per- manece ligado. A compreensão do mecanismo e inibição acima ajudou na concepção dos inibidores da ECA. Primeiro de tudo, supunha-se que o sítio ativo continha o mesmo grupo cá- tion zinco e uma arginina. No entanto, como a ECA divide uma unidade de dipeptídeo a partir da cadeia peptídica Figura 14: Mecanismo da inibição reversível da carboxi- peptidase pelo ácido L-benzilsuccínico. substrato, assim estes grupos estariam mais distantes entre si. Por esta razão o inibidor análogo ao ácido benzilsuccí- nico poderia ser um aminoácido junta a um grupo succí- nico. O próximo passo era escolher qual aminoácido usar. Ao contrário de carboxipeptidase, a ECA aceita qualquer aminoácido do C-terminal e então o bolso de vinculação da cadeia lateral do C-terminal deve ser diferente nas duas enzimas. Os bolsos relevantes seria S2’ para a ECA (não mostrado nos esquemas) e o S1’ para a enzima carboxipep- tidase. Como não havia nenhuma seletividade para subs- tratos, se decidiu estudar peptídeos que agia como inibido- res da ECA e identificar se algum aminoácidos C-terminal eram comumente presentes nessas estruturas. Aqui entra uma grade contribuição brasileira. Em 1939, um farmacologista brasileiro chamado Dr. Maurício Rocha e Silva, trabalhando no Instituto Biológico, em São Paulo, Brasil, iniciou um estudo sobre choque cir- culatório e enzimas relacionadas com a toxicologia de pi- 6 cadas de cobra. Ele injetava o veneno de cobras veneno- sas diferentes animais e então observava quais enzimas ou substâncias eram induzidas pelo organismo do animal. Em 1948, juntamente com os colegas Wilson Teixeira Beraldo e Gastão Rosenfeld, o grupo estava estudando os compo- nentes do plasma de sangue de animais que tinha sido in- jetado com veneno de cobra brasileira jararaca (Bothrops jararaca). Este veneno é tão poderoso que é usado pe- las tribos indígenas brasileiras como um veneno de flecha. Descobriu-se que o peptídeo dilatava os vasos sanguíneos e, portanto, fazia com que a pressão arterial baixasse. Al- guns anos mais tarde, Dr. Sérgio Ferreira da Universidade de São Paulo descobriu uma outra molécula no veneno da cobra que aumentou e muito a duração e a magnitude dos seus efeitos sobre a vasodilatação e a consequentequeda da pressão arterial. O alvo destes peptídeos era a ECA, o qual ficava inibida na presença destas moléculas. Com base nos estudos sobre o veneno de cobra, descobriu-se um outro peptídeo de nove aminoácidos cha- mados teprotídio (Figura 15), este tinha o efeito ainda mais duradouro. No entanto, não poderia ser administrado por via oral. Miguel Ondetti, Bernard Rubin e David Cush- man da Squibb (agora Bristol-Myers Squibb) observaram que a prolina no final da cadeia era a chave que faltava porá unir ao que se sabia sobre os inibidores da carboxi- peptidase. A succinil prolina (Figura 15) foi o resultado da filosofia de projeto. Figura 15: Estruturas de inibidores da ECA e respectiva potência. A succinil prolina mostrou ser um inibidor da ECA fraco, mas era específico. Os ambos os grupos carboxilato estão ionizados e interagem um com o grupo de arginina e outro com o íon zinco (Figura 16). Foi argumentado na época que poderiam haver bolsos para acomodar as cadeias late- rais dos aminoácidos em ambos os lados do sítio de reação (bolsos S1 e S1’). A estratégia de extensão molecular (QF-I) foi usada para encontrar um grupo que iria se ligar ao bolso S1’ e aumentar a afinidade. Um grupo metil foi capaz de aumentar a atividade (Figura 17). O próximo passo encon- tra um grupo melhor que o carboxilato para interagir com o zinco, e foi descoberto que um grupo tiol fez com que a ati- vidade ficasse drasticamente aumentada. Isto resultou no captopril, que foi o primeiro inibidor de ACE não-peptídeo a tornar-se comercialmente disponível. Os efeitos colaterais mais comuns associados com capto- Figura 16: Esquema da interação da succinil prolina com a ECA. Figura 17: Esquema da otimização da succinil prolina para o captopril. pril são erupções cutâneas e perda do paladar, muito pos- sivelmente associados a presença do grupo tiol. Portanto, tentou-se encontrar um inibidor da ECA, que fosse tão po- tente como captopril, mas que não tivesse o grupo tiol. Isto significava a reintroduzir o grupo carboxilato para intera- gir com o zinco, apesar dessa ligação ser fraca. Para com- pensar isto, introduziram-se grupos que poderiam formar interações extras com o sítio ativo (estratégia de extensão; QF-1). Em primeiro lugar, decidiu estender o comprimento de cadeia da succinil prolina a fim de introduzir um grupo −NH. A lógica era a de que o grupo −NH iria imitar o −NH da amida da ligação peptídica (Figura 18). Parece razoável supor que este grupo poderia estar envolvido em algum tipo de ligação de hidrogênio com o sítio ativo. A introdução o grupo −NH significava que um segundo ami- noácido agora tinha sido introduzido a estrutura, e então uma série de N-carboximetil dipeptídeos foram estudados. Incorporando a L-alanina teve-se um substituinte metil que (estrutura I, Figura 18). A atividade deste composto foi melhor que a da succinil prolina, mas muito inferior ao 7 captopril. Portanto, foi adicionar substituintes para explo- rar o bolso de S1 mostrado na Figura . Neste bolso esta- ria ligado normalmente uma cadeia lateral de fenilalanina como na angiotensina I. Portanto, metil (não mostrado no esquema) e etil substituintes foram introduzidas (estrutura II; Figura 18). Os análogos mostraram aumento da ativi- dade, com o analógico de etila sendo tão eficaz quanto o captopril. Atividade caiu ligeiramente com a introdução de um grupo benzil (estrutura III), contudo, uma extensão de cadeia ainda maior levou a um aumento dramático em ati- vidade, tal que estrutura chamada enalaprilato provou ser mais ativa do que o captopril. Figura 18: Esquema da otimização da succinil prolina para o enalaprilato. Modo de interação do enalaprilato com a ECA. O enalapril é o éster etílico pró-fármaco do enalaprilato e é usada clinicamente. O pró-fármaco é absorvido mais facilmente do intestino do que enalaprilato em si e é con- vertido em enalaprilato por enzimas esterases. O lisinopril (Figura 19) é outro inibidor da ECA bem su- cedido que é similar ao enalaprilato, mas onde o substi- tuinte metílico foi estendido para um substituinte amino- butil - a cadeia lateral para o aminoácido lisina. Em 2003, foi divulgada a estrutura cristalográfica do complexo ECA- lisinopril. Isso proporcionou uma imagem detalhada da es- trutura 3D da ECA, e de como lisinopril vincula-se ao sítio ativo. Na verdade, há uma diferença marcante entre a ECA e a carboxipeptidase. Os inibidores da ECA não se ligavam como pensava originalmente. Por exemplo, pensou-se que a interação iônica era feita entre um resíduo de arginina mas era um resíduo de lisina. A estrutura 3D tornou possí- vel o desenho racional de uma nova geração de inibidores da ECA com características de ligação aprimorada. Figura 19: Estrutura do lisinopril em 2D e em 3D intera- gendo com Zn2+ e a lisina no sítio. Existem diversos compostos que inibem a ECA (Figura 20). Dentre estes compostos se destacam o benazepril, o fosinopril, o moexipril, o perindopril, quinapril, o ramipril e o trandolapril. Estes fármacos tem atividades hipoten- soras semelhantes sendo muitas vezes classificados como “me-toos”. 3.1 Efeitos advesos dos inibidores da ECA Os efeitos colaterais comuns incluem prurido, febre, sabor alterado, hipotensão e hipercalemia. Estes fármacos tam- bém causam tosse seca, que ocorre em cerca de 10% dos pacientes, muito provavelmente se deve ao aumento dos níveis de bradicinina na árvore pulmonar. Ocorre mais fre- quentemente em mulheres e não fumantes e com inibido- res da ECA de ação prolongada. Esta tosse se resolve alguns dias após a descontinuação da terapia. Também dever ser monitorados os níveis de potássio devem ser monitorados. O uso de suplementos de potássio, dietas com potássio e o uso de diuréticos poupadores de potássio são contraindica- dos. Os níveis de creatinina séricos também devem ser mo- 8 O O O PO O N HO O H H N HO O O N HO O Fosinopril Ramipril O O N H O N O O HO OMoexipril O O N H O N HO O Quinapril H N O N HO O H HO O Trandolapril O O HN N HO O OBenazepril H N O N HO O H HO O Perindopril Figura 20: Estrutura dos inibidores da ECA mais utilizados clinicamente. nitorados, particularmente em pacientes com doença renal subjacente. Inibidores da ECA podem induzir malforma- ções fetais e não devem ser usados por mulheres grávidas. 4 Bloqueadores do receptor de angi- otensina II Os bloqueadores dos receptores da angiotensina II são al- ternativas para os inibidores da ECA. Estes fármacos blo- queiam os receptores AT1 ativado por angiotensina II. Seus efeitos farmacológicos são semelhantes dos inibidores da ECA, em que eles produzem dilatação arteriolar e venosa e bloqueiam a secreção de aldosterona, assim, reduzindo a pressão arterial e diminuindo a retenção de sal e água. Os bloqueadores dos receptores da angiotensina II não au- mentam os níveis de bradicinina. Causam menos riscos de tosse e angioedema. São também tóxicos ao feto e não deve ser usada por mulheres gestantes. As ações da angiotensina II são mediadas por duas GP- CRs: o receptor de angiotensina tipo 1 (AT1) e o receptor de angiotensina tipo 2 (AT2). A angiotensina II atua na função hemodinâmica devido a estimulação dos receptores AT1, causando vasoconstrição arteriolar. A também angio- tensina II também atua na liberação de aldosterona no cór- tex adrenal também através da ativação dos receptores AT1 locais. Usando os receptores AT1 como um alvo para alto para triagem de alto desempenho, a empresa japonesa Ta- keda testou um vasto número de compostos e obtendo dois hits (Figura 21). Esta discoberta levou a diversas impresas a sintetisar análogos a fim de encontrar um composto sele- tivos para o receptor AT1, receptor. Um grupo da DuPont começou iniciou tentativas para melhorar a ação fracadestes compostos. O desenvolvi- mento foi guiado por um modelo molecular da interação N N Cl R O O R = -Cl ou -NO2 Figura 21: Estruturas do protótipos utilizados para o de- senvolvimento dos bloqueadores do receptor de angioten- sina II. entre o receptor os compostos protótipo. As estruturas de Takeda foram alinhadas com a geometria proposta do subs- trato natural e as ligações químicas hipotéticas foram ma- peadas. O principal resultado deste esforço teórico foi a sugestão de que as estruturas de Takeda deveriam que ser estendidas em uma posição particular de modo se asseme- lhem melhor com a angiotensina II (Figura 22). Partindo desta ideia foi conseguido o derivado I tinha afinidade de ligação dez vezes maior que o composto original o que for- taleceu ainda mais essa hipótese. Uma otimização adicio- nal deu o composto II aumentado a afinidade de ligação, mas foi somente ativo quando administrado por via intra- venosa. O composto III pode ser utilizado por via oral, mas com menos afinidade pelo o receptor AT1 (Figura 23). O grupo carboxila polar da estrutura III foi substituído com um grupo tetrazole mais lipofílico (bioisóstero não-clássico do carboxilato - QF-1) para aumentar a biodisponibilidade oral e a duração da ação ainda mais. Este composto foi nomeado Losartana. A losartana tornou-se o primeiro fár- maco de competidor da ligação entre a angiotensina II e o receptor AT1. 9 Figura 22: Esquema do modo de interação do protótipo inibidor do receptor AT1. Figura 23: Estratégia para a otimização das propriedades farmacodinâmicas e farmacocinética dos análogos. Existem diversos análogos da losartana que foram desen- volvidas a partir desta estrutura (Figura 24). A valsartan foi desenvolvidas pela Novartis, é um bloqueador AT1 não heterocíclico, onde o imidazol da losartan foi substituído por um aminoácido acilado. A irbesartana foi desenvol- vido pela Sanofi, tem maior tempo de ação que a valsar- tana e a losartana. Tem um anel de imidazolinona onde o grupo carbonila funciona como um aceptor de ligação de hidrogênio. A irbesartan é um inibidor não-competitivo. A telmisartana foi descoberta em 1991 pela Boehringer In- gelheim e tem ácido carboxílico ao invés do tetrazol. A telmisartana tem o maior tempo de meia vida. OHO N N N N Telmisartana O HO N O N H N N N Valsartana O HO N ON N H N N N Candesartana O N N N HN N N Irbesartana Figura 24: Estruturas dos análogos desenvovidos com base na Losartana. O OO O O N N N HN N N HO O N N N O O HNO O O O O Olmesartana medoxomila Azilsartana medoxomila O O N ON N HN N NO O O Candesartana cilexetila Figura 25: Estruturas de pró-fármacos Bloqueadores do re- ceptor AT1. A olmesartana medoxomila, a azilsartana medoxomila e a candesartana cilexetila são pró-fármacos recíprocos com hidrólise do grupo carreador em duas etapas (Figura 25). Estes fármacos são hidrolisados para as formas ativas du- rante a absorção do trato gastrointestinal. O anel 1,3- dioxol-2-ona presentes no pró-fármacos olmesartana me- doxomila e azilsartana medoxomila é atacado pela esterase ao invés do estér ligado diretamente ao fármaco ativo libe- rando o fármaco ativo (Figura 26). A candesartana cilexe- tila tem um grupo carreador também utilado na bacampi- 10 Figura 26: Mecanismo de hidrólise da olmesartana medoxomila. cilina com um grupo cicloexil terminal que confere maior lipofilia. Este fármaco sofre hidrólise pelo ataque ao grupo carbonato liberando o fármaco ativo candesartana (Figura 24). A Smith-Kline-Beecham usou uma estratégia diferente para otimizar estruturas de Takeda. Ao invés de utilizar a estrutura bifenila para explorar o bolso hidrofílico, foi introduzido um grupo carboxilato e um anel tiofeno na ca- deia. A estrutura foi nomeada eprosartana (Figura 27), um antagonista seletivo e potente dos receptores AT1. (melho- rar) O O N N O O S Eprosartana Figura 27: Estrutura da eprosartana. Ao contrário dos inibidores da ECA, os bloqueadores de angiotensina não causam tosse, e a incidência de angioe- dema é muito menor. Como com inibidores da ECA, tam- bém são teratogênicos. Devem ser utilizados com cau- tela em pacientes cuja pressão arterial ou função renal são altamente dependentes do sistema renina-angiotensina- aldosterona. Podem causar hipercalemia em pacientes com doença renal ou em pacientes com uso de diuréticos pou- padores de potássio. 5 Inibidores da Renina Os inibidores da renina previnem a formação de Ang I e Ang II (Figura 2) e então pode agir de forma diferente dos bloqueadores da Ang II e dos inibidores da ECA. Di- versos compostos semelhantes ao angiotensinogênio foram desenvolvidos para inibir a renina e baixar a pressão arte- rial após administração intravenosa. Estudos em humanos mostraram que os inibidores de renina administrado por via intravenosa baixam a pressão arterial tão eficazmente quanto os inibidores da ECA. Estes peptideomiméticos ti- nham propriedades farmacocinéticas muito ruins impossi- bilitando o uso clínico. O alisquireno é o único inibidor da renina e foi desenvolvido utilizando uma combinação da análise de estrutura cristalográfica da renina comple- xado com inibidores conhecidos e métodos computacionais para projetar inibidores novos. Foram desenhados com- postos com propriedades farmacocinéticas favoráveis após administração oral. Este é um exemplo clássico do plane- jamento racional de fármacos assistida por computadores e baseada na estrutura do alvo biológico elucidado. 5.1 Desenho racional do alisquireno A primeira e a segunda geração de inibidores da Renina eram muito potentes in vitro, mas não eram fármacos. A primeira geração baseou-se na estrutura do substrato na- tural da renina, o angiotensinogênio e era o famoso “aná- logo de estado de transição”. O CGP29287 (Figura 28) é um exemplo típico de inibidor da primeira geração. Fi- cou claro que tais moléculas não poderiam ser fármacos por causa de seu alto peso molecular e as empresas farma- cêuticas estavam ativamente envolvidas na descoberta de moléculas com peso molecular inferior (QF-I). Surgiu então uma segunda geração, sendo o CGP38560 é um exemplo (Figura 28). Sua descoberta foi entusias- mante, mas os ensaios clínicos revelaram que havia baixa absorção oral e rápida excreção biliar da molécula: este composto foi assim abandonado. Muitas empresas farma- cêuticas tentaram desenvolver compostos similares e foram abandonados. As desvantagens das moléculas que são pa- recidas com peptídeos (peptídeos miméticos): elas são bio- logicamente instáveis, mal absorvida e rapidamente meta- bolizada. Deve-se retirar o caráter peptídico para superar todas as dificuldades e permitir a otimização da biodispo- nibilidade oral, propriedades farmacocinéticas e especifici- dade. O grande problema era que a abordagem de triagem aleatória não deu base alguma para a síntese de compostos com estas características. O fármaco ideal inibidor da renina deviria ter suas ca- racterísticas peptídicas reduzidas. Os análogos feitos na época estavam presos pelas estruturas 2D. Para se livrar da estrutura peptídicas olhou-se para para as moléculas em 3D. A estrutura da CGP38560 tem milhões de conforma- ções possíveis, mas há somente uma precisa de ser imitada: 11 Figura 28: Exemplos de inibidores da renina de primeira e segunda gerações. a conformação bioativa (QF-I), ou seja, a conformação li- gada ao sítio receptor. Na época não haviam estruturas de raio-x disponíveis, portanto, foram usados modelos de ho- mologia e extensas análises docking molecular para identi- ficar o complexo com a energia mais baixa. Estimou-se que o complexo consistia de seis ligações de hidrogênio intra- moleculares e interações com ossítios P1, P2, P3 e P4 (Fi- gura 29). Os sítios P1 e P3 contribuíam para a ligação mais do que os sítios P2 e P4. Figura 29: Conformação bioativa estimada para CGP38560 no sítio da renina. Foi necessário remover a espinha dorsal peptídica, no entanto, mantendo a ligação de hidrogênio com o resíduo de serina. Foi necessário ainda conectar os grupos nos sí- tios P1 e P3 por meio de grupos a serem escolhidos. A estratégia operacional está ilustrada na Figura 30. Eram necessárias seis de ligações de hidrogênio, cinco garanti- dos e uma sexta com a serina, precisava-se unir contudo todas as peças. Centenas de grupos que poderiam fazer es- tas ligações foram então propostas pelos químicos. Estas propostas eram todas averiguadas pela modelagem mole- cular. Estes estudos revelaram que seria necessária (i) uma boa sobreposição com a conformação bioativo prevista; (ii) a energia da conformação desejada da molécula do can- didato deveria ser inferior a 1 kcal/mol acima da energia do mínimo global da molécula; (iii) deveria haver intera- ções favoráveis incluindo a formação das seis ligações de hidrogênio inter-0moleculares e (iv) o composto proposto deveria ter síntese viável. Figura 30: Estratégia para a remoção da característica pep- tídica. O primeiro sucesso foi obtido com o composto tetraidro- quinolina (THQ), mostrado na Figura . Foi obtida uma boa sobreposição dos anéis fenila em P3. Duas metilas foram introduzidas em P1 e um espaçador químico conecta os dois fragmentos. Foi conseguida a ligação de hidrogênio com o resíduo de serina sem explorar os bolsos P2 e P4. Figura 31: THQ não peptídico com boa atividade contra a renina. O segundo composto encontrado tinha um grupo ligador baseado em fenila estendido por um grupo tert-butílico, para melhor imitar o anel fenil do peptídeo de referência em P3 (Figura 32). O terc-butil foi então substituído por um metoxi porque manteve boa atividade biológica e tam- bém era sinteticamente mais acessível. 12 Figura 32: Segundo composto com interaçções bastante favoráeis, mas com espaço para alterações benéficas. Ficou claro pelas análises modelagem que uma substitui- ção deveria ser feita na posição 3’ do anel fenil, para criar a ligação de hidrogênio com o resíduo de serina. Seria neces- sário assemelhar a estrutura com o composto THQ. Foram obtido o compostos mostrado na figura 33 com atividade na ordem de nanomolar. Figura 33: Composto com exploração mais otimizada dos sítios da renina. Composto mostrado na figura 33 teve que ter a solubi- lidade em água aumentada pela modificação do grupo na área cinza. E também a potência explorando mais eficaz- mente as cavidades receptores. Feito isto foi obtido o com- posto ideal o alisquireno (Figura 34). Figura 34: Estrutura do alisquireno e estrutura cristalográ- fica do complexo com a renina. O desenvolvimento do aliquireno é um triunfo no de- senho racional de fármaco assistida por computador, mas infelizmente tem sido clinicamente pouco utilizado devido a efeitos adversos que incluem diarreia (comum), insufi- ciência renal aguda e, raramente, angioedema e reações alérgicas graves. 6 Referências • An Introduction to Medicinal Chemistry, Graham L. Patrick, OUP Oxford. • Lippincott’s Illustrated Reviews: Pharmacology, Ri- chard Finkel (PharmD.), Michelle Alexia Clark, Luigi X. Cubeddu, Lippincott Williams Wilkins. • Rang & Dale’s Pharmacology: 7th Edition. Humphrey P. Rang (Author), Maureen M. Dale (Author), James M. Ritter (Author), Rod J. Flower (Author), Graeme Henderson (Author) • Chem Biol Drug Des 2007; 70: 557–565 • Journal of Cardiovascular Pharmacology and Thera- peutics 19(1), 2014, Vol 19(1) 5-13. • Thomas L. Lemke, David A. Williams, Lippincott Wil- liams & Wilkins, 2008 13
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