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Norma Jurídica

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Professor Thomas Marky
۩. Aplicação da norma jurídica
A norma jurídica contém disposições abstratas a serem aplicadas aos casos concretos que a vida apresenta. 
Por isso, sua aplicação pressupõe o conhecimento perfeito, seguro e completo da norma jurídica abstrata e dos fatos concretos. 
A norma jurídica abstrata é de conhecimento do juiz (iura novit cur ia). Não a conhecendo, deve procurar conhecê-la.
Para esse conhecimento da norma jurídica o aplicador tem de proceder, de início, a um trabalho de "crítica", para verificar se a norma é válida e se o texto é autêntico.
Além dessa "crítica externa" da norma jurídica, o aplicador tem que procurar estabelecer o verdadeiro sentido e alcance de seu texto. Essa atividade se chama "interpretação" da regra jurídica. Por ela se efetua a avaliação das palavras do texto da norma para conseguir obter-se seu significado verdadeiro e certo.
A "interpretação" pode ser autêntica ou doutrinal. A primeira é a que se faz mediante uma nova norma jurídica expedida pelo órgão legiferante competente. A segunda, por meio do trabalho dos cultores do direito. Pode basear-se no exame gramatical, lógico, histórico ou dogmático-sistemático do texto e de sua origem. 
Quanto aos resultados da "interpretação", pode ela simplesmente confirmar o sentido (interpretatio declarativa), estendê-lo (interpretatio extensiva) ou restringi-lo (interpretatio restrictiva). 
A arte de bem interpretar a norma jurídica é a grande virtude do verdadeiro jurista: conhecer as leis não é considerar seu texto, mas, sim, sua força e majestade (scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potest atem) (Celso, D. 1 .3. 17). 
Às vezes não bastam os métodos de crítica e interpretação para o conhecimento do direito aplicável, porque pode acontecer que não exista preceito abstrato para um determinado caso concreto. Verificando-se tal hipótese, o aplicador do direito tem que suprir a lacuna da norma jurídica. Essa atividade se chama "analogia": por semelhança, presume-se a vontade do legislador. 
Chama-se analogia legis quando se estende a aplicação de determinada regra a fatos nela não previstos. Chama-se analogia iuris, por sua vez, o processo de se criar uma nova norma para ser aplicada a um caso concreto, com base nos princípios gerais do sistema jurídico vigente. 
Voltando, agora, ao segundo aspecto da aplicação da norma jurídica, pode-se dizer que ela pressupõe o conhecimento objetivo dos fatos em discussão no caso concreto. 
Os fatos são comprovados por todos os meios de prova em direito permitidos, especialmente por documentos, testemunhas, depoimentos das partes, perícias etc.
Entretanto, às vezes, o direito se contenta com um acontecimento provável, mas não provado, dos fatos e, até, com fatos inverídicos.
No primeiro caso fala-se da presunção e no segundo, da ficção. 
Presunção (praesumptio) é a aceitação como verdadeiro de um fato provável. Aceitação com base numa simples alegação, sem necessidade de prova do fato. Por exemplo, a legitimidade do filho é presumida quando é ele nascido entre 180 e 300 dias depois da convivência conjugal.
Normalmente a presunção não é absoluta; quer dizer, o contrário pode ser provado. Em tal hipótese falamos da presunção simples (praesuniptio iuris tantum), pois, no exemplo, pode o marido apresentar contraprova.
Às vezes, porém, a contraprova não é permitida. É o caso da presunção de direito (praesumptio iuris et de iure). Por exemplo: a verdade da coisa julgada ou a presunção de se considerar ilegítimo o filho nascido além de 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal pela morte do pai.
Note-se que, na realidade, a presunção simples (praesumptio iuris) nada mais é que a inversão do ônus da prova: aceita-se uma situação provável como verdadeira, dispensando-se a comprovação. Daí decorre que cabe à parte interessada a produção de prova contrária para derrubar a presunção.
A ficção é diferente da presunção, pois nela o direito considera verdadeiro um fato inverídico: fecha conscientemente os olhos diante da realidade. Assim era, no direito romano, a ficção de considerar o nascituro como já nascido, sempre que se tratava de seus interesses (nasciturus pro iam nato habetur, quotiens de commodis ipsius partus agatur) ou a fictio legis Corneliae, que considerava o cidadão romano que caía prisioneiro do inimigo e em seu poder falecia como tendo morrido antes de ser capturado.
۩. Eficácia da norma jurídica no tempo e no espaço
O direito romano destinava-se aos cidadãos romanos, pois ele se baseava no princípio da personalidade, em contraposição ao do território, pelo qual o direito se aplica a todos os que residem no respectivo território. Note-se; entretanto, que os estrangeiros também podiam estar em relações jurídicas com cidadãos romanos, ou entre si, no território romano, caso em que o direito a eles aplicável seria o ius gentium. 
A eficácia da regra jurídica se inicia comumente com a promulgação, a não ser que ela disponha diferentemente a respeito da data em que deva entrar em vigor. 
A regra geral no direito romano era a da irretroatividade da norma jurídica, que assim se aplicava apenas aos acontecimentos e fatos posteriores à sua entrada em vigor (C. 1.14.7). Esse princípio não era, contudo, absoluto. Admitia-se, também, a possibilidade deter a norma efeito retroativo, desde que o legislador assim o quisesse. Entretanto, os casos já findos, com sentença ou por acordo entre as partes, não podiam estar sujeitos a normas retroativas, pois nessas hipóteses a lei que retroagisse estaria ferindo direitos adquiridos (C. 1.17.2.23).
A regra jurídica em vigor é aplicável a todos. A ignorância dela não isenta ninguém de suas sanções: iuris ignorantiam cuique nocere (D. 22.6.9. pr.). Não se aplicava, porém, essa norma rigorosa, no direito romano, aos menores de 25 anos, às mulheres, aos soldados e aos camponeses (rustici).
A norma jurídica deixa de produzir seus efeitos quando termina sua vigência, se o prazo estiver nela estipulado. Não havendo estipulação de prazo, revoga-se a norma por uma que lhe seja contrária: lex posterior revocat priori. A revogação pode dar-se também pelo costume: quer por regra contrária por ele introduzida, quer pela simples inaplicação constante da norma (desuetudo). Esta última forma foi a característica da evolução do direito em Roma. As regras antiquadas, caindo em desuso, eram praticamente abolidas, ainda que não expressamente.

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