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Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 745 CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA O DEBATE SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES Andréia Nunes Militão Doutoranda em Educação ‐ FCT/UNESP/PP. E‐mail: andreianmilitao@terra.com.br. Bolsista FAPESP RESUMO A análise das políticas de formação de professores aponta insuficiências que ainda não foram superadas, sobretudo, o reduzido impacto sobre a qualidade da educação. Neste trabalho problematiza‐se esta realidade a partir da discussão das obras de Paulo Freire, destacando o lugar da formação continuada nas políticas públicas atuais. Freire teoriza e experiencia a formação de professores, denominada pelo autor de ‘formação permanente’. Partindo da análise da obra Educação na Cidade, entendemos que Freire se antecipa ao debate intelectual, ao implementar durante o período que exerceu a função de secretário municipal (1989‐1991), a ‘formação permanente’ no interior das escolas, considerando os saberes dos professores numa relação reflexiva junto com intelectuais de diferentes universidades paulistas. Palavras‐chave: Formação Permanente; Formação Continuada; Desenvolvimento Profissional; Paulo Freire; Política Educacional. INTRODUÇÃO E OBJETIVO Nas últimas décadas, a formação de professores assumiu novo significado, em especial, com regulação dada a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) e pelo FUNDEF/FUNDEB, impulsionando a proliferação da formação continuada para os professores em exercício. O estado da arte realizado por Gatti, Barreto e André (2011, p. 265) sobre a produção das políticas docentes em âmbito nacional, evidencia “o predomínio do caráter individualizado das ações formativas, na maioria dos modelos adotados nessas redes; nas secretarias de Educação examinadas, não há focalização na equipe escolar como um todo”. Para Gatti (2008) não existe clareza sobre o que é considerado como formação continuada. Assim, encontra‐se sob esta mesma denominação, desde cursos realizados após a graduação até atividades genéricas encaradas como possibilidade de contribuir para o desenvolvimento profissional como reuniões pedagógicas, participação na gestão escolar, horas de trabalho coletivo na escola, congressos, seminários e cursos de diferentes formatos oferecidos pelas secretarias da educação ou outras instituições presenciais ou à distância. Observa‐se que muitos programas de formação continuada acabaram por adquirir caráter mais compensatório do que propriamente de atualização. Gatti (2008, p. 58) ressalta que outro aspecto ainda presente nos cursos de formação continuada é a preocupação em resolver “os Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 746 problemas dos baixos resultados das avaliações externas, responsabilizando indiretamente os docentes pelo problema da qualidade”. Temos, portanto, um movimento em que se opõe e convivem diferentes concepções sobre a formação docente, ora na perspectiva de reflexão sobre a prática, ora na perspectiva de treinamento e, ainda, na visão tradicional de suprir possíveis falhas e lacunas da formação inicial. Os estudos mais recentes1 sobre formação continuada de professores sinalizam para “a importância de os professores serem propositores dos programas de formação contínua, a partir das necessidades que apontam”. Para Di Giorgi (et. al., 2010, p. 15), a formação contínua pode ser definida como “um processo constante do aprender a profissão de professor, não como mero resultado de uma aquisição acumulativa de informação, mas como um trabalho de seleção, organização e interpretação da informação”. Pretendemos, portanto, analisar um pouco mais detidamente estas visões sobre a formação docente que de forma, explícita e/ou implícita, embasam as políticas públicas na área. METODOLOGIA A metodologia que percorre a construção do presente trabalho centra‐se em pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo a partir da obra “A educação na cidade” de Paulo Freire. Busca‐ se apreender a concepção de formação permanente de Freire ao se referir aos processos de formação continuada efetivados no interior da escola. A partir dessa análise, defende‐se que Freire antecipa‐se ao debate acadêmico ao tratar da formação, pois no final dos anos 1980 e início da década de 1990 já defendia a formação centrada na escola e com ênfase no processo de reflexão sobre a prática, posicionamento que só ganhou maior aceitação nos últimos anos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Partimos da premissa de que a formação inicial não se esgota em si mesma, ou seja, a formação continuada cumpre também a função articuladora entre a formação inicial e as mudanças tanto no interior da escola, como do próprio sistema escolar. Alguns autores apontam que as políticas públicas atuais caminham em sentido contrário à implantação de uma verdadeira prática reflexiva, sobretudo, porque a formação de 1 DI GIORGI, Cristiano Amaral Garboggini et. al. Necessidades formativas de professores de redes municipais: contribuições para a formação de professores crítico-reflexivos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. GATTI, B. A. e BARRETO, E. S. de Sá (coord.). Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. S.; ANDRÉ, M. E. D. A. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 747 docentes em cursos superiores tem sido realizada de maneira aligeirada e com caráter de certificação e não de formação. Destacam, ainda, a desqualificação dos professores com a transformação de seus saberes e saberes‐fazeres, diretamente ligados a operacionalização do ensino, transformando‐os em tutores e monitores da aprendizagem (PIMENTA e GHEDIN, 2002, p.46). Nessa mesma direção, Freire destaca que “[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão critica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.” (1996, p. 43‐ 44). Freire (2001a, p.72) já alertava na década de 1990 para os perigos dos modelos de formação que “em lugar de apostar na formação dos educadores o autoritarismo aposta nas suas ‘propostas’ e na avaliação posterior para ver se o ‘pacote’ foi realmente assumido e seguido”. Antecipando‐se ao debate dos especialistas, Freire defendia que “[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas”. (FREIRE, 1996, p. 15). Freire acrescenta a essa concepção que a própria “natureza formadora da docência, que não poderia reduzir‐se a puro processo técnico e mecânico de transferir conhecimentos [...].” (2001a, p.39). Destaca, ainda, que A melhora da qualidade da educação implica a formação permanente dos educadores. E a formação permanente se funda na prática de analisar a prática. É pensando sua prática, naturalmente com a presença de pessoal altamente qualificado, que é possível perceber embutida na prática uma teoria não percebida ainda, pouco percebida ou já percebida, mas pouco assumida. (FREIRE, 2001a, p.72). Neste sentido, mantém a coerência ao ocupar o cargo de governo, ao defender a necessidadede “reorientar a política de formação dos docentes, superando os tradicionais cursos de férias em que se insiste no discurso sobre a teoria [...]”. (FREIRE, 2001a, p.75). Ao ser questionado sobre quais práticas constroem a competência do educador, Freire destaca “[...] a prática de ensinar que envolve necessariamente a de aprender a de ensinar. A de pensar a própria prática, isto é, a de, tomando distância dela, dela se ‘aproximar’ para compreendê‐la melhor. Em última análise, a prática teórica de refletir sobre as relações contraditórias entre prática e teoria”. (2001b, p. 205). Destaca, ainda, que a formação do professor não é um processo que se restringe a formação inicial, sendo mais do que uma necessidade do professor, trata‐se de uma necessidade ética da qualidade de ensino e crítica da própria atividade. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 748 A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise critica de sua prática. (FREIRE, 2003, p. 28). Neste sentido, este conceito se liga à ideia do desenvolvimento profissional dos professores que inclui os espaços profissionais próprios da profissão docente. Ponte (1994, p.7), ressalta que para o desenvolvimento profissional há a necessidade de se “considerar a prática lectiva e as restantes actividades profissionais, dentro e fora da escola, incluindo a colaboração com os colegas, projectos de escola, actividades e projectos de âmbito disciplinar e interdisciplinar e participação em movimentos profissionais”. Apoiado na premissa de ‘incompletude nos seres humanos’ que Freire gesta, formula e implementa a concepção de formação permanente durante o período que exerceu o cargo de secretário municipal de educação na cidade de São Paulo (FREIRE, 2001b, P. 65). Freire (1996, p. 24), destaca que a “reflexão critica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”. Na mesma direção, Zeichner (2002, p.44) defende que “A reflexão significa também o reconhecimento de que a produção do conhecimento [...] não é uma propriedade exclusiva dos centros universitários”. Não podemos cair num ponto de rejeitar o conhecimento universitário, o que seria um erro tão grave como na perspectiva oposta de desprezar o conhecimento gerado na escola. É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re‐forma ao formar e quem é formado forma‐se e forma ao ser formado. É neste sentido que sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 25). Sobre o modelo de formação, cabe diferenciar o modelo ideal e o que comumente vem sendo aplicado, problematizando a ideia de que a lógica de racionalização da educação acaba Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 749 por imprimir um caráter de treinamento à prática de formação que se mostra totalmente contrário à tarefa da educação nos moldes pensados por Freire. Como educador, eu sei o que significa a formação. É por isso que brigo tanto com os americanos, pois resisto a aceitar que training equivale a formação. Formação é muito mais que training. Então, a formação dos educadores e a análise sobre ela tem muita importância. (FREIRE, 2001b, p. 227). Pimenta e Ghedin (2002) analisam as origens, pressupostos, e características dos conceitos professor reflexivo e professor pesquisador, surgidos em diferentes países nos anos 1990. Donald Shön, valendo‐se de estudos de Dewey, propõe a mudança na formação de professores, valorizando a experiência e a reflexão da experiência, rompendo o modelo anterior que propunha a apresentação da ciência, depois sua aplicação e, por último, um estágio de aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico‐profissionais (PIMENTA e GHEDIN, 2002, p.19). Freire em sua experiência como gestor municipal também afirma que Será privilegiada a formação que se faz no âmbito da própria escola, com pequenos grupos de educadores ou com grupos ampliados, resultantes do agrupamento das escolas próximas. Este trabalho consiste no acompanhamento da ação‐reflexão‐ação dos educadores que atuam nas escolas; envolve a explicação e análise da prática pedagógica, levantamento de temas de análise da pratica pedagógica que requerem considerando a reflexão sobre a prática e a reflexão teórica (FREIRE, 2006, p. 81). Em concordância com esse posicionamento, Almeida destaca que “como o professor trabalha em um contexto determinado e sua prática desenvolve‐se de maneira institucionalmente articulada, a melhora profissional leva à melhora institucional e vice‐versa.” (ALMEIDA, 1999, p. 40). Portanto, somente uma ação articulada no interior das organizações escolares pode levar a melhoria profissional e, ao mesmo tempo, à transformação institucional. Para García (1999, p. 144), o desenvolvimento profissional pode ser “[...] entendido como um conjunto de processos e estratégias que facilitam a reflexão dos professores sobre a sua própria prática, que contribui para que os professores gerem conhecimento prático, estratégico e sejam capazes de aprender com a sua experiência”. Outro aspecto defendido por Almeida (1999, p.41) assinala que “[...] o desenvolvimento pessoal e profissional do professor é produzido dentro do contexto de desenvolvimento da organização em que trabalha e, nessa medida envolve não apenas o Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 750 professor, mas toda pessoa com responsabilidade ou implicação na melhora da escola, sejam administradores, coordenadores, pessoal de apoio, etc.” Partindo‐se do pressuposto de que a ‘educação é um ato político’, não podemos desconsiderar que a dimensão da formação também o é. Neste sentido, articular a questão da formação continuada, com a valorização da escola pública, como um espaço de afirmação da democracia e das oportunidades para as classes populares. É urgente que engrossemos as fileiras da luta pela escola pública neste país. Escola pública e popular, eficaz, democrática e alegre com suas professoras e professores bem pagos, bem formados e permanentemente formando‐se. Com salários em distância nunca mais astronáutica, como hoje, frente aos de presidentes e diretores estatais. (FREIRE, 2003, p. 49). Este não é um processo que depende unicamente do professor, pois é necessário que os sistemas de ensino criemas condições próprias para que isso se torne possível, rompendo‐se assim com a imputação ao professor de toda a responsabilidade pela sua própria formação que deve, portanto, ser uma preocupação coletiva articulada com a política do Estado. O Estado pode ajudar, como tentamos na prefeitura de São Paulo, pagando horas para que os professores estudem. Se a educação é realmente uma prioridade, então é preciso conseguir o dinheiro para que os professores, em sua casa ou na escola, tenham horas para estudar dentro da jornada de trabalho. Os cursos de formação permanente devem ser pagos. A compreensão que o poder público tem do trabalho do magistério deve incluir as horas nas quais o professorado está se preparando para ser melhor professor. (FREIRE, 2001b, p. 219‐20). Uma nova construção sobre o conceito de desenvolvimento profissional docente destaca que o mesmo deve considerar‐se “como um processo que tem lugar em contextos concretos”. Essa premissa rompe com antigas práticas de formação que obliteravam as situações de formação do cotidiano da sala de aula. CONCLUSÃO Os programas de formação continuada têm sido implantados a partir do olhar dos gestores municipais e/ou estaduais desconsiderando as reais necessidades formativas dos professores. Entendemos que a formação continuada só pode ser de fato efetivada quando os professores passarem a ser proponentes e agentes das transformações a partir do seu local de trabalho. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 751 Para Freire, a formação permanente, enquanto uma necessidade do fazer profissional deve estar centrada na escola sem, no entanto, se esquivar do diálogo com os pesquisadores. Concluímos que o debate atual sobre a formação continuada possui certo consenso: primeiro de que a forma preponderante tem pouca efetividade no cotidiano escolar, sobretudo, por que a concepção não procura ligar a teoria com a prática e parte do pressuposto de que ministrando ‘altas doses’ de teoria aos docentes, esta automaticamente se refletirá em sua prática; segundo e, talvez mais importante, é que também existe um consenso sobre modelos de formação mais efetivos, que parte da reflexão sobre a prática cotidiana dos professores em seu próprio meio de trabalho. Sobre esses aspectos, Paulo Freire em sua vasta produção pode ser revisitado, pois é presente em seus escritos esta preocupação em articular teoria e prática, conforme ele mesmo afirmava para evitar o ‘ativismo sem bases’ e, por outro, lado o verbalismo sem conseqüência. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Isabel de. O sindicato como instância formadora dos professores: novas contribuições ao desenvolvimento profissional. 1999. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. DI GIORGI, Cristiano Amaral Garboggini et. all. Necessidades formativas de professores de redes municipais: contribuições para a formação de professores critico‐reflexivos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2001a. (Org. e notas de Ana Maria Araújo Freire). FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. 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