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Prescrição Penal: Limites Temporais do Direito de Punir

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1 INTRODUÇÃO
A vida em sociedade só é viável em razão da existência de regras que são responsáveis pela garantia da sobrevivência pacífica dos cidadãos. Ocorre que, pela própria natureza inerente ao ser humano, nem sempre essas regras são cumpridas, cabendo ao Estado, através de leis e sanções, forçar o seu cumprimento.
Dessa maneira, é conferido ao Estado o direito-dever, de punir quem infringir as normas de conduta e, em se tratando de matéria criminal, far-se-á a persecução do autor do ato ilícito com o intuito de aplicar-lhe a devida pena.
No entanto, o Estado exerce seu ius puniendi de maneira limitada, uma vez que seu direito de punir não é eterno. Tal persecução é limitada por várias regras que visam garantir os direitos fundamentais, entre elas está a prescrição, hipótese que limita o direito de punir em virtude do tempo transcorrido.
A prescrição encontra-se nas causas extintivas de punibilidade, que estão descritas nos incisos do artigo 107 do Código Penal.
O quarto inciso desse artigo versa exatamente sobre a prescrição, que nada mais é do que a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não-exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo.
A prescrição, mediante construção doutrinária, pode ser classificada em dois tipos: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.
Assim, a prescrição opera à vista da conjugação de dois fatores: a inércia da parte interessada e o decurso do tempo. Com ela, é o próprio Estado que limita o seu direito de punir a lapsos temporais, cujo transcurso faz com que a manutenção da situação criada pela transgressão da norma de proibição violada pelo sujeito seja considerada inoperante.
Este artigo visa analisar o instituto da prescrição, através de sua definição, das teorias que procuram fundamentá-la, suas espécies, causas modificativas, suspensivas e impeditivas e a imprescritibilidade.
2 DA PRESCRIÇÃO
2.1 DEFINIÇÃO
O Estado, dentre todas as suas atribuições, possui o poder-dever de punir, que pode ser dividido em direito de punir abstrato e direito de punir concreto. Aquele se dá enquanto a lei penal não for violada, é a mera definição de quais violações a quais bens jurídicos devem ser consideradas infrações penais e as sanções que deverão ser aplicadas.
Já o direito de punir concreto se configura após a perpetração do crime, ou seja, a partir do momento que é praticada alguma conduta previamente tipificada como criminosa em lei penal.
No entanto, o Estado exerce seu ius puniendi de maneira limitada, tanto no direito de punir concreto, como no abstrato. Uma vez que ele não pode ser arbitrário na criação de suas leis e nem na aplicação das respectivas penas. Além disso, seu direito de punir não é eterno.
Essa relativização se dá pelas causas extintivas de punibilidade, que estão descritas no artigo 107 do Código Penal.
Contudo, Cezar Roberto Bitencourt faz uma ressalva:
O atual elenco do art. 107 não é numerus clausus, pois outras causas se encontram capituladas em outros dispositivos, como, por exemplo, o perdão judicial (arts. 121, § 5º; 129, § 8º; 180, § 3º; 181; 240, § 4º, e 348, § 2º, do CP); a restitutio in integrum (art. 249, § 2º); as hipóteses do art. 7º, § 2º, b e e, do CP[1].
O quarto inciso desse artigo versa sobre prescrição, decadência e perempção. Esta é a sanção que consiste na perda do direito de prosseguir no exercício da ação penal privada, aplicada ao querelante inerte. Decadência é a perda do direito de ação privada ou do direito de representação, em virtude do decurso de um determinado espaço de tempo.
Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt, prescrição é “a perda do direito de punir do Estado, pelo decurso do tempo, em razão do seu não exercício, dentro do prazo previamente fixado”[2].
Assim, a prescrição nasce da inércia do Estado e serve como limite de sua atuação jurisdicional, ainda que o Estado queira punir o agente infrator, não poderá mais fazê-lo, diante do decurso do tempo.
2.2 TEORIAS QUE PROCURAM FUNDAMENTAR O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
Diversas teorias foram criadas ao longo do tempo a fim de explicar o instituto da prescrição, mas nos deteremos à análise de apenas algumas delas.
2.2.1 Teoria do esquecimento
Esta teoria baseia-se no fato de que, a sociedade, com o passar do tempo, que depende de acordo com o grau de reprovabilidade do delito, se esquece do crime. Assim, diante do esquecimento da infração penal, não há mais motivo para a sua punição, pois não existe mais o temor causado por sua prática e não proporcionará intimidação coletiva.
2.2.2 Teoria da expiação moral
De acordo com essa corrente, presume-se, com o transcurso do tempo, que o culpado já sofreu tanto por suas angústias e remorso que isso, por si só, já caracteriza a sua punição. Desta maneira, a aplicação da sanção prevista na lei penal seria uma segunda expiação, se tornado, assim, desnecessária.
2.2.3 Teoria da dispersão da prova
Baseia-se no argumento de que o longo período temporal transcorrido, desde o fato criminoso, faz com que a substância probatória enfraqueça. Bem explica Francisco Afonso Jawsnicker, pois uma vez “incerta a apuração dos fatos, torna-se precária a defesa do acusado e desaparece a possibilidade de uma sentença justa”[3]. Fatalmente, ocorreriam grandes erros judiciários.
2.2.4 Teoria da emenda
Sustenta a desnecessidade de pena, presumindo que o criminoso, devido o transcorrer do tempo, se redimiu e o tempo interferiu em seu foro íntimo e comportamento. Carla Rahal Benedetti, brilhantemente, aduz: “a inexistência de novas condutas ilícitas, praticadas pelo acusado durante a persecução criminal, seria a demonstração da redenção e ressociabilização do infrator à sociedade, sendo, pois, dispensável a pena”[4].
2.2.5 Teoria psicológica
A teoria psicológica defende que o tempo transforma a formação psíquica do culpado, pois rompe o nexo psicológico entre o fato e o agente. Esta teoria encontra raízes na Criminologia Sociológica de Gabriel Tarde, que entende ser outra pessoa que sofrerá a pena, não o infrator, em decorrência do tempo percorrido. Por isso, a punição não mais se mostra necessária, tendo em vista que o crime não estará mais presente no réu e nem na sociedade, podendo a sua aplicação não gerar efeito algum.
2.3 NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO
Muito se discute a respeito da natureza jurídica da prescrição penal, isto é, se é um instituto de natureza material (penal), processual (processual penal) ou mista.
Para os que defendem a natureza material da prescrição, seu principal fundamento é a sua previsão no Código Penal e a contagem de seu prazo estar em consonância com o artigo 10 do mesmo diploma legal. Esta corrente predomina no Direito Penal brasileiro.
Na lição de Heleno Cláudio Fragoso, “os que afirmam o caráter puramente processual da prescrição, vêem nela apenas uma suspensão ou impedimento do processo, entendendo que o decurso do tempo não pode transformar a punibilidade em impunibilidade”[5].
Adolphe Prins entende ser a prescrição penal de natureza mista e justificam no sentido de “que considerava a prescrição da ação como sendo do processo penal e a prescrição da pena como pertencente ao direito substantivo”[6].
Cumpre ressaltar que a prescrição é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida e declarada de ofício pelo juiz em qualquer faz do processo, nos termos do artigo 61 do Código Penal.
2.4 ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO
A prescrição pode ser dividida em duas espécies: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória. A primeira se dá antes do trânsito em julgado da sentença criminal. Já a segunda, após o referido trânsito.
Cezar Roberto Bittencourt ensina que essa classificação decorre da distinção entre ius puniendi e ius punitionis: “com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o ius puniendi transforma-se em ius punitionis, isto é, a pretensão punitiva converte-se em pretensão executória”[7].
2.4.1 Prescrição da pretensão punitiva
Como já exposto, só poderá ocorrer antes do trânsitoem julgado da sentença penal e tem como principal consequência a eliminação de todos os efeitos do crime, como se ele não tivesse existido.
Segundo preceitua o artigo 111 do Código Penal, o prazo da prescrição da pretensão punitiva começa a fluir no dia: (i) da consumação do crime; (ii) da cessação da tentativa; (iii) da cessação de permanência nos crimes de duração; (iv) do conhecimento do fato nos crimes de bigamia, de falsificação ou de adulteração no registro civil (leia-se: a data em que a autoridade pública tomou conhecimento do fato); (v) em que a vítima completar 18 (dezoito) anos nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
Por sua vez, a prescrição da pretensão punitiva se subdivide em: abstrata, superveniente ou intercorrente e retroativa.
2.4.1.1 Prescrição da pretensão punitiva abstrata
Recebe este nome porque o seu prazo regula-se pela pena em abstrato, ou seja, pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada no tipo legal, de acordo com a tabela do artigo 109 do Código Penal.
Este tipo de prescrição só pode ocorrer entre a data da consumação do crime e o recebimento da denúncia ou da queixa, ou a partir desse momento até a sentença.
Por exemplo: se o crime é o de furto simples (artigo 155, caput, do Código Penal), apenado com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, tem-se que o máximo de pena cominado à infração é de 4 (quatro) anos. Agora, ao verificar, no artigo 109, do mesmo diploma, o prazo prescricional correspondente, nota-se, no inciso IV que o crime prescreverá, de acordo com este tipo de prescrição em 8 (oito) anos.
Assim, ainda em referência ao exemplo supracitado, se ao momento do oferecimento da denúncia, já tiver transcorrido o prazo de 8 (oito) anos a contar da data do fato, o crime já estará prescrito, devendo o Ministério Público requerer o arquivamento dos autos, com base na extinção de punibilidade. Se não o fizer, pode o juiz conhecer ex officio a prescrição ou ela pode ser alegada em resposta à acusação.
Também estará prescrito o crime, no caso em tela, se já tiverem decorrido os 8 (oito) anos entre o recebimento da denúncia e a sentença.
2.4.1.2 Prescrição da pretensão punitiva superveniente (intercorrente)
Diferentemente da prescrição da pretensão punitiva abstrata, a intercorrente leva em conta para o cálculo do prazo prescricional a pena aplicada in concreto. O marco inicial dessa contagem se dá com a publicação da sentença condenatória recorrível e termina com o trânsito em julgado definitivo.
Insta salientar que é requisito que a sentença transite em julgado apenas para acusação e não também para a defesa, ou, ainda, depois de provido o recurso da acusação[8].
Jawsnicker explana de maneira muito clara a situação retro mencionada:
se apenas a defesa interpôs recurso contra a sentença condenatória, segue-se que a pena não poderá ser majorada, por força do princípio que veda a reformatio in pejus. Logo, a pena aplicada define o prazo prescricional. O que se deve verificar, nessa hipótese de prescrição superveniente, é se, entre a data da sentença condenatória e o julgamento do recurso da defesa, ocorreu a prescrição, cujo prazo é calculado pelo enquadramento da pena [em concreto] em um dos incisos do art. 109 do Código Penal[9].
Quanto ao improvimento do recurso da acusação, entre a data da sentença e o julgamento do tribunal que não prover o recurso, não poderá ultrapassar o prazo prescricional calculado de acordo com a pena aplicada na sentença ao agente.
Caso o recurso da acusação seja provido, ainda assim é possível entender que ocorra a prescrição da pretensão punitiva intercorrente se a decisão não elevar a pena ao passo de modificar o prazo prescricional. Exemplifica-se: o réu é condenado à pena de 3 (três) meses de detenção; acusação e defesa recorrem da decisão; passados 4 (quatro) anos, o tribunal acolhe o pedido da acusação e eleva a pena a 10 (dez) meses. Tanto a primeira pena, quanto a segunda, são inferiores a 1 (um) ano, assim, estão inseridas no mesmo inciso do artigo 109 do Código Penal, o VI, que estipula o prazo prescricional em 3 (três) anos. Desta maneira, tendo em vista que o tribunal decidiu os recursos passados 4 (quatro) anos da data da sentença, conclui-se que está extinta a punibilidade, em decorrência da prescrição superveniente.
2.4.1.3 Prescrição da pretensão punitiva retroativa
Bem como a intercorrente, é calculada pela pena em concreto, obtida na sentença penal e é necessário o trânsito em julgado para a acusação ou o não provimento de seu recurso.
Ainda que se verifiquem muitas semelhanças entre esses dois institutos, a grande diferença se encontra no fato de que ao passo que a intercorrente é calculada a partir da sentença, ou seja, para os períodos posteriores, a retroativa se volta ao passado, aos momentos anteriores à sentença.
Este tipo de prescrição da pretensão punitiva é criação da jurisprudência nacional, uma vez que não está expressa no texto legal.
Antes da reforma no Código Penal trazida pela Lei 12.234/2009, a prescrição retroativa tinha como termo inicial, ainda que somente reconhecida após o trânsito em julgado da sentença para a acusação, data anterior ao recebimento da denúncia ou queixa (artigo 110, § 2º, CP), ou seja, a data da consumação do crime.
No entanto, com o avento da supracitada lei, o § 2º foi revogado e o primeiro alterado a fim de não mais poder a prescrição retroativa alcançar a data do fato.
Atualmente, a prescrição retroativa possui apenas um lapso prescricional, que é entre a data da sentença e o recebimento da denúncia ou queixa. Obviamente que excetuados os casos de crimes julgados pelo Tribunal do Júri, os crimes dolosos contra a vida, que em seu procedimento contam com mais dois marcos interruptivos: a pronúncia e a decisão confirmatória da pronúncia.
A alteração trazida pela Lei 12.234/2010 foi muito criticada pela doutrina penalista. Bitencourt reserva parte de seu capítulo sobre prescrição, em sua obra “Tratado de Direito Penal – parte geral 1”, para discorrer sobre a inconstitucionalidade da supressão da citada parcela da prescrição retroativa, bem como entende que ela viola os princípios da proporcionalidade e da duração razoável do processo.
2.4.2 Prescrição da pretensão executória
A pretensão executória se dá a partir do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e pela pena in concreto. A sua ocorrência gera a perda do Estado de executar a pena imposta ao condenado, diante do transcorrer do prazo prescricional estipulado.
Ainda que o condenado fique livre do cumprimento da pena, a prescrição da pretensão executória não afasta os efeitos secundários da sentença condenatória, como, por exemplo, a reincidência.
Com base no artigo 112 do Código Penal, o prazo começa a ser contado do dia em que: (i) transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação; (ii) se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena; (iii) transita em julgado a decisão que revoga a suspensão condicional da pena (sursis) ou o livramento condicional.
Cezar Roberto Bitencourt faz uma ressalva de grande valia quanto ao disposto no item (i):
O prazo começa a correr do dia em que transitar em julgado a sentença condenatória para a acusação, mas o pressuposto básico para essa espécie de prescrição é o trânsito em julgado para acusação e defesa, pois, enquanto não transitar em julgado para a defesa, a prescrição poderá ser a intercorrente. Nesses termos, percebe-se, podem correr paralelamente dois prazos prescricionais: o da intercorrente, enquanto não transitar definitivamente em julgado; e o da executória, enquanto não for iniciado o cumprimento da condenação, pois ambos iniciam na mesma data, qual seja, o trânsito em julgado para a acusação[10].
2.4.3 Prescrição da pena de multa
O artigo 114 do Código Penal dispõe sobre a prescrição da pena de multa. Ele preceitua que quando a pena de multa for a única cominada, ela prescreverá em 2 (dois) anos. Já quandofor pena alternativa, cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada, prescreverá no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade.
Essa redação do artigo 114 foi dada pela Lei 9.268/1996 e gerou grande polêmica na doutrina. Quanto à prescrição da pretensão punitiva não se tinha dúvida quanto a aplicação do artigo supra mencionado.
No entanto, no tocante a prescrição da pretensão executória não houve consenso. A controvérsia se encontra na outra novidade que trouxe a Lei 9.268, com a nova redação do artigo 51 do Código Penal, que passou a ser: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”.
Ao interpretar esse artigo, duas posições surgiram. A primeira entende que o prazo da prescrição executória é de 5 (cinco) anos. Adepto desta corrente, explica René Ariel Dotti: “[...] a multa é considerada dívida de valor após transitar em julgado a sentença que a aplicou. Sendo assim, a prescrição da pretensão executória ocorrerá em 5 (cinco) anos, conforme o art. 174 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66)”[11].
Já a outra, defende que o prazo da prescrição executória se dá na mesma forma da prescrição punitiva, ou seja, também aplica o artigo 114, do CP depois do trânsito em julgado. Segue essa vertente Cezar Roberto Bitencourt[12].
2.4.4 Prescrição da pena restritiva de direitos
A prescrição das penas restritivas de direito receberam tratamento igual ao das penas privativas de liberdade, os prazos são os mesmos (artigo 109, parágrafo único do Código Penal)
2.5 CAUSAS MODIFICATIVAS DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS
Diante de certas circunstâncias, os prazos da prescrição podem ser alterados, tanto para mais, quanto para menos.
O artigo 115 do Código Penal prevê as duas causas que reduzem a metade o prazo prescricional: (i) ao tempo do crime, o criminoso era menor de 21 (vinte e um) anos; (ii) na data da audiência, o criminoso era maior de 70 (setenta) anos.
Juarez Cirino dos Santos explica brilhantemente que o fundamento dessas reduções: “[...] é o insuficiente desenvolvimento psicossocial do agente menor de 21 anos, na data do fato, ou a degeneração psíquica de agente maior de 70 anos, na data da sentença”[13].
Ainda que o Código Civil estipule que a capacidade civil se dá aos 18 anos (art. 5º do Diploma), isso não interfere na redução do prazo prescricional do agente menor de 21 (vinte e um) anos à época do fato. Cirino dos Santos apresenta basicamente três razões: (i) o fundamento da redução é a idade, e não a incapacidade civil; (ii) as decisões do legislador civil não vinculam o legislador penal e não podem invalidar seus critérios; (iii) qualquer outra interpretação representaria analogia in malam partem[14].
Outra questão importante a ser destacada é referente ao criminoso maior de 70 (setenta) anos na data da sentença. O Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, considera idoso como a pessoa com 60 (sessenta) anos de idade. Mencionada lei modificou o disposto no artigo 61, inciso II, alínea h do Código Penal, alterando a expressão “velho” para “maior de 60 (sessenta) anos.
Diante do exposto, de acordo com uma interpretação sistemática do Código Penal, deveria ser alterada a idade de 70 (setenta) anos, para 60 (sessenta), por se tratar de analogia in bonam partem, autorizada pelo princípio da legalidade penal.
Infelizmente, não é assim que vêm entendendo nossos tribunais. Nesse sentido:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AGENTE MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS. ESTATUTO DO IDOSO. REDUÇÃO DE METADE NO PRAZO PRESCRICIONAL. MARÇO TEMPORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. I - A idade de 60 (sessenta) anos, prevista no art. 1º do Estatuto do Idoso, somente serve de parâmetro para os direitos e obrigações estabelecidos pela Lei 10.741/2003. Não há que se falar em revogação tácita do art. 115 do Código Penal, que estabelece a redução dos prazos de prescrição quando o criminoso possui mais de 70 (setenta) anos de idade na data da sentença condenatória. II - A redução do prazo prescricional é aplicada, analogicamente, quando a idade avançada é verificada na data em que proferida decisão colegiada condenatória de agente que possui foro especial por prerrogativa de função, quando há reforma da sentença absolutória ou, ainda, quando a reforma é apenas parcial da sentença condenatória em sede de recurso. III - Não cabe aplicar o benefício do art. 115 do Código Penal quando o agente conta com mais de 70 (setenta) anos na data do acórdão que se limita a confirmar a sentença condenatória. IV - Hipótese dos autos em que o agente apenas completou a idade necessária à redução do prazo prescricional quando estava pendente de julgamento agravo de instrumento interposto de decisão que inadmitiu recurso extraordinário. V - Ordem denegada. (STF - HC: 86320 SP, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 16/10/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 24-11-2006 PP-00076 EMENT VOL-02257-05 PP-00880 RB v. 19, n. 518, 2007, p. 29-31 RJSP v. 54, n. 350, 2006, p. 327-332 LEXSTF v. 29, n. 338, 2007, p. 369-376) (grifo nosso)
No tocante a causa de aumento do prazo prescricional, o artigo 110 do Código Penal dispõe que a reincidência aumenta um terço o prazo da prescrição depois do trânsito em julgado.
Em decorrência de divergência de opiniões quanto à aplicação do aumento de 1/3 (um terço) para criminoso reincidente só na prescrição da pretensão executória, ou, também, na prescrição da pretensão punitiva, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 220, que preceitua: “A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva”.
2.6 CAUSAS SUSPENSIVAS (IMPEDITIVAS) DA PRESCRIÇÃO
Rogério Greco define as causas suspensivas da prescrição como aquelas:
que suspendem o curso do prazo prescricional que começa a correr pelo tempo restante após cessadas as causas que a determinaram. Dessa forma, o tempo anterior é somado ao tempo posterior à cessação da causa que determinou a suspensão do curso do prazo prescricional.[15]
O artigo 116 do Código Penal descreve as causas suspensivas, dividindo-as em dois grupos: antes do trânsito em julgado da sentença e após ele. As que se dão antes do trânsito em julgado, se referem à prescrição da pretensão punitiva. Assim, suspende-se o prazo prescricional enquanto não for resolvida questão prejudicial, em outro processo, e depende dessa decisão para o reconhecimento da existência do crime; e enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro, pois não se conseguirá a sua extradição.
A causa suspensiva da prescrição executória ocorre quando o condenado estiver preso por outro motivo, uma vez que essa sua condição impede a satisfação da pretensão executória.
Além do referido artigo, o ordenamento jurídico brasileiro prevê outras causas suspensivas do prazo prescricional.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 52, § 3º dispôs sobre a imunidade parlamentar. Os deputados e senadores que cometerem crime após sua diplomação serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal. O STF poderá receber a queixa ou denúncia sem autorização prévia da Casa Legislativa respectiva, porém deve comunicar o fato a ela, que poderá, pela maioria dos votos de seus membros, sustar o andamento da ação até decisão final. Desta maneira, enquanto não houver a permissão da Casa Legislativa, o prazo prescricional ficará suspenso.
A Lei nº 9099/95 que instituiu os Juizados Especiais Criminais também criou o instituto da suspensão condicional do processo em seu artigo 89, e no § 6º preceituou que a prescrição ficará suspensa durante o mesmo prazo da suspensão que pode ser de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Também o Código de Processo Penal legislou sobre outras duas causas de suspensão do prazo prescricional. O artigo 366 do diploma em questão versa sobre quando o acusado é citado por edital e não comparece e nem constitui advogado. Nesse caso, ficarão suspensos o processoe o prazo prescricional.
Insta salientar que doutrina e jurisprudência são pacíficas ao disporem que a suspensão se dará pelo máximo da pena cominada no tipo legal. A questão está sumulada na Súmula de nº 415 do STJ, que dispõe: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”. Exemplo: se a denúncia versa sobre o crime de furto simples, cuja a pena é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, o denunciado é citado por edital e não comparece, nem constitui advogado, o processo e o prezo da prescrição ficarão suspenso por 8 (oito) anos, de acordo com o artigo 109, inciso IV do Código Penal.
É jurisprudência:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. SUSPENSÃO DO PROCESSO. ART. 366 DO CPP. SÚMULA 415 DO STJ. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO PELA PENA MÁXIMA EM ABSTRATO AFASTADA. Nos termos do art. 366 do CPP, durante a suspensão do processo, está suspensa a prescrição da ação penal. Somente depois de transcorrido o período de suspensão do processo, que é regulado pelo máximo da pena cominada, nos termos da Súmula 415 do STJ, é que passa a fluir o prazo prescricional, considerando o cômputo do tempo já transcorrido RECURSO PROVIDO. (TJ-RS - RECSENSES: 70044946622 RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Data de Julgamento: 04/04/2012, Quinta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/04/2012)
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 460.971/RS[16] obteve posicionamento contrário ao entendimento supracitado. A Corte Suprema entendeu que a prescrição pode ficar suspensa por tempo indeterminado, isto é, pode perdurar a suspensão a suspensão da prescrição enquanto durar a do processo.
Bitencourt critica a decisão: “Ignoram, venia cessa, os senhores Ministros da Corte Superior, que entendimento como esse pode tornar imprescritíveis crimes não elencados no texto constitucional”[17].
A outra previsão na lei processual penal se encontra no artigo 368, que dispõe sobre a hipótese de o acusado que se encontra no estrangeiro, em lugar sabido, ser citado através de carta rogatória. Nessa situação, o prazo prescricional ficará suspenso até o cumprimento da carta.
2.7 CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO
Diferentemente das causas suspensivas, as interruptivas implicam o recomeço da contagem do prazo desde o início, desprezando o tempo já decorrido. Conta-se o novo prazo do dia da interrupção até chegar ao seu termo final, ou ocorrer outra causa de interrupção.
O artigo 117 do Código Penal prevê, taxativamente em seus incisos, as causas interruptivas. São elas: I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II - pela pronúncia; III - pela decisão confirmatória da pronúncia; IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI - pela reincidência.
Cumpre comentar isoladamente cada inciso.
O inciso I trata expressamente do recebimento da denúncia e não do seu oferecimento. Portanto, é a data do despacho do juiz que recebe a peça inicial da acusação, denúncia ou queixa-crime, que contará como marco interruptivo.
Esta assertiva vale não só para o despacho de recebimento elaborado pelos juízes monocráticos, mas também para os feitos de competência originária dos tribunais, nos quais quem proferirá o despacho será o relator do processo.[18]
Nesse sentido entendeu o STJ: “O recebimento da denúncia, nos processos de competência originária dos Tribunais, interrompe a prescrição, já que a denúncia, no caso, não é substitutiva mas peça essencial à instauração da ação penal.[19]
Cezar Roberto Bitencourt fala com maestria sobre o aditamento da denúncia ou queixa: “comente interromperá a prescrição se incluir a imputação de nova conduta típica, não descrita anteriormente, limitando-se a essa hipótese. A inclusão de novo réu, e aditamento, não interrompe a prescrição em relação aos demais”[20].
No tocante a esta última afirmação, Mirabete discorda, para ele quando é: “incluído novo acusado, estendendo-se a interrupção a todos os corréus (art. 117, § 1º)”[21]
Se a peça acusatória for rejeitada, o recurso a ser interposto é o recurso em sentido estrito. Caso seja provido no juízo ad quem, a interrupção do prazo prescricional se dá na data da sessão de julgamento do recurso.
Os incisos II e III tratam do procedimento dos processos de competência do Tribunal do Júri. Quanto à pronúncia, a data que marcará a interrupção será a da sua publicação em cartório.
O terceiro inciso, por sua vez, trata da decisão confirmatória da pronúncia e também a que pronuncia o réu em razão de recurso. A respeito da data que pode ser considerado como marco interruptivo, merece destaque decisão do STF:
A interrupção do prazo prescricional se dá no dia da realização do julgamento, e não no dia da publicação do acórdão no Diário de Justiça. Com esse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra decisão tomada em ação penal originária pelo Tribunal de Justiça, em que se alegava a extinção da punibilidade pela prescrição punitiva, considerando o lapso de tempo entre o recebimento da denúncia e o dia da publicação do acórdão condenatório[22].
Há quem entenda que mesmo que o Tribunal do Júri desclassifique o crime e deixe de ser de sua competência, passando a ser do juiz singular, a decisão de pronúncia e a decisão que a confirmar constituem causas interruptivas da prescrição. Esse entendimento é majoritário.
O inciso IV, por sua vez, nos leva a conclusão que as decisões absolutórias não constituem marcos interruptivos, apenas os são as condenatórias. É possível subdividir este inciso em dois, para melhor compreensão da matéria.
Em primeiro plano, trata-se da sentença condenatória recorrível. Seu marco ocorre na data de sua publicação nas mãos do escrivão, ou seja, a partir da lavratura do respectivo termo, com fulcro no artigo 389 do Código de Processo Penal.
A sentença anulada, uma vez que não gera efeitos, não se trata de causa interruptiva, é um ato juridicamente não existente.
De acordo com a Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça preceitua que a sentença que concede o perdão judicial também não interrompe o prazo prescricional.
A segunda parte cuida do acórdão condenatório recorrível. A doutrina se divide a respeito da caracterização do marco interruptivo neta hipótese. De um lado, defende-se que apenas entende-se como acórdão condenatório aquele que reforma sentença absolutória, já de outro, tanto o acórdão condenatório que reformar sentença absolutória, quanto o que confirmar a sentença condenatória são considerados causas de interrupção. Entre outros, Bittencourt[23] se filia a primeira corrente e Greco[24] a segunda.
O quinto inciso do artigo 117 do Código Penal, dispõe sobre o início, a prisão do agente para cumprir a pena, e a continuação do cumprimento da sentença, causas específicas da prescrição da pretensão executória.
Bitencourt aduz: “com a continuação da prisão, interrompida pela fuga, ou decorrente de revogação do livramento condicional, interrompe-se a prescrição. No entanto, nessas duas hipóteses, a prescrição volta a correr não por inteiro, mas pelo resto da pena que falta cumprir”[25].
Por fim, o último inciso trata da reincidência. Doutrina e jurisprudência divergem quanto ao momento da interrupção. Segundo uma corrente, o marco interruptivo só pode ser considerado com a sentença condenatória da que reconhece a prática do ilícito. De acordo com a outra, minoritária, se dá a interrupção no data do novo crime.
A reincidência também tem como efeito aumentar o prazo prescricional. Por mais que parte da doutrina entenda que só se aplica esse acréscimo na prescrição da pretensão executória, surgiram alguns julgados admitindo o aumento também na prescrição da pretensão punitiva intercorrente.[26]
2.8 IMPRESCRITIBILIDADE
Contrariando a tendência contemporânea do Direito Penal, que prega a prescritibilidade de todos os ilícitos penais, a Constituição Federal prevê em seu texto dois crimes imprescritíveis.Quanto a esses crimes, o Estado não possui limite temporal para iniciar a persecução penal ou executar a pena.
O art. 5º, inciso XLII da Carta Magna estabelece que: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Já o inciso XLIV dispõe: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
René Ariel Dotti critica o posicionamento adotado pela Constituição com veemência:
Imprescritibilidade, tanto da pretensão punitiva como da pretensão executória, atenta contra o espírito da própria Constituição, na medida em que proíbe a pena de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, ‘b’), assim considerada não somente aquela que é cominada, aplicada ou executada, mas toda reação estatal contra delito que configure ameaça eterna de sacrifício de bens jurídico do infrator[27].
3 CONCLUSÃO
A quantidade de processos que tramitam na justiça criminal vem atrasando as atividades do judiciário e, com isso, a espera por uma decisão definitiva custa vários anos.
Dessa maneira, é fácil notar que o instituto da prescrição penal é de enorme importância, haja vista tratar-se de uma limitação no poder-dever de punição do Estado. Através da prescrição, são garantidos direitos fundamentais inerentes ao Estado Democrático de Direito, que se dá com o transcurso do tempo legalmente pré-estabelecido para a persecução penal.

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