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OJ @ HISTORIA DA AMÉRICA LATINA íZe:r. 7Ck.lrcQ BJAe.. ~H\ LA, VOLUME IVl '\~O -\ ~So DE1870A1930 Lestie Bethell / organizador[§JJ U:\IVcRSIDADE DE sAo PAULO Profmor Emérito de Hi$toria da América Latil1a, Universidade de Londres, e Diretor do CC/ltro de Estudos Brasileiros, Universidade de OxfordReitora Suei)' Yilela Vice-reitor Franco Maria Lajolo Traduçãoled:!:. EDITORA DA U~IVERSIDADE D[ SÃO PAULO Geraldo Gerson de Souza Diretor-presidente Plinio Martins Filho COMISSÃO EDITORIAL Presidente José Mindlin Vic e-p resideme Carlos Alberto Barbosa Dantas Adolpho José Melfi Benjarni n Abdala Júnior Maria Arminda do Nascimento Arruda "~IIlJN""O:led~ Nélio Marco Vincenzo Bil7.:o -~:.:':~:::':'.: Ricàrdo Toledo Silva DirelO({j Ediroritl/ Silvana Bira! EdilorlH-{/ssistenrcJ Marilena VizcOIin Carla Fernanda Fonlana 608 Inglaterra como principal nação industrial e credora do mundo, aqueles au mentaram continuamente seu comércio com os vizinhos latino-americanos e seus investimentos. Os Estados Unidos substituíram a Inglaterra como prin cipal potência econômica dominante (mesmo antes da Primeira Guerra Mundial) no México e nas repúblicas centro-americanas e caribenhas, depois nas repúblicas do norte da América do Sul, nas repúblicas da Costa Oeste e no Brasil, e finalmente, após a Segunda Guerra Mundial, na Argentina. Além disso, os Estados Unidos tinham um projeto hegemônico para América Lati na, que tendo em vista o declínio do seu poder econômico e militar, seus compromissos internacionais, suas prioridades diferentes e, não menos, sua "relação especial" com os Estados Unidos, a Grã-Bretanha optou por não re sistir - exceto de certa forma na Argentina. ~ o( z o U < Z '" f'" Z o ~ '" u o( .... '"o: ~ o( 12 ~ ~< "'z00 u Os ESTADOS UNIDOS -CU .... < "'Z E A AMÉRICA LATINA, 1830-19300:'" ~ '" < .... ~z AS RIVALIDADES ANGLO-AMERICANAS APÓS A INDEPENDiôNCIA Em 1830, as nações latino-americanas recém-independentes viram-se dentro de um mundo de rivalidades e políticas de poder internacionais. As potências européias, especialmente a Inglaterra, que algumas vezes tivera participação decisiva na luta pela independência latino-americana, conti nuaram, até bem adiante no século XX, a desempenhar importante papel po lítico e econômico na América Latina. Depois da independência, os ingleses mostraram interesse especial pelo Brasil , pela região do Prata, pelo Chile, pela América Central e pelo México. Em menor grau, a França demonstrou interesse pelo Prata e pelo México. E o mar dos Caraíbas continuou sendo um lago dominado pelos europeus, pois muitas de suas ilhas eram colônias da Espanha, da Inglaterra, da França, da Holanda, da Suécia e da Dinamarca. Entre 1830 e 1890, em muitas ocasiões, as potências européias intervie ram diretamente no hemisfério com graus diversos de força militar. Algumas dessas intervenções tiveram o objetivo de preservar sua influência mediante uma ajuda amigável aos países latino-americanos em suas rivalidades com vizinhos hostis e de proteger seus próprios conterrâneos quando não eram bem tratados pelos governos dos países onde viviam. Esses elementos se combinaram nas várias intervenções britânicas e francesas no Prata entre 1836 e 1850, duas das quais - o bloqueio francês de Buenos Aires em 1836 e o bloqueio conjunto britânico-francês em 1845 - duraram mais de dois anos e meio. A principal causa dessas intervenções foi o ditador argentino Juan Manuel de Rosas, que se mostrou hostil tanto aos interesses estrangeiros quanto aos Estados vizinhos do Uruguai e do Brasil. Segundo a prática internacional do século XIX, era dever das grandes po tências proteger as vidas e a propriedade de seus cidadãos no estrangeiro e im por os supostos padrões civilizados de comportamento. Nesse último caso, empregavam-se desde ações militares como na supressão do tráfico transatlân ----L 610 611 tico de escravos até a punição daqueles que atacassem estrangeiros ou interfe rissem no comércio internacional. As reclamaçôes financeiras dos cidadãos es trangeiros provocaram várias in tervenções. Em abril de 1838, os franceses blo quearam o porto de Veracruz por ter o México se recusado a pagar uma conta de 600 mil pesos decorrente de reclamações diversas. Esse episódio recebeu o nome de "Guerra de los Pasteles'; porque entre os débitos reclamados havia um de 800 pesos relativo a tortas devoradas por um oficial do exército mexica no numa invasão a uma loja de propriedade de um cidadão frances. A mari nha francesa bombardeou a fortaleza de San Juan de Ulua e desembarcou seus soldados, mas nem por isso as reclamações foram satisfeitas; foram apenas renegociadas. Num episódio mais sério, em 1861 a França, a Inglaterra e a Espanha intervieram para forçar a cobrança de cerca de 80 milhões de pesos de dívidas e reclamações. Mas Napoleão 1Il, da França, alimentava maiores ambições do que a simples cobrança de dívidas, e a Inglaterra e a Espanha reti raram-se da operação quando ele desembarcou seus soldados e empossou Maximiliano da Áustria como imperador. O regime fantoche perdurou en quanto os 34 mil soldados regulares franceses e a Legião Estrangeira permane ceram no país. A vitória do Norte na Guerra Civil norte-americana, liberando boa parte do exército para outras obrigações em outros locais, combinada com crescentes complicações na Europa, convenceu Napoleão III de que o renas cimento do império frances na América era um risco grande demais. As tropas francesas deixaram o México em 1867 e, subseqüentemente, Maximiliano foi fuzilado e a Imperatriz Carlota, mandada para o manicômio. Foi durante a Guerra Civil norte-americana que a Espanha tentou reto mar seu domínio imperial no hemisfério. Em 1861, assumiu o controle de Santo Domingo, onde permaneceu até 1865. Em 1863, com o propósito de atender às reclamaçôes dos cidadãos espanhóis, a Espanha também tomou o poder nas ilhas Chincha, ao largo da costa do Peru . Enquanto travavam uma guerra naval com o Chile, que se uniu a seu rival, o Peru, e mais tarde ao "' .. z Equador e à Bolívia numa frente comum contra o antigo inimigo, os espa o u nhóis extraíam e comercializavam o guano. Em 1866, a frota espanhola < .. 7- bombardeou Callao e VaI paraíso. Durante as três décadas seguintes, as recla '" ... z mações dos europeus que viviam nesses países produziram intervenções me "' nores, ou ameaças de uso da força, por parte da Inglaterra, da França, da o"' <.> Espanha, da Alemanha, da Itália, da Dinamarca e da Rússia em pelo menos -J .. "' "' dezesseis ocasiões, envolvendo a Venezuela , a Nicarágua, a Colômbia, Santo "'.. Domingo e Haiti. Os Estados Unidos que, durante muitos anos, não revelara uma preocupa ção maior com o papel dos europeus na região, aos poucos se envolveram nas rivalidades internacionais do hemisfério. No momento da independência dos países latino-americanos, a preocupação política dos Estados Unidos era evitar a restauração da antiga ordem colonial de mercantilismo econômico e auto ritarismo político. Como declarou o Secretário de Estado John Quincy Adams -' em maio de 1823, a política norte-americana deveria dedicar-se "a neutralizar os esforços que sem dúvida as negociações européias continuarão a envidar em apoio aos seus projetos monárquicos e monopolizadores". Para promover esses objetivos, Adams esperava negociar com as novas repúblicas tratados baseados nos "princípios amplos e liberais de independêl1cia, favores iguais e reciprocidade" I. A declaração do presidente Monroe, em dezembro de 1823, prefigurava um "Sistema Americano" fundamentado não só nos princípios econômicos liberais, mas também na liberdade civil, política e religiosa. Na prática, essesideais seriam modificados, e mesmo distorcidos, quando se vis sem defrontados pelos assaltos da política de poder internacional. De qualquer modo a Doutrina Monroe foi muito mais uma declaração de esperanças futu ras do que um plano direto de ação. O envolvimento dos Estados Unidos na América Latina foi contido durante muito tempo pelo medo de se envolver numa guerra com a Inglaterra ou com a França, por preocupações e conflitos políticos domésticos e por sua capacidade militar limitada. A rivalidade entre a Inglaterra e os Estados Unidos no México inflamou se em meados da década de 1840. Depois que a província do Texas se sepa rou do México em 1836, agentes ingleses começaram um trabalho ativo na o região, encorajando os texanos a não se juntarem aos Estados Unidos. Em ~ o 1844, o chargé britânico convenceu o governo mexicano a reconhecer a inde '" .;, pendência do Texas se este concordasse em permanecer independente. Mas, z ;:: no mesmo momento, o governo do Texas aceitou a anexação aos Estados j Unidos, dando prosseguimento à guerra entre este país e o México. Um dos "' .. ~ argumentos usados pelo presidente James K. Polk para justificar a anexação '":;: do Texas e da Califórnia foi o de que a Inglaterra (e, no último caso, também "' < a França) estava tentando exercer uma influência de certo modo hostil aos () Estados Unidos. Na visão dos expansionistas norte-americanos, o vasto ter => Z ritório entre o Texas e o Pacífico, desabitado e selvagem em sua maior parte, :> () o \. WALTER LAFEIIER (ed .l, /01111 Q'ÚI/cy Adall/' al/d AII/erical/ COl/lil/cl/lal ElIlpire, Chicago, l~ó5 . !;;"' ... p. 123 • "'O 613 612 oferecia uma tentadora oportunidade para as ambições européias. Por isso, o "Destino Manifesto" da nação de se expandir do Atlântico ao Pacífico seria bloqueado se os Estados Unidos não o incorporassem à União. No final da guerra entre os Estados Unidos e o México (1846-1848), o Caribe tornou-se uma área de confronto com os ingleses. Em 1839, um agente da coroa britânica havia tomado a ilha de Roatán (ao largo da costa setentrional de Honduras) e, em 1843, o governo inglês havia restabelecido o protetorado sobre os índios Mosquitos ao longo da costa oriental da Nicará gua e de Honduras. Ao mesmo tempo, os interesses norte-americanos na América Central eram estimulados pela perspectiva de uma expansão até o Pacífico. As rotas de trânsito que cruzavam a América Central tornaram-se uma questão de interesse primordial para os representantes norte-america nos. Em 1846, os Estados Unidos negociaram o Tratado Bidlack com Nova Granada (Colômbia). Os ingleses e os franceses haviam rejeitado uma pro posta colombiana de neutralização internacional do istmo do Panamá. Pelo Tratado Bidlack, os cidadãos norte-americanos tinham assegurado o direito de passagem sob as mesmas condições que os cidadãos de Nova Granada, e os Estados Unidos garantiam a neutralidade do istmo a fim de preservar o li vre trânsito. Além disso, ficavam garantidos os direitos de soberania de Nova Granada sobre o territôrio. Em 1848, os ingleses, numa tentativa de consoli dar o protetorado de Mosquito, ocuparam a cidade de San Juan, na foz do rio San Juan; a cidade mudou seu nome para Greytown. Mais tarde, em ou tubro de 1849, um oficial da marinha inglesa invadiu a ilha Tigre, no golfo de Fonseca . Esse ato foi repudiado pelo governo britânico, mas o clamor que se seguiu nos Estados Unidos provocou a abertura de negociações. O Trata do Clayton-Bulwer, assinado em 19 de abril de 1850, determinava que ne nhuma das partes "ocuparia", "colonizaria" ou exerceria "domínio" sobre qualquer porção da América Central. Estipulava ainda que, no caso de ser construído um canal no futuro, nenhum país poderia fortificá-lo ou exercer z < controle exclusivo sobre ele. o Ü Inicialmente, o Tratado Clayton-Bulwer nada resolveu, porque os ingle < z ses diziam que ele protegia o status quo, enquanto os norte-americanos sus '" ...'" z tentavam que ele ordenava uma redução do controle britânico; especialmen ~ ... <) te com relação à costa de Mosquito. Em 1852, o governo inglês anexou v < Roatán e as ilhas adjacentes à Colônia das Ilhas Bay, e os norte-americanos ... "' acusaram-no de traição. Depois que um navio da marinha norte-americana '"~ ..: bombardeou Greytown em 1854 para se vingar de um ataque da plebe a um diplomata, pairavam no ar os rumores de uma guerra. Na realidade, a Amé rica Central não era uma região de grande prioridade para o interesse britâ nico, e a Inglaterra já tinha muito com que se preocupar na Guerra da Cri méia. Os ânimos se acalmaram, e em 1856 foi assinado outro tratado, pelo qual os ingleses concordavam em renunciar ao protetorado de Mosquito e ceder as ilhas Bay a Honduras. Devido a um problema de somenos, os Esta dos Unidos recusaram-se a ratificá-lo, mas os ingleses prosseguiram em sua idéia de resolver a questão centro-americana nos termos do tratado. Todas as reivindicações foram atendidas, com exceção de Belize, que em 1862 se transformou na Colônia das Honduras Britânicas. Não oficialmente, os funcionários ingleses aceitaram a idéia de que, em algum momento no fu turo, os Estados Unidos seriam o poder dominante na região. No entanto, somente depois de quarenta anos é que vieram a exercer de fato esse papel. No entender do presidente James Buchanan (1857-1861), os Estados Unidos deviam exercer um papel de polícia na América Central e no Caribe, a fim de garantir que os tumultos que grassavam na região não ameaçassem os norte-americanos que lá viviam ou as rotas de passagem pela América Central. Na sua opinião, ou os Estados Unidos faziam isso ou as potências européias iriam intervir. Seus pedidos de autorização para usar força armada nessas inten'enções foram negados pelo Congresso. Quase cinqüenta anos se passariam antes que o presidente Theodore Roosevelt incluísse na Doutrina Monroe um corolário, no qual se afirmava o poder de polícia norte-america no nO Caribe. Durante a segunda metade do século XIX, vários Estados latino-america o nos pediram proteção aos Estados Unidos. Em 1857, a,Nicarágua assinou um '" , o ~ ~tratado de protetorado, que o Senado norte-americano se recusou a ratificar. <E, pelo menos em três ocasiões entre 1868 e 1892, Santo Domingo ofereceu z ;::: aos Estados Unidos o arrendamento ou cessão de sua base naval (e mesmo < ... <do próprio país). Essas ofertas foram rejeitadas, assim como outras idênticas u feitas pelo Haiti. Os Estados Unidos também foram chamados a mediar con· '" '" "'<flitos entre Estados latino-americanos e nações européias que tentavam co < brar dívidas. ô Em 1878, a Companhia Francesa do Canal do Panamá obteve o direito de o z construir um canal no istmo. O governo dos Estados Unidos objetou, mas ;;; ::; em vão. Todavia, a partir desse momento os norte-americanos pressionaram o < para que o país assumisse um papel mais ativo na região caribenho-centro t;; ... americana. A marinha dos Estados Unidos realizou expedições de levanta- ::; 614 mento do istmo, e uma resolução conjunta do Congresso em 1880 insistiu na anulação do Tratado Clayton-Bulwer. Em 1884, o Secretário de Estado Frederick Frelinghuysen negociou um tratado com a Nicarágua, pelo qual os Estados Unidos e a Nicarágua teriam a posse conjunta do canal. Esse acordo teria anulado unilateralmente o tratado de 1850 com a Inglaterra, mas o Se nado deixou de aprová-lo por cinco votos. Em 1881, o Secretário de Estado James G. Blaine tentou exercer um papel mais ativo na América Latina. O governo norte-americano convidou os paí ses para uma Conferência Americana Internacional, mas, antes de sua reali zação, o Secretário Blaine renunciou ao cargo por motivospolíticos. Seu substituto, Frelinghuysen, cancelou a conferência, mesmo depois que várias nações latino-americanas já haviam aceito o convite. A esperança de B1aine fora que a conferência criasse um sistema que desse paz e estabilidade ao he misfério, e que essas condições ajudassem os Estados Unidos a desafiar a su premacia econômica européia. No começo, a maioria dos países latino-americanos foram buscar na Eu ropa não apenas mercados para seus produtos, mas também financiamentos para seu governo e capital para seus projetos de desenvolvimento econômi co. Na década de 1820, houve um breve crescimento dos investimentos, mas a maioria desses empreendimentos comerciais acabaram falindo ou foram li quidados. Após a década de 1860 teve início nova era de investimentos em grande escala. Agora, a maior parte do capital vinha da Inglaterra, da França e da Alemanha. Com algumas oscilações, os investimentos ingleses aumenta ram de 85 milhões de libras em 1870 para cerca de 750 milhôes (3,7 bilhões de dólares) em 1914 . Na mesma data, os franceses investiram o valor aproxi mado de seis bilhões de francos (1,2 bilhão de dólares), e os investimentos da Alemanha chegaram a 3,8 bilhões de marcos (cerca de 900 milhões de dó lares) . O capital inglês foi aplicado geralmente na construção de estradas de ferro, na mineração (nitratos ·chilenos) e na indústria (acondicionamento~ z < de carne no Prata) . Os franceses investiram no setor ferroviário, assim como o Ü em propriedades rurais, em bancos, na mineração e na indústria. Os alemães < z se interessaram mais pelos bancos de hipoteca e pelas grandes lavouras (so "uJ ... Z bretudo na América Central) . Na última parte do século XIX, os investidores norte-americanos começao ~ '" v ram a dirigir os olhos para o sul; especialmente para Cuba e o México. No :; uJ entanto, o fluxo de capital norte-americano em grande escala só começou '"~ ..: depois de 1900, de modo que o capital europeu continuaria a predominar 615 (sobretudo na América do Sul) até quase meados do século xx. Alguns em presários norte-americanos, utilizando capital europeu, deram algumas con tribuições para o desenvolvimento econômico. Henry Meiggs e Minor C. Keith, por exemplo, construíram estradas de ferro no Peru e na América Central. Keith deu início também a um grande plantação de bananas na Costa Rica e na Guatemala. OS ESTADOS UNIDOS E A AMfRICA LATINA NO FINAL DO SfCULO XIX No curso das décadas de 1880 e 1890, a competição pelo domínio entre as principais potências européias aumentou agudamente. A África foi dividi da, e parecia que estava em marcha uma corrida pela divisão final da Ásia. Para muitas pessoas bem informadas, era quase certo que a competição pelo controle do território, dos recursos e dos mercados mundiais havia entrado em seu estágio final. Por sua vez, essa rivalidade era intensificada pelas dife rentes versões da missão civilizadora e cristianizadora de cada nação. Rela cionada estreitamente com a idéia imperial de poder e prestígio nacional e exacerbada por essa idéia grassava uma intensa rivalidade comercial mesmo nas áreas não-coloniais. Impelidos pelo medo de ficar para trás ou de ser ex pulsos da corrida pelos mercados, os líderes nacionais faziam todo e qual quer esforço para melhorar a posição comercial do seu pa ís. Esses esforços se caracterizavam por um protecionismo interno e por arranjos econômicos unilaterais especiais no exterior (especialmente acordos comerciais em detri o mento de terceiras partes). '" Desde o período colonial a economia dos Estados Unidos tivera um im .. o portante componente de comércio exterior; o comércio era considerado par 7-.( ;:te vital do interesse nacional. No final do século XIX, os norte-americanos :; ..:estavam cada vez mais convencidos de que a nova ordem mundial imperial ::! ameaçava o seu comércio de exportação. Por exemplo, em 1880, os Estados " '":< Unidos importaram mercadorias da América Latina no valor de 176 milhões ..: ..: de dólares, mas exportaram apenas 58 milhões. Assim, parecia que o país esta uJ ~ o va ficando para trás até mesmo no lugar que todos consideravam seu próprio c z :;,quintal. E essa ansiedade se acentuou quando os norte-americanos percebe ~ oram a queda de sua frota mercante, tão florescente há tão pouco tempo. Em o 1850, mais de 50 por cento de toda a tonelagem embarcada nos portos nor 1;;"' uJ ~te-americanos eram transportados por navios norte-americanos; em 1900, o 616 617 isso caiu verticalmente para apenas 17 por cento . Nos Estados Unidos, um número crescente de cidadãos influentes e líderes políticos estava chegando à conclusão de que a nação teria de reorientar sua política externa para po der atender à mudança de condições no mundo e enfrentar efetivamente os desafios colocados pelas rivalidades imperiais. Frederick B. Emory, do Bureau of Foreign and Domestic Commerce, expressou algumas das novas preocu pações quando relatou em 1898: Pode· se dizer que a principal questão da diplomacia européia no momento é assegurar "esferas de intluéncia" e opo rtunidades mais amplas de comércio, bem como um territ ório adequado para ser ocupado pelo excesso de população dos paises mais habitados. [· · ·1 A partilha da Áfri· ca entre as potências européias oferece considerações de um caráter econômico de magnitude quase igual. enquanto os planos das nações comerciais mais ativas para aumentar suas partes respecti vas no comércio dos mercados latino-americanos nos afetam de forma ainda mais séria no desenvolvimento das nossas relações comerciais com a metade sul do hemisferio ocidental' . }ames G. Blaine fora um dos primeiros articuladores dessas idéias e temo res. Ele acreditava que, no hemisfério ocidental, as relações pacíficas, a media ção de conflitos, a redução da influência européia e o aumento do comércio de exportação dos Estados Unidos, tudo estava ligado de maneira intrínseca. Embora sua primeira tentativa de convocar uma conferência interamericana para discutir esses objetivos tivesse fracassado, suas idéias sobre as relações hemisféricas e a necessidade da adoção de um papel mais ativo por parte do governo dos Estados Unidos ganhou apoio na década de 1880. Em maio de 1888, o Congresso solicitou ao presidente Grover Cleveland que convidas se os Estados latino-americanos para uma conferência dessa natureza. Uma mudança no controle do partido ocorrida no curso da eleição presidencial de 1888 levou Blaine a ocupar mais uma vez a Secretaria de Estado. Foi ele que presidiu a conferência, realizada em Washington, em 1889. '" z < Antes que fosse tratada qualquer questão, os delegados latino-america o Ü nos fizeram uma dura excursão de trem pelas áreas industriais dos Estados < z Unidos. Visitaram 41 cidades, onde observaram fábricas e assistiram a de '" "' ... monstrações das proezas norte-americanas no campo da tecnologia e ou viram inúmeros discursos e concertos de bandas. Segundo comentário do z '" o'" (j ::; 2. FREDERICK EMORY, Commercial Relariolls of rhe Ullired Srnres durillg rhe Yen" 1896 Gllri 18 97, "' '" '"< Washington, 189S, vaI. I, pp . 19-22. jornal londrino Spectator, o objetivo da viagem era inculcar nos visitantes respeito por uma nação "tão temerariamente vigorosa que considera uma diversão uma jornada de seis mil milhas por estrada de ferro"'. A intenção da excursão e da conferência foi claramente estimular as nações latino-ame ricanas a seguir os Estados Unidos e não a Europa em termos de liderança econômica e política. A conferência voltou a reunir-se em novembro de 1889, quando Blaine apresentou planos para a criação de uma união aduaneira no hemisfério e a instituição de uma comissão de arbitramento que mediasse as disputas entre as nações. A Argentinaliderou a oposição à primeira proposta, e o Chile, que havia obtido importantes conquistas territoriais na Guerra do Pacífi co, fez objeções à segunda. Nenhuma das propostas de união aduaneira foi aprovada; quanto ao arbitramento, foi assinado um tratado de compromis so por apenas onze nações (e nenhuma o ratificou). Todavia, a conferência criou a União Internacional das Repúblicas Americanas com um Conselho Comercial das Repúblicas Americanas, que foi autorizado a coletar e divul gar informações relativas às tarifas e às regulamentações comerciais. A idéia alimentada por Blaine de um sistema interamericano verdadeira mente funcional estava baseado no mito da existência, no hemisfério, de um potencial de comunidade de interesses genuína que a liderança norte-ameri cana poderia tornar realidade. No século XX, muitos dos sucessores de Blaine tentariam uma série de medidas políticas para criar um sistema que resol vesse a maioria dos problemas - se não todos - das relações interamer,icanas. Seus esforços teriam resultados limitados porque alguns conflitos básicos de o '" interesse simplesmente não puderam ser resolvidos por declarações de har o monia pan-americana. Por sua vez, muitos líderes latino-americanos adota " ~ < ram sua própria versão de uma relação hemisférica especial, tentando impor z ;: <aos Estados Unidos padrões utópicos de conduta internacional. Seus esfor .. .., ços também teriam resultados variados. u ..A conferência interamericana de 1889, na qual foi negado aos Estados '":l': <Unidos o papel de líder eletivo do hemisfério, nada fez para minorar a cres < cente ansiedade norte-americana com respeito à dominação do hemisfério ô pelos europeus e ao senso reforçado de rivalidade comerci.al. A crença de que " z ::>os Estados Unidos tinham de desempenhar um papel de primeira linha na Ô < " 3. Apud m OMAS A. BAILEY, A Diplomatic Hisror)' of rhe Alllcricnll People, 9.ed ., Engk.-ood Cliffs !;; ... !N.J.), " 7', p.•08. '"o 618 619 América Latina e conquistar mais prestígio ajudou a armar o cenário para crises com o Chile (1891-1892) e com a Inglaterra ( 1895). Em ambos os ca sos, o governo dos Estados Unidos, tanto sob a administração do~ republica nos quanto sob a dos democratas, reagiu com uma postura nacionalista e emocíonal, condicionada por aguçados sentimentos de rivalidade interna cional. As posições norte-americanas com relação ao hemisfério passaram a caracterizar-se por uma espécie de "mentalidade de crise': A crise chilena nasceu de um incidente ocorrido em outubro de 1891, quando 120 marinheiros do navio norte-americano Baltimore foram ataca dos enquanto estavam de licença em Valparaíso. Dois foram mortos, dezesse te ficaram feridos e outros foram espancados e presos . Segundo testemunhos dados a uma comissão de inquérito, a polícia chilena participou dos ataques. O governo chileno, que havia chegado recentemente ao poder por meio de uma revolução, era antagônico aos Estados Unidos por causa do apoio di plomático normal que havia concedido ao antigo governo (l3almaceda) . Os funcionários chilenos não apresentaram desculpas e seus primeiros esforços diplomáticos mostra ram-se ambíguos e bastante críticos ao presidente Ben jamin Harrison . A comoção de guerra inflamou-se nos Estados Unidos quan do o corpo de um dos m arinheiros foi velado em câmara ardente no Inde pendence Hall, na Filadélfia. O ultimato de Harrison ao go \'erno chileno, dado em janeiro de 1892, foi reforçado por uma mensagem especial ao Con gresso. O novo ministro das Relações Exteriores do Chile enviou um pedido de desculpas aceitável e foram acertadas indenizações pelas mortes e pelos ferimentos. Sob a exagerada retórica de orgulho nacional, a administração Harrison estava na verdade declarando que os Estados Unidos eram uma grande potência do hemisfério e deviam receber o mesmo tratamento que era dado à Inglaterra. Seus símbolos nacionais deviam ser tratados com res peito, e seus representantes oficiais não deviam ser maltratados; do contrá rio, as nações ofensoras teriam de prestar contas. De seu lado, os chilenos < passaram cada vez mais a buscar ajuda militar e econômica na Alemanha. V> o Ü A crise entre a Inglaterra e os Estados Unidos irrompeu por causa da lon " < z ga disputa de fronteira entre a Venezuela e a colônia da Guiana Inglesa . Du oi '" ... Z rante anos as autoridades venezuelanas haviam tentado conseguir o apoio V> d os Estados Unidos a um arbitramento da questão. Em 1887, os ingleses ti o'" U' o( nham declinado da oferta norte-americana de bons ofícios. Em 1894, os .... oi venezuelanos contrataram os serviços do lobista William L. Scruggs , um ex '"V> '" diplomata norte-americano, que fez circular amplamente seu panfleto "Agres sões Inglesas na Venezuela ou a Doutrina Monroe em Julgamento". Devido em parte aos seus esforços, foi apresentada ao Congresso e subseqüentemen te adotada com a aprovação unânime de ambas as casas uma resolução que exigia o arbitramento da disputa. O clima de grande preocupação com respeito à influência e ao poder da Europa no hemisfério acentuou-se ainda mais em abril de 1895, quando os ingleses ocuparam Corinto, na Nicarágua, e assumiram o controle da al fândega para forçar o pagamento dos danos à propriedade de cidadãos in gleses. A tropa retirou-se depois que foi feito um acordo sobre as indeniza ções, mas muitos norte-americanos viram no incidente mais uma prova da ineficácia da Doutrina Monroe. Escrevendo na North America/l Review, o senador Henry Cabot Lodge, de Massachusetts, exemplificou a mentalida de de crise quando ligou a situação na Nicarágua, a disputa de fronteiras na Venezuela e os temores da expansão imperial européia: "Se se permitir que a Inglaterra ocupe os portos da Nicarágua e, ainda pior, tome o terri tório da Venezuda, não há nada que a impeça de tomar toda a Venezuela ou qualquer outra nação sul-americana. Se a Inglaterra puder fazer isso com impunidade, a França e a Alemanha também o farão"' . Numa nota ao governo britânico de 20 de julho de 1895, o Secretário de Estado Richard Olney exprimiu uma visão um tanto exagerada de um he misfério aliado aos Estados Unidos por vínculos de "proximidade geográfica [ ... 1 simpatia natural [ ... 1 similaridade de governo". Segundo ainda obser vou o Secretário, essa aliança estendia a proteção da Doutrina Monroe a to das as nações do hemisfério. Para sublinhar o "direito" dos Estados Unidos a o> exigir o arbitramento da disputa de fronteira da Venezuela, Olney fez sua fa '" ~ .. '" mosa declaração: "Hoje os Estados Unidos são praticamente soberanos nesse .( continente, e sua vontade é lei com relação aos indivíduos aos quais eles li z mitam sua interposição". ... ~ No final de novembro, o secretário do Foreign Office, Lorde Salisbury, u < numa nota que foi quase tão pouco diplomática quanto aquela à qual respon '".., ~dia, replicou à definição enormemente exagerada que Olney fez do poder nor '" te-americano. Salisbury corrigiu os erros de história de Olney, deu-lhe uma V> o aula sobre direito internacional e sobre a Doutrina Monroe e recusou termi " z :> Ô nantemente o pedido de arbitramento. O presidente Grover Cleveland ficou tão irritado que solicitou ao Congresso fundos para criar uma comissão de in < " t;; oi 4. North A1IIcr;cGtI Review, U;O: 658, June IR95. o V> [ 620 vestigação de fronteira. O Congresso, cheio de entusiasmo, aprovou a proposta de Cleveland, pela qual os Estados Unidos estabeleceriam unilateralmente a fronteira e fá-Ia-iam cumprir independentemente da política britânica. Correram boatos de guerra nos dois países, mas a crise dos bóeres na África do Sul, aliada à crescente percepção dos ingleses de uma ameaça ger mânica, precipitoua decisão de aceitar a exigência norte-americana. Com os bons ofícios dos Estados Unidos, a Venezuela e a Inglaterra assinaram um tratado de arbitramento em fevereiro de 1897. O governo dos Estados Uni dos teve de pressionar a Venezuela a aceitar um acordo que liberava por um período de cinqüenta anos o território que havia sido ocupado por uma e outra parte. No acerto final de outubro de 1899, os venezuelanos ficaram com o controle da foz do rio Orinoco, mas seus líderes se mostraram des contentes com a recusa dos Estados Unidos em apoiar suas pretensões mais extremadas. Outros líderes latino-americanos não gostaram da declaração de Olney sobre o poder norte-americano. embora essa afirmação fosse, na reali dade, muito mais uma bazófia, destinada ao consumo local. Para o governo inglês, essa controvérsia assinalou importante virada. Para cortejar a amiza de norte-americana diante de uma crescente rivalidade com a Alemanha, os ingleses deram um grande passo rumo 11 aceitação da predominância política dos Estados Unidos no hemisfério ocidental. A predominância econômica era outra questão. Nos Estados Unidos, na década de 1890, Ulll número cada vez maior de cidadãos comuns e funcionários públicos acreditava que o mundo estava sendo fechado por impérios em expansão e, com isso, os Estados Unidos po diam ficar isolados. Desse modo, os Estados Unidos estariam à mercê das nações mais poderosas do mundo. O país podia escolher não jogar o jogo da política de poder internacional, mas nâo podia evitar as conseqüências mili tares, políticas, econômicas e ideológicas de tal decisão. Parte importante desse jogo era garantir a paz, a ordem e a estabilidade nas chamadas nações '" z '" atrasadas. Em tais regiões, a potência que realizava o papel de polícia era o v aquela que exercia maior influência. Na década de 1890, vários norte-ameri z"' canos importantes haviam adotado essa visão européia das relações interna Ul '" ,... z cionais. Acreditavam que, se quisesse ser levada a sério e ter seus interesses '" tratados com respeito pelas outras potências, a nação tinha de assumir a o'" v função de polícia para restaurar e manter a paz e a ordem naquelas partes do:'l "' '" mundo consideradas especialmente vitais aos seus interesses. O Illar dos '" '" Caraíbas e o golfo do México há muito vinham sendo considerados parte da 621 zona de segurança norte-americana, pois era a rota de acesso ao "baixo-ven tre" vulnerável da nação e ao sistema de transporte fluvial Mississippi-Ohio. A essa zona fora acrescentada a América Central quando os líderes norte americanos aceitaram a idéia de que os Estados Unidos deviam construir e controlar um canal no istmo. Esse canal seria vital, militar e economicamen te, para qualquer expansão da ação norte-americana na América do Sul e na Ásia. No mundo moderno do aço e dos navios a vapor, poderia significar a diferença entre o isolamento e o acesso. Todavia, se os Estados Unidos não conseguissem manter a paz e a ordem em seu próprio quintal, não se podia esperar que protegessem com eficiência um canal e suas rotas de acesso. As sim - corria a discussão - os Estados Unidos tinham de afirmar seu papel de polícia na região caribenho-centro-americana, ou alguma outra potência o faria. No contexto dos acontecimentos na África e na Ásia, muitos líderes norte-americanos acreditavam que o país precisava agir para evitar maior influência e/ou controle da Europa. Esse ponto de vista geral não prescrevia nenhuma política particular para a sua implementação. Os norte-americanos estavam extremamente divididos com respeito à questão das políticas específicas e, especialmente, sobre o uso da força militar. O ressurgimento de um elemento ideológico na herança da nação complicou ainda mais o debate. Era a crença de que o país - às vezes em conjunto com outros anglo-saxões - tinha um destino (de quando em quando chamado manifesto) de salvar o mundo pela disseminação da civili zação anglo-americana, do governo republicano e do cristianismo protestan te. Muitos incluíam no item civiliza ção a promoção do desenvolvimento ~ econômico, da educação e da saúde pública. ~ c ~Todas essas questões e argumentos surgiram durante o debate público sobre o papel dos Estados Unidos na guerra cubana pela independência, que z .( tivera início em 1895. O presidente William McKinley não queria a guerra, 3 mas aceitara a idéia de que os Estados Unidos eram, em última análise, res < ::! ponsáveis pela lei e ordem no Caribe. Quando a Espanha não conseguiu pôr '" '":l1 <um fim à guerra com uma vitória ou uma retirada, McKinley pediu autori "' zação ao Congresso para entrar em Cuba e pacificá-Ia. O entusiasmo público '"o diante dessa atitude já havia sido despertado pelas histórias de atrocidades Q z cometidas pelos espanhóis e intensificou-se ainda mais com o afundamento ::> o Qdo navio norte-americano Maine, no porto de Havana, em fevereiro de 1898. < O presidente solicitou ao Congresso autorização para cumprir o dever inter S nacional dos Estados Unidos: manter a paz de todos os países civilizados: o '" 622 623 .- ..... ,. ~ i j :§ "2 8 ~}\j.~t'~>: .,S : ~ " o • ::...~> ~ i i / .. '"~;.'~~~\:=: ...4"~-'_ • W li:! D o • , " · ~ ~ • e!• '. • .. • .. . ..1 ... :!: '"Ol.. lE a,<> Ol coo u oi :ê .. u o c C/l o "ti 'i: => C/l o "ti .. ;;; w C/l o o • " . ~ .~ o :a _ c • t!~ ~ IDl;] . " o a ~ '" ! ~ ~:: ,H .f"> ~- . ~~~ .r f'> ~P ~ g" .. 3l '\) ª... u if ~ ~ ·\;"Si.;.",;~ .;.;~'- '\ 5 w ::> ::: z w > [ .. . ) tomar medidas para assegurar um término pleno e final das hostilidades entre o governo da Espanha e o povo de Cuba. e garantir na ilha a instalação de um governo estável. capaz de manter a ordem e de cumprir suas obrigações internacionais. assegurando a paz. a tranqüilidade e a seguran ça dos seus cidadãos. bem como as nossas próprias .. .' Alguns congressistas queriam autorização para reconhecer a independên cia de Cuba sob a direção do governo provisório cubano. McKinley e seus conselheiros não acreditavam que este "governo-na-selva", como alguns o cha mavam, fosse uma entidade funcional capaz de governar Cuba em tempo de paz. Temiam que uma Cuba independente sob esse governo voltasse a ser outro Haiti ou outra República Dominicana e criasse mais tentações para a intervenção européia. No entender de McKinley, se os Estados Unidos trou xessem paz a Cuba, a nação tinha a obrigação de preparar a ilha para o autogoverno e de protegê-Ia no início de sua república. O presidente decla rou que vetaria qualquer resolução que reconhecesse a independência de Cuba, mas aceitou o meio-termo da Emenda Teller, pela qual os Estados Unidos, depois de concluída a pacificação, não anexariam Cuba e "deixariam o governo e o con trole da ilha a seu próprio povo". Uma conseqüência da guerra com a Espanha e do Tratado de Paris (1898) foi que os Estados Unidos deram o primeiro passo no sentido de es tabelecer uma esfera de interesse no Caribe. Porto Rico tornou-se colônia norte-americana e converteu-se numa espécie de limbo - esquecido pela maioria dos líderes norte-americanos, salvo por períodos ocasionais de liberalização, época em que a situação colonial seria modificada. No entan to, Cuba era a chave para o Golfo-Caribe, e a situação da ilha e o papel dos Estados Unidos nas questões cubanas seriam discutidos durante várias dé cadas . Os resultados dessa discussão, como daqueles do debate mais amplo sobre a predominância na região caribenho-centro-americana, seriam uma mistura de políticas e ações caracterizadas pelo paradoxo e pela ambigüi dade; uma espécie de imperialismo ambivalentemodificado continuamen te pela culpa, pelas políticas internas e pela falta de uma verdadeira incli nação colonial. Para os líderes norte-americanos, a pacificação de Cuba significava a ins talação de um governo republicano que daria estabilidade econômica e cria ria a infra-estrutura para uma sociedade ordeira. De 1898 a 1902 Cuba foi 5. A Compilarioll of the Messages and Papers of the Presidellts. Ne.. York. "22, vol. XIII. p. 620. ~ ~ " ~ ;-'" .( .:i -< ~ ...'" :;: -< -< Ô Q ::>'" Ô Q -< !;; .. ô 624 governada por um governo militar norte-americano, e essa experiência na construção da nação iria influenciar as políticas dos Estados Unidos na re gião durante o primeiro quarto do século xx. Em dezembro de 1899, o gene ral Leonard Wood tornou-se o segundo governador militar de Cuba. Sob a sua direção e a do Secretário da Guerra Elihu Root, foram implementados extensos programas de saneamento, construção de escolas, formação de pro fessores, controle de doenças, reforma das prisões e dos hospitais mentais, revisão dos sistemas judiciários e desenvolvimento das estruturas de gover no. Na opinião de Wood, um governo estável e uma sociedade ordeira exi giam "[ ... 1boas escolas, bons tribunais, um sistema de obras públicas, meios de comunicação, hospitais, instituições beneficentes etc. etc." e que isso só podia ser conseguido por meio do desenvolvimento econômico. Como ele disse ao presidente Theodore Roosevelt: 1... 1 na medida em que sua posição geográfica nos obriga a controla-Ia e protege-Ia. por que niio esti mular por meio de uma assist~ncia moderada aquel:ls indústrías qUl' irão tom..'-Ia tão próspera c ~1(is· feita que tia sempre será amigável e uma fonte de poder para nós' Isso Lertamente é melhor do que ter às nossas portas uma ilha deslllorali7.1da. assolada pela pobre",. COntO Santo Domingo ou o Ha)'ti IsicJ CUj3S condições de existénci~1 põem em risco as vid~lS dt: milhõt:s de nossOS cidadãos". Wood articulou o conceito de diplomacia do dólar que seria cada vez mais utilizada pelos Estados Unidos depois de 1900. Nessa visão, estariam li gados entre si o desenvolvimento econômico, um governo forte e a ordem social. Um governo forte praticaria a prudência fiscal e criaria lima situação que atrairia o capital estrangeiro (de preferência o norte-americano) a ra zoáveis taxas de juro. Esse capital promoveria o desenvolvimento econômi co, o qual, por sua vez, fortaleceria o governo e produziria harmonia social. Seriam asseguradas paz, ordem e estabilidade pelo processo continuado de desenvolvimento econômico associado a um governo forte. Wood e outros z o( acreditavam que isso se revelaria mutuamente benéfico, e que para os Esta o Ü dos Unidos significaria um comércio maior com o país em desenvolvimento. < z .. Em 1902, o general Wood e o presidente Roosevelt estavam convencidos de '".... que esse processo estava bem encaminhado em Cuba. O exército dos Estados ~ '" Unidos retirou-se da ilha e, em 20 de maio de 1902, foi proclamada formal- o'" u o( ..J .."' 6. Carta de Wood a Roosevelt, 2R de outubro de 1901, box 29, Leonard Wood 1'-.15S , l.ihrar)' of ~ < Congress (Washington). 625 mente a nova república. Para pagar o preço da retirada norte-americana, a constituição cubana teria de adotar diversos artigos (a chamada Emenda Platt, pois foram acrescentados à Lei de Apropriações do Exército, de 190 I). Esses artigos impunham certas limitações às ações do novo governo no tocante à contração de dívida pública, ao estabelecimento de acordos militares com as potências estrangeiras e ao repúdio a atos do governo militar norte-america no. Além disso, a emenda dava aos Estados Unidos o direito de intervir em Cuba sob determinadas condições e estipulava que Cuba venderia ou arrenda ria "as terras necessárias para a instalação de postos de abastecimento de car vão ou bases navais .. . " O secretário Root prometeu a uma delegação cubana que os Estados Unidos só interviriam sob as condições mais extremas de anar quia e garantiu o apoio do governo Roosevelt a um tratamento especial para o açúcar cubano no mercado norte-americano; esse último projeto foi posto em prática em 1903, após dura batalha com os protecionistas internos. A Emenda Platt foi o produto de muitas mentes e constituiu um meio termo entre aqueles que queriam exercer um papel decididamente imperial no Caril:e e os que desejavam um tipo mais genérico de predomínio norte americano. Na opinião de Root, o tratado com Cuba, assinado em 1903 e que anexava a Emenda Platt à constituição, era a incorporação da Doutri na Monroe ao direito internacional. Em termos históricos, foi a interpreta ção da Doutrina Monroe que viera emergindo aos poucos desde a década de 1880. Incorporava certamente a crença generalizada de que, nas palavras do general Wood, "[ ... 1não há meio de fugir do fato de que, mesmo não sendo donos da ilha, somos responsáveis por sua conduta, pela manutenção de um 00 '" ~ ,governo estável e pelo tratamento justo e eqüitativo dos estrangeiros que ali 00 ..residem"'. As idéias básicas envolvidas ajudaram a moldar as políticas dos <Estados Unidos no Caribe para as três décadas seguintes. z ;: < ..J :: o( .. A EUROPA. OS ESTADOS UNIDOS E A AMtRICA LATINA '" :lO ANTES DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL o( < ê oOs Estados Unidos não foram o único país a demonstrar um crescen Z te intrresse pela América Latina na virada do século. A Alemanha imperial :J '" otambém se mostrou atraída não só em termos econômicos, como também o :;; < ,. Carta de Wood a Rooscvelt, 28 de outubro de t90l, ibid. "' o ~ 626 627 demográficos e militares. Por volta de 1900. mais de 350 mil alemães mi graram para o Sul do Brasil e cerca de 120 mil estavam vivendo no Chile. Eram encontradas colônias alemãs ainda na Argentina e na América Cen traI. O governo germânico incentivou ativamente esses colonos a preservar e ampliar as tradições alemãs e financiou igrejas e escolas de língua alemã. A marinha imperial intensificou suas operações nas águas do hemisfério; em 1900. o almirante von Tirpitz declarou à comissão de orçamento do Reichs tag que. eventualmente. a Alemanha precisaria de uma base naval armada na costa do Brasils. O Kaiser Guilherme II não escondia sua crença de que a Alemanha tinha um papel importante a desempenhar no hemisfério oci dental. Considerava Cuba um "Estado europeu". mas fracassou na tentativa de estabelecer uma aliança européia contrária aos Estados Unidos durante a guerra com a Espanha. Em 1900. num despacho o embaixador alemão no México observou que uma colônia alemã na América Latina seria mais va liosa do que todas as da África . O Kaiser escreveu à margem: "Correto. é por isso que precisamos ser lá o 'poder supremo' "9. O Kaiser recusou-se consis tentemente a reconhecer a Doutrina Momoe e asseverou oportunamente o direito das nações européias de intervirem no hemisfério. A presença militar alemã na América Latina tornou-se cada vez mais per ceptível. Em 1896. oficiais do exército alemão estavam instruindo o exérci to chileno e em 1900 a missão militar alemã fundou a Academia de Guerra Chilena. O exército chileno adotou os uniformes cinza· prussianos e os capa cetes tipo baldes de carvão. Antes de 1914. a Alemanha havia enviado missões militares à Argentina. à Bolívia e ao Paraguai. O governo mexicano havia pensado seriamente em adotar esse arranjo . O único esforço comparável foi a missão militar francesa no Peru (1895) '0. Em 1903, o Almirantado alemão preparou o Plano de Operações III : um plano de contingência para uma guerra contra os Estados. Unidos, travada no hemisfério ocidental. Nele era projetada a ocupação de Porto Rico por z'" um exército de 12 a 15 mil homens(o número aumentou entre 1903 e 1906) ~ o Ü z '" 8. HOLGEI! H. HERWIG, Poliries of Frusrrarioll: Til, Ullired Srm,s ill Gcrl/la" Naval Plnllllillg, r8''' o: "'... r94/, Boston, 1976, p. 73.z 9. HOLGER H. HERWIG, op. cir., pp. 21 e 68. O"' ~ (j 10. "Foreign Military Training Missions in Latin America", 2S de dezembro de '9<4. Office of < ... Plans and Oeve\opment (OPOl , file#))6 Latin America , case 74. /tG ' 65, Rccords of the W.. "' " ~ < Oepanment General and Special Staffs; National Archi\'es of the United States (WashinglOnl. e a utilização das bases da ilha para conduzir uma ofensiva naval contra os Estados Unidos. Foi descartado em 1906. quando as atenções da Alemanha se voltaram mais para a Europa e para a mudança da estrutura de aliança". As ambições alemãs no hemisfério continuaram e acabaram por estimu lar os temores norte-americanos de um possível controle europeu de partes do hemisfério. Assim, a rivalidade germânico-norte-americana fo i um dos fatores importantes por trás da ampliação do papel dos Estados Unidos no Caribe e na América Central. O Almirantado alemão não escondia o dese jo de instalar alguma base no Caribe para controlar um canal no istmo; aos líderes norte-americanos parecia possível a repetição muito mais perto de casa dos confrontos navais entre alemães e norte-americanos nas ilhas Sa moa (1888) e na baía de Manila (1898)". Durante os primeiros anos do sé culo circularam periodicamente nos Estados Unidos rumores de uma possível guerra com a Alemanha. O senador Lodge confiou ao presidente Roosevelt sua crença de que o imperador alemão " tem momentos em que é selvagem o bastante para fazer qualquer coisa. Se ela [a guerra I vier, será através de alguma tentativa na América do Sul, provavelmente no Brasil"". Em 1913, o Conselho Geral da marinha norte-americana formulou seu Plano de Guerra Negra: uma operação defensiva com base num ataque alemão ao hemisfério ocidental. Era opinião do Conselho que, quando a Alemanha se sentisse bas tante forte, insistiria "em ocupar algum território do hemisfério ocidental sob a bandeira alemã, e então os Estados Unidos terão de defender sua polí tica pela força, ou concordar com a ocupação"". oA crise venezuelana de 1902 deu novo estímulo à rivalidade germânico· '" ~ ,no rte-americana e convenceu Theodore Roosevelt, e outros, de que os Esta o ..dos Unidos tinham de estender o seu poder além de Cuba e de Porto Rico. ~ < Roosevelt havia declarado anteriomente que as nações latino -americanas z ... não podiam prejudicar os interesses estrangeiros e esperar esconder ·se atrás ~ da Doutrina Monroe; em casos de mau comportamento de um país sul·ame ~ '" ricano . "[ ... 1 deixe que o país europeu o espanque"'5. E a princípio Roosevelt " '":;: < < lI. IIERWIG, Poliries ofFnmrmion, op. cir., pp. 85-92. OI Ô ". HERW'G, Poliries ofFrustrarioll, op. cir., pp. 68-72, Q Z 13. HENIIY CABOT LODGE, Sclcerions fro", rh e Correspondence ofTlleodore Roosevelr m.d Hellry Ca· => ~ Obor Lodge, /88'-1918, New YorklLondon, /925, va I. I, pp. 4S7-4S8. o 14. Apud HERWIG, Poliries Df Frustrarioll, p. '05. !;;'" "' ~15. Apud BAILEY, Diplomarie Hisrory, p. 502. O 629 628 pareceu concordar com o bloqueio pacífico britânico-germânico-italiano da Venezuela, decidido em 9 de dezembro de 1902 . Vários navios venezuelanos foram afundados ou capturados. e alguns fortes costeiros bombardeados pe los esquadrões associados. O ditador venezuelano, Cipriano Castro, aceitou o arbitramento internacional que havia rejeitado anteriormente. mas o cerco tornou-se um bloqueio oficial de tempo de guerra e exigia uma resolução fi nal. Então, em 17 de janeiro de 1903, uma canhoneira alemã arrasou o Forte San Carlos, que guardava os estreitos de Maracaibo. Outros incidentes se se guiram. e Roosevelt informou ao embaixador alemão que o almirante George Dewey (que estava na ilha de Culebra, Porto Rico, com uma frota de 54 na vios) tinha ordens secretas de manter-se em prontidão e, se fosse necessário. estar em águas venewelanas em uma hora. Em 13 de fevereiro, o governo bri tânico e o alemão assinaram um protocolo que suspendeu o bloqueio. Durante todo o ano de 190 I até 1902, Roosevelt envolveu-se em várias tentativas de fortalecer a posição norte-americana no mar dos Caraíbas. Além de reunir uma frota em Culebra e de transferir a ilha para o Departa mento da Marinha, tentara comprar da Dinamarca as ilhas Virgens. despa chara uma expedição secreta para patrulhar a costa venezuelana em possíveis locais de desembarque e mandara um enviado naval para ajudar a Venezuela a se preparar para uma invasão. Essa grande atividade e demonstraçào vela da de força estavam relacionadas não s6 com a crise venezuelana. mas tam bém com o fato de estarem nos estágios finais as negociações dos Estados Unidos para adquirir um local no istmo onde se pudesse construir um canal. O segundo Tratado Hay-Pauncefote entre os Estados Unidos e a Inglaterra foi assinado em novembro de 1901. Ele substituía o Tratado Clayton-Bulwer (1850) e dava aos Estados Unidos o direito de construir, controlar e fortificar um canal. Há tempos que se vinha estudando uma rota adequada , mas o Congresso dos Estados Unidos (depois de astuta pressão de Philippe Bunau Varilla da Companhia Francesa do Novo Canal do Panamá) escolheu o Pana '" < z má em junho de 1902 - se o presidente pudesse obter o direito de passagem o Ü "num tempo razoável e em boas condições". .. z Há quase dois anos vinha sendo negociado um tratado entre a Colômbia ... '" ... z e os Estados Unidos. Essas negociações começaram por imposição da Co '" lômbia e terminaram no Tratado Hay-Herrán que. na opinião de Roosevelt e O'" v < do Secretário de Estado lohn Hay. satisfazia os desejos do governo colombia .... ... no. Mas o presidente colombiano convocou um congresso especial que. sob " '"< sua liderança. adiou por semanas a discussão do tratado e finalmente rejei tou-o. Os panamenhos revoltaram-se e Roosevelt invocou o Tratado Bidla ck de 1846 para impedir que a Colômbia desembarcasse mais soldados. Ao reconhecimento seguiu-se imediatamente a instituição da República do Pa namá e, doze dias mais tarde, foi assinado entre os Estados Unidos e o Pana má um tratado sobre o canal. Nessa altura, o presidente colombiano mos trou desejos de aprovar o tratado anterior, mas Roosevelt o ignorou. Diante disso, os colombianos se irritaram, chamando-o de "joguete" e aos Estados Unidos de ladrões. Mas a Colômbia tinha exercido sobre o Panamá um con trole intermitente e sempre dependera da intervenção norte-americana para manter alguma aparência de soberania . (A partir de 1846 irromperam no istmo cerca de 53 levantes e a Colômbia solicitou a intervenção dos Esta dos Unidos em pelo menos seis oportunidades.) Theodore Roosevelt queria a construção do canal o mais rápido possível. O Tratado Hay-Bunau-Varilla, assinado em novembro de 1903, estabeleceu uma zona do canal com 16 qui lômetros de extensão, controlada pelos norte-americanos. Também tornou o Panamá na prática um protetorado. Assegurada a zona do canal, teve início a construção da passagem que li garia o oceano Atlântico ao Pacífico; assim, os Estados Unidos firmaram sua posição na América Central, fortalecendo a crença no país de que deveriam exercer maior controle na região. Em dezembro de 1902. o primeiro-ministro britânico. Arthur Balfour. deixou escapar tranqüilamente a Roosevelt que seu governo ficaria mais do que feliz em ver os Estados Unidos contendo os "ar ruaceiros" da América Latina. Em 1904, quando foi decretada a bancarrota da República Dominicana, Roosevelt aproveitou a oportunidade para afirmar '" '" '" uma doutrina de intervenção preventiva. que se tornou conhecida como o~"corolário Roosevelt" para a Doutrina Monroe. Ele explicou ao Congresso: < z Se uma nação mostra que sabe agir com razoável eficiência e decéncia em questões sociais e polí >== ~ ticas. se ela mantém a ordem e paga suas obrigações, n50 precisa temer qualquer interferência dos u < Estados Unidos. Os maus procedimentos crônicos ou uma impotência que resulte num afrouxa · '" '" "" menta geral dos laços de sociedade civili7.ada, podem na América . como em qualquer outro lugar, "" "" exigir a intervenção de alguma nação civili7.ada e. no hemisfério ocidental, a fidelidade dos Esta. ... Ô dos Unidos à Doutrina Monroe pode forçar este país. embora com relutãncia, em casos flagrantes Q de maus procedimentos ou de impotência. a exercer um poder de polícia internacional". => '" o'" Q :;; < 16. McssagcSGl/{f Popas ofllie Presidellts. vaI. XIV. p. 6 923. '" '" o 630 631 Assim, Roosevelt estendeu a toda a regwo caribenho-centro-americana a premissa básica que esteve por trás da pacificação cubana e da Emenda Platt e demarcou claramente uma esfera norte-americana de interesse. No caso da República Dominicana, Roosevelt assinou um pacto que cedia às autoridades norte-americanas o controle das arrecadações alfandegárias. Elas, por sua vez, administrariam as rendas do país de modo a separar uma parte para amortizar a dívida que fora reduzida proporcionalmente. O Se nado não aprovou o pacto original; diante disso, Roosevelt teve de agir nos termos de um acordo entre os executivos, até a aprovação em 1907 de um tratado modificado. Sob a orientação conservadora de Elihu Root, diante da oposição in terna e das frustrações da própria "missão civilizadora", Roosevelt acabou por concordar que havia limitações na imposição da esfera de interesse dos Estados Unidos. Por exemplo, mostrou grande relutância em enviar tropas a Cuba em 1906, quando os políticos cubanos paralisaram o governo. Foi feita outra tentativa de construir uma república no Caribe, mas em 1906 Roosevelt confidenciou ao diplomata-editor Whitelaw Reed que estava prevendo sérias dificuldades no "controle das regiões tropicais densamente povoadas por democracias autônomas do Norte ... "'7. Para tentar solucio nar pacificamente as disputas, a Conferência Centro-Americana reuniu-se em Washington em 1907. Nessa conferência foi criado o Tribunal Centro americano de Justiça, que devia adjudicar as disputas, e foram formuladas políticas de desencorajamen to das periódicas revoltas de caserna tão fre qüen tes na região. De maneira análoga, o sucessor de Roosevelt, William Howard Taft, anunciou uma política de substituição das "balas por dólares" . No entender dele e do Secretário de Estado Philander C. Knox, a chave para o desenvol vimento e a estabilidade econômica era a estabilidade fiscal. A administração incentivou os banqueiros norte-americanos a refinanciar os títulos de vários z -.: países a fim de eliminar a causa potencial de uma intervenção européia. Os ~ o banqueiros norte-americanos investiram no Banco Nacional Haitiano e emu .., z prestaram dinheiro à Nicarágua para pagar à Inglaterra as dívidas em títu '" '" los. Na Nicarágua, os Estados Unidos assumiram também as arrecadações '" de taxas alfandegárias. Taft e Knox tinham esperança de que, usando dólares ~ <:>"' u ::; 17. Apud ALLAN REED MILLETT. Tlle Politic5 ofll/cervelltioll: Tlle Milirary OCCl/paliorl ofCuba. 1906 '" '" '".., 1008, Columbus (Ohio). 1968. p. 25 1. norte-americanos para apoiar a integridade financeira dos governos na esfera norte-americana, pudessem evitar as intervenções em grande escala. A admi nistração Taft, mediando várias controvérsias e patrocinando uma série de tratados de arbitramento, tentou promover a solução pacífica das disputas. Nesse período da diplomacia norte-americana da esfera de interesse, as principais nações da América Latina reagiram de maneiras diversas . Depois de 1900, o Brasil, para contrabalançar a prática da Argentina , ado tou uma política de amizade com os Estados Unidos. Por outro lado, o México, que havia desenvolvido relações muito próximas com seu vizinho do Norte, começou a cortejar mais de perto a Inglaterra e a Alemanha . (Em 1907, o Departamento de Estado norte-americano chegou a sugerir que o México partilhasse os deveres de polícia na América Central. Mas as ambições mexicanas na região não concordavam necessariamente com as dos Estados Unidos e a perspectiva de cooperação desvaneceu-se".) Nessa época, algumas nações latino-americanas endossaram duas doutrinas formuladas por argentinos e tentaram fa zer com que fossem aceitas como direito interamericano e internacional. Numa série de volumes publicados entre 1868 e 1896, Carlos Calvo defendeu uma versão absoluta da soberania nacional e aplicou-a ao tratamento nacional dos estrangeiros e dos interes ses extern os. Na sua fórmula, os estrangeiros deviam ser tratados do mesmo modo que os cidadãos nacionais, deviam suje itar-se às leis e aos tribunais nacionais e não tinham direito a apelar para seus governos de origem. Era uma reação à doutrina da extraterritorialidade, que fora instituída pelas na ções desenvolvidas e industriais para proteger seus próprios cidadãos dos '" '" caprichos dos governantes, de sistemas legais diferentes e dos estragos das .,'" revoltas políticas. As nações ocidentais argumentavam que certos princí ~ .., pios, como a inviolabilidade dos contratos e os devidos processos da lei, Z l .., eram direito internacional e protegiam os estrangeiros e suas propriedades ... .., independentemente do que os governantes fizessem com seus próprios ci u dadãos. Na prática, haviam sido cometidos abusos na aplicação desse prin '" Ul ;;: cípio de extraterritorialidade, fora usado para exigir um tratamento privi .., .., legiado para os interesses estrangeiros. Mas Calvo foi ao outro extremo e ~ o declarou que as nações podiam fazer o que quisessem, até mesmo mudar '" z as regras do jogo sob as quais os estrangeiros haviam vindo para um país e '" Ô o .., 18. Cf. DANIEL coslo VILLEC AS, La vida politiea exterior, parte primera, vol. 5 de Hisroria lIlodema l- de Ml!xico: EI Porfiriato. México. 1960 , pp. 62Cl-692 . '" o ~ 632 investido nele. Num sentido peculiar, Calvo queria estabelecer como prin cípio de direito internacional a idéia de que não existe isso que chamam padrões internacionais de conduta. Depois de 1890, a Doutrina Calvo tor nou-se o grito de guerra legal e ideológico daquelas nações latino-america nas que queriam evitar que as potências industriais protegessem seus cida dãos nativos e seus interesses. Foi esse o debate clássico entre devedores e credores, entre os desenvolvidos e os subdesenvolvidos. entre os fracos e os fortes. A batalha em torno dessa doutrina iria aparecer de alguma forma em quase toda conferência interamericana. Na Segunda Conferência In ternacional dos Estados Americanos (Cidade do México. 1901-1902). foi proposta uma resolução, que incorporava a Doutrina Calvo. a respeito do tratamento a ser dado aos estrangeiros (análoga à adotada na primeira con ferência e rejeitada pelos Estados Unidos). Como era de esperar. os Estados Unidos votaram contra qualquer idéia de que os Estados não tinham res ponsabilidades pelos danos causados por estrangeiros durante as guerras civis. ou que os estrangeiros não tinham direito a apelar para os governos dos seus países de origem. A segunda doutrina (baseada na primeira) foi enunciada em 1902 por Luis Drago e afirmava apenas que as dívidas de uma nação para com outra não deviam ser cobradas à força. Os Estados Unidos mostraram-se mais sensíveis a essa doutrina. uma vez que ela não estabelecia o direito absolu to de um devedor a faltar com seus compromissos sem conseqüências que era exatamente o que pretendiam alguns Estados devedores. Na Terceira Conferência dos Estados Americanos. realizada no Rio de Janeiro (1906). os Estados Unidos concordaram com uma resolução que recomendava a dis cussão da doutrina na Segunda Conferência de Haia. Essa conferência aconteceu em 1907 e. graças aos esforços do secretário Root. todas as na ções latino-americanas foram convidadas a participar. D"rago compareceu ~ como delegado da Argentina. O representante dos Estados Unidos apoiou a -< 7: adoção da Doutrina Drago com importante emenda: a de que a não-inter o venção devia implicar a aceitação de arbitramento. Dessa forma. a ConfeU < rência de Haia adotou a doutrina. mas apenas seis nações latino-america " " '" ... z nas ratificaram o protocolo. Na Quarta Conferência Internacional dos Estados Americanos. realiza o'" ~ u da em Buenos Aires (1910). foi formado um corpo permanente. a União< .... '" Pan-americana. da qual o Secretário de Estado dos Estados Unidos seria o "~ -< presidente. A posição dominante dos Estados Unidos na organização era 633 clara. mas o órgão tinha pouco poder real. Nem todos os líderes latino americanos se mostraram entusiasmados com a nova União Pan-america na. mas no entender de alguns ela poderia exercer uma influência dura doura sobre as políticas dos Estados Unidos. Enquanto isso. depois de 1898 o capital norte-americano fluiu para o Sul num volume cada vez maior. Grande parte dele foi dirigida para as em presas comerciais privadas produtoras de matérias-primas para exportação e concentrou-se em Cuba e no México. Os investimentos diretos dos norte americanos em Cuba foi orientado primordialmente para a produção de açúcar. Em 1909. 34 por cento do açúcar cubano era produzido por enge nhos de propriedade dos norte-americanos. Parte desse investimento dire to foi aplicada em mineração. na indústria do fumo e em serviços públicos. Entre 1896 e 1915. os investimentos norte-americanos em Cuba aumenta ram de cerca de 50 milhões de dólares para 265 milhões. embora o predo mínio continuasse sendo do capital europeu. Com o aumento da produção de açúcar cubano depois de 1900, a participação de Cuba no mercado do açúcar norte-americano saltou. em 1913. para 50 por cento. As exportações norte-americanas para Cuba seguiram a mesma tendência e. em 1914. Cuba ocupava o sexto lugar entre os clientes dos Estados Unidos. No Méxi co. o capital norte-americano fluiu geralmente para as empresas de mine ração e de petróleo. Companhias como a American Smclting and Refining, Phelps-Dodge. Greene-Cananea Copper e a Southern Pacific Railroad con quistaram uma posição predominante na mineração de cobre, de chum bo, de zinco e de ouro. Em 1908. as empresas norte-americanas possuíam c três quartos das minas do México que pagavam dividendos. Em 190 I. '" ~ . c ~ ~Edward L. Doheny e seus sócios sondaram o primeiro poço de petróleo. e o capital estrangeiro foi despejado na região agora apelidada de "Gargan -< ;::" ta de Ouro". A Huasteca Petroleum Company. de Doheny. expandiu suas :; operações, mas sua concorrente britãnica EI Aguila (de propriedade de u < Weetman Pearson - mais tarde Lorde Cowdray) cresceu mais rapidamen " '" <te graças ao tratamento favorável que recebeu do governo mexicano. Os «. -< empreendimentos norte-americanos se expandiram também na América '" '"oCentral. A United Fruit Company fundou empresas em vários países, e '"7: ::>em 1899 duas famílias de imigrantes italianos organizaram a Standard ÔFruit e a Steamship Company em New Orleans. Na América do Sul, no o < período anterior a 1914, o Chile recebeu mais capital dos Estados Unidos 1;; '" do que qualquer outro país. '" o --L 634 635 Em 1904, a indústria de cobre chilena caiu para o sexto lugar entre os produtores mundiais, e o governo encorajou as companhias norte-ameri canas a revivê-la. Em 1904, foi fundada a Braden Copper Company e, em 1912, os Guggenheims criaram a Chilex Company. Em 1914, nenhuma com panhia tinha registrado lucros, mas juntas haviam despejado na indústria um total de 169 milhões de dólares. Depois de 1900, várias companhias nor te-americanas começaram a fundar filiais de fábricas na América Latina. Os exemplos mais notáveis foram a United Shoe Machinery Company, a Singer Sewing Machine Company, algumas firmas de medicamentos e cosméticos e várias companhias de acondicionamento de carne de Chicago. Apesar desse aumento da atividade econômica, antes da Primeira Guerra Mundial o capi tal e o empreendimento europeus ainda predominavam. OS ESTADOS UNIDOS E A AMÉRICA LATINA, 1913-1921 Em 1913, Thomas Woodrow Wilson foi eleito presidente dos Estados Unidos. Sua administração estava profundamente enraizada na visão calvi nista e secularizada da nação redentora com uma missão e um destino pecu liares. U ma das manifestações dessa tradição no século xx foi o Movimento Progressista, com seu anseio de reformar o mundo. O Secretário do Interior de Wilson, Franklin K. Lane, expressou de maneira sucinta essa visão e sua ligação com a crença na superioridade racial: "Há no povo norte-america no muito do policial especial, do engellheiro sanitário, do assistente social e do ditador do bem-estar. [ ... ) É um dos instintos mais fundamentais que fizeram os homens brancos dar ao mundo a sua história nos últimos mil anos"I'. Para Lane, e para outros que acreditavam nessa nova versão do Des tino Manifesto, o "ônus do homem branco" era a nobre tarefa de construir a nação e manter a paz. < 7. Nesse espírito, várias figuras fundamentais da nova administração tentao Ü < ram implementar um plano de policiamento cooperativo das áreas atrasadas z o: do mundo. O coronel Edward M. House, em sua viagem pela Europa em "'... z 1913, sugeriu esse curso de ação a funcionários alemães e britânicos. Duran ~ te uma conversa com o conde Johann von Bernstorff, embaixador alemão~ u nos Estados Unidos, House sugeriu que a Inglaterra, a Alemanha, o Japão e ...'" "'o: ~ < ". New York Wor/d, 16 /uly 1'16. os Estados Unidos deviam trabalhar conjuntamente para "[ ... ) assegurar a paz e o desenvolvimento adequado dos locais agrestes, além de manter uma porta aberta e oportunidades iguais para todos em todo lugar". O embai xador expressou sua aquiescência. E quando House visitou a Inglaterra em 1914, descreveu como "entusiástica" a reação dos funcionários britânicos20. Quando relatou essas conversas ao presidente Wilson, o coronel imagi nou um vasto plano pelo qual "as nações emprestadoras de dinheiro e em desenvolvimento" seriam estimuladas "a emprestar dinheiro a juros razoá veis e a desenvolver, sob condições favoráveis, os locais agrestes da terra e por outro lado criar condições pelas quais tais empréstimos pudessem ser razoavelmente seguros"21. A deflagração da guerra na Europa limitou a pro moção dessa diplomacia do dólar cooperativo para reduzir a rivalidade nas regiões subdesenvolvidas do globo. No entanto, House continuou a promo ver uma versão limitada do plano que, segundo ele esperava, formaria o nú cleo do sistema maior depois da guerra. Este envolveria as nações da América do Sul num Pacto Pan-americano que, no entender de House, também re solveria um "problema mexicano" (uma referência à revolução que estava assolando o México desde 1911). A administração Wilson trabalhou ativa mente pela aprovação desse pacto, que seria um meio cooperativo de impor a Doutrina Monroe. A oposiçãO da Argentina e do Chile impediu sua consu mação, e a proposta foi engavetada quando os Estados Unidos entraram na guerra, em 1917. Woodrow Wilson acreditava firmemente na missão nacional de in troduzir a paz, a ordem e a estabilidade no mundo. E enfatizou o pa o '" pei das instituições políticas anglo-americanasno estabelecimento dessas o condições. Em sua opinião, as revoluções aconteciam ou porque homens ~ < zmaus estavam tentando usurpar o poder por meios inconstitucionais, ou ... <porque as pessoas eram impossilitadas de votar em eleições livres. Não ... < ocorreriam revoluções se houvesse eleições, se os preceitos constitucio u o: nais fossem obedecidos e os homens maus afastados do poder. Para Wil '"::[ < son, a ordem constitucional é o alicerce da ordem e da estabilidade. O < presidente pôs muita ênfase no governo exercido por homens bons que ô seguem os preceitos constitucionais. Mas os países nem sempre escolhem " z ;j Ô20. CHARLES SEYMOUR (ed .), TIIe IlItilllale Papers of CO/Ollel HOU5C. Arral1ged a5 a Narrali.,c by Cl Clwrles Seymollr. Boston. 1926, vol. I) pp. 240--244,264-267. '" B 21. CHARLES SEYMOUR (ed.l, op. cit., pp. 264-265. ô L 636 tais homens para seus líderes . Assim , quando Sir William Tyrrell pediu a \Vilson, em novembro de 1913, que explicasse sua política com relação ao México, o presidente respondeu : "Vou ensinar as repúblicas sul -ame ricanas a eleger homens bons"22. Sob a chefia do severo professor Wilson, os Estados Unidos se envol veram de maneira mais ativa e com forças militares na região caribenho centro-americana do que em qualquer outra época em sua história ante rior. Isso foi, em parte, um reflexo da guerra na Europa, que não somen te exacerbou o temor com relação à Alemanha, mas também apresentou uma oportunidade para reduzir a influência européia em toda a parte. Em 1915, o novo Secretário de Estado, Robert Lansing, escreveu (com a aprovação de Wilson) que a "segurança nacional" dos Estados Unidos dependia da intervenção para suprimir insurreições e ajudar as pessoas a "estabelecer e manter governos responsáveis e honestos .. . "u. Depois dos tumultos que irromperam no Haiti e na República Dominicana e da insinu ação de franceses e alemães sobre possíveis desembarques, os Estados Uni dos intervieram - no Haiti em 1915 e na República Dominicana em 1916. Ambos os países foram submetidos a um governo militar norte-americano. Cada país promulgou uma constituição escrita por norte-americanos, cuja adoção, em cada um dos casos, foi facilitada pela presença do corpo de fu zileiros navais. Em ambos foram empreendidos vários projetos d~ sane amento, de saúde pública, de educação e de comunicações, quando o zelo reformador dos ianques se voltou mais uma vez para a construção da nação. Nem tudo o que aconteceu durante as tentativas de criar repllblicas consti tucionais foi planejado ou aprovado necessariamente pelos funcionários de Washington. E no Haiti houve resistência armada, resultando na morte de cerca de 3 250 haitianos 24 • Em 1916, os Estados Unidos compraram da Dinamarca as ilhas Virgens V> e com isso ocuparam um local vantajoso para controlar todas as princi 7."" :;, V 22. BU"TO~ J. HENLJI<ICK (ed.). Tile Life a"d Lcrrer; Df \\la/ler H. Pagc, Garden Cit)" IN. Y. ), " D , VoJ. o( " I, pp. 20'-2U'." ~ 23. Memorandum, "Presenr Nature and Ext ent of the Momoe Doctrine", H November 191';z V> file#71u . llilSS' f2 ; RG ,9, Rccords of lhe DepJrtJmcnt of State. National Archivcs of the Uni O'" tj ted States (Washington). Cirado doravanre como SD e o número do arquivo. ::i "' 2' . HA NS SCIIMIDT. Th. Uniled Slares Ocwpariol/ of Haili. /915-/93 4, New llrunSlvick (N . !.l , 1971, "' V> o( p. /03. 637 pais passagens para o mar dos Caraíbas. No mesmo ano, o Tratado Bryan Chamorro, assinado com a Nicarágua, foi aprovado pelo Senado norte americano, mas somente depois que foram eliminados alguns elementos da Emenda Plate - devido em parte aos esforços do senador Elihu Root, que tinha uma idéia conservadora da intervenção. Esse tratado dava aos Estados Unidos uma opção de exclusividade permanente para a construção de uma rota do canal, um arrendamento por 99 anos das ilhas Grande Com e Pe quena Corn, no mar dos Caraíbas, e de uma possível base naval no golfo de Fonseca, no lado do Pacífico - concessões adquiridas do governo da Nica rágua em troca de vultosos pagamentos. Todavia, o Senado só agiu quando os líderes nicaragüenses advertiram que a Alemanha estava tentando obter a rota do canal. Os vizinhos da Nicarágua reclamaram parte do território alocado no tratado e levaram seu caso ao Tribunal Centro-americano de Justiça. Este decidiu a favor deles, mas nem a Nicarágua nem os Estados Unidos aceitaram a decisão. Em vista disso, o tribunal perdeu qualquer sentido e foi extinto. A Revolução lvlexicana revelou-se uma eterna dor de cabeça para a ad ministração Wilson. A violência da luta afetou diretamente os norte-ame ricanos residentes no México e transbordou continuamente a fronteira com os Estados Unidos. Algumas das incursões ao outro lado da fronteira foram feitas em nome do Plano de San Diego, um projeto que propugnava um le vante das minorias raciais nos Estados Unidos, ao qual se seguiria a separa ção da Califórnia, do Colorado, do Arizona e do Novo México. Durante a Primeira Guerra Mundial, os alemães se envolveram nas intrigas, esperan ~ ~ " do provocar uma maciça intervenção dos Estados Unidos no jl.1éxico. Se os ~ Estados Unidos entrassem em guerra com a Alemanha, o governo imperial "" propunha no telegrama de Zimmermann (1917) uma aliança militar com o % .... México e ajuda na recuperação dos territórios perdidos em 1848". ~ <A administração "Vilson havia tentado primeiramente influenciar os ne v gócios mexicanos através do solapamento do poder de Victoriano Huerta, "' '"::;: que, apoiado em parte pelo embaixador norte-americano anterior, havia de o("' posto Francisco Madero, o "apóstolo da democracia" e "pai" da Revolução. Ô Isso levou os Estados Unidos a ocupar o porto de Veracruz em abril de 1914, Q Z ::>numa tentativa de impedir o fluxo de armas para Huerta. A subseqüente re- ~ o Q o( 2, . CHAItLES H. HAKIUS 111 6 LOUIS R. SAUW', "The Plan of San Dicgo alld rhe Mexican-Unircd Srates '" ~ V>'vVar Crisis of 191t.: A Reexamination", Hisprl1lic AmeriClHl Historical Ri}';ew, 58(3): 381-·IOX, 1~7(t o ..L... 638 tirada foi mediada pela Argentina, pelo Brasil e pelo Chile. Após a derrota de Huerta, Wilson tentou estabelecer um compromisso entre os chefes revolu cionários em guerra, o que levou os Estados Unidos a apoiar Venustiano Carranza extra-oficialmente. Em conseqüência disso, Pancho Villa invadiu, em março de 1916, a cidade de Columbus, no Novo México. Wilson enviou uma expedição punitiva, comandada pelo general John J. Pershing, com or dens de capturar ViHa. A expedição não cumpriu a missão, mas forçou a dis persão do bando de ViIla. Os Estados Unidos e o México chegaram às portas da guerra em maio-junho de 1916. Todavia, a situação na Europa impedia qualquer envolvimento mais substancial no México e Pershing recebeu or dens de regressar aos Estados Unidos. Quando a guerra chegou ao fim na Europa, alguns norte-americanos renovaram seus apelos em favor da pacifi cação do México por força armada, mas a maioria dos funcionários do go verno sabiam que uma operação desse porte seria extremamente difícil e contaria com pouco apoio popular. Como se as relações Estados Unidos-México não fossem agitadas bas tante pela violência e pela intriga externa, surgiu outro fator de exacerba ção: a questão do tratamento e da situação das propriedades estrangeiras. O elemento nacionalista-reformista da liderança revolucionária exigia a re forma agrária e algum tipo de controle nacional dos investimentos estran geiros - especialmente na indústria petrolífera. As exigências foram docu mentadas claramente na Constituição de 1917, que incorporou a Doutrina Calvo em várias seções importantes sobre a propriedade da terra, o contro le dos direitos minerais e