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1 Coordenador: André Luiz Monezi Andrade Marna Eliana Sakalem Karina Possa Abrahão Carlos Eduardo Neves Girardi Anna Carolina Ramos Graziella Molska Fernanda Soncini INTRODUÇÃO À NEUROFISIOLOGIA 1. TIPOS DE SINAPSES A comunicação intercelular é resultado da passagem de informações de uma parte do SN para outra. A transferência de informações distingue o cérebro mais claramente dos demais órgãos, sendo realizada por meio das sinapses. O termo “sinapse” provém da palavra grega “conectar” e foi introduzido pelo fisiologista britânico Charles Sherrington no final do século XIX. A compreensão da estrutura sináptica e sua função é indispensável para o entendimento de como o cérebro funciona. Até pouco tempo atrás, considerava-se que uma sinapse fosse formada basicamente por dois elementos: o terminal pré-sináptico e a pós-sinapse. Em algumas sinapses, ambos estão separados por um espaço quase que virtual denominado fenda sináptica. No entanto, com as recentes descobertas dos mecanismos de interação entre neurônios e células da glia, supõe-se, mais especificamente, que os astrócitos desempenhem um papel muito importante no funcionamento da transmissão de informações, sendo considerado um terceiro elemento na formação da sinapse. As sinapses podem ser classificadas em diferentes categorias: (1) elétricas ou químicas, (2) excitatórias ou inibitórias. As sinapses elétricas possuem uma morfologia simétrica (não há particularidades morfológicas que permitam a distinção entre os elementos pré e pós- sinápticos, vistos por Microscopia Eletrônica), e a transferência de informações ocorre no sentido bi-direcional, o que caracteriza essas sinapses. Existe uma área de justaposição entre as membranas pré- e pós-sinápticas, na qual se encontram especializações denominadas junções gap. As junções de membrana do tipo gap são 2 verdadeiros poros que fazem a conexão célula-a-célula e permitem a passagem livre de íons e pequenas moléculas do citoplasma de uma célula para outra. Uma forma de se verificar se duas células são unidas por junções do tipo gap é pela administração de um corante de baixo peso molecular como o Luciffer Yellow. Esse corante permite identificar células acopladas porque se difunde rapidamente do citoplasma de uma célula para a sua vizinha. Os canais formados pelas junções gap oferecem uma baixa resistência para a passagem dos íons e pequenas moléculas, sem perda dos mesmos para o espaço extracelular; assim o sinal transmitido é pouco atenuado. Duas propriedades funcionais se devem a esse modo de transmissão: (1) a já citada transferência de informação bi- direcional, na qual a simetria funcional acompanha a simetria estrutural, e (2) a transmissão rápida de sinais, onde não existe atraso do sinal como ocorre nas sinapses químicas. O papel funcional desse tipo de sinapse é a conseqüente sincronização da atividade elétrica em uma grande população de neurônios. As sinapses químicas possuem assimetria morfológica, com características distintas entre os elementos da pré- e pós-sinápticos. O terminal pré-sináptico é a porção final do axônio levemente mais intumescido e contém mitocôndrias e uma variedade de estruturas vesiculares. Normalmente, as vesículas estão agrupadas na adjacência da membrana do terminal (Figura 3), no ponto de maior proximidade com a membrana da célula pós-sináptica. É nesse tipo de sinapse que se encontra presente a fenda sináptica, por isso não existe contato direto entre as membranas das duas células. No elemento pós-sináptico não existe a presença de vesículas adjacentes à membrana, mas, freqüentemente, uma estrutura altamente eletrondensa está associada à membrana da pós-sinapse, denominada de densidade pós-sináptica. Acredita-se que o significado funcional desta estrutura seja o de auxiliar a ancoragem de receptores de neurotransmissores na membrana do elemento pós- sináptico. Figura 3: Micrografia eletrônica mostrando a fusão entre vesículas sinápticas e a membrana plasmática de um neurônio pré-sináptico. A seta indica a abertura inicial do poro da vesícula para a liberação do neurotransmissor. A ponta de seta mostra uma vesícula fundida a membrana. A chave ilustra uma região da bicamada fosfolipídica do neurônio. Barra de escala 5 m. 3 Além da assimetria morfológica, sabe-se que nesse tipo de sinapse a transferência de sinais ocorre de forma unidirecional, sempre no sentido do neurônio pré- para o pós-sináptico. Como mencionado anteriormente, a sinapse química sofre um atraso na transmissão do sinal, cerca de alguns milissegundos até que esta seja transferida para o elemento seguinte. O atraso na transferência dos sinais deve-se às diversas etapas necessárias para a liberação de um mediador químico (neurotransmissor) e sua conseqüente ação nos receptores da pós-sinapse. Algumas vezes os efeitos causados por essa estimulação podem ser de longa duração, resultando em mudanças consideráveis na célula alvo (pós-sináptica). 2. SINALIZAÇÃO NEURONAL 2.1. POTENCIAL DE MEMBRANA O fluxo de informação nos neurônios e entre eles é realizado por meio de sinais químicos e elétricos. Particularmente, a sinalização elétrica é importante para a transferência rápida de informações por longas distâncias. Os sinais elétricos – potencial receptor, potencial sináptico e potencial de ação – são todos produzidos por variações transitórias do fluxo de corrente iônica para dentro e para fora da célula, o que gera um potencial elétrico entre as faces da membrana celular e afasta este potencial do seu valor de repouso. O controle do fluxo de corrente é dado pelos diferentes canais iônicos inseridos na membrana plasmática das células. Existem dois grandes tipos de canais iônicos: (1) canais que permanecem constantemente abertos e que normalmente não são influenciados por fatores externos, mas são importantes para a manutenção do potencial de repouso da membrana e (2) canais que se encontram fechados na condição de repouso, cuja abertura e fechamento dependem de fatores externos, tais como: alterações no potencial de membrana, presença de um ligante ou estiramento da membrana. Para compreender como ocorre o fluxo de informações nas células e entre cada uma delas, de início é necessário conhecer as propriedades elétricas da membrana plasmática, o papel desempenhado pelos canais iônicos nela inseridos e a importância dos componentes presentes no fluido intra- e extracelular (íons e ânions orgânicos). No repouso, o neurônio tem excesso de cargas positivas na face externa da membrana e excesso de cargas negativas na face interna. Essa separação de cargas origina uma diferença de potencial elétrico: potencial de membrana (Vm) que é o potencial intracelular (Vint) menos o potencial extracelular (Vext). No repouso, este potencial de membrana tem valores de –60 a –70 mV, e é denominado de potencial 4 de repouso da membrana. Assim as sinalizações elétricas que ocorrem nos neurônios resultam de breves alterações do potencial de repouso da membrana, e essas alterações podem ser despolarizantes (diminuindo a separação de cargas através da membrana) ou hiperpolarizantes (aumentando a separação de cargas através da membrana) dependendo do fluxo efetivo de cátions e/ou ânions para dentro ou para fora da célula. O potencial de repouso da membrana é gerado e mantido pela diferença de concentração iônica entre os meios intra e extracelular. Assim, dos quatro tipos mais abundantes de íons encontrados dentro e fora da célula temos que o Na+ e o Cl- estãomais concentrados no meio extracelular; já o K+ e os ânions orgânicos (A-), como aminoácidos e proteínas, estão mais concentrados no meio intracelular (ver tabela abaixo). Esta diferença de concentração iônica gera dois tipos de forças (1) a força química, de difusão, dada pela diferença de concentração de íons e (2) a força elétrica, de pressão eletrostática, dada pela diferença de cargas positivas e negativas dispostas nos dois lados da membrana. A resultante destas duas forças - a força eletroquímica - tem componentes químicos e elétricos provenientes da força de difusão e da força eletrostática, respectivamente. Distribuição dos principais íons na membrana de um axônio gigante de lula. Citoplasma Fluído Extracelular Potencial de Nernst* Íon (mM) (mM) (mV) K+ 400 20 -75 Na+ 50 440 +55 Cl- 52 560 -60 A- 385 * Potencial de membrana no qual não há fluxo de íons pela membrana da célula. Assim, tomando o íon K+ como exemplo, a força de difusão atua no sentido de efluxo do íon, pois o mesmo encontra-se mais concentrado no meio intracelular do que no extracelular. Contudo, a força elétrica atua no sentido oposto, mantendo o potássio, um cátion, no interior da célula que é negativo. A resultante entre estas forças é o potencial de equilibrio do K+. Em relação ao Na+, sua concentração é maior no meio externo do que no meio interno, e por isso tende a fluir para dentro da célula. Além disso, o Na+ também é direcionado para o interior da célula pelo gradiente elétrico (já que o meio intracelular é mais negativo). Assim, um forte gradiente eletroquímico faz com que o Na+ entre na célula pelos de canais de Na+ abertos, no sentido de levar o Vm para os valores de ENa. Contudo, por estes cálculos vemos que o potencial de membrana na condição de repouso situa-se próximo ao potencial de equilíbrio do K+ (EK). Isto ocorre 5 porque a quantidade de canais de K+ abertos durante a condição de repouso é muito maior do que os de Na+, dessa forma o Vm desloca-se para próximo do valor de EK, mas não chega nem perto dos valores de ENa. O fluxo de íons através da membrana é produto da força eletroquímica em função da permeabilidade da membrana ao íon. Na célula em repouso (Vm = VR); relativamente poucos canais de Na+ estão abertos, de tal forma que a permeabilidade ao mesmo é baixa. Como resultado, o fluxo de Na+ é pequeno, ainda que as forças química e elétrica o forcem para o interior da célula. O gradiente de concentração do K+ para fora da célula é um pouco maior do que a força elétrica que o mantém no interior, mas como a permeabilidade desse íon é grande (a permeabilidade do K+ é cerca de 100 vezes maior do que o do Na+), devido ao maior número de canais abertos, a força exercida pelo efluxo de K+ é suficiente para balancear o influxo de Na+. Contudo, a manutenção do valor do potencial de repouso da célula necessita de outro mecanismo funcionante, pois o constante efluxo de potássio e influxo de sódio, dissiparia os gradientes iônicos entre os meios intra e extracelulares. A dissipação dos gradientes de Na+ e K+ é evitada pelas bombas de Na+/K+ na membrana. A bomba Na+/K+ retira o Na+ do interior da célula ao mesmo tempo em que insere K+. Como a bomba Na+/K+ opera contra o gradiente eletroquímico é necessário um gasto energético para mantê-la ativa, é o chamado transporte ativo. Desta forma, no potencial de repouso da membrana, a célula encontra-se em um estado estável (steady state), onde ocorre gasto energético para garantir o gradiente iônico através da membrana. Quando essa condição é atingida pode-se dizer que os gradientes de concentração para Na+ e K+ permanecem constantes. Em se tratando agora do íon Cl-, em células onde não existem bombas de Cl-, o Vm é determinado apenas pelos fluxos de Na+ e K+, já que suas concentrações são mantidas pela bomba Na+/K+. Assim a concentração de Cl- altera-se livremente conforme as forças passivas de potencial elétrico e gradiente de concentração. Nessa situação o Cl- estaria igualmente distribuído nos dois lados da membrana e teria um ECl = Vm. Entretanto, em células do sistema nervoso, existem bombas de Cl- que transportam esse íon ativamente para o exterior da célula, de forma que a relação [Cl- ]o /[Cl-]i é ligeiramente maior do que aquela estabelecida apenas pelas forças passivas. O efeito de aumento no gradiente de Cl- é que o ECl torna-se menos negativo que o Vm. Essa diferença entre ECl e Vm resulta do pequeno influxo de Cl- que é balanceado ativamente pela extrusão de Cl- pela bomba (obs: os ânions orgânicos [A-] não são capazes de sair da célula, por isso encontram-se apenas no seu interior contribuindo para a diferença de potencial da membrana). 6 Embora os fluxos de Na+ e K+ definam o potencial de repouso da membrana, este valor não é igual ao potencial de equilíbrio do Na+ nem do K+. Assim o potencial da membrana em repouso será influenciado pelas concentrações interna e externa dos dois ou mais íons envolvidos e pela permeabilidade da membrana a estes íons. 2.2. POTENCIAL DE AÇÃO (PA) O potencial de ação é uma das formas de transferência de informação decorrente da alteração no potencial de membrana e, que, posteriormente, é convertido em sinalização química. Como visto anteriormente, o potencial de membrana, na condição de repouso, é mantido por um equilíbrio dinâmico entre os componentes dos meios intra e extracelulares. O Na+ e o K+ são os principais constituintes na manutenção do potencial de repouso. Agora o que veremos é como uma alteração no potencial de repouso leva à transmissão de informações por sinais elétricos ao longo do neurônio. A primeira descrição do fenômeno do potencial de ação foi feita pelo fisiologista alemão Emil DuBois-Reymond em 1849. Mas, somente 100 anos atrás é que os mecanismos básicos do fenômeno passaram a ser compreendidos em termos de propriedades específicas de proteínas de membrana – os chamados canais iônicos de Na+ ou K+ dependentes de voltagem. Por meio de técnicas mais precisas de registro de voltagem e corrente elétrica pela membrana, tal como o patch clamp, inúmeros conhecimentos foram adquiridos com relação a esses canais. Alan Hodgkin, Andrew Huxley e Bernard Katz foram os principais responsáveis pelo avanço nos conhecimentos envolvendo o potencial de ação, conhecimentos sobre a participação de cada um dos canais iônicos e a cinética de funcionamento dos mesmos. De início, quando um neurônio recebe um pequeno estímulo despolarizante ocorre a abertura de canais de Na+ e K+ dependentes de voltagem. Os canais iônicos que estão permanentemente abertos também dão origem a uma corrente elétrica, denominada de Il (proveniente do termo inglês leakage current). Então, com um baixo estímulo despolarizante são três as fontes de corrente geradas: a Il que já estava presente na célula em repouso, a INa decorrente da abertura dos canais de Na+ dependentes de voltagem e a IK decorrente da abertura dos canais de K+ dependentes de voltagem. Assim, nessa situação, a IK e a Il seriam capazes de contrabalançar a ação despolarizante dada pela INa. No entanto, uma das principais características do potencial de ação é que ele é um fenômeno do tipo tudo-ou-nada. Essa característica pode ser compreendida observando a cinética dos canais dependentes de voltagem (voltage-gated channels ou voltage open channels - 7 VOC), que são assim denominados porque sua abertura e fechamento são respostas dadas frente a alterações no potencial de membrana. Assim, devidoà maior sensibilidade dos canais de Na+ a alterações de voltagem e a sua cinética mais veloz, os canais anteriormente abertos promovem a abertura de mais canais de Na+ dependentes de voltagem. Esse evento em cascata atinge um ponto onde a despolarização da membrana acaba por atingir o chamado limiar de disparo. Uma vez atingido o limiar de disparo, a célula é capaz de deflagrar um potencial de ação. Comumente, o potencial de ação é representado como um gráfico que retrata as alterações do potencial de membrana (Figura 4). Nesse gráfico, pode-se observar uma fase inicial de ascensão que representa a despolarização. Após atingir o pico máximo de despolarização, ocorre um declínio do potencial de mebrana no sentido de re-estabelecer o VR. Depois de atingir o valor de VR, a célula ainda sofre uma pequena hiperpolarização (aumenta a negatividade do potencial de membrana). A deflagração do potencial de ação ocorre com um aumento maior da INa, resultado do maior número de canais de Na+ dependentes de voltagem, que supera a IK e a Il. Dessa forma, o influxo de Na+ excede a corrente de efluxo. A abertura de alguns VOCs de Na+ estimula a abertura de mais VOCs de Na+. Então, o potencial limiar (VT) é um valor específico no qual a rede de corrente iônica (INa + IK + Il) muda de sentido, ao invés de ser uma corrente para o exterior da célula, passa a ser uma corrente em direção ao interior. Isso causa uma deposição de cargas positivas no meio intracelular dado por um maior influxo do Na+. Esse fenômeno representa a fase ascendente do gráfico de potencial de membrana durante o potencial de ação. Outro evento que ocorre, além da ativação dos VOCs de Na+, é a abertura dos VOCs de K+. Embora esses canais também sejam ativados pela mudança do Vm, a despolarização continua, pois os VOCs de K+ têm uma cinética mais lenta em relação aos VOCs de sódio e, por isso, a abertura desses canais é mais tardia. A abertura dos VOCs de Na+ conduz o Vm em direção ao potencial de equilíbrio do Na+ (ENa). Entretanto, essa abertura em cascata dos canais de Na+ dependentes de voltagem não continua indefinidamente. Conforme o Vm se aproxima do valor de ENa (i.e. pico máximo da despolarização), os VOCs de Na+ inicialmente abertos vão se fechando. Esse fechamento dos canais de Na+ é um estado alterado, pois na realidade esses VOCs tornam-se inativos e, dessa forma, passam a ser refratários a qualquer outro estímulo despolarizante, ainda que esse estímulo seja de alta intensidade. Os VOCs de Na+ fecham-se a medida que os VOCs de K+ são abertos, proporcionando uma corrente repolarizante no sentido oposto à corrente do Na+. Dessa forma o declínio observado no gráfico de Vm, na verdade, é o resultado desses 8 dois acontecimentos, inativação dos VOCs de Na+ somada a um maior número de VOCs de K+ abertos. Os VOCs de Na+ retornam do seu estado inativado para o fechado no momento em que a despolarização cessa e o Vm atinge valores de VR. Nesse mesmo instante, os VOCs de K+, que estão no seu grau máximo de abertura, começam a se fechar. Entretanto, esse fechamento não ocorre tão rápido quanto o dos VOCs de Na+ e, por isso, ainda que o VR tenha sido alcançado um efluxo de íons K+ continua do meio intra- para o extracelular, explicando o efeito hiperpolarizante. Com o fechamento total dos VOCs de K+ a célula retorna para sua condição de repouso. Na maioria dos neurônios, os potenciais de ação são seguidos por um período refratário breve, dividido em duas fases: um período refratário absoluto que ocorre imediatamente após o potencial de ação e um período refratário relativo que se segue ao anterior. Na primeira fase é impossível excitar uma célula, independentemente do quão intenso é o estímulo despolarizante aplicado. O mesmo não ocorre no período seguinte que é denominado de refratário relativo porque se o estímulo aplicado for intenso, então a célula é capaz de eliciar um novo potencial de ação. O período inteiro de refração dura por milissegundos e é conseqüência dos canais de Na+ ainda inativados e os VOCs de K+ ainda abertos. Em geral, os mecanismos básicos para geração do potencial de ação são os mesmos em todos os neurônios. Embora os diferentes tipos de canais iônicos proporcionem distintos graus de excitabilidade da membrana, o mecanismo primordial de tudo-ou-nada para geração do potencial de ação é, na maioria das vezes, o mesmo em todos os neurônios e células musculares. Existem diferenças importantes que vão além das variações de tipo e densidade de canais nas células do sistema nervoso. A variação topográfica desses canais também tem conseqüências funcionais relevantes. A membrana dos dendritos, corpo celular, zona de disparo, terminais nervosos e o axônio possuem uma grande variedade de canais. O axônio, por exemplo, pode ter uma variedade e distribuição Figura 4: Esquema representativo de um potencial de ação. 9 tal de canais que está vinculado a sua função de conduzir o estímulo de uma região à outra. 2.2.2. PROPAGAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO Agora que compreendemos como o potencial de ação é gerado, resta entender como ele se propaga ao longo do axônio. Em geral, o potencial de ação produzido em um determinado ponto da membrana excita as regiões adjacentes a este ponto. Como conseqüência, os canais de Na+ nestas regiões abrem-se imediatamente e o potencial de ação vai sendo propagado. Este processo acontece repetidamente, sendo que a despolarização trafega ao longo da extensão de toda a fibra nervosa. A transmissão do processo de despolarização ao longo da fibra nervosa ou muscular é denominada de impulso nervoso ou muscular, respectivamente. A propagação do potencial de ação ocorre nas duas direções a partir do ponto inicial, e até mesmo por todos os ramos de uma fibra nervosa, até que toda a membrana seja despolarizada. Para maximizar a capacidade do organismo de responder a variações do seu ambiente, os neurônios devem conduzir os sinais com grande rapidez. Contudo, um sinal de voltagem decresce em amplitude conforme a distância percorrida pelo neurônio. Assim diversas características do SN surgiram para compensar algumas dificuldades relacionadas com a eficiência da propagação da sinalização neuronal. Neste sentido, as propriedades elétricas passivas dos neurônios, que são constantes e não se alteram durante a sinalização, desempenham um importante papel na manutenção do potencial gerado. Essas propriedades passivas são três: resistência da membrana, capacitância da membrana e resistência axial intracelular ao longo dos dendritos e do axônio. Estas propriedades determinam: o decurso temporal do potencial sináptico gerado, se o potencial sináptico gerado em um dendrito produzirá despolarização sub ou supraliminar na zona de gatilho (no cone axônico) e a velocidade com que será conduzido o potencial de ação uma vez que ele tenha sido gerado. A relação entre as propriedades passivas elétricas dos neurônios fornece a constante de comprimento e a constante de tempo que estão diretamente relacionadas com a eficiência da condução neuronal. A constante de comprimento do neurônio é dada pela relação entre a resistência da membrana e a resistência axial, e é definida como a distância ao longo do dendrito - a partir do ponto inicial de despolarização - na qual a variação do potencial de membrana decai a 37% do valor inicial. Assim, quanto maior for a constante de comprimento de um neurônio, a corrente poderá percorrer maior distância ao longo do dendrito antes de se dissipar pela membrana, o que influenciará na somação espacial, processo pelo qual os 10potenciais sinápticos gerados em diferentes regiões do neurônio podem somar-se na zona de gatilho. Outra constante, que é o produto da resistência da membrana pela sua capacitância – a constante de tempo () - influenciará o decurso temporal do potencial sináptico e desta maneira afetará a somação temporal, processo pelo qual ações sinápticas consecutivas num mesmo sítio são adicionadas na célula pós- sináptica. Assim, quanto maior a constante de tempo do neurônio, maior a capacidade de somação temporal e maior a probabilidade de somação de estímulos, por exemplo. Essas propriedades de somação temporal e espacial dos neurônios são dadas pelas propriedades elétricas passivas e serão muito importantes no processo de integração neuronal, visto mais adiante. A despolarização inicial ocasionada pela geração do potencial de ação propaga-se, eletrotonicamente, ao longo do axônio. Essa propagação faz com que a região adjacente de membrana alcance também o limiar para disparo do potencial de ação. A onda de despolarização não ocorre ao mesmo tempo em toda a extensão da membrana. Inicialmente uma pequena porção é despolarizada (por isso chamada zona ativa), enquanto as demais regiões permanecem em repouso (zona inativa). Sendo assim, a propagação vai da zona ativa para as zonas inativas adjacentes em virtude da diferença de potencial entre estes dois locais. Uma vez que a zona inativa alcança o limiar de disparo, os VOCs de Na+ dessa região se abrem, o Na+ entra no meio intracelular por gradiente eletroquímico e a despolarização torna- se maior. Dessa forma, a despolarização altera uma zona de inativa para ativa e a região anteriormente ativa torna-se passiva novamente. Existe uma onda repolarizante que segue o sentido oposto à despolarização. Em geral, quanto maior o diâmetro de um axônio, menos corrente é necessária para atingir o limiar de disparo do potencial de ação. Quanto maior o diâmetro, menor é a resistência oferecida pelo citoplasma no sentido longitudinal, pois, conforme aumenta a área de secção do axônio, mais fácil se propagará a corrente. A taxa de propagação passiva do sinal elétrico varia inversamente com o produto das variáveis racm (resistência axial e capacitância por unidade de comprimento do axônio, respectivamente). A mielinização diminui o racm, pois o cm é inversamente proporcional a espessura do material de isolamento (mielina). Reduzindo o valor do produto racm, a taxa de propagação passiva da despolarização aumenta e o potencial de ação também propaga-se mais velozmente. Como já citado, o potencial de ação diminui, gradualmente, à medida que se propaga passivamente ao longo do axônio (dada à resistência axial). Para conter esse decréscimo do sinal e evitar que o potencial de ação entre em extinção completa, a bainha de mielina é interrompida a cada 1-2 mm pelos nodos de Ranvier. Embora esse espaço seja pequeno, ele contém uma alta densidade de VOCs de Na+, capazes de 11 gerar uma intensa corrente despolarizante em resposta à propagação passiva da região adjacente. Assim, a distribuição regular desses nodos impulsiona a amplitude do potencial de ação periodicamente, prevenindo que ele se dissipe ao longo do axônio. O potencial de ação, que se propaga rapidamente pela região revestida com mielina (devido à baixa capacitância), diminui de velocidade ao chegar em cada nó de Ranvier (devido à alta capacitância). Conseqüentemente, o potencial de ação parece saltar rapidamente de nodo para nodo. Esse comportamento, em axônios mielinizados, é que dá o nome de condução saltatória. A condução saltatória também é metabolicamente favorável, pois menos energia é dispendida na manutenção da bomba Na+/K+, uma vez que a corrente iônica flui apenas nos nodos das fibras mielinizadas. Esse é o mecanismo básico da condução dos sinais elétricos (potencial de ação) ao longo do neurônio. Geralmente, quando o potencial de ação chega a região dos terminais sinápticos, na extremidade oposta à entrada do estímulo, esses sinais elétricos são convertidos em sinais químicos pela liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica. Os mediadores químicos são reconhecidos por receptores específicos da célula seguinte, e a ativação dos receptores na membrana pós-sináptica é capaz de converter o sinal químico em sinal elétrico novamente. 3. INTEGRAÇÃO DOS SINAIS A maioria das células nervosas recebem diversas aferências numa mesma região, e todo o conjunto de estímulos, sejam despolarizantes ou hiperpolarizantes (potencial excitatório pós-sináptico – PEPS; potencial inibitório pós-sináptico – PIPS, respectivamente), são recebidos e transmitidos ao corpo celular. Esse conjunto de sinais é integrado; conforme o resultado final dessa integração, o neurônio “decide” se o estímulo final integrado é suficiente ou não para deflagração do potencial de ação, na zona de disparo. Dois fatores intrínsecos à célula influenciam a integração dos sinais: a constante de espaço e a constante de tempo, como visto anteriormente. A constante de espaço está relacionada à chegada de dois estímulos num mesmo local da célula, já a constante de tempo relaciona-se à chegada de dois estímulos ao mesmo tempo. Supondo que dois estímulos excitatórios atinjam uma única célula, se esse neurônio tiver uma alta constante de tempo pode ocorrer a somação temporal, que como resultado apresenta uma maior duração do PEPS final; se o mesmo neurônio tiver uma alta constante de espaço, por sua vez, ocorre a somação espacial que permite que os PEPS sejam somados, conferindo uma maior amplitude no PEPS final. Dessa forma, a 12 constante de tempo fornece a duração do PEPS, enquanto que a constante de espaço está relacionada à amplitude dos mesmos. Após a revisão realizada neste capítulo sobre a estrutura e o funcionamento das células do SNC seria necessário compreender quais funções estariam relacionadas com as diferentes áreas cerebrais e como estas diferentes regiões interagem na realização de tarefas multimodais. As funções mentais estão localizadas em áreas específicas do cérebro. Mas também tem se tornado claro que funções mentais complexas requerem integração de informação de diversas áreas cerebrais. Isso por sua vez tem levantado a questão: Como essa informação cognitiva distribuída e paralela é processada juntamente? Em qual área cortical a integração ocorre? E como a integração é trazida? O cérebro produz uma percepção integrada, pois as células nervosas estão interconectadas de forma precisa e ordenada, conforme um planejamento que não varia muito entre os indivíduos normais. Todavia, as conexões não são exatamente idênticas em todos os indivíduos. As conexões entre as células podem ser modificadas pela atividade ou aprendizado. Lembramos de eventos específicos porque a estrutura e conexões entre as células são modificadas por esses eventos. Algumas áreas corticais servem a funções integrativas de alta ordem que não são nem puramente sensoriais nem puramente motoras, mas associativas. Essas áreas do córtex de alta ordem, que agora nós chamamos de áreas associativas, servem para associar entrada de informação sensorial à resposta motora e, efetuar aqueles processos mentais que intervêm entre a entrada de informação sensorial e saída de informação motora. Os processos mentais atribuídos a essas áreas incluem interpretação de informação sensorial, associação de percepções com experiências prévias, focalização de atenção, e exploração de ambiente. Como, então, os córtices de associação alcançam sua ação integrativa? As áreas de associação são capazes de mediar processos cognitivos complexos porque recebem informações dediferentes áreas sensoriais de alta ordem, e conduzem-nas para áreas motoras de alta ordem que, por sua vez, organizam ações planejadas após processamento e transformações apropriadas. No próximo tópico deste módulo veremos as noções básicas do funcionamento do sistema sensorial com o objetivo de melhor entender como o sistema nervoso avalia e percebe os sinais externos do ambiente. 3.1 LTP O LTP (do inglês, long-term potentiation, potenciação de longa duração) é um aumento na duração da transmissão sináptica entre dois neuronios, o que resulta na estimulação de ambos de modo sincrônico. Está associado à plasticidade sináptica, 13 ou seja, à capacidade das sinapses de se modificarem. Assim, encontramos este tipo de evento principalmente no hipocampo, local onde, como já visto, está intimamente relacionado às memórias - que são gravadas graças a modificações na força sináptica. De uma maneira mais detalhada, o LTP aumenta a transmissão sináptica, por aumentar a habilidade de dois neuronios, um pré e um pós sináptico, para comunicarem-se entre si, através de uma sinapse. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARLSON, N. R. - Structures and functions of cells of the Nervous System. In: Physiology Behavior. 5 Ed. Boston. Paramount, 1994. pags. 19-46 HOF, P. R.; TRAPP, B. D.; VELLIS, J.; CLAUDIO, L.; COLMANN D.R.- The cellular components of the Nervous Tissue. In: Zigmund, M. J.; Bloom, F. E.; Landis, S. C.; Roberts J.L.; Fundamental Neuroscience. San Diego. Academic Press., 1999, pags. 41-70. KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSEL, T. M.; Principles of Neural Science. 4Ed. New York. McGraw-Hill Companies, 2000. GUYTON, A. R.; HALL, J. E.; Tratado de Fisiologia Médica. 9Ed. Philadelphia Guanabara Koogan, 1997. LENT, R. Cem bilhões de neurônios. 1Ed. São Paulo. Atheneu 2001. CARSON, N.R. - Structure and functions of cells of the Nervous System. In: Physiology Behavior. 5 Ed. Boston. Paramount, 1994. P.19-46 HOF, P.R.; TRAPP, B.D.; VELLIS,J.; CLAUDIO, L.; COLMAN, D.R. - The cellular components of Nervous Tissue. In: Zigmound, M.J.; Bloom, F.E.; Landis, S.C.; Roberts, J.L.- Fundamental Neuroscience. 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