Buscar

Análise do filme Madame Bovary e "Sociologia e o Mundo Moderno" de Octavio Ianni

Prévia do material em texto

Professora: Yumi Garcia dos Santos
Aluno: João Vitor Martins Koproski
Matéria: Fundamentos de Análise Sociológica
Turma: Primeiro período de Administração
A posição da mulher na sociedade moderna em Madame Bovary de Flaubert
A adaptação cinematográfica do romance “Madame Bovary” de Gustave Flaubert, o qual foi escrito em 1857, retrata os primórdios da sociedade moderna na França, contexto social análogo ao nascimento da sociologia, assunto discutido por Octavio Ianni em seu texto “Sociologia e o Mundo Moderno”. Segundo Ianni, a sociologia é fundamentalmente uma reflexão sobre certa realidade social, assim, durante este ensaio realizaremos reflexões sobre o contexto social apresentado no filme, embasando essa análise examinando os acontecimentos da vida de Emma Bovary e como eles representam ou vão contra as concepções sociais e de gênero, presentes na sociedade francesa recém-burguesa.
Emma começa o filme apenas como filha de um fazendeiro, entediada com a banalidade da vida rural e que aspirava a vida de cidade grande. Todavia, seu pai a arranja um casamento com um médico, ascendendo-a socialmente. A partir desse acontecimento, já podemos traçar características autênticas da nova sociedade burguesa, como o fato de o trabalho intelectual passar ser valorizado socialmente, devido a exaltação a ciência e a razão que a burguesia, que recentemente ascendeu ao poder com a Revolução Francesa de 1789, prezava, alterando, assim, os paradigmas do Antigo Regime, de que todo tipo de trabalho deve abominado pela sociedade.
Casada, Emma Bovary muda-se para uma pequena cidade com o marido, onde Sr. Bovary passa a ser um dos únicos médicos da cidade. Madame Bovary rapidamente percebe com quem se casou, com um profissional extremamente atarefado, que não consegue manter conversas com substância ao não ser sobre o trabalho, o que traz a protagonista a um tédio profundo. O fato de existir poucos médicos mostra como o contexto do romance é um de transição para a sociedade plenamente burguesa, mas a alta carga horária do marido exemplifica como a mentalidade capitalista já estava integrada com primazia, uma vez que os habitantes da cidade param de ir à Igreja para procurar assistência medicinal e passam a recorrer a profissionais racionais. O que evidencia o desencantamento do mundo defendido por Weber, em que o misticismo é trocado pelas concepções racionais que colocam o homem como centro do mundo.
Nesse âmbito de tédio, Madame Bovary passa a personificar a mulher burguesa casada do século XIX, personificação essa que se concretiza plenamente no baile de alta classe que ela atende com o marido. Nesse baile, Emma se apaixona pela alta classe burguesa, os vestidos e as danças, valores que eram particulares da nobreza no Antigo Regime, mas que passam a ser apropriadas pela alta burguesia. Ao sair da cerimônia, Emma volta a sua realidade, de cidade pequena e casada a um marido o qual ela não se interessa. 
O mundo moderno, elegante, interessante e agitado que Emma entra em contato no baile é contrastado com a realidade monótona vivida pela protagonista na pequena cidade. Por conta disso, ela propõe ao marido que mudem para uma cidade maior, e o marido submisso aceita a proposta. Na cidade grande, Emma passa a viver o padrão de vida burguês da época, evidente pela comprar frequente de vestidos exuberantes de alto custo, mergulhando em uma luxúria superficial que a protagonista utiliza para suprir o vazio de seu casamento.
Entretanto, esse costume, além de agregar altas dívidas ao casal, também não desconstrói o tédio e a crescente melancolia que cresce na vida de Emma. Ao analisarmos de maneira mais profunda sua condição, veremos que Emma seguia as condutas que a sociedade impunha a ela de como uma mulher burguesa deveria se comportar, o que somente a decepciona ao encarar a realidade de que as concepções perfeitas que ela tinha de vida eram meras romantizações superficiais. Isso fica claro com a gravidez de Emma, uma vez que, no contexto social francês no qual o romance se dá, a mulher deve engravidar, deve ter ao menos um filho, pois essa era a função que a mulher tinha naquela sociedade, além de ser dona de casa, entretanto, fica claro durante a progressão do filme que Emma não queria sua filha, ao menos não naquele momento de sua vida, sendo que ela recorre a criança apenas em momentos de recaídas emocionais, em que a protagonista se encontra vunerável e recorre a única coisa que reafirma que ela está exercendo sua condição como mulher.
Essas recaídas passam a ser frequentes quando Emma, entediada e deprimida, passa a se interessar em homens que não sejam seu marido, não que ela se interessasse romanticamente em algum momento por ele. Emma se aproxima muito com León, jovem que frequentava rotineiramente sua casa, tanto que ele passa a ser o principal fator de sua vida. Mas esse romance não chega a se concretizar, ao menos nesse momento, pois León muda-se para Paris, o que deprime profundamente Emma. Após desse caso, veio Rodolphe, o qual era mais persuasivo e Emma estava mais aberta para o adultério, o qual se efetivou, dando esperança de felicidade à protagonista.
Dentro das concepções de época, uma mulher deveria sempre ser fiel ao seu marido, mesmo estando infeliz em sua condição. O casamento católico e a moralidade religiosa que vem com este impede de que a mulher se sinta livre, ele exige que a mulher subordine seu corpo e suas vontades à concepções tradicionais de que uma mulher, mesmo que se encontre profundamente infeliz em seu casamento, deve-se manter fiel em todas as instâncias, sendo essas regras mais flexíveis aos homens, que tinham certa legitimidade de adultério pela moral social, devido ao intenso machismo presente no contexto social do livro, e que ainda está enraizado em nossa cultura atual.
Todavia, esse não é o caso de Madame Bovary, a senhora burguesa não se submete por completo a essas concepções tradicionais, representando uma libertação feminina dos dogmas religiosos do casamento católico. Essa contradição de valores fez com que o autor do livro, Flaubert, sofresse um processo jurídico por imoralidade. O que exemplifica o quão conservadora era a justiça burguesa da época, que tanto pregava os valores iluministas de liberdade individual e de igualdade, mas na realidade aplicou esses valores para o benefício de poucos e o detrimento de muitos, sobretudo minorias sociais, como as mulheres, problema esse, que infelizmente ainda é encontrado atualmente.
No desenvolver do romance, Emma e Rudolph se encontram rotineiramente, desenvolvendo um relacionamento que cada vez mais traz felicidade e rejuvenesce a protagonista, sendo que o marido mal suspeita de que possa existir um caso entre os dois, uma vez que, sua mentalidade nega a possibilidade de uma mulher casada cometer adultério. Presa em seu romance ideal, Emma sugere ao seu amante que fujam juntos, deixando de lado suas vidas, o que mostra a autonomia da protagonista, sendo que tradicionalmente nos romances de época os homens que propõe fugas para as mulheres. Todavia, Rudolph não segue com a fuga, terminando seu romance com Emma, o que a deixa mais deprimida.
Após esse evento, Emma se reencontra com León, os dois confessam o amor pelo outro e começam a ter um romance. Agora Emma não resita o adultério, pois está desesperada para sair de sua condição melancólica. Acompanhando esse romance, a protagonista passa a comprar compulsoriamente vestidos de luxo, uma vez que, passa a ser uma das únicas coisas que a traz felicidade, mesmo que seja superficial, resultando em enormes dívidas, que não conseguem ser pagas, devido o mínimo número de pacientes que o marido passa a atender
Assim como o outro adultério, o romance entre Emma e León se desfaz, sendo essa a gota d’água para Emma. A protagonista passa o romance inteiro procurando desfazer sua solidão interior, seu vazio existencial, sua prisão melancólica matrimonial, por meio de adultérios, que a traziam o prazer hedonístico, excessivas compras, que a traziamo prazer de pertencer a classe burguesa, mas sua insatisfação nunca é sanada, e com o término da relação com León, Emma decide se matar, para enfim livrar-se de sua condição emocionalmente deplorável. No delírio de sua morte, Emma vê a imagem de um mendigo cego, o qual é visto no meio do romance durante uma viagem. A meu ver, a imagem dele representa o verdadeiro interior da protagonista, o qual, assim como o mendigo, é horroroso, problemático, doente pelo olhar da sociedade moderna burguesa, assim sendo uma representação física do sentimento interior sentido por Emma, como ela realmente se sentia devido suas ações, seus adultérios, sua falha vida matrimonial. Além disso, é possível traçar uma referência bíblica desse acontecimento, a partir de uma passagem, em que Jesus se depara com Bartimeu, um mendigo cego o qual Jesus o concede a visão. Segundo uma concepção religiosa, o desfortunado seria uma representação de como o ser humano é sem Cristo, em que um cego não sabe para onde vai e um mendigo não tem pra onde ir, portanto, uma alma perdida nos parâmetros de uma sociedade tradicional cristã. De maneira análoga, seria esta a condição que Emma projetava em si mesma por cometer os adultérios, pois sua moral e da sociedade a qual frequentava ainda era demasiadamente religiosa, o que pode ser evidenciado também pela frequente presença de padres em seu quarto quando ela se encontra seriamente depressiva.
Bibliografia:
FLAMBERT, Gustave – Madame Bovary
IANNI, Octavio – Sociologia e o Mundo Moderno
ROSELLI, Luiz – Cegos mendigos
Não morda a maçã

Continue navegando