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Doutrina Nacional Arbitragem de Ofertas Finais no brasil BRUNO GUANDALINI1 Sócio de Carvalho, Machado, Timm e Luz Advogados. Doutorando em Direito – Université de Nice – Sophia-Antipolis, LLM, Georgetown University Law Center. Master II, Université de Paris II – Panthéon-Assas. RESUMO: Arbitragem de ofertas finais é um modelo de arbitragem um pouco diferente da arbitragem convencional. Por ser muito usada para dirimir conflitos na Baseball League americana, passou a ser também conhecida como Baseball Arbitration. Apesar de ser bastante usada em outros países, sua uti- lização no Brasil é discreta diante da inexistência de regulamentos de arbitragens ou interpretação pelos tribunais desse modelo. O texto busca, num primeiro momento, mostrar que o modelo tem seu interesse: os incentivos econômicos da diminuição da litigiosidade e o favorecimento do acordo entre as partes. E como funcionam esses incentivos? O árbitro limita-se a escolher entre duas ofertas das partes; assim, as partes tendem a propor a solução mais próxima possível da realidade. Diante disso, a segunda questão que se coloca é a compatibilidade do modelo com o ordenamento jurídico brasileiro. O texto explica que esse interessante modelo pode ser compatível: basta fazer-se alguns necessários ajustes e adaptações. ABSTRACT: Final offer Arbitration is an arbitration model slightly different from conventional arbitration. As it was firstly used to resolve conflicts in the American Baseball League, it became known as Baseball Arbitration. Despite its widespread use in other countries, in Brazil it is quite discrete as there are neither arbitration rules, nor case law regarding this model. This text aims, at first, to describe that the model has its interest: the economic incentives to reduce litigation and promote mutual agreement between the parties. And how do these incentives work? The arbitrator is limited to choose between two offers so parties tend to offer the solution closest to the reality. Therefore, the second question that arises in the text is the model’s compliance with the Brazilian legal system. As the text explains, this interesting model might be compatible, but few adjustments are necessary. SUMÁRIO: Introdução; 1 Utilidade; 1.1 A ideia de AOF vs. a ideia de AC (“arbitragem convencional”); 1.2 O fundamento econômico para a utilização da AOF no Brasil; 2 Compatibilidade; 2.1 Desafios jurídicos; 2.2 Soluções práticas; Conclusão. INTRODUÇÃO Em 1908, Tommy Leach, então jogador de baseball do clube Pittsburg Pirates, propôs um mecanismo para definir seu salário para a temporada, o qual ele chamou de arbitragem. Tal mecanismo consistia em escolher três ár- bitros, pessoas na comunidade empresarial local, que decidiriam seu salário. A constituição dessa “comissão de árbitros” não é estranha à formação dos tri- bunais arbitrais na arbitragem convencional (“AC”) dos dias de hoje: o jogador escolheria um árbitro, o clube escolheria outro e ambos nomeariam o terceiro. 1 O autor agradece os relevantes comentários de Caroline Klamas na primeira versão deste texto. 8 ........................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL Naquele caso, o procedimento acabou não acontecendo, pois o proprietário do clube, além de não concordar com o método, entendeu não ser obrigado a se submeter a tal procedimento. O resultado não poderia ter sido outro: o clube impôs um salário e Leach não jogou pelos Pirates naquela temporada2. Essa situação relata a imposição unilateral de salários que ocorreu na liga de baseball americana por muito tempo. Os times adotavam uma espécie de cláusula de reserva, a qual limitava, em linhas gerais, a atuação dos jogadores por outros clubes. Ficavam amarrados ao clube que contratavam primeiro3. Os salários eram impostos, já que existia relação de dependência. Como nem todos tinham o sucesso de Leach, os orgulhosos penduravam as chuteiras. O tempo passou e a Liga mudou, assim como o Direito. Foi quando Dick Woodson, jogador de baseball americano que se destacou em 1974, ganhou seu caso. Uma arbitragem foi instaurada para que o árbitro escolhesse entre sua proposta de US$30,000 e a do clube, de US$23,0004. Desde então os clubes vêm adotando a arbitragem de Leach e Woodson para definir os salários dos jogadores; em caso de discordância, o jogador pro- põe um valor, o clube define outro e os árbitros escolhem uma das duas pro- postas. Esse procedimento, por ser usado nessa indústria, passou a ser chamado de arbitragem baseball. O conceito de arbitragem baseball consiste, portanto, no seguinte: cada parte apresenta uma sugestão de decisão para um tribunal arbitral constituído especialmente para escolher a proposta de uma das duas partes como a sua decisão final. Por isso, esse modelo recebe formalmente o nome de arbitragem de oferta final (“AOF”) ou final offer arbitration. Com o crescente sucesso do modelo, a AOF passou a ser usada em dife- rentes setores, para dirimir disputas de diferentes naturezas e não somente nos Estados Unidos. No Canadá, por exemplo, uma lei de transportes a prevê como método de resolução de disputas referentes ao preço e à qualidade do serviço5. Da mesma forma, diversas instituições já preveem AOF em seus regula- mentos6, o que comprova a aceitação do mercado. Entretanto, não há notícia 2 ABRAMS, R. I. (1999). Inside baseball’s salary arbitration process. [Chicago, IL], University of Chicago Law School, p. 57. 3 OLSON, R. J.; MCGOWAN, D. R.; ANDERSON, P. J. (2011). Commercial leasing: arbitration and remedies: materials prepared for the Continuing Legal Education seminar, Commercial leasing: arbitration and remedies, held in Vancouver, B.C., on May 6, 2011. Vancouver, Continuing Legal Education Society of British Columbia, p. 2.2.2. 4 ABRAMS, R. I. (1999). Op. cit., p. 55. 5 Section 161 do Canada Transportation Act (S.C. 1996, c. 10). 6 Nos EUA, a JAMS Streamlined Arbitration Rules & Procedures (art. 28); No Canadá, a Expedited Arbitration Rules da ADR Chambers. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ........................................................................................................................................ 9 de nenhuma instituição de arbitragem com sede no Brasil que tenha adotado AOF7, o que comprova o interesse do estudo. Em arbitragem internacional, é de se destacar as Final Offer Arbitration Supplamentary Rules, vigentes desde 1º de janeiro de 2015, as quais, além de serem aplicáveis a arbitragens domésticas em adição às regras da American Arbitration Association (AAA), são destinadas também a arbitragens internacio- nais em adição às regras do International Center For Dispute Resolution (ICDR). Em que pese haver bons indícios de que o modelo está sendo utilizado de maneira consistente no exterior, a sua utilização não tem acontecido no Brasil – ao menos não de forma pública e significativa. Por mais que exista pre- visão de AOF em duas leis muito específicas para dirimir conflitos coletivos de trabalho8, a sua vigência é recente e sua utilização ainda não é difundida9. Não há leis domésticas que adotem esse mecanismo. Não há notícia, tampouco, de jurisprudência dos mais movimentados Tribunais de Justiça interpretando ou confirmando a utilização expressa de AOF10. Diante desse cenário, questiona-se, num primeiro momento, (I) a sua utilidade para a resolução de disputas cíveis e comerciais. Afinal, se ela é am- plamente utilizada em outros países, por que não seria adequada para resolver esses litígios nacionais ou internacionais em arbitragens com sede no Brasil? Tal indagação leva a questionar, num segundo momento, (II) sua compatibili- dade com o ordenamento jurídico brasileiro. 1 UTILIDADE A AOF nãoé uma arbitragem tradicional. Cabe, assim, compreender as diferenças entre os dois modelos (1.1). Visto isso, busca-se uma explicação econômica dessas características e questiona-se se elas proporcionariam maior eficiência na resolução de disputas comerciais no Brasil (1.2). 7 Foram consideradas as seguintes Câmaras: CAESP – Conselho Arbitral do Estado de São Paulo; Centro de Arbitragem e Mediação – CCBC; Câmara de Arbitragem do Mercado – BM&F Bovespa; Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CIESP/FIESP; Câmara de Mediação e Arbitragem do IASP; CAMARB; Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem; ARBITAC – Associação Comercial do Paraná; e Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Paraná. 8 A lei mais antiga é o art. 4º da Lei nº 10.101/2000, o qual prevê AOF para dirimir conflitos ligados à participação nos lucros ou resultados da empresa pelos empregados. O caso mais recente é o do art. 37 da Lei nº 12.815/2013, no qual AOF é prevista como método de resolução de controvérsias trabalhistas entre os operadores portuários e o porto no seio do órgão de gestão de mão de obra. 9 Foi feita uma pesquisa jurisprudencial com as palavras “arbitragem” e “ofertas finais” em vários Tribunais Regionais do Trabalho e não se encontrou notícia de uma utilização extensiva de AOF no Brasil para esses litígios de cunho trabalhistas. 10 Foram pesquisados os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais pelas expressões “arbitragem de oferta final”, “final offer” e “baseball”. 10 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL 1.1 A ideiA de AOF vs. A ideiA de AC (“ArbitrAgem COnvenCiOnAl”) A AOF tem basicamente as mesmas características da AC, a qual é am- plamente adotada no Brasil e baseada na Convenção de Nova York de 1958, na Lei nº 9.307/1996 e nos tradicionais regulamentos de arbitragem da ICC, do ICDR e da CAM/CCBC (1.1.1). Mas há ao menos uma diferença essencial se a compararmos com a AC, o que desperta interesse do tema (1.1.2). 1.1.1 O modelo de AOF tem, em linhas gerais, as mesmas características que a AC. Em ambas as formas de arbitragem existe a necessidade de consen- timento das partes. A forma de escolha dos membros do tribunal deve seguir os mesmos preceitos da AC, a qual geralmente é definida por regulamento de arbitragem, com a presença de uma autoridade nomeadora. Na AOF, a senten- ça coloca fim à disputa entre as partes e é irrecorrível, como na AC. Mas existe grande diferença quanto à liberdade de decisão dos árbitros. 1.1.2 A grande diferença entre a AOF e a AC está na impossibilidade de o tribunal construir livremente uma decisão que seja adequada ao caso. Ora, o procedimento utilizado para a escolha do salário de Dick Woodson revela o elemento de principal interesse da AOF: o árbitro limita-se a escolher uma das ofertas de uma das partes. Por um lado, na AC, o árbitro tem o dever de resolver o litígio conforme seu livre convencimento. Em não havendo imposição das partes, observadas as leis aplicáveis à arbitragem, o árbitro é absolutamente livre para decidir11, mas tem o dever de fazê-lo de maneira que a decisão que ele vá proferir seja a me- lhor possível12. Em outras palavras, espera-se que a solução ao caso, com base no direito aplicável ou em equidade, seja dada pelo próprio tribunal. Por outro lado, na AOF, utilizando-se para comparação o formato esti- pulado nas regras supletivas da AAA/ICDR13, o tribunal arbitral deve limitar-se a escolher apenas uma das ofertas finais submetida pelas partes14. É importan- te ressaltar que as ofertas finais das partes devem consistir em um montante expresso em dinheiro, o qual incluirá todo inadimplemento, controvérsia ou pedido resultante do contrato ou relação jurídica em questão. Além disso, a oferta final deve expressar a moeda, quem será responsável pelo pagamento e para quem deverá ser feito. Juros e custos da arbitragem serão acrescentados pelo tribunal arbitral, de acordo com o regulamento aplicável à arbitragem15. 11 MAYER, P. (2013). La liberté de l’arbitre. Revue de l’Arbitrage: Bulletin du Comité Français de l’Arbitrage, p. 339-365. 12 CLAY, T. (2005). L’arbitre face aux parties. Rev. Tunisienne Arb., p. 103. 13 Utilizar-se-á o modelo proposto nas referidas regras supletivas do ICDR. Esse modelo é o tradicional. Entretanto, há outras formas de arbitragem de oferta final, as quais foram desenvolvidas numa tentativa de melhorar o mecanismo e corrigir ineficiências. Ver BORRIS, C. (2007). Final offer arbitration from a civil law perspective: how to play baseball in a soccer country. Journal of International Arbitration, 24, 307-317, p. 307. 14 Final Offer Arbitration Supplementary Rules – ICDR, art. 6. 15 Final Offer Arbitration Supplementary Rules – ICDR, art. 5. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 11 Finalmente, é importante mencionar que a sentença deverá ser motivada, apre- sentando as razões da escolha da oferta de uma parte e não da outra parte16. Essa particularidade tem importantes consequências para a economia do conflito, já que são gerados diferentes incentivos às partes e aos árbitros. 1.2 O FundAmentO eCOnômiCO pArA A utilizAçãO dA AOF nO brAsil O principal incentivo da AOF é o elemento da aposta17. Insta buscar uma explicação econômica para explicar a estrutura de incentivos gerados por esse procedimento (1.2.1). É essencial também identificar algumas desvantagens práticas de forma a poder-se recomendar situações nas quais os incentivos da AOF a tornará mais útil que a AC (1.2.2). 1.2.1 A utilidade da ideia de AOF pode ser explicada com elementos da economia comportamental, os quais merecem ser analisados sob duas diferen- tes perspectivas: a dos árbitros (1.2.1.1) e a das partes (1.2.1.2). 1.2.1.1 No que tange ao comportamento dos árbitros, a AOF tem o con- dão de evitar a tendência, muitas vezes controvertida18, dos árbitros de buscar decisões equilibradas entre os pedidos das partes. Essa prática, internacional- mente conhecida como to split the baby, em que o árbitro não acolhe na inte- gridade os pedidos de nenhuma das partes, com o propósito de agradar ambas ao máximo, da melhor forma possível e aumentar sua reputação – sua utilidade – da melhor forma possível. Com a limitação imposta ao árbitro na AOF no sentido de poder escolher apenas uma das soluções ofertadas, exclui-se esse problema: ou o árbitro aceita uma oferta, ou aceita outra – não se pode dividir o bebê. 1.2.1.2 No que tange ao comportamento das partes, a AOF tem explica- ções ainda mais importantes. A primeira delas é justamente evitar a consequên- cia do sentimento que as partes têm de que os árbitros irão “dividir o bebê”19. Ora, nos procedimentos convencionais, munidos desse sentimento, as partes têm a tendência de fazer pedidos mais extremos. Quanto mais extremo for o pedido, maior a chance de que “sua metade do bebê” seja maior. Esse com- portamento resulta em mais ineficiência, já que gera um ambiente desfavorável ao acordo. Portanto, a mudança de comportamento do árbitro gera incentivos 16 Final Offer Arbitration Supplementary Rules – ICDR, art. 6. 17 BORRIS, C. (2007). Final offer arbitration from a civil law perspective: how to play baseball in a soccer country. Journal of International Arbitration, 24, 307-317, p. 307. 18 Fenômeno já identificado. Ver FARBER, H. S.; BAZERMAN, M. H. (1983). Arbitrator decision making when are final offers important? Cambridge, Mass, National Bureau of Economic Research. <http://papers.nber.org/papers/ w1183>. Ver ZRILIC, J.; BREKOULAKIS, S. L.; MISTELIS, L. A. (2012).2012 international arbitration survey: current and preferred practices in the arbitral process. <http://www.whitecase.com/files/Uploads/Documents/ Arbitration/Queen-Mary-University-London-International-Arbitration-Survey-2012.pdf>, p. 38. Entretanto, há pesquisas evidenciando que, na prática, esse fenômeno não acontece. Ver KEER, S. E.; NAIMARK, R. W. (2001). Arbitrators do not “split the baby”: empirical evidence from international business arbitrations. Journal of International Arbitration, 18, p. 573-578. 19 BORRIS, C. (2007). Op. cit., p. 308. 12 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL para que as próprias partes mudem seu comportamento e para que os acordos sejam mais prováveis. Além disso, como somente as partes são quem conhece a verdade ma- terial do caso, são elas quem têm as melhores posições para decisão e propo- sição de uma solução. Na ausência de assimetrias de informação relevantes, elas sabem qual é o ponto de equilíbrio, ou seja, a solução mais eficiente para a controvérsia. Nesses termos, a AOF concede incentivos para que as partes apresentem ofertas de decisões menos extremas e mais próximas da solução mais eficiente. Afinal, repita-se, quanto mais razoável e eficiente for a decisão de uma parte, maior a probabilidade de o árbitro escolhê-la e menor o risco. Explica-se. A probabilidade de escolha da oferta da outra parte ressalta a existência do risco, o qual gera em cada uma das partes o medo de que o árbitro venha a escolher a proposta do outro. Esse é o elemento de aposta. Em termos econô- micos, como as partes são racionais e maximizadoras, é razoável que busquem propor uma oferta ótima, resultado de uma função entre, de um lado, a melhor utilidade – qual seja, o melhor valor de oferta – e, de outro, a mais próxima da verdade – a qual gera, em tese, a maior probabilidade de o árbitro aceitar sua decisão. Entretanto, sabe-se que os indivíduos têm aversão a riscos20, o que acaba colocando a aposta da AOF como um elemento incentivador para que as par- tes cheguem a ofertas mais próximas do equilíbrio. Isso evita comportamentos extremos e aumenta em muito a probabilidade de acordo. Outra explicação da eficiência da AOF está ligada ao menor custo de transação. A razão está justamente na posição mais extrema que as partes nor- malmente adotam na arbitragem convencional, já que quanto mais extrema, maior o custo de defendê-la. Afinal, cada pedido e posição deve ser baseado em fatos, argumentos, perícias e pareceres. Quanto mais uma parte se distancia da verdade, mais elaborada deve ser a argumentação e o suporte probatório, de forma a se obter uma maior probabilidade de sucesso. Esses custos, chamados de “custos de influência”21, são teoricamente diminuídos com a AOF. Com base nisso, ainda existe a possibilidade de estipulação de uma pena para a parte que tem sua oferta preterida22. Nesse caso, a parte preterida, além de ter de se submeter à decisão ofertada pela outra parte, deverá arcar com uma multa, normalmente estabelecida em um percentual sobre o valor da de- cisão escolhida. Pode ser potencializado, portanto, o incentivo para evitar po- sições extremas. 20 COOTER, R.; ULEN, T. (2007). Law and economics. Harlow, Pearson Addison-Wesley, p. 49. 21 FLUET, C.; GABUTHY, Y. (2010) Conventional versus final-offer arbitration. <https://www.gate.cnrs.fr/IMG/pdf/ y10_m10_SER_FluetGabuthy.pdf>, p. 3. 22 BORRIS, C. (2007). Op. cit., p. 309. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 13 1.2.2 Entretanto, apesar dos incentivos mencionados, sabe-se que a ado- ção de AOF pode gerar ineficiência em ao menos três situações. Em primeiro lugar, a limitação da escolha da sentença pelo árbitro pode gerar um desincen- tivo a alguns árbitros aceitarem julgar os casos. É razoável que alguns árbitros, principalmente os mais renomados, possam não aceitar arbitrar casos em que sua decisão fique limitada à proposta de uma das partes. A menor probabili- dade de se ter bons árbitros nesse modelo diminui uma das vantagens essen- ciais da arbitragem: a especialidade e qualidade do julgador. Afinal, tant vaut l’arbitre, tant vaut l’arbitrage. Em segundo lugar, a falta de conhecimento e de prática das partes e dos árbitros com esse tipo de procedimento também pode contribuir para a sua ineficiência. Conforme ressaltado, a vantagem da AOF aparece justamente no incentivo concedido às partes para tenderem a um acordo e para se afastarem de posições arredias e extremas. Caso as partes não conheçam e não estejam conscientes do elemento da aposta, não haverá tal incentivo. Finalmente, a principal desvantagem é ligada à adequabilidade do pro- cedimento. Conforme revelado pelo modelo adotado nas regras da AAA/ICDR, a oferta final deverá ser estipulada em um valor e deverá abranger todos os pedidos. Assim, é evidente que esse modelo não é adequado para a concessão de uma tutela específica de obrigação de fazer. Mesmo que se cogite a pos- sibilidade de se apresentar oferta de fazer e de não fazer, a sua utilidade fica limitada pelos incentivos ao acordo. Além disso, mesmo que exista posição que sustente algumas desvanta- gens da AOF23, o método é, em geral, defendido pela doutrina24, a qual men- ciona gerar um verdadeiro efeito narcótico25 nas partes que já tenham experi- mentado. Feitas essas ressalvas, deve-se relatar as diversas situações em que o modelo de AOF teria boa utilidade no Brasil. Além dos exemplos no direito do trabalho, a AOF também seria inte- ressante em matéria imobiliária. A título de ilustração, a AOF foi utilizada em um contrato de um particular com um banco para determinar o valor de uma obrigação fiduciária de um imóvel26. Para ater-se à realidade brasileira, a AOF seria muito conveniente para decidir questões relacionadas às revisões dos va- lores de aluguéis, conforme previsto no art. 19 da Lei nº 8.245/1991. Em caso hipotético, querendo a revisão, as partes ofertariam um valor a ser revisto e o 23 FLUET, C.; GABUTHY, Y. (2010). Op. cit. 24 Ver FARBER, H. S.; BAZERMAN, M. H. (1983). Op. cit. Ver BAZERMAN, M. H.; FARBER, H. S. (1984). The General Basis of Arbitrator Behavior an Empirical Analysis of Conventional and Final-Offer Arbitration. Cambridge, Mass, National Bureau of Economic Research. <http://papers.nber.org/papers/w1488>. Ver CHAPPE, N.; DELOCHE, R. (2000). Analyse Economique d’une Procedure de Resolution des Conflits: L’Arbitrage. [S.l.], [s.n.]. 25 MITROVIC, L. (2003). L’arbitrage baseball: arbitrage ou mode alternatif de règlement? Revue de l’Arbitrage: Bulletin du Comité Français de l’Arbitrage, 1167-1193, p. 1176. 26 Abdullah E. Al-Harbi v Citibank, NA e al, Civ N 94-2425 (NHJ) United States District Court for the District of Columbia, 1995 US. 14 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL tribunal arbitral decidiria por impor uma das proposições apenas por um dos casos. Os incentivos para ambas as partes adotarem valores compatíveis com o mercado imobiliário seriam grandes. A AOF também pode ser usada para determinar o montante de participa- ção de cada empresa em uma situação de poluição ambiental. Num exemplo, uma empresa contratou outra para realizar o tratamento dos seus dejetos, fican- do a contratada responsável por qualquer dano ambiental. O dano aconteceu e a contratante alegou que a contratada não teria feito os testes de aferimento dos níveis de poluição, os quais eram sua obrigação conforme o contrato. De- pois de iniciarem um litígioperante o Judiciário, as partes adotaram AOF com sucesso para determinar o montante do custo da despoluição de que cada uma seria responsável27. No mercado de seguros, a AOF é da mesma forma relevante. Em um caso, uma AOF entre uma empresa resseguradora e uma seguradora foram tam- bém convenientes para a determinação de um montante indenizatório decor- rente de um sinistro28. No direito societário, a AOF pode ter boa relevância, por exemplo, para resolver disputas sobre o valor das cotas em casos de exclusão do sócio . Há notícia também das vantagens da AOF em casos de construção em que se discute a remuneração da empreiteira, principalmente em casos de sobrecusto decorrente do não respeito do tempo ou trabalhos não previstos29. Os exemplos são inúmeros. De uma forma geral, as vantagens da AOF revelam-se principalmente nos casos em que se discute a determinação de valores, como para a determi- nação do salário dos jogadores de baseball. Diante da constatação de que a arbitragem de oferta final poderia pro- porcionar maior eficiência na resolução de disputas em casos específicos, resta questionar se o modelo é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro. 2 COMPATIBILIDADE A arbitragem no Brasil é regida pela Lei nº 9.307/1996. Se a arbitragem não estiver de acordo com essa lei, será negada força jurídica e execução à sentença que dela resultar. Da mesma forma, a sentença proferida no exterior não será reconhecida no Brasil se não for compatível com a Convenção de Nova York de 1958. Nesses termos, insta questionar, portanto, se a ideia de AOF adequa-se às normas vigentes no Brasil (2.1). Diante disso, não é demais, para superar al- 27 MITROVIC, L. (2003). Op. cit. Nota de rodapé 14. 28 MITROVIC, L. (2003). Op. cit. Nota de rodapé 13. 29 MITROVIC, L. (2003). Op. cit., p. 1193. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 15 guns desafios jurídicos, prescrever soluções práticas para se realizar uma AOF com sede no Brasil ou, eventualmente, para se reconhecer uma sentença es- trangeira de AOF reconhecida no país (2.2). 2.1 desAFiOs jurídiCOs A AOF, quando tiver sede no Brasil ou quando dela resultar sentença a ser reconhecida no País, encontra dois grandes desafios. O primeiro reside em saber se a AOF é arbitragem para fins da aplicação da Lei nº 9.307/1996 e da Convenção de Nova York de 1958 (2.1.1). Em segundo lugar, deve-se identifi- car se a AOF é compatível com tal ordenamento (2.1.2). 2.1.1 Nos moldes de como fizera Mitrovic ao analisar o caso francês30, deve-se, num primeiro momento, verificar se uma AOF está sob o império da lei de arbitragem. Para tanto, deve-se procurar uma definição do instituto na própria lei. A Lei nº 9.307/1996 regula as condições de validade da arbitra- gem, mas não concede uma definição explícita. Esta pode ser extraída, entre- tanto, nas entrelinhas dos dispositivos da lei. No mesmo sentido, o Decreto nº 4.311/2002, o qual incorporou a Convenção de Nova York de 1958, res- tringe-se a mencionar sentenças arbitrais estrangeiras, deixando o conceito de arbitragem da Lei nº 9.307/1996 nortear a natureza das sentenças estrangeiras. É sabido que a Lei nº 9.307/1996 tem a função primordial de conceder força e validade a uma convenção arbitral, assim como à sentença proferida por um tribunal arbitral, e para isso apresenta vários requisitos. Sabe-se então que os indivíduos podem se valer da arbitragem, por meio de uma convenção arbitral, para dirimir determinados tipos de conflitos, a ser decidido por qual- quer pessoa que atenda determinados requisitos31. Assim, chega-se à definição de arbitragem como sendo o instituto pelo qual duas ou mais partes acordam em se submeter à decisão de um terceiro, que colocará fim ao litígio. Resta verificar, portanto, se a ideia de AOF atende a essa definição. Entende-se que a ideia de AOF atende ao conceito de um instituto por meio do qual as partes buscam dirimir um litígio. O próprio legislador brasi- leiro, na mencionada Lei nº 10.101/2000, já definiu que se “considera arbi- tragem de ofertas finais aquela em que o árbitro deve restringir-se a optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das partes”32. Além disso, na mesma lei, prevê-se a obrigatoriedade do compromisso arbitral33 e do laudo arbitral34, conceitos também definidos na Lei nº 9.307/199635. 30 MITROVIC, L. (2003). Op. cit. 31 Arts. 1º, 4º e 13 da Lei nº 9.307/1996. 32 Art. 4º, § 1º, da Lei nº 10.101/2000. 33 Art. 4º, § 3º, da Lei nº 10.101/2000. 34 Art. 4º, § 4º, da Lei nº 10.101/2000. 35 Arts. 4º e 31 da Lei nº 9.307/1996. 16 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL Em linhas gerais, portanto, seja porque AOF enquadra-se na definição jurídica de arbitragem da Lei nº 9.307/1996, seja porque o legislador já deu um bom indício expressamente, conclui-se que uma sentença de AOF deve ser regida pela Lei nº 9.307/1996 e pela Convenção de Nova York de 1958, respectivamente para AOF com sede no Brasil e sentenças estrangeiras de AOF, para ser válida. Resta verificar, entretanto, se a característica do procedimento de AOF adequa-se a esses diplomas. 2.1.2 Uma arbitragem, trate-se de AC ou AOF, deverá obrigatoriamente observar os preceitos da Lei nº 9.307/1996. Entretanto, os desafios jurídicos re- sidem principalmente com relação à diferença essencial entre os modelos, qual seja, o fato de o árbitro limitar-se à oferta de uma das partes. Há de se analisar alguns desses desafios, em particular aqueles ligados à sentença (2.1.2.1) e ao procedimento (2.1.2.2). 2.1.2.1 A limitação do poder jurisdicional do árbitro pelo modelo de AOF causa preocupação quanto à compatibilidade da sentença com a Lei nº 9.307/1996 e a Convenção de Nova York de 1958. Ora, não é demais lem- brar que a sentença deve atender a requisitos obrigatórios, caso contrário pode- rá ser anulada e ter sua execução ou reconhecimento negados. De acordo com a Lei nº 9.307/1996, a sentença deve conter os seguintes elementos: um relató- rio; os fundamentos da decisão, em que serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se se os árbitros julgaram por equidade; o dispositivo, o qual conterá a solução das questões que lhes forem submetidas; conter data e lugar, e assinatura do árbitro. Assim, a sentença resultante da AOF deverá conter esses requisitos, sob pena de nulidade36. Diante disso, tem-se que as ofertas feitas pelas partes deverão ser uma oferta de uma solução, e não deverão consistir em uma oferta de sentença, sob pena de essa sentença desrespeitar esses requisitos. Em se tratando de oferta de uma solução, nos moldes do regulamento da AAA/ICDR, caberá ao tribu- nal redigir a sentença e todos os seus elementos, limitando-se à escolha de um dos valores ofertados pelas partes. Se as partes propuserem uma oferta de sentença, estas podem não contemplar todos os requisitos exigidos pela Lei nº 9.307/1996, impossibilitando a escolha pelo árbitro de uma sentença válida. Diante dos requisitos da sentença, a escolha da oferta de uma das partes encontra três grandes desafios. Em primeiro lugar, o tribunal arbitral deverá fundamentar a sentença, obrigação que impõe ao árbitro o dever de motivar sua decisão com base no direito ou na equidade. No modelo de AOF, há um perigo de as partes fazerem ofertas muito distantes da solução que determinaria o direito aplicável e assim o tribunal arbitral não conseguir fazer uma funda- 36 Art. 31, inciso III, da Lei nº 9.307/1996. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL .....................................................................................................................................17 mentação razoável com base nesse direito, ficando prejudicada a sentença. A escolha da equidade resolveria esse problema. Ora, já que as partes, ao adotarem AOF, já conseguem maior previsibi- lidade pela limitação dos poderes do tribunal arbitral à escolha das ofertas (ou uma oferta ou outra), não é mais necessária a previsibilidade que um direito específico proporcionaria. A escolha de equidade na AOF seria aconselhável, portanto, para evitar qualquer dificuldade de fundamentação num direito espe- cífico, o qual ameaçaria a validade da sentença. O problema é menor em caso de sentença estrangeira, já que o STJ já se manifestou no sentido de que a motivação adotada na sentença deve seguir os padrões do país em que foi proferida, não podendo sua concisão servir de pretexto para inibir sua homologação37. Em segundo lugar, há o problema de as partes ofertarem soluções para apenas parte dos litígios. Assim, caso a oferta das partes não contemple todos os litígios definidos no termo de arbitragem, também haveria risco de nuli- dade da sentença, de acordo com o antigo regime (art. 32, inciso V, da Lei nº 9.307/1996). Para afastar esses problemas, por exemplo, as próprias Final Offer Arbitration Supplementary Rules do AAA/ICDR previram, no art. 5º, que a oferta final deverá ser limitada a um único valor expresso em valores monetá- rios para todos os pedidos, com indicação de qual parte deverá pagar por isso. Faz-se importante ressaltar que a Lei nº 13.129/2015 revogou expressamente o inciso V, de forma que a sentença que não resolva todos os pontos estabe- lecidos no termo de arbitragem não mais será nula e pode ser objeto de uma sentença complementar38. Dessa forma, afasta-se também qualquer problema de o árbitro ficar limitado à proposta das partes, num modelo de AOF em que as partes imponham as soluções, e não somente um valor que abranja todos os pedidos. O procedimento pode facilmente estabelecer que, caso a oferta esco- lhida não cubra todo o litígio definido no termo de arbitragem, o árbitro será livre para decidir em sentença complementar. Em terceiro lugar, a ideia pura de AOF não admite a decisão pelo árbitro de medidas de urgência. A razão é simples: não há tempo suficiente para o árbitro receber as ofertas finais. Muitas vezes a oitiva da outra parte, necessária na ideia de AOF, far-se-ia impraticável. Nessa esteira, nada impede que as par- tes estipulem que o mesmo tribunal arbitral proferirá sentença final, adotando- -se o regime de ofertas finais para alguns pedidos, podendo proferir sentença parcial da maneira tradicional para qualquer medida de urgência, independen- te da existência de árbitro de emergência. Lembre-se ainda de que a ideia de AOF não contraria o preceito tradicional de que em sentença final o tribunal 37 Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Sentença Estrangeira Contestada nº 5.692 – EX (2012/0246980-3), Rel. Min. Ari Pargendler. J. 20/08/2014. 38 Art. 33, § 4º, da Lei nº 9.307/1996. 18 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL arbitral poderá confirmar ou alterar o decidido em sentença parcial, com base em uma oferta de uma das partes. Finalmente, haveria um real problema se o árbitro proferisse sentença sem escolher qualquer uma das ofertas das partes, em contrariedade à conven- ção de arbitragem. É razoável imaginar que o árbitro teria motivos para tanto, como, por exemplo, caso nenhuma das partes propusesse uma oferta adequada ou completamente fora dos limites impostos na convenção. Nesses casos, a sentença seria nula porque seria proferida fora dos limites da arbitragem39. 2.1.2.2 Ainda, a Lei nº 9.307/1996 permite às partes escolherem livre- mente o procedimento arbitral, ou ao árbitro caso as partes não o façam40, o que comprova a possibilidade de adoção do procedimento de AOF. Entretanto, a mesma lei impõe que devem ser respeitados os princípios do contraditório e da igualdade das partes41. É imperioso que o procedimento de AOF, portanto, respeite esses princípios, já que da sua inobservância poderá acarretar a nuli- dade da sentença42. O princípio do contraditório e da igualdade das partes toca a noção de ordem pública processual, a qual engloba o direito das partes de se fazerem ou- vir, de rebater os argumentos da parte contrária e de produzir e rebater provas durante o procedimento43. A ideia básica de AOF não viola, em regra, nenhum desses princípios, mas sua efetivação deverá ser feita na prática e garantida pelo tribunal arbitral. Tendo como exemplo as regras supletivas do AAA/ICDR, os princípios serão respeitados se ambas as partes fizerem as trocas de ofertas e ambas en- viarem sua oferta final para a outra parte e para o tribunal arbitral, o qual não poderá ler nenhuma das ofertas até o término das audiências. Caso o tribunal arbitral tenha conhecimento do conteúdo de uma das ofertas antes das audiên- cias, por exemplo, ou se receber uma oferta de uma parte depois de começada a audiência, a igualdade entre as partes estaria prejudicada e haveria violação da Lei nº 9.307/1996. Da mesma forma, sentenças estrangeiras de AOF não serão reconhecidas no Brasil caso o procedimento viole os princípios mencionados, os quais estão imiscuídos nos art. 5º, § 1º, alínea b, e § 2º, alínea b, da Convenção de Nova York sobre reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Um outro problema é encontrado caso uma das partes não compareça a um procedimento de AOF. Para o bem do argumento, comparando-se, a maio- ria dos regulamentos de arbitragem permite que se continue o procedimento 39 Art. 32, IV, da Lei nº 9.307/1996. 40 Art. 21 da Lei nº 9.307/1996. 41 Art. 21, § 2º, da Lei nº 9.307/1996. 42 Art. 32, inciso VIII, da Lei nº 9.307/1996. 43 MITROVIC, L. (2003). Op. cit., p. 1188. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 19 mesmo se a parte requerida não comparecer para firmar o termo de arbitragem, o que é permitido de acordo com o art. 5º da Lei nº 9.307/1996. Nesse caso, o tribunal arbitral proferirá uma sentença, a qual poderá ser executada, mesmo diante da ausência da parte requerida no procedimento arbitral. Já na AOF questiona-se se o princípio do contraditório não seria afetado, uma vez que não haveria escolha do árbitro pela oferta final. Além disso, resta dúvida quanto à falta de livre convencimento e motivação dos árbitros. Ora, na AC considera-se que, sendo inequivocamente intimada a parte para comparecer à assinatura do termo de arbitragem, é dada a oportunidade de exercer o contraditório. Da mesma forma, o tribunal arbitral poderá livre- mente exercer seu convencimento e motivará sua decisão, inclusive para negar todos os pedidos da parte requerente, caso entenda por bem. Já na AOF, em tese, também não se viola o princípio do contraditório caso as partes sejam validamente intimadas a comparecer à arbitragem. En- tretanto, não haverá motivação e livre convencimento do árbitro, já que o tri- bunal arbitral não poderá exercê-los na ausência de ao menos duas ofertas. O convencimento ficaria prejudicado já que não haveria outra escolha que não a única oferta imposta. A falta de motivação também existiria já que não se pode motivar aquilo que não se escolhe. As regras supletivas da AAA/ICDR preveem que, caso uma das partes não apresente sua oferta final, o tribunal poderá continuar com a arbitragem. Entretanto, caso a continuação da arbitragem se dê com a adoção da única oferta realizada pelo tribunal arbitral, acredita-se que não haveria motivação e exercício do livre convencimento e a sentença poderia ser declarada nula. De uma forma geral,para evitar qualquer problema e aproveitar o má- ximo da eficiência que um procedimento de AOF pode gerar, não é demais identificar algumas soluções práticas. 2.2 sOluções prátiCAs A adoção de AOF no Brasil deve ser avaliada levando-se em conta as características supracitadas e os desafios jurídicos mencionados. Por isso, reco- menda-se adotar AOF observando-se os cuidados que seguem. Em primeiro lugar, deve-se estipular na convenção de arbitragem a in- tenção da limitação do poder do árbitro à escolha da oferta de uma das partes. Isso pode ser feito com a menção inequívoca a um regulamento de arbitragem como as Supplementary Rules da AAA/ICDR. Embora inexistente semelhante regulamento de arbitragem de instituição sediada no Brasil, cabe às partes es- tipular na própria convenção, de forma inequívoca. Entretanto, todo cuidado deve ser tomado caso as partes queiram fazê-lo em conjunto com algum regu- lamento de AC. Na maioria dos casos, os regulamentos preveem a possibilida- 20 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL de de as partes alterarem as suas regras com mútuo acordo, sendo recomenda- da uma avaliação do caso concreto. Ressalte-se que é perigosa a simples menção das expressões “arbitragem de ofertas finais” ou “arbitragem baseball”. Se constarem de convenção de ar- bitragem tais expressões, juntamente à indicação de regulamento de arbitragem que não preveja tal ideia, o procedimento pode resultar em claro desrespeito à própria ideia de AOF. Diferentemente, mas com perigo semelhante, se constar de convenção de arbitragem ad hoc, há o risco de que, por falta de experiência, o tribunal arbitral desrespeite a ideia de AOF e, consequentemente, a própria convenção das partes. O resultado seria desastroso. Como não há notícia de interpretação de uma convenção de arbitragem que adote AOF por tribunal de justiça brasileiro, é aconselhável que se estabe- leça na própria convenção ou no termo de arbitragem, de forma inequívoca, o procedimento que deverá ser adotado pelo tribunal arbitral. Como já foi dito, a adoção de AOF poderia facilmente ser feita por meio de um regulamento de arbitragem de oferta final, mas, na sua ausência, os seguintes elementos devem constar da convenção: a) a indicação de um regu- lamento de arbitragem para ser aplicado subsidiariamente, principalmente pela existência de uma autoridade nomeadora do árbitro; b) a intenção inequívoca de que a sentença final deverá adotar uma das duas soluções ofertadas pelas partes para determinado litígio; c) a menção expressa de que o tribunal arbitral poderá motivar a escolha entre as ofertas com base na equidade; d) um prazo comum e razoável para que as partes troquem ofertas, tenham a mesma opor- tunidade de apresentar seu caso, produzir provas e apresentar ofertas finais; e) indicação expressa de que, se uma das partes não apresentar sua oferta final, o tribunal arbitral não ficará vinculado à oferta apresentada e podendo apenas considerá-la. As partes devem ser inteligentes para superar esses desafios e evi- tar eventual comportamento oportunista da parte contrária de forma a fazer o melhor uso possível do modelo. Além desses elementos, é importante que o tribunal arbitral redija uma sentença com todos os elementos do art. 26 da Lei nº 9.307/1996. A motivação deve justificar, com base no direito ou na equidade, a escolha a qual deve estar prevista no dispositivo. O árbitro também tem um papel essencial na condu- ção do procedimento e somente deve aceitar a missão de decidir em AOF se conhecer a sua característica essencial. A autoridade nomeadora deve estar atenta a isso. CONCLUSÃO Seja para dirimir conflitos no direito do trabalho ou para determinar danos ambientais, como é muito usada no exterior, a AOF pode ter grande serventia para dirimir determinados tipos de conflitos cíveis e comerciais no RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 21 Brasil. Em que pese não ter sido encontrado regulamento de arbitragem de ins- tituição séria sediada no País que adote tal modalidade, acredita-se que a AOF pode trazer boa eficiência, principalmente pelos incentivos que proporciona às partes no sentido de aumentar os acordos e diminuir a litigiosidade. Ainda, apesar de não se ter encontrado interpretação pela jurisprudência brasileira, viu-se que, tomando alguns cuidados essenciais, seja na adoção da AOF, seja na condução do seu procedimento, os desafios jurídicos que o modelo apre- senta podem ser facilmente superados, de forma a não haver qualquer violação da Lei nº 9.307/1996 ou da Convenção de Nova York de 1958. Cabe à prática desenvolver o modelo, superar os desafios e fazer efetivo uso da AOF para ob- ter resolução de disputas de forma ainda mais eficiente. Doutrina Nacional A Competência-Competência no Novo Código de Processo Civil: Decisão Arbitral Como Pressuposto Processual Negativo JOÃO LUIZ LESSA NETO Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco/Queen Mary, University of London. Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo, do Centro de Estudos Avançados de Processo e da Comissão de Conci- liação, Mediação e Arbitragem da OAB/PE. Advogado. RESUMO: Este trabalho cuida do regime jurídico competência-competência no Brasil, particularmente os impactos decorrentes do Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. O Novo CPC procurou estimular os meios adequados de resolução de disputas, adotando um modelo multiportas e criando um sistema de mediação e conciliação judicial quase-obrigatório. Em relação à arbitragem, a opção final foi por não efetuar alterações profundas na Lei de Arbitragem. Entretanto, este trabalho entende que o art. 485, VII, do Novo CPC é substancialmente diferente do art. 267, VII, do CPC/1973, criando um requisito processual negativo e avançando na criação do modelo brasileiro de competência-competência. Sempre que o árbitro declarar ter competência para julgar determinado caso, o juiz deverá determinar a extinção do processo que verse sobre a mesma matéria. O juiz retém poderes para efetivamente decidir, em uma análise prima facie, sobre a alegação de convenção de arbitragem e, por conseguinte, sobre a competência do árbitro, apenas se o árbitro não o tiver feito anteriormente. Cria-se, portanto, um regime de efetiva predileção temporal em favor do árbitro para decidir sobre sua competência e o momento de controle judicial dessa questão fica diferido para um momento pós-arbitral. A mudança é importante por clarificar o sentido do art. 8º da Lei de Arbitragem. ABSTRACT: This paper focuses at the competence-competence rule in Brazil, especially the consequen- ces of the New Civil Procedure Code in the matter (Federal Law 13.105 of 16 March 2015). The New CPC adopts a multi-door Court-House Model and creates a system of Court-annexed ADR. As for arbitration, the New CPC chose not to make any substantial change in the Brazilian Arbitration Act. However, the article 485, VII, of the New CPC is substantially different from its predecessor, article 267, VII, of the CPC of 1973. The new article clarifies that the arbitrator has a temporal precedence to decide about his own jurisdiction and if the arbitrator decide that he has jurisdiction to hear a given case the judge should stay any court proceedings about the same subject. The judge can only decide, in a prima facie basis, about the arbitrator’s jurisdiction if the arbitrator has not done so yet. This change is important as it settles the current debate about the text of the article8 of the Arbitration Act. SUMÁRIO: Introdução; I – Esclarecimento necessário: competência-competência e separabilidade; II – Tratamento do tema na Lei Brasileira de Arbitragem e no Código de Processo Civil de 1973; III – A profundidade em que o juiz pode conhecer da exceção de arbitragem; IV – Alegação de arbitragem no Novo CPC: notícia sobre a tramitação legislativa; V – Decisão do árbitro sobre sua competência: um requisito processual negativo; Conclusões. INTRODUÇÃO O Direito brasileiro passa por um momento importante de alteração e modernização de seu sistema de justiça civil, particularmente no que diz res- RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 23 peito aos mecanismos extrajudiciais de resolução de disputas. Foi editado um Novo Código de Processo Civil (Novo CPC), foram feitas alterações pontuais, embora importantes, na Lei de Arbitragem e criou-se um marco legal para a mediação. O Novo CPC, acompanhado por essas leis, trouxe uma série de altera- ções importantes para os meios adequados de resolução de disputas. Na ver- dade, o Novo CPC adota como norma fundamental a primazia da resolução adequada de disputas. Com o Novo CPC, passa a ser premissa e fundamento do processo civil brasileiro a adoção de um sistema de justiça multiportas, no qual cada caso deverá ser encaminhado para o método ou técnica mais adequada para a so- lução do conflito. Isso significa uma maior abertura para a arbitragem e uma profunda valorização dos meios consensuais de resolução de disputas e levou a uma conformação do procedimento, que cria um espaço próprio para o de- senvolvimento da mediação e da conciliação. Além disso, o Novo CPC valoriza o papel das partes, com a possibili- dade de negócios jurídicos processuais para a adequação do procedimento conforme os interesses delas. Trata-se de um código preocupado com um mo- delo cooperativo de justiça civil e desformalização do processo. São marcas do Novo CPC a valorização dos meios adequados de resolução de disputas e da flexibilização procedimental, a partir dos interesses das partes, com a ampla possibilidade de celebração de negócios processuais. Foram introduzidas, com o Novo CPC, diversas normas para regular a mediação e a conciliação no âmbito judicial. A arbitragem, contudo, recebeu um tratamento mais pontual, embora bastante impactante. A opção por não tra- tar longamente da arbitragem, exceto no que diz respeito a alguns aspectos da interação entre o juiz e o árbitro, decorreu da percepção de que a Lei Brasileira de Arbitragem é moderna e tem sido secundada por uma jurisprudência firme e adequada, não merecendo maior reforma. Mesmo a Lei nº 13.129/2015, que pontualmente reformou a Lei de Ar- bitragem, optou por não modificar muito a legislação brasileira sobre o tema, preferindo reformar alguns institutos, como a concessão de medidas de urgên- cia, e clarificar outros, como as disposições concernentes à arbitrabilidade dos litígios que envolvem a Fazenda Pública. O Novo CPC, ao tratar da arbitragem, procurou facilitar a relação e a troca comunicativa entre juízes e árbitros, com a criação da carta arbitral. Ele, contudo, não alterou substancialmente a Lei de Arbitragem, preservando o tra- tamento legislativo anteriormente existente. Entretanto, durante a tramitação do Novo CPC, desde o relatório de an- teprojeto apresentado pela Comissão de Juristas instituída pelo Ato nº 379, de 24 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL 30 de setembro de 2009, do Presidente do Senado Federal, até a sua aprovação definitiva, foram discutidas propostas diferentes para a exceção de arbitragem e sobre as condições nas quais o juiz poderia decidir sobre a competência do árbitro. A definição do tratamento processual e mesmo a densificação do mo- delo brasileiro de competência-competência foi o ponto de maior controvér- sia durante a tramitação legislativa do Novo CPC em matéria de arbitragem. Ao final, optou-se por um regramento mais simples, em poucos artigos. Con- tudo, o presente trabalho entende que esse regramento estabelecido é mar- cante e avança em relação ao tratamento contido no CPC/1973, por definir, com maior clareza, o regime jurídico da competência-competência arbitral no Brasil, erigindo definitivamente uma prioridade temporal e temperada em favor do árbitro. I – ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO: COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA E SEPARABILIDADE A competência-competência estrutura e permite o funcionamento ade- quado da jurisdição arbitral. Sem ela, qualquer alegação sobre a competência do árbitro seria capaz de deflagrar um contencioso judicial paralelo, obstando o bom andamento do processo arbitral. Não há como negar a importância de seu conceito e sua centralidade para o direito da arbitragem. É a competência- -competência que, em grande medida, permite o funcionamento do processo arbitral sem interferências externas indevidas. Essa regra estabelece que cabe ao árbitro decidir sobre sua própria com- petência para julgar um determinado processo arbitral, seja por questionamen- tos relativos à abrangência do contrato de arbitragem sobre certo litígio, seja so- bre a existência, validade e eficácia do próprio contrato de arbitragem ou sobre a arbitrabilidade da questão (art. 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem)1. As questões da validade do contrato e da competência do árbitro estão diretamente interligadas. Qualquer decisão de um árbitro que entenda que não há um contrato de arbitragem, ou há, mas é inválido ou ineficaz ou que o caso é inarbitrável, ou não abrangido pela convenção, é o mesmo que o árbitro decidir que não lhe cabe julgar a matéria, que ele não tem competência (juris- dição) para tanto2. Além da abrangência, validade da convenção de arbitragem e da arbi- trabilidade, a regra da competência-competência também é invocada quando é necessário determinar os poderes que podem ser exercidos pelo árbitro. As- 1 BACHAND, M. Frédéric. L’intervention du juge canadien avant et durant un arbitrage commercial international. 2004. 524 f. Tese (Doutorado em Direito) – Université de Montréal e Université Pantheon-Assas (Paris II), 2004. p. 213. 2 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003. p. 332. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 25 sim, essa regra, em uma acepção bastante ampla, aplica-se para definir quem deve julgar o caso, quais disputas podem ser arbitradas e quais os poderes do árbitro3. A regra da competência-competência é, muitas vezes, tratada em con- junto com a regra da autonomia ou separabilidade4 da convenção de arbitra- gem5. A autonomia da convenção de arbitragem significa que um vício num contrato que contenha uma cláusula compromissória arbitral não necessaria- mente implica um vício nesta e estabelece que o árbitro é quem deverá julgar sobre a existência, validade e eficácia tanto do contrato principal quanto da própria cláusula compromissória6. A cláusula compromissória é um negócio jurídico inserido num contra- to, instrumento de um negócio jurídico “principal” que as partes esperam que ocorra sem desavenças. A cláusula compromissória é um autêntico contrato, inserido no bojo de outro contrato; não é, em verdade, uma simples cláusula (art. 8º da Lei de Arbitragem). Se qualquer alegação de vício no contrato prin- cipal atingisse necessariamente a cláusula compromissória arbitral, o processo arbitral teria sérias dificuldadesoperacionais. A regra da separabilidade permi- te evitar esse inconveniente, sendo um fator otimizador do processo arbitral. A separabilidade significa que não necessariamente a inexistência, a in- validade ou a ineficácia do contrato principal atingirá a cláusula compromis- sória arbitral. A própria noção de separabilidade é uma metáfora. Para anali- sar adequadamente contratos materialmente distintos, é indispensável fazê-lo separadamente. Não se trata, portanto, de uma regra absoluta ou que indique como deverão ser decididos casos concretos; não é uma regra de decisão. É uma metáfora que significa que não é possível afirmar que a cláusula compro- missória é um mero acessório a seguir a sorte do contrato principal7. 3 PARK, William W. The Arbitrator’s Jurisdiction to Determine Jurisdiction, I. Introduction: The Limits of Language. In: VAN DEN BERG, Albert Jan. (Ed.). International Arbitration 2006: back to basics? ICCA Congress Series, 2006 Montreal – volume 13. Haia: Kluwer, 2007. p. 55. 4 Carmem Tibúrcio prefere dar à expressão “autonomia da convenção de arbitragem” um significado mais amplo que o aqui sugerido, para abarcar tanto a possibilidade de que a validade e a eficácia da cláusula compromissória não dependerem do contrato no qual esteja inserida (separabilidade), quanto o fato de o tribunal arbitral poder decidir sobre sua própria competência (competência-competência). TIBURCIO, Carmem. O princípio da Kompetenz- Kompetenz revisto pelo Supremo Tribunal Federal da Justiça Alemão. In: LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista (Coord.) Arbitragem: estudos em homenagem ao prof. Guido Fernando da Silva Soares, in memoriam. São Paulo: Atlas, 2007. p. 426. 5 “Without the doctrine of separability, a tribunal making use of its competence-competence would be potentially obliged to deny jurisdiction on the merits since the existence of the arbitration clause might be affected by the invalidity of the underlying contract.” (LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003. p. 334) 6 “It means that even if the contract containing an arbitration clause comes to an end, or has its validity challenged, the arbitration agreement remains in being. This allows a claimant to begin arbitration proceedings, based on the survival of the arbitration agreement as a separate contract; and it also allows an arbitral tribunal which is appointed pursuant to that arbitration agreement to decide on its own jurisdiction – including any objections with respect to the existence or validity of the arbitration agreement itself. The tribunal, in other words, is competent to judge its own competence.” (BLACKABY, Nigel et al. Redfern and Hunter on International Arbitration. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 19) 7 PAULSSON, Jan. The idea of arbitration. Oxford: Oxford University Press, 2013. p. 66. 26 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL Rigorosamente, a competência-competência é uma questão eminente- mente processual (alocação de competência), e a separabilidade é uma questão efetivamente de direito material (são dois contratos distintos)8. Por isso mesmo é que a doutrina francesa fala em autonomia do contrato de arbitragem para expressar que a cláusula compromissória é outro contrato, e não uma simples cláusula do contrato em que está inserida. Um exemplo de tratamento dos temas da competência-competên- cia e da separabilidade em conjunto pode ser encontrado na lei modelo da UNCITRAL9. Os dois temas estão entrelaçados, pois, se qualquer vício relativo ao negócio jurídico “principal” atingisse necessariamente a cláusula compro- missória arbitral e fosse possível às partes, portanto, recorrer diretamente ao Poder Judiciário, o instituto da arbitragem restaria esvaziado. A regra da separabilidade impede uma paradoxal situação na qual um árbitro tenha que declarar a nulidade do contrato principal, mas não o possa fazer por tal nulidade necessariamente afetar a convenção de arbitragem. Embora os temas se aproximem, é importante não confundir a regra da competência-competência com a da separabilidade. Elas têm objetivos e fun- cionamento distintos, mas complementares10. A regra da separabilidade e a da competência-competência, quando lidas em conjunto, permitem que um árbitro anule o contrato principal, sem ter necessariamente sua competência afetada pela sua própria decisão. O árbitro pode decidir sobre sua própria competência logo no início do processo arbitral ou, ao final, junto com a sentença de mérito. Caso entenda que não tem competência para julgar o caso, o árbitro deve sempre prolatar uma sentença extinguindo o processo arbitral (vide, p. ex., o art. 16(3), da Lei Modelo da UNCITRAL)11. Simplesmente afirmar que o árbitro pode julgar sobre sua própria com- petência, uma afirmação ademais evidente, não é o mesmo que dizer que ape- nas ele é quem poderá fazê-lo12. Eis a questão de saber se pode o juiz decidir sobre a competência do árbitro. Ou saber se podem as partes recorrer ao Poder 8 DIMOLISTAS, Antonias. Autonomie et “Kompetenz-Kompetenz”. Revue de l’Arbitrage, Paris: Comité Français de l’Arbitrage, v. 1998. n. 2, p. 305-306, 1998. 9 “Art. 16. Competência do tribunal para decidir sobre a sua própria competência. 1. O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, incluindo qualquer objecção relativa à existência ou validade do acordo de arbitragem. Para este efeito, uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo distinto das outras cláusulas do contrato. A decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica ipso jure a nulidade da cláusula compromissória.” 10 RAGNWALDH, Jakob. Competência-competência – The Power of an Arbitral Tribunal to Decide the Existence and Extent of its Own Jurisdiction. In: VAN DEN BERG, Albert Jan (Ed.). International Arbitration: the coming of a new age? – ICCA Congress Series, v. 17. Haia: Kluwer Law International, 2013. p. 227-228. 11 GOTANDA, John Y. An Efficient Method for Determining Jurisdiction in International Arbitrations. In: Columbia Journal of Transnational Law, v. 40. Nova Iorque: University of Columbia, 2001. p. 13-14. 12 GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John (Ed.). Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 1999. p. 399-400. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 27 Judiciário diretamente apenas para discutir se um caso deve ser submetido à arbitragem. Quem dá a ultima palavra sobre a competência do árbitro13? Há, em princípio, uma competência concorrente do juiz e do árbitro para decidirem sobre a competência do árbitro, mas a possibilidade de exercí- cio dessa competência se dá em momentos distintos. Há, segundo entendemos, no ordenamento jurídico brasileiro, uma predileção temporal (embora não ab- soluta) em prol da análise do árbitro. Uma sentença arbitral que julgue o mérito de uma questão só pode ser questionada judicialmente em casos muito específicos, mas, de modo diferen- te, a decisão do árbitro sobre sua competência, que é preliminar ao mérito da disputa, pode ser revista de modo mais amplo pelo Poder Judiciário14. Uma vez iniciado um processo arbitral, o Poder Judiciário não pode ser acionado para decidir sobre a competência dos árbitros. Isto é, não há ação judicial para discutir sobre a competência do tribunal arbitral, após o reque- rimento de abertura da arbitragem. Pensar de outro modo seria permitir que qualquer réu recalcitrante iniciasseum processo judicial protelatório. A regra da competência-competência tem uma função dúplice. Por um lado, estabelece que o árbitro pode decidir sobre sua própria competência (efeito positivo) e, por outro, estabelece a prioridade para o árbitro tomar tal decisão. Isso quer dizer que o árbitro será o primeiro a decidir sobre sua pró- pria competência, não o Poder Judiciário (efeito negativo). Há uma predileção temporal em favor do árbitro, já que o juiz só poderá rever a matéria após o término do processo arbitral. A maior parte dos ordenamentos jurídicos não reconhece um efeito negativo que impeça absolutamente o Poder Judiciário de decidir sobre a competência do árbitro ou requeira que sempre se aguarde a fase pós-arbitral15. As duas faces da regra permitem estabelecer que, instaurado um proces- so arbitral, o árbitro será o primeiro a decidir sobre a sua própria competência, só podendo o juiz decidir após a prolação da sentença arbitral, seja em sede de ação anulatória, seja em sede de embargos à execução ou, ainda, no momento de homologação de uma sentença arbitral estrangeira16. Entretanto, tal regra não é absoluta. 13 PARK, William W. The Arbitrator’s Jurisdiction to Determine Jurisdiction, I. Introduction: The Limits of Language. In: VAN DEN BERG, Albert Jan (Ed.) International Arbitration 2006: Back to Basics? ICCA Congress Series, 2006 Montreal – volume 13. Haia: Kluwer, 2007. p. 56. 14 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003. p. 337. 15 ANCEL, Bertrand. O Controle de Validade da Convenção de Arbitragem: O Efeito Negativo da “Competência- -Competência”. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo: CBAr & IOB, 2005, v. II, n. 6, passim. 16 GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John (Ed.). Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 1999. p. 400-401. 28 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL O funcionamento da regra da competência-competência é, nesses ter- mos, uma representação dos efeitos da convenção de arbitragem17. A única hipótese em que o juiz poderá conhecer sobre a competência do árbitro antes de o árbitro ter tido a oportunidade de fazê-lo é se for proposta uma ação ju- dicial sobre o mérito da disputa e o réu levantar uma preliminar de exceção de arbitragem antes do início de um processo arbitral. Nesse caso, o juiz não estará apenas decidindo sobre a competência do árbitro, mas, principalmente, sobre a sua própria competência. Nesse caso, antes do surgimento de qualquer processo arbitral, a com- petência é do juiz para decidir desde logo a questão. Se a ação judicial for proposta depois do início do processo arbitral, o árbitro deve decidir se tem competência para julgar os dois casos e se há conexão, continência ou identi- dade entre as demandas propostas. O reconhecimento desses dois efeitos da competência-competência é controverso, existindo um tratamento legislativo diferenciado dependendo do modelo de legislação arbitral adotada em cada país. No Brasil, a doutrina colocou-se no sentido de que o árbitro teria uma prioridade temporal para decidir sobre a sua competência; entretanto, o art. 8º da Lei Brasileira de Arbitragem não trata a questão com a clareza necessária18. Há uma tensão entre valores e objetivos igualmente válidos que deve ser ponderada. É uma tensão entre a eficiência e a legitimidade da arbitragem. Por um lado, não se pode permitir que a discussão sobre a existência de competência do árbitro desencadeie uma discussão judicial prematura, o que provocaria sérios danos ao funcionamento do processo arbitral e, na prática, representaria a ineficácia da arbitragem enquanto mecanismo adequado de resolução de disputas. Por outro lado, como a competência do árbitro depende diretamente da convenção de arbitragem, respeitados os limites da arbitrabi- lidade, há o risco de expor uma das partes a um processo arbitral ilegítimo. Ainda que, posteriormente, a sentença arbitral seja anulada por incompetência dos árbitros, há custos inerentes à participação no processo arbitral que preci- sam ser considerados: um processo arbitral ilegítimo é prejudicial às partes19. 17 “Os princípios da autonomia da cláusula compromissória e da competência-competência representam, assim, um reforço ao efeito negativo da convenção de arbitragem, hipóteses adicionais que excluem o conhecimento do juiz estatal e garantem a eficácia da opção pela arbitragem. Neste sentido, costuma-se fazer a referência também ao duplo efeito do próprio princípio da competência-competência: o efeito positivo, atribuindo a competência ao árbitro para decidir sobre a sua própria competência, e o efeito negativo, excluindo do juiz togado a apreciação da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem.” (ALVES, Rafael Francisco. A inadmissibilidade das medidas antiarbitragem no Direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 11) 18 Em sentido contrário, Pedro Batista Martins entende que não há dúvidas de que o art. 8º da Lei de Arbitragem estabelece o efeito negativo da competência-competência. Vide: MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 136-137. 19 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003. p. 345. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 29 As partes escolhem a arbitragem para que ela seja mais eficiente e menos demorada que o processo estatal, mas só há arbitragem se (sendo arbitrável a disputa) as partes assim escolherem. A tensão entre valores torna-se evidente20. A construção de um ponto de equilíbrio na análise arbitral e judicial da competência do árbitro é fundamental para evitar situações que representem um abuso do direito de defesa21 por parte do réu e para que se evitem processos paralelos (arbitrais e judiciais) como o mesmo mérito. A questão recai sobre a eficácia da convenção de arbitragem. Processos paralelos, em face de uma convenção de arbitragem, significam uma situa- ção de distorção: uma instância absolutamente incompetente (seja o juiz ou o árbitro) está indevidamente conduzindo um processo. Daí a preocupação na criação de mecanismos capazes de tratar essa distorção adequadamente22. O Novo CPC optou por estabelecer, de maneira clara e definitiva, que a decisão do árbitro sobre a sua competência possui efeitos diretos para a ação judicial, erigindo-se como um verdadeiro pressuposto processual negativo. II – TRATAMENTO DO TEMA NA LEI BRASILEIRA DE ARBITRAGEM E NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 A regra da competência-competência era tratada, até a aprovação do Novo CPC pela Lei de Arbitragem, em seu art. 8º, parágrafo único, secundada pelas regras sobre extinção do processo sem resolução de mérito e prelimina- res da contestação constantes do CPC/1973 (arts. 267 e 301). Além disso, a convenção de Nova Iorque de 1958, em seu art. II, 3, estabelece a obrigação do Poder Judiciário de encaminhar as partes à arbitragem sempre que lhe for submetido um conflito abrangido por convenção de arbitragem. A redação do parágrafo único do art. 8º da Lei de Arbitragem é lacônica: “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as ques- tões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”. O efeito positivo da competência-competência fica textualmente esclarecido: o efeito negativo teve de ser construído por esforço doutrinário e jurisprudencial.Persiste, por isso, algum desconforto para a efetiva definição de qual é o modelo brasileiro de competência-competência e, havendo uma arbitra- gem e um processo judicial paralelo em curso, se cabe ao árbitro ou ao juiz 20 BERMANN, George. The “Gateway” Problem in International Commercial Arbitration. In: KRÖLL, Stefan Michael; MISTELIS Loukas et al. (Eds.). International Arbitration and International Commercial Law: Synergy, Convergence and Evolution. Haia: Kluwer Law International, 2011. p. 55. 21 MEMBRILLO, Antonio Albanés. Arbitraje y Derecho de Defensa. In: FERNANDEZ-BALLESTEROS, Miguel Ángel; ARIAS, David (Eds.) Liber Amicorum Bernardo Cremades. Madri: La Ley, 2010. p. 45-46. 22 PIERRE-FIERENS, Jean. Monetary Relief In Lieu of Anti-Suit Injunctions for Breach of Arbitration Agreements. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo: Comitê Brasileiro de Arbitragem & IOB, v. IX, n. 34, p. 91-92, 2012. 30 ....................................................................................................................................RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL a primazia para a resolução da questão. A regra geral traçada, principalmente pela doutrina, contudo, é a de que o árbitro teria uma prioridade temporal para decidir sobre a sua competência, só podendo o juiz rever essa questão após a prolação da sentença arbitral e nas hipóteses especificamente previs- tas em lei. O Superior Tribunal de Justiça tem precedente no sentido de que, embo- ra exista, na legislação brasileira, a possibilidade de tanto o juiz quanto o ár- bitro decidirem sobre a competência do tribunal arbitral ou do árbitro, apenas após a prolação da sentença arbitral é que pode o Poder Judiciário brasileiro decidir sobre a matéria, seja por meio de ação anulatória, seja por meio de impugnação ao cumprimento de sentença, conforme disposto nos arts. 32, I, e 33 da Lei de Arbitragem23. Em outros casos, o STJ entendeu ser incabível ação anulatória proposta com o objetivo específico de discutir a validade de cláusula compromissória arbitral antes da propositura do processo arbitral24. Não é possível mover uma ação judicial com o objetivo de simplesmente anular a cláusula compromissó- ria arbitral; tal matéria compete primeiramente ao árbitro25. Uma situação em que o juiz pode conhecer da competência do árbitro antes da prolação da sentença arbitral é na hipótese de, sem que esteja pen- dente processo arbitral, no curso do processo judicial, ser levantada uma pre- liminar de convenção de arbitragem (art. 301, XI, e § 4º do CPC/1973). Nesse caso, caberá ao juiz analisar, desde logo, a existência de uma convenção de arbitragem e, caso exista válida e eficazmente uma, deverá extinguir o processo sem resolução do mérito (art. 267, VII, do CPC/1973), já que o juiz não tem competência para julgar o caso. A situação aqui é diferente da anterior. Não se trata de ação proposta para anular a convenção de arbitragem, mas de ação proposta no mérito de uma disputa tentando ignorar a existência da convenção de arbitragem. A própria Convenção de Nova Iorque autoriza que o Poder Judiciário decida sobre a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem nes- 23 “[...] A cláusula compromissória ‘cheia’, ou seja, aquela que contém, como elemento mínimo, a eleição do órgão convencional de solução de conflitos, tem o condão de afastar a competência estatal para apreciar a questão relativa à validade da cláusula arbitral na fase inicial do procedimento (parágrafo único do art. 8º c/c o art. 20 da LArb). De fato, é certa a coexistência das competências dos juízos arbitral e togado relativamente às questões inerentes à existência, validade, extensão e eficácia da convenção de arbitragem. Em verdade – excluindo-se a hipótese de cláusula compromissória patológica (“em branco”) –, o que se nota é uma alternância de competência entre os referidos órgãos, porquanto a ostentam em momentos procedimentais distintos, ou seja, a possibilidade de atuação do Poder Judiciário é possível tão somente após a prolação da sentença arbitral, nos termos dos arts. 32, I, e 33 da Lei de Arbitragem...” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1278852/MG, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, J. 21.05.2013) 24 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1302900/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 09.10.2012; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1355831/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 19.03.2013. 25 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas; KRÖLL, Stefan M. Comparative international commercial arbitration. Haia: Kluwer, 2003. p. 352. RbA Nº 48 – Out-Dez/2015 – DOUTRINA NACIONAL ..................................................................................................................................... 31 se caso. O art. II, 326, da Convenção de Nova Iorque estabelece que, existindo uma convenção de arbitragem, o juiz deverá encaminhar as partes à arbitra- gem, exceto se verificar que tal acordo é nulo e sem efeitos inexequível ou inoperante. A regra é construída por exclusão. As partes devem ser remetidas à arbitragem, salvo se ausente a competência do tribunal arbitral. Proposta uma ação judicial para discutir uma questão meritória e apre- sentada exceção de arbitragem, o Poder Judiciário pode decidir sobre a exis- tência, validade e eficácia da convenção de arbitragem, pois, nesse caso, não estará apenas decidindo sobre a competência do árbitro, mas estará, em última instância, decidindo sobre sua própria competência. Caso seja rejeitada a ex- ceção de arbitragem, o caso será decidido judicialmente e não será possível instaurar a arbitragem27. III – A PROFUNDIDADE EM QUE O JUIZ PODE CONHECER DA EXCEÇÃO DE ARBITRAGEM No Novo CPC, como se verá a seguir, sempre que o árbitro decidir ser competente para julgar um determinado caso, o juiz estatal deverá determinar a extinção do processo judicial. Apenas na ausência de tal decisão arbitral é que poderá o juiz julgar a alegação de convenção de arbitragem. É importante, contudo, compreender em que termos e com qual profun- didade é que pode ser exercida essa revisão pelo juiz quanto à competência do árbitro antes que o árbitro tenha tido a oportunidade de fazê-lo. A questão é saber se essa pode ser uma revisão profunda ou apenas superficial (prima facie28)29-30. A discussão aqui diz respeito ao grau de cognição e investigação judicial possível para verificação da situação. Não se cuida da gravidade do vício, mas do grau de profundidade em que pode esse vício ser investigado judicialmente. Trata-se, portanto, de uma questão de cunho processual, sobre o grau de cog- nição que o juiz estatal pode desenvolver sobre a matéria. 26 “Art. II [...] 3. O tribunal de um Estado signatário, quando de posse de ação sobre matéria com relação à qual as partes tenham estabelecido acordo nos termos do presente artigo, a pedido de uma delas, encaminhará as partes à arbitragem, a menos que constate que tal acordo é nulo e sem efeitos, inoperante ou inexequível.” 27 Nesse sentido: CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 176. 28 MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitrabilidade e as ressalvas constantes do artigo II (3) da Convenção de Nova Iorque. In: WALD, Arnoldo; LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem comercial internacional: a Convenção de Nova Iorque e o Direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 129-130. 29 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 177. 30 BREKOULAKIS, Stavros. The negative effect of competence-competence: the verdict has to be negative. In: Queen Mary University of London, School of Law – Legal Studies Research Paper n. 22/2009. Londres: Queen Mary, University of London, 2009. 32 ....................................................................................................................................RbA