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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO
INAIARA ALVES ROLIM
ANÁLISE DE FILME – Uma lição de vida.
Produção textual exigida como requisito parcial de avaliação do componente curricular Educação de Jovens e Adultos, do curso de Pós-graduação em Educação do Campo, sob a responsabilidade dos professores Junio Batista Custódio e Grace Itana Cruz de Oliveira.
BOM JESUS DA LAPA
2017
Introdução
	O presente trabalho apresenta uma reflexão a respeito do filme “Uma lição de vida”, a partir da observação de aspectos como o contexto histórico e socioeconômico. Ao fazer uma descrição do local, da época, dos aspectos culturais apresentados no filme, do contexto político, assim como, das relações de poder e das políticas de educação, objetiva-se discutir a respeito do papel da educação na sociedade.
	O filme foi produzido no vale do Rift, no Quênia, contando com a participação de crianças e adultos da região, mostra cenários e pessoas reais. Emocionante e inspirador, além de fazer uma reflexão sobre a importância da educação, aborda, de maneira sutil, a necessidade de um ato pedagógico comprometido verdadeiramente com a educação, a força da vontade de um povo simples e a convivência entre gerações. 
	Baseado em uma história real, o filme mostra a saga de Maruge, um queniano de 84 anos, ex-combatente nas lutas de libertação do país do domínio inglês, que entende que tem direito à tão proclamada ‘educação para todos’ criada pelo governo. Com persistência e perseverança ele vai a busca de aprender a ler e escrever, vencendo os desafios e obstáculos. Com sua perseverança Maruge consegue entrar para a escola, mesmo que para isso tenho que vestir-se como criança e sentar-se, em bancos desconfortáveis para sua idade, entre elas. O desejo de Maruge em aprender a ler e escrever desencadeia uma verdadeira aventura e estranheza na comunidade, pois ele não luta apenas por aprender a ler e escrever, vai além, pois enfrenta a resistência das autoridades e das pessoas com fibra e coragem. Apenas as crianças não mostraram resistência à presença de Maruge entre elas, ao contrário, elas o recebem de maneira amigável e acolhedora.
	Desse modo, a presente análise apresenta, também, uma reflexão sobre a educação de jovens e adultos, procurando estabelecer uma relação de aspectos do filme com os assuntos estudados sobre essa modalidade de ensino na disciplina Educação de Jovens e Adultos.
Breves considerações sobre o Quênia
Para desenvolver uma compreensão mais profunda a respeito da trama do filme e de certos aspectos relacionados a fatos políticos faz-se necessário conhecer um pouco a respeito do Quênia, que apesar dos problemas socioeconômicos é um país africano que possui paisagens naturais de uma impressionante beleza selvagem e uma grande diversidade de animais. A República do Quênia (Republic of Kenya) é um país localizado na África Oriental, com um território de 580.367 km², sua capital do país é Nairobi. O Quênia faz fronteira com a Etiópia ao norte, Somália ao leste, Sudão do Sul a noroeste, Uganda a Oeste, Tanzânia ao sul e o Oceano Índico. A língua oficial do país é o inglês, que convive com outras línguas nacionais importantes, como o kikuyu e o luo. Figura 2. Bandeira do Quênia.
Figura 1 Mapa do Quênia.
O Quênia possui lindas paisagens naturais como praias, reservas naturais com grande variedade de animais (gnus, hienas, zebras, leões, elefantes, hipopótamos, etc.), savanas, o monte Quênia, com cerca de 5.199 metros de altitude, e o deserto Chalbi. As belezas naturais do país atraem turistas de todas as partes do mundo, sendo que o turismo, junto com a agricultura, constituem as principais atividades econômicas. De acordo com o geógrafo Wagner de Cerqueria Francisco, em matéria para o site Brasil Escola, as atividades rurais são responsáveis por empregar mais de 70% dos quenianos. Os cultivos mais expressivos são: milho, trigo, soja, mandioca, cebola, algodão, laranja, banana, batata e especialmente chá e café, que são os dois principais produtos de exportação.Figura 1. Monte Quênia.
Os quenianos enfrentam vários problemas socioeconômicos, que de acordo com dados de 2010, divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), o país apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,470, ocupando 128° lugar no ranking mundial, que é composto por 169 nações. Mais da metade da população vive abaixo da linha de pobreza; a subnutrição atinge 32% dos quenianos e a taxa de mortalidade infantil é de 62 para cada mil nascidos vivos (http://brasilescola.uol.com.br/geografia/quenia.htm). O país tem uma história marcada pela dominação inglesa e ainda carrega cicatrizes da época em que ainda era colônia. Figura 2. Fonte: Google imagens.
De 1952 a 1959, o Quênia viveu momentos de medo devido à revolta "Mau Mau" contra o domínio colonial britânico e suas políticas de distribuição de terras. Esta rebelião ocorreu quase que exclusivamente entre o povo Kikuyu. Dezenas de milhares de Kikuyus morreram nos combates e em campos de detenção, assim como, foram barbaramente torturados. Apenas em a 12 de dezembro de 1963 o Quênia se torna independente, e no ano seguinte ingressa na Commonwealth. O primeiro presidente foi Jomo Kenyatta, um kikuyu e chefe da União Nacional Africana do Quênia (KANU). Em 1966, o KANU tornou-se único partido político do país e com a morte de Kenyatta em agosto de 1978, o vice-presidente Daniel Arap Moi, um kalenjin da província Vale do Rift, tornou-se presidente interino. Divisões na oposição contribuíram para Moi continuar na presidência, sendo reeleito em 1992 e novamente em 1997.
No ano de 2002, é eleito terceiro presidente do país, Mwai Kibaki, do partido National Rainbow Coalition (Coalizão Nacional Arco-Íris - NARC). De acordo com o jornalista Emerson Santiago, em 27 de dezembro de 2007, o governo realizou eleições presidenciais, parlamentares e locais. A eleição presidencial teve irregularidades no processo de apuramento, bem como participação de mais de 100% em alguns distritos eleitorais. Em 30 de dezembro, Mwai Kibaki foi declarado vencedor da eleição presidencial. A violência estourou em diferentes partes do Quênia entre partidários do candidato da oposição Raila Odinga e apoiantes de Kibaki. A crise pós-eleitoral deixou cerca de 1.300 mortos e cerca de 500.000 deslocados. Em 2008, o Presidente Kibaki e Raila Odinga assinaram um acordo de partilha do poder, que previa o estabelecimento de uma posição de primeiro-ministro (a ser preenchido por Odinga) e duas posições de vice-primeiro-ministro. O foco agora é na Constituição, reforma agrária, eleitoral e institucional, bem como uma maior responsabilização pela corrupção e violência política. A nova Constituição foi aprovada em referendo a 4 de agosto de 2010.
Um mergulho no enredo do filme “Uma lição de vida”
Para iniciar a discussão a respeito do filme “Uma lição de vida”, vale citar uma frase do filme “Che”, de Steven Soderbergh, que diz: “um povo que não sabe ler e nem escrever é um povo fácil de ser dominado”. Assim, quanto mais alienado um povo for do que acontece à sua volta, sem capacidade de questionar e problematizar sua realidade, sem nenhum espírito crítico, inconscientes de seus direitos, favorece a manutenção de um sistema político, econômico e social excludente, onde muitos têm pouco com o que viver e poucos detêm a maior parte dos recursos; isso contribui para a existência de um governo corrupto, que tem mais chances de se prolongar no poder enquanto as maiorias desfavorecidas não lutarem por seus direitos. Essa verdade coloca a educação como um dos pilares para construir um país desenvolvido, tanto economicamente quanto socialmente; educação não no sentido da formação de mão obra para o mercado de trabalho, mas uma educação como ato político, que forma sujeitos para o mundo do trabalho e habilitados a questionarem e se posicionarem contra a exclusão socioeconômica, política e cultural. 
O filme “Uma Lição de Vida” leva o espectador a pensar a respeito dopapel transformador da educação para a sociedade como um todo e do seu valor para cada sujeito social; é um filme motivador e que emociona do começo ao fim, servindo tanto para as pessoas repensarem suas atitudes frente à realidade, quanto para que vejam que não há idade para lutar pelos seus sonhos. Baseado na história real de Kimani N’gan’ga Maruge, um queniano de 84 anos de idade, que lutou por seu direito de aprender a ler e a escrever, o objetivo do filme, entretanto, não se limita apenas ao relato da história de vida de um ancião, mas de um homem possuidor de um passado marcado por lutas e resistência, pois foi um combatente do grupo dos Mau-Mau, no Quênia, que lutaram contra o imperialismo inglês.
De acordo com a professora Joelza Ester Domingues, em seu Blog Ensinar História, a imprensa ocidental descreveu a guerrilha Mau Mau, como uma sociedade secreta, “uma primitiva sociedade ritualística”, inspirada por superstições e de influência comunista. Entretanto, o que os quenianos realmente queriam era a posse de seu território e serem livres do regime europeu. O governo britânico empreendeu uma severa repressão à revolta Mau Mau, entre 1952 e 1963, que teve como resultado milhares de mortes no Quênia, além de torturas como linchamentos, castrações, estupros, confisco de bens e propriedades. 
Durante todo o desenrolar da história no filme, é apresentado em flash os horrores da guerra na qual Kimani Maruge viveu ao presenciar sua mulher e filha serem executadas pelos soldados britânicas e episódios em que foi brutalmente torturado. Aproximadamente quarenta anos após a guerra de independência, em 2003, o governo do Quênia executa um programa de escolarização que oferece ensino primário universal e gratuito, que Kimani Maruge entende que incluir ‘todos’ significa todas as pessoas com desejo de aprender a ler e escrever, incluindo ele, um ancião calejado pela guerra e pela marginalização de classe, visto que em sua infância as crianças negras não tinham direito a frequentar a escola.
Maruge leva uma vida simples e cheia de restrições em uma comunidade rural montanhosa; sua única companhia são as lembranças de um passado distante, em que ainda possui mulher e filho. Em sua solidão é atormentado pelos horrores vividos nos campos de concentração ingleses e pela ânsia de ler uma carta que lhe foi enviada pela presidência. As condições de vida do personagem retrata um cenário de pobreza e descaso do governo para com as pequenas comunidades rurais; uma terra de beleza selvagem, mas onde o passado é constantemente revivido por muitos, incluindo Maruge. E é justamente o desejo de mudar sua realidade que ele empreende uma luta para ser matriculado na escola primária; Maruge cumpre todas as exigências impostas pelo diretor da escola, incluindo a de usar uniforme infantil. Enfim, realiza seu desejo e inicia sua jornada rumo à aprendizagem da leitura e escrita. 
Em uma comunidade simples, onde a maioria das pessoas mais velhas não sabe ler e escrever, a presença de um ancião de 84 anos em uma sala de aula infantil torna-se notícia e desperta a inveja de muitos, assim como a ira de pais ignorantes e a ganância de burocratas oportunistas que pensam que Maruge estaria ganhando dinheiro com a popularidade junto à imprensa. Maruge, consciente da importância da educação, diz aos reportes uma frase marcante: ‘A caneta tem poder’. E, juntamente com a professora, transmite sua visão a respeito da educação quando afirma que “não somos nada se não podemos ler” e “ler e entender é muito importante, é uma maneira de acabar com a pobreza entre nós”. Não só a pobreza financeira, e sim a pobreza de espírito que causam tantas guerras. Nota-se que Maruge compreende a educação à semelhança de Paulo Freire, que diz que a leitura verdadeira não consiste na mera decodificação, mas no entendimento e questionamento do mundo à sua volta; o ato de ler só se consolida quando acontece a leitura de mundo.
Diante de sua perseverança, Maruge tem o apoio da professora, que busca a aceitação dele na escola junto à secretária de educação do país. No entanto, o encarregado da escola não aceita Maruge na escola e o expulsa, o que revela as rivalidades entre etnias, visto que Maruge e o encarregado são de tribos diferentes. Outro fato que se interpõe no caminho de Maruge, além da idade, diz respeito às condições precárias da escola, que está situada em uma comunidade rural pobre e, além disso, possui uma única sala de aula, construída em madeira, preparada para 50 alunos, mas que é preciso atender um número superior de alunos, sendo preciso que algumas crianças sentem-se no chão; também não possui muros, apenas uma cerca feita de arame farpado, água encanada, luz elétrica, nemtampouco ambiente adequado para as crianças merendarem e recrearem. Uma realidade que se assemelha de perto com a realidade das escolas do sertão nordestino e com a análise que Arroyo (2005, p.11), faz das escolas do campo brasileiro quando afirma que “Em nossa história domina a imagem de que a escola do campo tem que ser apenas a escolinha rural das primeiras letras. A escolinha cai não cai, onde uma professora que quase não sabe ler ensina alguém a não saber quase ler”. É certo que o foco do filme não é a educação do campo em si, mas as condições físicas da escola e a política de educação retratadas permite essa comparação, pois contribuem para aumentar os desafios para a educação tanto das crianças quanto do resto da comunidade.
Assim, de maneira leve e simples, o filme faz uma abordagem a respeito da educação escolar, política e humana. É possível perceber a importância da educação formal no momento que Maruge segura sua carta de maneira pensativa e com olhos leitores, que ao fazer uma leitura da realidade mais ampla, entende que o Estado tem uma dívida pelos anos de luta pela independência do país, e ele quer a educação formal como pagamento. A educação é política quando Maruge coloca que ela pode ajudar as pessoas a transformarem sua realidade, a lutarem por sua liberdade e por seus direitos; e é humana no momento em que, de maneira sutil ao mostrar como se desenha o número 5, Maruge ensina atitudes de bondade e solidariedade ao filho do homem que mandou atacá-lo na escola. Isso, ao mesmo tempo em que mostra o cotidiano de uma localidade tão singular do Quênia, uma comunidade rural e sua escolinha afastadas de tudo e de todos representam muitas outras, afetadas pela miséria, esquecimento por parte do poder público, humilhação e preconceito de ser do campo, mas que não se deixam abater e perder o orgulho diante dos desafios. Tudo revelado pelos olhos expressivos e leitores de Maruge, pela sua coluna curvada e pela força de seus passos em direção à escola.
O que chama a atenção, também, é o fato de que os alunos aprendem a ler e escrever não na sua língua materna, mas na língua do colonizador, a língua Inglesa, o que evidencia o quanto o passado ainda se faz presente na vida das cidades que foram dominadas por outras culturas. As crianças são alfabetizadas em inglês e os livros didáticos estão em inglês, confeccionados com material barato e de baixa qualidade. Assim, a língua do colonizador ainda funciona como meio coercitivo que unifica o país, mesmo existindo dezenas de línguas e dialetos. Fator que enfraquece o processo de construção da identidade da comunidade. E mais uma vez temos a licença de citar Arroyo ao discutir que os povos do campo têm sua história marcada pelas 
Desigualdades econômicas, sociais e para nós desigualdades educativas, escolares. Sabemos como o pertencimento social, indígena, racial, do campo é decisivo nessas históricas desigualdades. Há uma dívida histórica, mas há também uma dívida de conhecimento dessa dívida histórica. E esse parece que seria um dos pontos que demanda pesquisas. Pesquisar essa dívida histórica (ARROYO, 2006, p.104).
	Nesse sentido, são perceptíveis falhas significativas no sistema de política educacional mostrado no filme. Na verdade o programa governamental “Educação para todos” não incluía, de fato, todasas pessoas da comunidade, pois ao ofertar apenas a educação primária ficam de fora os jovens que deveriam cursar o Ensino Médio e aqueles que não puderam estudar na idade certa, os jovens e adultos que necessitam de um planejamento educacional especialmente para sua modalidade e especificidade. O que podemos ver no filme quando Maruge se dirige ao Centro de Ensino de Adultos na cidade, quando ele se depara com um ambiente lotado de jovens em total desordem, indisciplina, fumando e ouvindo música dentro da sala e um professor com seu monólogo apenas para desencargo de consciência. Esse ponto do filme dá margem à interpretação de que há as escolas de Educação e Jovens e Adultos, mas não recebe investimento devido à falta de interesse dos próprios jovens, o que eximiria o governo de qualquer culpa. Situação essa que contribui com a fragilização do sistema educacional já tão esfacelado.
Nesse cenário, é claro que apenas somente a educação não solucionará os problemas sociais das famílias que vivem do campo e de comunidades carentes, como a retratada no filme; são necessárias outras políticas públicas nas áreas do campo para que os povos do campo vivam com mais dignidade. Para tanto, há a necessidade de lutar pela criação e efetivação de políticas públicas consistentes e condizentes com as diversas realidades do campo e de povoados carentes, para construção de uma escola de qualidade, com estrutura física e pedagógica adequada, professores com melhores remunerações e com formação própria para atuar com cada realidade educacional, seja no campo, na cidade, na escola primária ou na educação de jovens e adultos.
Decepcionado Maruge retorna a seu povoado e, decidido, luta por um lugar na escola primária. Ao mesmo tempo em que a professora, por apoiá-lo, é transferida para outra localidade, fato que se assemelha em muito à realidade de pequenos municípios brasileiros: quando uma autoridade é questionada ele transfere o profissional para regiões mais remotas e de difícil acesso como forma de castigo. E mais uma vez Maruge é movido pela perseverança; apesar das dificuldades ele vai até a cidade para falar com as autoridades e interrompe uma reunião da presidência para relatar sua história e interceder pela professora. De maneira objetiva, mas comovente, ele usa o próprio corpo como um livro para mostrar uma parte da história de seu país e como ele próprio contribuiu para a escrita dessa história e para que todas as autoridades ali presentes tivessem a chance de ocupar seus lugares. As cicatrizes nas costas de Maruge, decorrentes dos anos de tortura, revelam o quanto ele sofrera pelo seu país.
Diante da força dos argumentos de Maruge as autoridades educacionais permitem a volta da professora, que é recebida com alegria e carinho pelos alunos, pelos funcionários da escola e, principalmente, por Maruge. Apesar de toda sua luta em aprender a ler e escrever Maruge não podia ser aluno da escola, entretanto, a professora toma-o como seu professor auxiliar, dando-lhe a chance de realizar seu sonho. 
Nesse ponto nos questionamos: porque um ancião de 84 anos de idade se sujeita a tantos desafios para frequentar uma escola de crianças? Voltando ao momento em que ele vai para a escola de adultos seu isolamento é quase palpável, em contraste com a receptividade das crianças da escola primária. Seria isso dramaticidade do diretor ou nos revela uma real exclusão com os anciãos na sociedade? E os cursos de Educação de Jovens e Adultos realmente atendem ao que se propõem? De acordo com Costa (ano), por muito tempo a Educação de Jovens e Adultos foi concebida de maneira estreita.
Normalmente, entendia-se, por educação de adultos, apenas a transmissão assistemática de alguns poucos conhecimentos da cultura letrada, digo leitura e escrita, para os analfabetos. Essa visão estreita da educação estava ligada aos interesses políticos e econômicos das elites que entendiam que para os analfabetos bastava o domínio superficial da leitura e da escrita, pois assim seria possível manter a “ordem social” instituída (COSTA, ano p. 64-65).
Isso decorria do pensamento político de que os analfabetos necessitavam saber ler e escrever para poder votar, servindo, assim, para a manutenção da elite no poder, e da necessidade de alfabetizar os iletrados para ingressar no sistema industrial nascente, que exigia mão de obra qualificada. No filme, é possível perceber que Maruge tem uma compreensão de educação para além da decodificação, ao acreditar que a educação pode transformar a realidade do sujeito ele percebe que o centro de educação de adulto não contribuirá com seu objetivo: ler, escrever e compreender. Desse modo, nosso personagem buscava uma educação que concebe o aluno como sujeito ativo no processo educativo, visto que é um ser histórico e com possibilidades de criar, recriar e construir conhecimentos. 
Essa visão remete à perspectiva freiriana de educação, que prega a educação libertadora e não ‘bancária’; libertadora porque é preciso que os sujeitos sintam-se agentes de seu pensar, de sua visão de mundo, sendo capazes de expressar-se e explicitar seus pensamentos junto a seus pares; não ‘bancária’ porque o educando não pode ser visto como um depósito de informações. Freire destaca que
A pedagogia, como pedagogia humana e libertadora, terá dois elementos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão revelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis; o segundo, em que, transformando a realidade opressiva, esta pedagogia deixa de ser a do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação (FREIRE, 1983,p. 44).
	Nesse sentido, a educação só será libertadora quando preparar o indivíduo para problematizar e questionar sua realidade e para resolver problemas; processo que precisa envolver aluno e professor, que neste caso é visto como um mediador do diálogo entre os conhecimentos e os educandos. O filme mostra que Maruge tem plena consciência do papel libertador da educação ao ensinar a palavra ‘liberdade’ aos seus colegas de classe e evidenciar a partir de sua própria história de vida o sentido dessa palavra. Quanto à decisão da professora em tornar Maruge seu auxiliar demonstra que os docentes, diariamente, no exercício de sua prática pedagógica, são postos diante de problemas que pedem soluções criativas e que contribuam com o processo de ensino e aprendizagem. E nesse cenário, as decisões tomadas pelos docentes são políticas, o que fortalece a educação enquanto ato político e coloca os professores como seus agentes. O professor que se distancia disso significa aceitar o papel de simples reprodutor, transmissor de informações e produtor apenas de relatórios.
Algumas considerações 
	O filme ‘Uma lição de Vida’ retrata uma história notável; a saga de Maruge para poder aprender a ler e escrever, todos os desafios e o preconceito que enfrentou, leva o telespectador da emoção à revolta do início ao fim. Exemplo de força e perseverança, pois mesmo depois de anos de guerra, de tortura nos campos de concentração, da violência para com sua família, Maruge sonha, acredita na vida e encontra objetivos para alcançar, dentre eles a educação. A trama vivida por Maruge deixa evidente que o ser humano é capaz de atitudes atrozes como o julgamento, a segregação, a acusação, a exclusão, o massacre dos direitos, a humilhação dos mais fracos pelos mais ‘fortes’. 
	 Para Maruge ser analfabeto contribui para a exclusão social. Entretanto, não é suficiente apenas reconhecer e identificar os símbolos e signos da escrita e saber juntar letras, palavras, números. É preciso ultrapassar a decodificação e adentrar no campo dos significados. Ou seja, a escola deve promover a alfabetizar para uma leitura do mundo, da realidade, como ensina Paulo Freire. Esta é uma educação libertadora, que emancipa, politiza, esclarece e fornece aos educandos as condições de construção da cidadania, do exercício de atitudes éticas, da crítica e argumentação bem elaboradas. Assim, a história de Maruge é serve não apenascomo exemplo de perseverança, mas também como de letramento e consciência social e política.
	No contexto de uma educação emancipatória os docentes precisam também adotar um posicionamento político; devem exercer seu direito à cidadania, manifestando publicamente sua visão de mundo, tanto como cidadão quanto como classe. O ambiente escolar e alfabetizador é espaço, portanto, de debate, de troca de informações, de construção, desconstrução e reconstrução de conhecimentos, não de influência ou política partidária. O pluralismo de ideias, isto é, a apresentação de diversas tendências e opiniões deve ser o motor das discussões. As escolhas e opiniões do professor não deve ser influência para os educandos, mas um elemento a mais na troca de conhecimentos, na mediação do diálogo, tendo sempre um comportamento muito ético neste sentido. No filme, a professora demonstra essa atitude política ao enfrentar as autoridades em defesa do direito de Maruge ir à escola, em encontrar a resolução para o problema dele ao nomeá-lo como seu professor assistente.
	No que diz respeito à educação de jovens e adultos muito ainda precisa ser feito; as políticas públicas educacionais voltadas para essa modalidade são insuficientes e não garantem a permanência do jovem e adulto na escola. Ao lado de materiais adequados, espaço físico confortável, precisa-se de professores capacitados para atuarem com esse público, visto que suas especificidades demandam planejamentos de ensino diferenciado, construído junto às pessoas que fazem parte dessa modalidade, para atender às suas necessidades.
Referências 
ARROYO, Miguel Gonzales. Por uma escola do campo. Petrópolis: Vozes, 2005.
COSTA, Antônio Cláudio Moreira. Educação de Jovens e Adultos no Brasil: novos programas, velhos problemas. Disponível em: www.upt.br/cadernos_de_pesquisa.
FRANCISCO, Wagner de Cerqueria e. "Quênia"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/geografia/quenia.htm>. Acesso em 28 de dezembro de 2017.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/licao-de-vida-filme-inspirador/ - Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues
OBS.: as imagens foram retirados do site de domínio público Google Imagens.

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