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109 UNIDADE 2 OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • compreender e explicar criticamente os fatores que levam à determinação da localização da operação empresarial; • indicar o arranjo físico ideal para a operação; • reconhecer e indicar metodologias de gestão da manutenção do parque fa- bril de forma a assegurar a disponibilidade de máquinas e equipamentos; • reconhecer os conceitos da qualidade e explicar os fatos que levaram à sua concepção; • compreender os procedimentos de gestão das melhorias na operação. Esta unidade está dividida em cinco tópicos que o/a levarão à compreensão dos aspectos ligados à estrutura fabril, à melhoria dessa estrutura e à quali- dade dela resultante. Além disso, em cada um dos tópicos, você encontrará atividades que o/a ajudarão a consolidar os aprendizados sobre: TÓPICO 1 – LOCALIZAÇÃO TÓPICO 2 – ARRANJO FÍSICO E FLUXO TÓPICO 3 – MANUTENÇÃO TÓPICO 4 – EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE TÓPICO 5 – A GESTÃO DOS MELHORAMENTOS Assista ao vídeo desta unidade. 110 111 TÓPICO 1 LOCALIZAÇÃO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Posicionar geograficamente uma empresa é um primeiro e decisivo passo para o sucesso de um empreedimento. Não são poucos os exemplos de empresas que fracassaram nessa decisão e viram seus custos enloquecerem, seu clientes desaparecerem, ou pior, nem aparecerem. Em seguida, uma vez definida a localização, analisaremos as opções de arranjo físico adequadas aos processos a serem operados na empresa. 2 LOCALIZAÇÃO DA PLANTA Em muitas situações, um dos elementos mais influentes no fracasso das empresas é a sua localização. Este aspecto é muito mais perceptível nas operações varejistas, mas pode afetar qualquer organização empresarial. Posicionar-se geograficamente de forma adequada na rede de valor pode impactar na logística da operação, estabelecendo níveis críticos de custos, de visibilidade, enfim, na sua capacidade de servir o cliente e obter resultados. A literatura é vasta quando o assunto é localização de operações empresariais. Em nosso estudo, tomaremos como base a proposição de Slack, Chambers e Johnston (2009), demonstrada na figura a seguir. UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 112 FONTE: Fundamentado em: Slack, Chambers e Johnston (2009, p. 155) Segundo os autores, dois grandes grupos de fatores influenciam a decisão de localização de uma operação: os que acontecem do lado do fornecimento e os que acontecem do lado da demanda. Alterações na demanda de produtos ou na oferta dos insumos da operação têm impacto significativo nos resultados. Façamos uma análise mais detalhada destes fatores. 2.1 FATORES DO LADO DO FORNECIMENTO FIGURA 39 – FATORES INFLUENTES NA LOCALIZAÇÃO Suprir uma organização empresarial com os recursos necessários ao processo de geração de riquezas raramente é uma tarefa simples. Estes atributos dizem respeito a condições que a organização espera que sejam proporcionados pela localização. Os principais fatores influentes seriam: 1 Custos da mão de obra: o custo de mão de obra sempre teve peso considerável na composição do custo dos produtos. Esse fenômeno é facilmente perceptível quando se verifica o grande direcionamento das operações produtivas mundiais para China, onde há mão de obra excedente e muito barata. Uma boa relação entre o valor pago pela mão de obra e o valor agregado. 2 Custos da terra: os custos relativos à localização propriamente dita, como aluguéis ou aquisição de imóveis. Uma operação de varejo, por exemplo, necessita de uma local mais nobre do que um depósito. 3 Custos de energia: o custo e a disponibilidade de energia suficiente para a operação é altamente relevante, principalmente para as indústrias. TÓPICO 1 | LOCALIZAÇÃO 113 4 Custos de transporte: os custos dos transportes dos insumos que entram na operação ou da entrega dos produtos acabados que seguem para os clientes são significativamente importantes. Imagine, por exemplo, o peso do transporte na composição do CMV (custo da mercadoria vendida) para um lojista de uma cidade do interior do Amazonas, onde a mercadoria só chega por via aérea ou fluvial. 5 Fatores da comunidade: são fatores derivados do ambiente social, político e econômico de local. A isenção de impostos oferecidos por um determinado local para a instalação de uma empresa, ou ainda, a diferença cultural de um local para os executivos deslocados de outros países. Como você pode ver, há uma grande quantidade de aspectos que precisam ser considerados quando a empresa escolhe a sua localização. É necessário garantir acesso aos recursos produtivos para que não entre no mercado com uma dificuldade que seus concorrentes não teriam. Mas e o lado da demanda? 2.2 FATORES DO LADO DA DEMANDA Estes fatores dizem respeito a atributos que a operação busca no local em que pretende se instalar. 1 Habilidades da mão de obra: a reconhecida habilidade da mão de obra do local pode impactar positivamente na imagem que o cliente da organização constrói. Quem compra lingerie da cidade de Ilhota (Santa Catarina) sabe que a mão de obra do segundo maior polo produtor de moda íntima do país é qualificada. É interessante para a operação se utilizar desta qualificação. 2 Adequação do local: a relação entre determinado tipo de operação e a localização é inevitável. Você consegue imaginar uma pousada em plena área industrial de uma grande cidade? 3 Imagem do local: é o impacto de um determinado local sobre a imagem do produto. Aqui no Brasil, quando falamos de chocolate caseiro, logo nos lembramos de Gramado, uma acolhedora cidade do interior gaúcho. Quando falamos de bons relógios, logo nos vem à mente a Suíça. 4 Conveniência para os clientes: talvez seja o mais significativo de todos os fatores do lado da demanda, pois uma operação deve oferecer fácil acesso aos seus clientes. Imagine um quartel do corpo de bombeiros localizado na zona rural da sua cidade. Provavelmente não seria o melhor local, pois estaria distante demais do maior ponto de risco, que seria a zona urbana, onde há uma população potencialmente muito maior para ser atendida. UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 114 Como você pode ver, escolher a melhor localização é fruto da análise de todos os fatores que acabamos de apresentar. O equilíbrio e o bom senso devem prevalecer, de modo que a operação possa utilizar o seu “ponto” como vantagem competitiva. Lembre-se: provavelmente a concorrência também está pensando nisso. 115 Neste tópico você estudou: • Uma análise dos fatores que influenciam diretamente a escolha da localização de uma operação empresarial, classificados em fatores oriundos do lado do fornecimento ou do lado da demanda. RESUMO DO TÓPICO 1 116 AUTOATIVIDADE Responda às questões que seguem: 1 Explique por que é necessário analisar aspectos de oferta e demanda para escolher o local para a instalação da operação? 2 Qual a importância dos fatores relacionados à oferta? 3 Qual a importância dos fatores relacionados à demanda? Assista ao vídeo de resolução da questão 1 117 TÓPICO 2 ARRANJO FÍSICO E FLUXO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Uma vez escolhida a localização, como fica a organização interna da operação? É hora de estudarmos o arranjo físico. Também conhecido por leiaute. Alguns insistem em usar a expressão, em inglês, layout, mas neste caderno utilizaremos o nosso bom e velho português, Mas, afinal de contas, como poderíamos defini-lo? Simples. Arranjo físico trata do posicionamento físico dos recursos produtivos, de forma a aperfeiçoar os fluxos de materiais e pessoas, maximizando o desempenho obtido. Para Moreira (2008), três seriam os motivos que tornam as decisões sobre leiauteextremamente importantes: 1 As mudanças de leiaute afetam a capacidade da instalação e a sua produtividade, em função da racionalização do uso dos recursos. 2 Mudanças de leiaute podem implicar em grande dispêndio de recursos financeiros, dependendo da complexidade da operação afetada. 3 Uma necessidade de reversão futura pode ter um custo extremamente alto ou ainda uma complexidade técnica tamanha, que implique interrupções indesejáveis do processo produtivo. A estes motivos Slack, Chambers e Johnston (2009) ainda acrescentam o fato de que um arranjo físico mal elaborado pode levar a situações de elevação de custos, por proporcionar fluxos longos e confusos, estoques, filas e outras circunstâncias negativas. IMPORTANT E UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 118 Pelo que se pode observar, decidir sobre a “arrumação da casa” não é uma tarefa tão simples quanto possa parecer. Antes de tomarmos a decisão acerca do posicionamento físico dos recursos, devemos conhecer os processos envolvidos. Isto ocorre porque a decisão sobre o melhor leiaute é resultado do processo que este pretende atender. 2 O ARRANJO IDEAL A escolha do arranjo físico ideal passa pelo conhecimento prévio do processo que será operado neste leiaute. Erros na escolha podem gerar custos desnecessários e falhas nos fluxos que podem complicar muito as coisas na operação. Slack et al. (2008) apresentam um raciocínio para esta escolha baseado em uma sequência de decisões interligadas e que pode se vista na figura a seguir. Para facilitar ainda mais esse processo de escolha do arranjo físico ideal, Slack, Chambers e Johnston (2009) propõem a utilização de um quadro que associa volume, variedade e tipo de arranjo. Não se preocupe com o fato de ainda não termos estudado os tipos de leiaute. Faremos isso em seguida. Aqui, o importante é você conseguir entender a metodologia de escolha. Como você pode observar, se você tiver um processo por projeto, o único tipo de arranjo aceitável é o posicional. Caso o seu processo seja do tipo jobbing, você pode optar entre um leiaute posicional ou por processo. TÓPICO 2 | ARRANJO FÍSICO E FLUXO 119 2 O ARRANJO IDEAL FONTE: Slack, Chambers e Johnston (2002, p. 202) Muito bem! Agora que já conhecemos os processos e sabemos escolher o melhor leiaute, vamos ao estudo da tipologia de arranjos. FONTE: Adaptado de: Slack, Chambers e Johnston (2009, p. 184) FIGURA 40 – A DECISÃO DE ARRANJO FÍSICO FIGURA 41 – ASSOCIAÇÃO PROCESSO VERSUS ARRANJO FÍSICO jobbing UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 120 3 TIPOLOGIA DOS ARRANJOS FÍSICOS 3.1 ARRANJO FÍSICO POSICIONAL 3.2 ARRANJO FÍSICO POR PROCESSO Basicamente temos quatro tipos de arranjos físicos, cada um deles com características bastante específicas. Vejamos cada um deles. Também conhecido como leiaute de posição fixa é caracterizado pelo fato de os recursos transformados estarem fixos, enquanto os recursos transformadores se deslocam, mesmo estando dedicados ao processo. Um exemplo bem típico é a produção de aviões, na qual a grande aeronave fica parada, enquanto as coisas acontecem à sua volta. FONTE: Martins e Laugeni (2005, p. 140) FIGURA 42 – ARRANJO FÍSICO POSICIONAL OU FIXO Segundo Slack, Chambers e Johnston (2009), neste tipo de leiaute ocorre o oposto do leiaute posicional. Aqui os recursos transformadores ficam parados e os recursos transformados é que circulam pelo fluxo. Estes recursos transformadores são agrupados em função da similaridade que têm entre si, de tal forma que os TÓPICO 2 | ARRANJO FÍSICO E FLUXO 121 recursos a serem transformados circulem. É utilizado em situações de grande variedade de produtos e para cada produto a ser produzido haverá um fluxo ideal. Veja na Figura 43 que cada pessoa que entra na biblioteca tem necessidades totalmente distintas. Enquanto uns querem apenas ler uma revista, outros buscam livros dos quais querem fazer uma fotocópia. Necessidades distintas atendidas pelo mesmo arranjo físico. 3.3 ARRANJO FÍSICO CELULAR A ideia do leiaute celular é agrupar em um único ponto os recursos transformadores necessários para atender necessidades específicas de um recurso transformado pré-selecionado. Estes recursos transformados são agrupados em famílias de produto que tem em comum o fato de se utilizarem dos mesmos recursos transformadores alocados na célula. Assim sendo, desta célula sai um produto ou componente completo. Na Figura 44 pode-se perceber que diversos recursos transformadores foram agrupados de tal forma que um único operador fosse capaz de gerar um produto completo. FONTE: Slack et al. (2002, p. 206) FIGURA 43 – ARRANJO FÍSICO POR PROCESSO UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 122 FONTE: Krajewski; Ritzman; Malhotra (2009, p. 264) 3.4 ARRANJO FÍSICO POR PRODUTO Os recursos transformadores são posicionados com a melhor conveniência para o produto. Cada recurso transformado segue um fluxo específico que coincide com a sequência em que se encontram os recursos transformadores. Destina- se à produção de grandes volumes de produtos discretos ou não, mas que são extremamente padronizados. Uma plataforma petrolífera é um exemplo perfeito, no qual todos os recursos transformadores são posicionados para a melhor circulação do petróleo no fluxo produtivo, aumentando a produtividade. FIGURA 44 – ARRANJO FÍSICO CELULAR TÓPICO 2 | ARRANJO FÍSICO E FLUXO 123 3.5 ARRANJO FÍSICO MISTO Finalizando, os leiautes básicos apresentados podem ser misturados conforme as conveniências da operação. Uma mesma empresa pode ter um departamento em que o leiaute posicional seja o mais indicado, enquanto em outros a melhor opção pode ser um leiaute por processo. O importante é entender a relação entre o processo a ser operado e o leiaute adequado. Lembre-se: a intenção é aperfeiçoar os fluxos produtivos para maximizar os resultados da empresa. FONTE: Adaptado de: <http://www.mares.io.usp.br/aagn/32o2.html>. Acesso em: 23 ago. 2009. FIGURA 45 – ARRANJO FÍSICO POR PRODUTO LEITURA COMPLEMENTAR CONSÓRCIO MODULAR DA VW EM RESENDE Henrique Luiz Corrêa Carlos A. Corrêa Em 1996, quando a fábrica da VW Resende, pioneira mundial na adoção do modelo de consórcio modular, foi inaugurada, a atenção mundial da comunidade de gestão de operações voltou-se para lá. Tratava-se de levar ao extremo uma UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 124 tendência mundial, já de muitos anos, das montadoras de reduzir suas bases de fornecedores para um número menor de parceiros com quem estabeleceriam relações de mais longo prazo e mais centradas em cooperação que em conflito, delegando a cada um destes parceiros parcelas crescentes de responsabilidade, tanto na produção, como no projeto de peças e conjuntos. O extremo para onde a VW levou essas ideias significou um modelo em que, na fábrica de caminhões e ônibus de Resende, uma fábrica nova, a VW, relaciona-se apenas com sete fornecedores de grandes sistemas (ou módulos), que seriam responsáveis, tanto pelas suas respectivas redes de fornecimento, como pela dos grandes módulos componentes dos veículos – feita dentro da fábrica da VW – até a montagem desses módulos na linha de montagem da VW, de forma que absolutamente nenhum funcionário da VW executaria qualquer operação de produção ou montagem. Os modulistas, como passaram a ser conhecidos os fornecedores de grandes módulos, foram selecionados e escolhidos: • Maxion – fornecedora e montadora do módulo de chassis; • Meritor – fornecedora e montadora do módulo de eixos; • Powertrain – fornecedora e montadora do módulo de motor e transmissão; • Remon – fornecedora e montadora do módulo de rodas; • Delga – fornecedora e montadora do módulo de cabine; • VDO/Siemens – fornecedora e montadora do módulo derevestimento interno da cabine; • Carese – fornecedora do serviço de pintura. Interessantemente, de cerca de 1.600 pessoas trabalhando na fábrica, apenas em torno de 300 são funcionários da VW, mas nenhum deles trabalha montando produto. Além das empresas modulistas, há ainda, convivendo dentro da planta, outras empresas envolvidas em atividades de suporte: logística interna, alimentação, limpeza, segurança, entre outras. Isso significa a necessidade de gerenciar um caldo cultural que inclui empresas de passado, porte, origem e políticas gerenciais bastante variadas, todas vivendo sob o mesmo teto. TÓPICO 2 | ARRANJO FÍSICO E FLUXO 125 Este é um exemplo em que uma empresa não produz praticamente nenhum componente ou montagem de seu produto, mas mantém competências centrais. Estas são: Projeto da configuração do veículo: feito inteiramente pela própria VW, que domina e controla inteiramente o contato com os clientes, seja através da rede de concessionárias, seja por contatos diretos com grandes compradores. Domínio sobre atividades de pós-venda através de rede de concessionárias, que é importantíssimo no mercado de caminhões. Marca VW (suportada por outras competências). Atividades de coordenação, como aquisição dos componentes, manutenção de contratos de fornecimento, planejamento, programação e controle de produção etc. – atividades que fazem da VW o grande maestro da sinfônica (uma habilidade cada vez mais importante, uma vez que a VW caminhões centra sua atuação mercadológica na crescente capacidade de customização (personalização do veículo). FONTE: Corrêa; Corrêas (2006, p. 102) 126 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste segundo tópico você pôde estudar: • O processo de escolha do arranjo físico ideal, como sendo uma decorrência do processo utilizado na operação. • Uma análise dos tipos de arranjo físico (posicional, por processo, celular, por produto ou misto). 127 AUTOATIVIDADE 1 O que caracteriza um leiaute posicional? 2 Para que tipo de processo o leiaute por processo é mais indicado? 3 Para que tipo de operação o leiaute de massa se mostra mais adequado? Explique por quê. 4 A faculdade na qual você estuda se enquadraria em que tipo de leiaute? 5 E a sua casa? Qual seria o leiaute? 128 129 TÓPICO 3 MANUTENÇÃO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Como vimos até aqui, várias são as etapas necessárias para se conseguir uma empresa geradora de resultados expressivos. Bons projetos, bom planejamento, boa estrutura... Ops!!!, boa estrutura? Sim, é aqui que vamos nos focar neste capítulo. O objetivo da produção é transformar coisas de um determinado valor em outras coisas de maior valor para aqueles que as consumirão. Esta premissa fez com que ao longo dos anos as operações se preocupassem com os elementos necessários para que este processo de transformação fosse o mais eficiente possível. Inovações tecnológicas têm inserido modos de produção cada vez mais sofisticados, mas (sempre tem um “mas”) todas essas tecnologias são suscetíveis às falhas. Eis aqui a razão para a crescente preocupação com a função Manutenção. Cabe a ela manter em funcionamento toda a estrutura criada para gerar riqueza, evitando perdas de faturamento e rentabilidade em função de paradas não previstas dos recursos produtivos. Com esta nova percepção, a função Manutenção, antes vista como um mal necessário, passou a assumir um papel relevante nas organizações, como afirma Xenos (1998 apud ALVES; FALSARELLA, 2009, p. 313): Tradicionalmente as atividades de manutenção eram consideradas como um mal necessário [...] Mais recentemente esta atitude em relação à Manutenção começou a mudar e hoje ela já é reconhecida como uma função estratégica. [...] até mesmo as pequenas interrupções da produção podem causar grandes prejuízos. Estes desafios industriais colocaram a Manutenção em evidência. A Manutenção é indispensável à produção e pode ser considerada como a base de toda atividade industrial. Como se pode ver, a Manutenção passa a assumir um papel relevante em função de sua conexão direta com os interesses corporativos. Neste sentido Alves e Falsarella (2009) afirmam que o principal objetivo da Manutenção é preservar a integridade funcional dos recursos envolvidos na produção ou operação de um serviço. Para eles, a capacidade produtiva e operacional de uma empresa está diretamente ligada à disponibilidade e confiabilidade dos recursos produtivos que ela tem. Sua competência para maximizar esta disponibilidade dos recursos dá à manutenção uma relevante importância na busca de diferenciais competitivos neste mercado altamente voraz em que estão inseridas as empresas. 130 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS O principal objetivo da Manutenção é preservar a integridade funcional dos recursos envolvidos na produção ou operação de um serviço. Assim sendo, como elemento estratégico, a manutenção deve ter um controle dos custos envolvidos. Este será o tema da próxima seção. 2 CUSTOS DA MANUTENÇÃO Para Fortes (2009), os custos são didaticamente divididos em três categorias, a saber: • Custos com materiais e serviços: são aqueles que ocorrem para que se mantenha o equipamento em operação. Inclui os custos de mão de obra direta de manutenção, materiais utilizados etc. • Custos das perdas: custos oriundos da indisponibilidade de equipamento em função direta da falta de ação da equipe de manutenção. Por exemplo, parada de produção por falta de equipamento reserva, quebras ou falhas de equipamentos por manutenção inadequada etc. • Custos da estrutura: são relacionados com a estrutura gerencial e de apoio administrativo, análises e estudos de melhoria, engenharia de manutenção, lideranças envolvidas etc. Fortes (2009) ainda sugere que estas categorias de custos sejam gerenciadas e para tal devem ser acompanhados alguns indicadores essenciais para que se mantenha o controle. Como sugestão do mínimo que deve ser controlado, são sugeridos os seguintes indicadores: • Histórico de custo mensal: quanto se gasta com manutenção durante o mês. Deve-se criar um acompanhamento histórico. • Comparativo orçado x realizado: como em qualquer outra atividade da empresa, também a manutenção tem um orçamento dentro do qual tenta se manter. Comparar o que se planejou gastar com o que se gastou efetivamente é importante. IMPORTANT E TÓPICO 3 | MANUTENÇÃO 131 3 TIPOLOGIA DA MANUTENÇÃO • Benchmark: qual a referência mundial, isto é, valores da empresa que tem o menor custo de manutenção nesse tipo de instalação. É fundamental, num mercado altamente competitivo, saber se a organização gasta mais com manutenção do que os seus concorrentes. Na prática, significa dizer que os custos devem ser gerenciados continuamente e a única forma de fazê-lo é através do uso de indicadores. Cabe observar que estes indicadores apresentados são apenas uma sugestão do mínimo que deve ser medido. Cada organização, em função de características particulares (localização, contexto econômico regional, mercado-alvo, produto etc.), deve estabelecer um leque de indicadores que julgue adequados para a sua realidade. É comum organizações se utilizarem de indicadores de coleta mais fácil. Contudo, cuidado, isso pode ser um equívoco. Deve-se medir o que é importante e não o que é fácil! É importante relembrar que a missão da Manutenção é manter máquinas, equipamentos e instalações disponíveis para a sua utilização no momento em que forem necessários. Portanto, parte-se da lógica de que se deve buscar a possibilidade de planejar as atividades da melhor forma possível. Dessa forma, há duas grandes categorias de manutenção: • Não planejada: nessa categoria a ação de manutenção ocorre quando o problema aparece e busca acelerar o retorno do equipamento à operação.Quebrou, consertou! • Planejada: aqui a equipe de manutenção planeja a parada de manutenção, evitando os momentos em que o equipamento é utilizado pela produção. Com isso a ação de manutenção não interfere no processo produtivo. ATENCAO 132 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS Podemos facilmente concluir que o objetivo é maximizar o número de atividades planejadas de manutenção, de forma a evitar os efeitos negativos das paradas sobre a produção. Para facilitar o estudo e até mesmo o gerenciamento das atividades de manutenção, ela é didaticamente dividida em cinco classes básicas, que passamos a estudar, como é apresentado na próxima figura. Cada uma delas com características e aplicações específicas, como veremos no próximo tópico. FONTE: O autor 3.1 MANUTENÇÃO CORRETIVA (MC) Parte do princípio de que, quando algo quebra, deve ser consertado. Ou seja, o ato da manutenção acontece depois que a quebra aconteceu. Alguns a chamam de manutenção “quebra-conserta”. O fato é que a manutenção age de forma reativa aos problemas, o que traz consigo consequências, que, para Fortes (2009), seriam: • Os equipamentos quebram de forma aleatória, e isto pode acontecer durante o processo produtivo. • Como os equipamentos quebram quando os estamos utilizando, seu índice de utilização acaba reduzido. • Diminuição da vida útil das máquinas, equipamentos e instalações, pois as quebras acontecem em função de deterioração dos componentes dos equipamentos. FIGURA 46 – CLASSES DE MANUTENÇÃO TÓPICO 3 | MANUTENÇÃO 133 3.2 MANUTENÇÃO PREVENTIVA (MP) Por acontecer de forma totalmente imprevista, os seus custos são muito altos em função das perdas impostas ao processo. A situação é muito parecida com aquela que vivemos quando chove e não temos um guarda-chuva conosco. Nunca percebemos a falta dele, a não ser que chova. Quando isso acontece, causa-nos grandes transtornos. O mesmo ocorre com a manutenção. Só percebemos a sua falta quando ficamos sem o equipamento, quando precisamos dele. Essa classe de manutenção foi um primeiro passo rumo ao controle sobre o estado dos equipamentos. A ideia era não ser pego de surpresa com quebras indesejáveis, em momentos igualmente indesejáveis. Esse tipo de manutenção se baseia na realização de manutenções periódicas, nas quais são inspecionados e/ou substituídos componentes de máquinas, equipamentos e instalações. Esses componentes, que merecem atenção especial, são identificados através do uso da estatística. O período entre as manutenções é fixo e determinado por calendário (semanal, mensal, trimestral, semestral, anual etc.) ou pela operação (número de ciclos, horas de operação etc.). Uma vez completado o período, é realizada uma intervenção na qual são verificados os itens determinados em um roteiro de manutenção. Na prática, trata- se de um check list a ser seguido para que nenhum dos componentes passíveis de falha deixe de ser manutenido. Em muitos casos, esses roteiros são fornecidos pelos próprios fabricantes dos equipamentos. Fortes (2009) afirma que esse tipo de manutenção apresenta como vantagens: • Redução do número de manutenções corretivas, com consequente redução dos custos. • Aumento da taxa de utilização dos sistemas submetidos a esse tipo de manutenção. Esse tipo de manutenção funciona muito bem, mas tem custos elevados de peças e componentes. Isso acontece porque a troca é determinada pelo roteiro, que por sua vez é determinado pela análise histórica de dados dos equipamentos. Com a intervenção preventiva, esse histórico tende a mudar e, em muitos casos, acaba- se trocando peças em bom estado. Para buscar uma solução para este problema surgiu a Manutenção Preditiva. 134 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 3.3 MANUTENÇÃO PREDITIVA (MPD) A manutenção preditiva é a introdução da ciência na manutenção. Aqui, diferentemente da MP, o que determina o momento de uma intervenção não é o período, mas a condição e o desempenho dos componentes, segundo Fortes (2009). A determinação desses dois aspectos é feita através do acompanhamento de variáveis diversas (vibração, temperatura, espessura, velocidade etc.) com o objetivo de determinar o melhor momento para a realização da manutenção, de forma que se maximize o tempo de operação e a vida útil dos componentes dos equipamentos. São estabelecidos períodos em que é realizada a leitura das variáveis que são acompanhadas. Uma vez feitas as leituras, elas são registradas num histórico e comparadas com o padrão ideal. Este padrão normalmente é definido no projeto dos equipamentos que estão sendo acompanhados e é determinado pelo próprio fornecedor. Na prática, na MANUTENÇÃO PREDITIVA, busca-se permitir a operação contínua do equipamento pelo maior tempo possível. (FORTES, 2009). Por se utilizar de equipamentos específicos e mão de obra altamente qualificada, deve ser utilizada em equipamentos gargalo ou de grande valor de capital investido, cujo retorno depende da maximização da sua operação. Equipamentos de gargalo, você sabe o que são? Não? Então lá vai... São equipamentos que estrangulam o processo produtivo, normalmente pelo fato de um grande volume de itens passarem por eles, ou por ser equipamento único. IMPORTANT E UNI TÓPICO 3 | MANUTENÇÃO 135 3.4 MANUTENÇÃO DETECTIVA (MD) 3.5 MANUTENÇÃO PRODUTIVA TOTAL (MPT) Muito similar à MPd, mas com uma diferença básica: a velocidade. Na manutenção detectiva, o monitoramento das variáveis é feito em tempo real e não em períodos definidos. A intenção é identificar as falhas ocultas e que não podem ser identificadas visualmente. Esse tipo de manutenção é relativamente recente e só foi possível graças aos avanços tecnológicos dos sistemas de instrumentação e controle de processo. Fortes (2009) lembra-nos da utilização dos sofisticados sistemas de coleta de dados, controladores lógicos programáveis (CLP), miniloops com computadores supervisórios, sistemas digitais de controle distribuído (SDCD) e muitos outros elementos de controle só disponíveis em função do surgimento dos computadores de processo. Na manutenção preditiva é necessário um diagnóstico a partir das medições, enquanto que na manutenção detectiva há um diagnóstico direto que parte das leituras diretas e contínuas realizadas nos equipamentos monitorados. A MPT, também conhecida por TPM, é a manutenção elevada ao seu mais alto grau. Teve sua origem no Japão e, segundo Mirshawka e Olmedo (1993, p. 51) poder-se-ia dizer que MPT é: 1. Maximização do rendimento operacional global dos equipamentos. 2. Enfoque sistêmico globalizado, onde se considera o ciclo de vida do próprio equipamento, ou seja, uma manutenção produtiva total. 3. Participação e integração de todos os departamentos envolvidos, como o da programação, produção e manutenção. 4. Envolvimento e participação de todos, desde a alta direção até os elementos operacionais da linha. 5. Colaboração das atividades voluntárias desenvolvidas pelos pequenos grupos, além da criação de um ambiente próprio para a condução desses trabalhos. TPM, do inglês, Total Production Maintenance. NOTA 136 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS Na prática, significa fazer com que a organização reconheça que a geração da riqueza da empresa depende de suas máquinas e equipamentos e que todos devem contribuir para que estes estejam disponíveis sempre que forem necessários. Um dos aspectos mais significativos e aparentes dessa metodologia é a participação dos operadores dos equipamentos. Parte-se do princípio de quem ninguém conhece melhor o equipamento do que o seu operador, afinal, este tem contato diário com ele. Imagine a sua relação com o seu carro. Se em um determinado dia você for ligar o carro e ele fizer um barulho diferente, imediatamente você perceberá isso.Talvez você não saiba o que é, afinal, não é mecânico, mas sabe que algo está errado e procurará a mão de obra especializada necessária para promover o conserto. O mesmo acontece na empresa. Esse diagnóstico rápido dos problemas pode ser a diferença entre uma máquina operando e uma máquina quebrada. Busca- se a participação dos trabalhadores naquilo que se denomina de “manutenção autônoma”. Essa manutenção autônoma nada mais é do que envolver os operadores em três atividades básicas de manutenção: • Limpeza: manter os equipamentos e o espaço de operação limpos. • Lubrificação: manter os equipamentos lubrificados, evitando desgastes. • Reaperto: manter todas as fixações apertadas. Quando algo está solto na máquina, cria vibrações. Essas vibrações tendem a aumentar e gerar quebras de componentes e, consequentemente, parada do equipamento. Esses aspectos não foram escolhidos aleatoriamente. O fato é que a grande maioria das quebras que ocorrem em máquinas e equipamentos tem origem nesses três aspectos. Atuar sobre eles significa atuar na causa dos problemas e aumentar enormemente a disponibilidade de máquinas e equipamentos. 4 ORGANIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO Fortes (2009) nos fala da adequação que a estrutura hierárquica da manutenção sofreu com a necessidade que as empresas tiveram de se ajustar a competitividade extrema do mercado. Até os anos 80 do século passado, o responsável pela manutenção era ligado diretamente à cúpula organizacional, sendo uma gerência de primeira linha. Hoje, em função do enxugamento das estruturas organizacionais, a tendência é que haja um supervisor de manutenção, ligado ao gerente de produção, ou, no caso das TÓPICO 3 | MANUTENÇÃO 137 grandes corporações, um gerente de manutenção responsável por diversas plantas. Com relação à sua forma de atuação, há três modelos característicos. Um resumo é apresentado no quadro a seguir. CENTRALIZADA A manutenção é centralizada em uma equipe única. Vantagens: A eficiência global é maior do que na descentralizada, pela maior flexibilidade na alocação da mão de obra em vários locais da planta, os quais acabam desenvolvendo maiores habilidades. O efetivo de manutenção tende a ser menor. Equipamentos e instrumentos de manutenção são melhor aproveitados e adquiridos em menor número. A estrutura de manutenção é mais enxuta. Favorece a polivalência funcional da equipe de manutenção. Desvantagens: A supervisão dos serviços é dificuldade pela diversidade de frentes de ação e até mesmo por distâncias. A equipe de manutenção é menos especializada nos equipamentos específicos de cada departamento atendido. Maiores custos com deslocamentos (plantas grandes). DESCENTRALIZADA É o oposto da organização centralizada, logo, as vantagens de uma são as desvantagens da outra. O diferencial é o fato de se gerar uma estreita cooperação entre operação e manutenção. MISTA Combina as duas formas anteriores. É bastante utilizada em plantas grandes ou muito grandes, combinando as vantagens da manutenção centralizada e descentralizada. FONTE: Fundamentado em: Fortes (2009) QUADRO 8 – TIPOS DE ORGANIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO 138 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste terceiro tópico apresentamos: • A necessidade de estabelecer uma metodologia que assegure a disponibilidade de máquinas e equipamentos. • Uma apresentação dos custos decorrentes do processo de manutenção. • Uma explicação sobre as classes de manutenção planejada e não planejada. • A apresentação de diversas técnicas de operação da manutenção. • Uma análise da localização da manutenção na estrutura da empresa. 139 AUTOATIVIDADE Responda às questões que seguem: 1 Qual a importância da manutenção? 2 O que distingue manutenção planejada de manutenção não planejada? 3 Enumere e explique as classes de manutenção. 4 Explique o conceito de manutenção autônoma. Por que ela funciona bem? Assista ao vídeo de resolução da questão 1 140 141 TÓPICO 4 EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Quase que a totalidade dos gestores, seja de que tipo de negócio for, tem preocupação com a qualidade do produto que oferecem, por entenderem que isto pode lhes significar algum tipo de vantagem competitiva. Contudo, a dinâmica dos negócios tem mostrado que isso já não é tão verdadeiro. Não que a qualidade tenha perdido importância, muito pelo contrário. Passou a ser tão fundamental que não é mais considerada um diferencial, mas, sim, uma obrigação da empresa. O mercado não é tolerante com empresas que não tenham um produto de qualidade. Qualidade não é um diferencial competitivo. É obrigação da empresa ao entrar em um mercado. Considerando a qualidade sob esta ótica, Slack et al. (2008) afirmam que ela assume o papel de um modelo de gerenciamento focado na melhoria dos processos, de forma que a organização desenvolva a habilidade de produzir e entregar produtos (sejam bens ou serviços) de acordo com as expectativas de mercado, seja no curto prazo, seja no longo prazo. Neste caderno nos esforçaremos para demonstrar a evolução dos conceitos e técnicas envolvidos com qualidade, para que municiados deste conhecimento possamos inferir o futuro da atividade. De onde viemos e para onde vamos quando o assunto é qualidade. Contudo, antes disso, vamos definir o que é qualidade. IMPORTANT E 142 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 2 DEFINIÇÃO DE QUALIDADE 3 AS CONTRIBUIÇÕES DOS PENSADORES Uma característica importante da qualidade e, portanto, da sua definição, é o fato de depender em muito da percepção daquele que a examina ou define. Com isso, não há um consenso sobre a sua definição. Para que possamos ter uma noção do que seria qualidade, tratemos de avaliar estas diferentes visões deste tema, apresentadas por Reid e Sanders (2005, p. 76): • Conformidade com as especificações: determina até que ponto o produto atende as especificações e os objetivos definidos pelos seus idealizadores; • Adequação ao uso: indica até que ponto o produto cumpre sua função ou uso pretendido, ou seja, faz aquilo a que foi destinado; • Valor pelo preço pago: uma associação que os consumidores normalmente fazem entre o preço pago e a sua real utilidade. • Serviços de suporte: aplica-se para duas situações. A forma como as pessoas avaliam a qualidade e a atenção dada pela estrutura organizacional aos clientes. • Critérios psicológicos: são critérios subjetivos de avaliação da qualidade, normalmente associados ao contexto ou à tradição da marca. Como podemos perceber, definir qualidade não é algo tão simples quanto possa parecer e talvez nem seja tão necessário. Talvez a energia despendida na tentativa de definir qualidade pudesse ser direcionada para a sua obtenção e poderíamos resumir tudo a uma frase simples: Qualidade é impingir ao produto e a toda a cadeia de valor que o produz os atributos desejáveis pelo cliente. Nesse processo de construção conceitual da qualidade, diversos foram os pesquisadores que deram a sua contribuição. A seguir passaremos a apresentar esta contribuição. Perceba que não estamos interessados em estudar a biografia desses pesquisadores, mas, sim, a sua contribuição, para que possamos entender o processo evolutivo do pensamento da qualidade. IMPORTANT E TÓPICO 4 | EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE 143 3.1 JOSEPH M. JURAN Romeno de nascimento, Juran imigrou para os Estados Unidos, onde se formou em engenharia. Em 1951 publicou a obra que lhe deu a notoriedade e reconhecimento internacional, o Quality Control Handbook. Atuou como consultor no Japão pós-guerra, o que lhe rendeu a maior comenda que o governo japonês oferece a não japoneses. Corrêa e Corrêa (2006) apresentam as principais propostas e definições de Juran: Definição de qualidade: entre osconceitos propostos por ele está a própria definição do que vem a ser qualidade. O que ele faz através de duas definições: 1. Qualidade são aquelas características do produto que atendem às necessidades dos clientes e, portanto, promovem a satisfação com o produto. 2. Qualidade consiste na ausência de deficiências. (CORRÊA; CORRÊA, 2006, p. 183). Cliente interno e cliente externo: nos dias de hoje parece-nos bastante óbvia a diferença entre cliente interno e externo. Isto se deve ao fato de já termos incorporado estas definições. Contudo, nos anos 50 não era bem assim. Até então, cliente era quem estava do lado de fora da organização. Corrêa e Corrêa (2006) afirmam que Juran propôs que cliente externo seria aquele que é impactado pelo produto, mas não é membro da organização que o produziu. Já o cliente interno seriam pessoas ou áreas que são supridas por outras, dentro da própria organização produtora. Para Juram, cada ente da cadeia de valor desempenharia três papéis diferentes, mas simultâneos: é cliente de alguém, fornecedor de alguém e pode ser o próprio agente transformador, sendo, portanto, um processo. 144 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS FONTE: Arquivo do autor Deficiências: seriam quaisquer coisas que ocorram na organização e que possam desencadear eventos futuros negativos (atrasos de entrega, retrabalhos, erros de faturamento, mudanças no projeto etc.). Insatisfação: seria uma consequência das deficiências do produto. Os clientes externos expressam essa insatisfação através de reclamações, devoluções ou reivindicações. Satisfação: estaria relacionada com as características do produto, sendo a razão pela qual o cliente compra o produto. Para Juran, a satisfação não estaria diretamente ligada à insatisfação, pois esta segunda tem sua origem nas deficiências do produto. Custos da qualidade: Juran foi o primeiro a propor que os custos de “não fazer certo da primeira vez” fossem medidos e classificou esses custos em três categorias: Custo das falhas: quanto um determinado erro custou para a organização? Aqui entram custos relacionados a erros internos detectados antes do recebimento pelo cliente (erros do processo produtivo, retrabalhos, desperdícios). Também devem ser considerados os custos externos relativos a problemas detectados pelo cliente (solicitação de garantia, assistência técnica, redespacho, devoluções, perdas de negócios etc.). Custo de avaliação: deve incluir os processos de monitoramento e verificação da qualidade, que vão desde testes de qualidade e inspeções, até auditorias. Custo da prevenção: diz respeito aos custos relativos a qualquer atividade que vise a evitar os problemas de qualidade. Aqui estão os custos de planejamento da qualidade, avaliação de fornecedores, treinamento de pessoal etc. Trilogia da qualidade: mais uma vez Juran mostra sua genialidade ao sugerir o primeiro modelo de gestão para a qualidade, a trilogia de Juran: FIGURA 47 – OS PAPÉIS QUE ASSUMIMOS NA CADEIA DE VALOR TÓPICO 4 | EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE 145 Planejar: as organizações deveriam planejar as ações direcionadas à obtenção da qualidade, estabelecendo objetivos e desenvolvendo planos. Controlar: uma vez implementados os planos, estes deveriam ser monitorados e o seu desempenho avaliado, comparando com os objetivos traçados e estabelecendo ações corretivas em caso de desvios. Melhorar: o desempenho com os níveis obtidos deve ser considerado apenas satisfatório, de modo que a organização crie uma metodologia de busca de melhorias nos níveis deste desempenho. Para que a trilogia pudesse ser colocada em prática, Juran sugeriu uma sequência de passos: 1 Identifique os clientes. 2 Identifique as necessidades dos clientes. 3 Traduza as necessidades dos clientes em especificações. 4 Desenvolva os produtos que atendam as necessidades dos clientes. 5 Aperfeiçoe as características dos produtos. 6 Desenvolva as capacidades dos processos para produzir o produto. 7 Teste os processos. 8 Operacionalize os processos. Como pudemos observar, Juran foi responsável pelo lançamento das ideias que até os dias de hoje são a base da qualidade nas organizações, contudo, muito havia por fazer. Outros pesquisadores vieram. 3.2 WILLIAM E. DEMING Engenheiro, físico e matemático americano, é considerado o grande mentor das grandes mudanças econômicas vivenciadas pelo Japão no período pós-guerra, onde atuou como conselheiro do Comando Supremo das Forças Aliadas. Em função desta sua formação ligada às ciências exatas, propôs o uso de evidenciação estatística para identificação de variações nos processos. Para ele, melhorias significativas na qualidade só poderiam ser obtidas através da redução das variações nos processos. A sua abordagem da qualidade foi sumarizada na criação do ciclo PDCA e nos 14 Pontos de Deming. 146 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS O ciclo PDCA é uma ferramenta criada para organizar os procedimentos para a melhoria de um processo qualquer. Presume que a melhoria pode ser obtida através de quatro passos: Plan (planejar): identificar uma necessidade de melhoramento e fazer um plano para solucionar o problema identificado. Do (fazer): testar o plano elaborado. Check (monitorar ou controlar): verificar o funcionamento do que foi planejado. Action (implantar): implantar o plano de forma definitiva. FONTE: O autor (domínio público) Neste material, não poderíamos deixar de apresentar a sua principal contribuição, a carta com os 14 pontos de Deming. Trata-se de uma reflexão sobre tudo aquilo que Deming, ao longo de sua brilhante carreira, conseguiu concluir. É um compêndio de boas ideias. Uma ode à qualidade dos produtos, dos processos e do ambiente em que são produzidos. Vamos a eles? FIGURA 48 – CICLO PDCA TÓPICO 4 | EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE 147 OS 14 PONTOS DE DEMING 1. Criar constância da meta de qualidade do produto. 2. Recusar-se a permitir a ocorrência de níveis normalmente aceitos de atrasos devido a erros, material defeituoso e acabamento defeituoso. 3. Cessar a dependência da inspeção para obter qualidade. 4. Reduzir a quantidade de fornecedores. Comprar baseando-se nas evidências estatísticas e não no preço. 5. Instalar programas para a melhoria contínua dos custos, qualidade, serviços e produtividade. 6. Instituir treinamento para a utilização total de todos os funcionários. 7. Concentrar a supervisão em ajudar as pessoas a fazer um trabalho melhor. Fornecer as ferramentas e técnicas para que as pessoas se orgulhem do seu trabalho. 8. Eliminar o medo. Estimular uma comunicação de via dupla. 9. Eliminar as barreiras entre os departamentos. Incentivar a solução de problemas através de trabalho de equipe. 10. Eliminar a utilização de metas numéricas, slogans e pôsteres para a mão de obra. 11. Utilizar métodos estatísticos para melhoria contínua da qualidade e produtividade e eliminar todos os padrões que prescrevem cotas numéricas para padrões aceitáveis. 12. Remover as barreiras ao orgulho do trabalho. 13. Instituir um programa vigoroso de educação e treinamento para manter as pessoas a par dos avanços em termos de material, métodos e tecnologias. 14. Definir claramente o compromisso permanente da alta administração com a qualidade e produtividade. FONTE: Fundamentado em: Gaither e Frazier (2005, p. 493) Ei, psit! Você sabia que os termos monitoramento e controle, apesar de muitas vezes serem tomados como sinônimos, têm uma diferenciação semântica? Controlar tem maior relação com o ato de fiscalizar de forma periódica, exercer domínio. Monitorar tem maior associação com acompanhamento contínuo. Como se pode perceber, todos os níveis da organização, em todas as suas atividades diárias, devem ter uma preocupação constante com a qualidade, sejapara produzi-la, seja para dar condições a esta produção. 3.3 ARMAND VALLIN FEIGENBAUM QUADRO 9 – OS 14 PONTOS DE DEMING No ano de 1951, enquanto ainda era estudante de doutoramento no MIT (Massachussetts Institute of Technology), Feigenbaum assombrou o mundo com a UNI 148 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS publicação do seu livro Total Quality Control, no qual estabeleceu os princípios do Controle Total da Qualidade. Para ele, conforme Corrêa e Corrêa (2006, p. 189): O Controle Total da Qualidade é um sistema efetivo para integrar os esforços dos vários grupos dentro de uma organização, no desenvolvimento, na manutenção e no melhoramento da qualidade, de maneira que habilite marketing, engenharia, produção e serviço com os melhores níveis econômicos que permitam a completa satisfação do cliente. Feigenbaum afirmava que, para controlar efetivamente os resultados de qualidade de um processo, seriam necessários quatro passos: 1 Estabelecer padrões. 2 Avaliar a conformidade em relação a estes padrões. 3 Agir corretivamente quando necessário. 4 Planejar uma melhoria definitiva. E complementa acreditando que isso somente poderia ser obtido através de um rígido e detalhado sistema da qualidade, estabelecido sobre uma base formal e documentada. Estavam criadas as normas técnicas. Ainda segundo Corrêa e Corrêa (2006, p. 190), Feigenbaum afirmava sobre esta formalidade: Um sistema da Qualidade é uma estrutura operacional de trabalho concordada, documentada em procedimentos técnicos e de gestão efetivos e integrados, para toda a empresa e toda a fábrica, para guiar as ações coordenadas das pessoas, máquinas e informações da companhia e da fábrica nas formas melhores e mais práticas para assegurar a satisfação o cliente com a qualidade e a custos de qualidade econômicos. 3.4 KAORU ISHIKAWA Químico japonês, Kaoru Ishikawa criou o conceito de CWQC – Company Wide Quality Control, que por sua grande similaridade com o TQC era considerado uma ampliação deste, com o acréscimo de três dimensões. Segundo Corrêa e Corrêa (2006), a primeira dimensão seria o fato de que as técnicas não deveriam ficar restritas à equipe da Qualidade, mas, sim, disseminadas a todos dentro da organização, desde a alta gerência até os operadores. TÓPICO 4 | EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE 149 Como forma de conseguir esta disseminação, seria necessário ensinar as sete ferramentas a seguir: • Diagramas de processo: ferramenta destinada à visualização de forma simples e rápida de todas as fases de um processo, com o objetivo de identificar rupturas, sobreposições de tarefas e assim por diante. • Análise de Pareto: esta ferramenta, criada por Pareto no século XVI, é utilizada para determinação de prioridades. Isto direciona as decisões para os fatos que efetivamente geram maior retorno. • Diagramas de Causa e Efeito: utilizada para identificar possíveis causas-raízes de um problema, sendo normalmente utilizada após a aplicação da Análise de Pareto. Também pode ser utilizada para promover a participação das pessoas na análise de problemas através de brainstormings. • Diagramas de Correlação: esta ferramenta é utilizada para explorar possíveis relações entre duas variáveis que podem ter influência sobre o problema estudado. • Histogramas: trata-se de uma ferramenta gráfica para levantamento de dados obtidos através de observação. • Cartas de Controle de Processo (CEP): criadas por Walter Shewhart na década de 20 do século XX, têm o objetivo de manter o controle de um processo, através da visualização do desempenho de suas variáveis mais importantes. • Folhas de Verificação: também conhecida por check list, apresenta um procedimento simples e claro, que deve ser seguido para assegurar que ganhos já obtidos não sejam perdidos. Vamos lá que sempre é tempo para aprender... Brainstormings são reuniões de um grupo de pessoas que, para um determinado assunto ou problema, expõe as suas ideias sem nenhum tipo de censura. Alguém é responsável por estimular o grupo e registrar as ideias. UNI 150 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS Como segunda dimensão, Ishikawa diz que as ações da qualidade deveriam ser estendidas a todas as atividades da organização em que houvesse oportunidades de melhoramento, pertencessem ou não, ao ciclo industrial, fossem elas atividades de projeto do produto, da contabilidade ou de um contínuo do escritório. Finalmente, a terceira dimensão que é representada pelas auditorias da alta gerência, cuja participação é uma demonstração inequívoca de seu comprometimento com a qualidade. 3.5 SHIGEO SHINGO Engenheiro mecânico japonês, Shingo não acreditava que a estatística fosse suficiente para resolver os problemas da organização. Para ele, as soluções não poderiam passar apenas pela vontade humana de fazer certo. Shingo propôs que haveria uma distinção entre erro e defeito, afirmando que os erros seriam causas que levariam aos defeitos. Com base nesta proposição, passa a fazer sentido a ideia de evidenciar os erros e corrigi-los. Nessa busca pelo defeito zero, Shingo criou o ZQC – Zero Quality Control, sistema no qual sugere que as inspeções sejam feitas na fonte, de modo a evitar o erro, antes que o mesmo se transforme em defeito. O caminho seria evitar que os erros acontecessem e para isso ele criou o que chamou de dispositivos Poka Yoke, que impediam fisicamente os erros. Um exemplo bastante simples desses dispositivos é apresentado na figura a seguir, na qual, mesmo se quisesse, uma pessoa não conseguiria cometer um erro e inverter a posição do pino. TÓPICO 4 | EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE 151 3.6 GENICHI TAGUCHI Este engenheiro e estatístico japonês fez uma proposição totalmente distinta do que havia até então. Para ele, a qualidade de um produto seria igualmente proporcional às perdas financeiras que este produto impõe à sociedade. Para tanto, ele sugere que o ciclo de vida de um produto poderia ser dividido em duas fases: antes da venda e depois da venda. Todos os custos ocorridos antes da venda seriam perdas para o fabricante e todos os custos promovidos pelo produto após a venda seriam perdas para o cliente. Partindo da premissa que tanto fabricante quanto clientes fazem parte da sociedade como um todo, a menor somatória dos dois custos seria o menor custo social. Para facilitar a compreensão, façamos uma análise da próxima figura. A curva Q de um produto qualquer indica as perdas para o fabricante, que aumentam à medida que cresce uma variável de interesse para o estudo. Essa variável poderia ser peso, espessura, volume, enfim, qualquer uma, conforme o produto analisado. Já a curva C indica as perdas para o cliente e que diminuem à medida que aumenta essa mesma variável de interesse. Corrêa e Corrêa (2006) trazem um exemplo bastante didático para exemplificar essa questão. Imagine que o produto em questão fosse uma lona de caminhão e a variável de interesse fosse a espessura dessa lona. Quanto maior a espessura, maiores as perdas para o fabricante em função do aumento de custo. Já para o cliente, os custos diminuem em função da maior robustez, maior durabilidade e menos despesas com manutenção. Como os dois elementos, fabricante e cliente, fazem parte da sociedade, a somatória dos custos indica a perda para a sociedade e que é menor no ponto “m”. FONTE: Disponível em: <http://luizmoratto.files.wordpress.com/ 2009/04/01114084800.jpg>. Acesso em: 2 fev. 2011. FIGURA 49 – EXEMPLO DE DISPOSITIVO POKA YOKE 152 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS FONTE: Adaptado de: Corrêa e Corrêa (2006, p.196) Taguchi também avaliou metodologia de aprovação e reprovação em uma inspeção de qualidade. Tomando o ponto “m” como referência, afirmava que seria necessária a definição de limites mínimose máximos. Contudo, ele não concordava com uma postura passiva que surgia em função da dicotomia aprova-reprova. Para ele, produtos muito próximos dos limites têm o mesmo potencial de geração de perdas, mesmo que aqueles que estejam dentro dos limites sejam considerados aprovados e os que estiverem fora forem considerados reprovados. Em verdade, ele pregava o bom senso e a necessidade de procurar as causas dos problemas, mesmo que os produtos fossem aprovados. 3.7 DAVID GARVIN Por ser economista, este americano, ph.D. em economia pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology, deu à qualidade uma visão mais estratégica. Ele acreditava que as organizações não deveriam buscar a excelência em todos os aspectos da qualidade, pois isto geraria desperdício de recursos. Lembrem-se: ele era economista. FIGURA 50 – A CURVA DE PERDAS DE TAGUCHI TÓPICO 4 | EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE 153 Para Garvin, o fundamental para a organização seria superar a concorrência naqueles atributos da qualidade que o público-alvo considerava importantes. Corrêa e Corrêa (2006, p. 200) afirmam que, para dar amparo à sua teoria, ele sugeriu dois aspectos fundamentais: 1. Considera que a qualidade é um “pacote” que engloba oito dimensões. 2. Considera que o nível de qualidade entregue deve ser definido pela importância dada pelo cliente às oito dimensões e pelo desempenho desejado da operação frente à concorrência. Esse pacote de oito dimensões seria assim composto: 1) Desempenho: são características básicas de ordem técnica e operacional. 2) Características: são características complementares que suplementam o desempenho. 3) Confiabilidade: indica com que frequência o produto estará fora de operação. 4) Conformidade: indica o quanto um produto está em conformidade com as especificações anunciadas ou com experimentação anterior do cliente. 5) Durabilidade: indica quanto tempo este produto estará em condições de operação, com desempenho aceitável. 6) Manutenção: indica o quanto o produto é de manutenção fácil, barata e acessível. 7) Estética: características associadas à aparência e impressão deixada pelo produto. 8) Qualidade percebida: é a percepção do cliente sobre o produto. Indica como ele avalia o que recebeu. Assim, Garvin afirmava que nem todas as dimensões são importantes para cada público-alvo. Desta forma, seria fundamental identificar que atributos de qualidade são os mais importantes para o cliente e direcionar os esforços de melhoria da qualidade para esses atributos. Desta forma, as ações corretivas seriam mais assertivas, pois estariam melhorando o produto nos aspectos que interessam ao cliente, aumentando, assim, a sua satisfação percebida. O uso da qualidade como arma competitiva não significa a irrestrita busca da excelência, mas a busca de uma superioridade sobre a concorrência nas dimensões da qualidade que o mercado julga prioritárias. Com esta visão, planejamento da qualidade, segundo Garvin, seguiria quatro passos: IMPORTANT E 154 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 3.8 PHILLIP B. CROSBY 4 O PLANEJAMENTO DA QUALIDADE O terceiro guru mais reconhecido da área de TQM cunhou a célebre frase “- Faça certo da primeira vez” e a ideia do Zero Defeito. Segundo Reid e Sanders (2005), Crosby argumentava que não é aceitável a ideia de que uma pequena quantidade de defeitos seria inerente ao processo em função de máquinas e pessoas serem imperfeitas. Acredita, sim, na prevenção. Para ele, “a qualidade é gratuita”. Segundo ele, a falta de qualidade gera custos altos com desperdícios, perdas de tempo, de negócios, de clientes e quaisquer investimentos na eliminação destes custos gerariam um retorno mais do que suficiente para se pagar. Como foi possível perceber, o processo de evolução do pensamento da qualidade foi longo. Diversos pesquisadores contribuíram para aquilo que hoje consideramos qualidade. Certamente não esgotamos todas as possibilidades. Muitos pesquisadores continuam trabalhando os conceitos da qualidade e muitas novidades ainda nos serão apresentadas nos próximos anos. A cadeia de valor é formada por uma sucessão de clientes e fornecedores. Cada um deles com expectativas e necessidades diferentes. É este fato que fundamenta a necessidade de planejamento dos eventos. Como esses eventos são suscetíveis às variações, surge a necessidade de controle. Tomada de decisões e a definição das ações necessárias ao controle da qualidade também são tarefas do planejamento da Qualidade. Essas decisões incluem: Controlar ou não controlar? Controlar o produto ou processo? Que características do produto ou processo serão controladas? Como controlar? Quem deve controlar? Quando controlar? 1 Definição da qualidade. 2 Comparação com a concorrência. 3 Definição das alavancas internas para o melhoramento. 4 Plano de ações. TÓPICO 4 | EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA QUALIDADE 155 O simples ato de controlar nada significa se não for um fato gerador para decisões que levem à solução dos problemas encontrados. No próximo tópico, analisaremos algumas ferramentas para a gestão destes melhoramentos necessários à qualidade. 156 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico você estudou: • O entendimento do conceito de qualidade e sua contextualização aos dias de hoje. • Um passeio por uma construção histórica da qualidade que hoje se conhece, através das contribuições dos pensadores que a construíram. • Um olhar sobre o planejamento da qualidade. 157 AUTOATIVIDADE Responda às questões que seguem: 1 Defina qualidade e explique a sua definição. 2 Sintetize as contribuições de Juran para a fundamentação da qualidade. 3 Sintetize as contribuições de Deming para a fundamentação da qualidade. 4 Sintetize as contribuições de Feigenbaum para a fundamentação da qualidade. 5 Sintetize as contribuições de Ishikawa para a fundamentação da qualidade. 6 Sintetize as contribuições de Shingo para a fundamentação da qualidade. 7 Sintetize as contribuições de Taguchi para a fundamentação da qualidade. 8 Sintetize as contribuições de Garvin para a fundamentação da qualidade. 9 Sintetize as contribuições de Crosby para a fundamentação da qualidade. 158 159 TÓPICO 5 A GESTÃO DOS MELHORAMENTOS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO 2 PROCESSOS Gerir melhoramentos nada mais é do que conhecer os processos em profundidade suficiente para se ter uma visão crítica de suas falhas e propor os ajustes necessários. Para tanto, este capítulo abordará estes dois aspectos, processos e melhorias. As empresas de uma forma geral buscam resultados financeiros. As OSCIPS (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), mais conhecidas como ONG (Organizações não governamentais), fogem dessa regra, pois o que buscam não é lucro, mas, sim, atendimento de alguma necessidade de seu público-alvo. O resultado (financeiro ou não) é consequência de uma série de ações bem feitas, as quais chamamos de processos. De uma forma geral, podemos dizer que praticamente tudo que realizamos em uma organização é um processo. Poderíamos, então, dizer que o processo é responsável pela transformação de alguma coisa em outra coisa de maior valor. A figura a seguir demonstra esse raciocínio. 160 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS FONTE: Falconi (2004) Elaborando uma definição, poderíamos adotar a da NBR ISO9000:2000, que diz: Processo é um conjunto de atividades inter-relacionadas que transforma insumos (entradas) em produtos (saídas). Falconi (2004) amplia a compreensão dos processos fazendo uma analogia com o diagrama de causa e efeito. Para ele, causas (entradas e o processo) levam a efeitos (saídas) e, portanto, poder-se-ia afirmar que processo é um conjunto de causas. Seguindo esse raciocínio, os processos poderiamser sistematicamente subdivididos em processos menores, de forma a incorporar o conceito de complexidade. Desse modo podemos ter duas classes de processos: os elementares e os complexos, descritos por Maranhão e Macieira (2004) da seguinte forma: Processos elementares: unidade elementar ou célula de um processo, composta de entradas, transformação e saídas de uma única atividade. Processos complexos: compostos por uma reunião interconectada de processos elementares. A figura a seguir apresenta um exemplo através do qual é possível perceber a divisibilidade dos processos. Da complexidade até a elementaridade. Enquanto for possível dividir e identificar entradas e saídas, teremos processos. FIGURA 51– FUNCIONAMENTO DE UM PROCESSO IMPORTANT E TÓPICO 5 | A GESTÃO DOS MELHORAMENTOS 161 Ter os processos sob controle é assegurar resultados, e melhorá-los é otimizar resultados. Se a empresa quiser melhorar os resultados, deve melhorar os processos. FONTE: Falconi (2004) Transportando esse raciocínio para as organizações, é fácil perceber que estas são uma grande rede de processos interligados, cuja complexidade resulta os resultados organizacionais. A manutenção do controle sobre esta rede permite o controle sobre os resultados. Se a empresa quiser melhorar os resultados, deve melhorar os processos. Agora vamos refletir um pouco sobre esse aspecto de controle. Afinal de contas, o que é isso? Ter ou não ter controle pode trazer que impacto? 2.1 CONTROLE DOS PROCESSOS FIGURA 52 – EXEMPLO DA DIVISIBILIDADE DOS PROCESSOS Como concluímos anteriormente, a organização é uma “rede de processos” inter-relacionados, portanto, o primeiro passo para que se possa ter controle sobre esse ambiente é conhecer todos os entes que fazem parte dele, como se relacionam e que resultados podem oferecer (bons ou ruins). IMPORTANT E 162 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS Quando a organização tem uma ação de controle sobre os processos, as relações de causa e efeito são bem definidas. Isso oferece domínio sobre a situação e a possibilidade de prever resultados, uma vez que estes serão consequência das causas que estão sob controle. Numa situação em que não há essa preocupação com controle, esse domínio da situação não existe. Sem isso é impossível prever os resultados, pois não temos o controle sobre entradas e sobre a transformação. A próxima figura esquematiza essas duas ideias. FONTE: Falconi (2004) Contudo, a realidade não é tão simples e restrita apenas a ter ou não controle. Há uma infinidade de possibilidades de níveis de controle entre esses dois extremos, referindo-se às variáveis e atributos controlados. Transpondo isso para gráficos ou cálculo de indicadores, podemos determinar em que grau a organização tem ou não o controle de uma determinada situação. Partindo deste raciocínio, Maranhão e Macieira (2004) afirmam que as organizações que mantêm os seus processos sob controle têm características facilmente identificáveis. Seriam elas: • existência de objetivos claros e conhecidos por todos que podem e devem contribuir para a sua consolidação; • os processos de trabalho são identificados e controlados; • existem indicadores de desempenho ou resultado destes processos, pelo menos nos pontos críticos; • a organização é gerida com base nestes indicadores; • os indicadores estão alinhados com os objetivos organizacionais e com a satisfação dos clientes; • as pessoas realizam os seus processos sob sua responsabilidade de forma estruturada, previsível e organizada. FIGURA 53 – PROCESSOS COM E SEM CONTROLE TÓPICO 5 | A GESTÃO DOS MELHORAMENTOS 163 Essas características e os resultados obtidos são reflexos de uma administração competente. Competente em função do embasamento teórico necessário, da perfeita compreensão e aplicação deste conhecimento e da sua abertura ao aprendizado. Aqui se encaixa com perfeição a capacidade de aprender com base no que ouve, naquilo que o cliente e a própria organização têm a dizer sobre o seu funcionamento. Scherkenbach (1993) apresenta o conceito de “vozes”, referindo-se às duas formas de feedback que surgem do processo. A primeira é a voz do cliente que traz a satisfação (ou não) do cliente com o resultado do processo. Essa percepção do cliente é obtida através de medições objetivas realizadas pela própria organização. A segunda, a voz do processo, é resultado da análise dos indicadores escolhidos para medir desempenho ou resultado. Esse desempenho deve ser obtido através de requisitos do processo e que foram projetados com base nas expectativas dos clientes. Estes requisitos devem ser monitorados continuamente e tratados estatisticamente. A figura a seguir apresenta esta proposição. Com as informações passadas pelas “vozes”, a organização passa a conhecer a si própria e aos problemas que tem. As informações agem como um painel de instrumentos que dá informações ao motorista. Perceba este detalhe. FONTE: Adaptado de: Maranhão e Macieira (2004, p. 18) FIGURA 54 – O FEEDBACK NO CONTROLE DE PROCESSO 164 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS Clientes querem soluções para seus problemas e atendimento de seus desejos e expectativas através do produto que adquirem. Como o produto é resultado de processos, podemos afirmar que a satisfação do cliente indica processos que foram realizado com qualidade. Quando os processos não conseguem gerar esse valor esperado pelo cliente, ele deve ser corrigido ou eliminado do sistema. Podemos concluir que um processo deve ser desenhado para gerar um produto que atenda os clientes. Em caso contrário, somente uma coincidência muito grande faria com que o produto produzido atendesse completamente as necessidades dos clientes. Para isso, o primeiro passo é definirmos a diferença entre necessidade e expectativa. São coisas diferentes, mas devem ser percebidas, compreendidas e incorporadas ao produto que lhes será apresentado como resposta. Necessidades são aspectos fundamentais que o cliente busca e faz questão de falar. Como exemplo, tomemos a aquisição de um carro. O modelo, a cor, a potência do motor são aspectos que o cliente enfatiza e são facilmente identificáveis pela organização. Expectativas são igualmente importantes e esperadas pelos clientes, mas normalmente não são faladas. Não se sabe exatamente a causa, mas provavelmente tem relação com o fato de que o cliente considere estes aspectos obrigatórios. No caso de nosso exemplo do carro, poderíamos afirmar que são expectativas: o desejo de um bom atendimento, informações precisas e oportunas, bom humor do vendedor, enfim, aquele “algo mais” responsável por surpreender o cliente e cativá-lo. Como estamos lidando com pessoas e estas podem mudar de ideia ao longo do tempo, é importante que estas necessidades e expectativas sejam validadas com frequência. A única forma de fazê-lo é perguntando ao cliente. Isso nos assegura permanentemente que estamos no caminho certo. Uma vez compreendidas essas necessidades e expectativas, as mesmas devem ser registradas formalmente, normalmente no contrato que a organização estabelece com o seu cliente. Com esse caráter mais oficial, necessidades e expectativas passam a ser requisitos e devem ser cumpridos. Os requisitos são incorporados aos processos, afinal, é deles (os processos) que sai o produto esperado pelo cliente. Essa incorporação adentra em efeito cascata na organização, de forma que todos os envolvidos nos processos que produzirão o produto conheçam os requisitos e realizem a parte que lhes compete no cumprimento destes. A próxima figura mostra esse efeito cascata. 2.2 PROCESSOS COMO ATENDIMENTO DE NECESSIDADES DOS CLIENTES TÓPICO 5 | A GESTÃO DOS MELHORAMENTOS 165 FONTE: Falconi (2004) Considerando que todos os processos sejam realizadosem conformidade com estes requisitos, é razoável supor que se obtenha a satisfação do cliente. Confira na figura a seguir essa ideia. FONTE: Falconi (2004) 3 MELHORIA Num mundo de mudanças constantes, e muitas vezes drásticas, com concorrentes cada vez mais competentes, é impossível para uma empresa permanecer competitiva, caso se mantenha fazendo as coisas da mesma maneira, por longos períodos. Ela será logo superada por concorrentes em evolução constante. A única saída é melhorar. Há duas formas complementares de se enxergar a melhoria, segundo Slack et al. (2002): 1 Melhoria contínua, também chamada por seu nome japonês kaizen. 2 Melhorias radicais, muitas vezes associadas à reengenharia de processos. FIGURA 55 – ESTABELECIMENTO DOS REQUISITOS DO CLIENTE FIGURA 56 – OBTENÇÃO DA CONFORMIDADE DO PRODUTO 166 UNIDADE 2 | OPERAÇÕES E MELHORAMENTOS 3.1 MELHORIA CONTÍNUA É uma abordagem evolutiva, incremental, mais que radical. Baseia-se na filosofia de transferir a responsabilidade pela qualidade aos funcionários de produção e estabelecer metas audaciosas. O espírito é incentivar os colaboradores a continuamente usarem as ferramentas da qualidade para procurar formas de melhorar passo a passo a qualidade do que fazem. A expectativa é que os benefícios principais sejam obtidos ao longo do tempo. Slack et al. (2002) sugerem que a melhoria contínua pode ser gerenciada a partir de uma sucessão de aplicações do Ciclo PDCA, sugerido por Deming. Através da análise da figura a seguir, podemos perceber que o final de uma rodada do Ciclo PDCA corresponde ao início do ciclo seguinte. O Ciclo PDCA será estudado detalhadamente em capítulos posteriores. Contudo, sem o devido acompanhamento, o processo tende a retroceder. A melhor forma de estabelecer a melhoria definitivamente é lhe dar um caráter formal através de seu registro em norma técnica. Assim passa a ser passível de auditoria e as pessoas responsáveis pelo processo percebem a relevância da melhoria para a organização. A premissa central é que, a cada passo dado, deve-se estabilizar o processo para não se correr o risco de retrocesso. Um retrocesso pode abalar a confiabilidade em todo o trabalho de busca de melhorias. FONTE: Fundamentado em: Slack et al. (2002, p. 606) FIGURA 57 – A MELHORIA CONTÍNUA E O CICLO PDCA TÓPICO 5 | A GESTÃO DOS MELHORAMENTOS 167 3.2 MELHORIAS RADICAIS Visa ao redesenho radical dos processos para obtenção de resultados mais drásticos e em prazos mais curtos, consequentemente, carregando riscos maiores. Também conhecido como Reengenharia do Processo de Negócios (BPR – Business Process Re-engineering), na prática trata de uma mistura de diversas técnicas de melhoria (JIT, fluxogramas de processo, exames dos métodos, gerenciamento da rede de valor etc.). Slack et al. (2002, p. 607) definem o BPR como sendo: “O repensamento fundamental e o reprojeto radical do processo de negócios, para atingir melhoramentos dramáticos em medidas críticas de desempenho, como custos, qualidade, serviços e velocidade.” Enquanto melhoria contínua trabalha de forma lenta, agindo principalmente na mudança de comportamento e postura das pessoas, as melhorias radicais agem diretamente nos fatos geradores dos problemas, fazendo investimentos em soluções rápidas. IMPORTANT E 168 RESUMO DO TÓPICO 5 Neste tópico você estudou: • Uma introdução teórica acerca dos processos e da importância de tê-los sob controle. • A relação entre processos e planejamento. • Um estudo sobre as possibilidades de melhoria dos processos. 169 AUTOATIVIDADE 1 Explique a ideia da divisibilidade dos processos e como isso pode auxiliar nos processos de melhoria. 2 Explique o que são as vozes dos clientes e dos processos e qual a sua influência sobre a evolução dos processos. 3 Diferencie os termos necessidade, expectativa e requisito. 4 Explique a melhoria contínua como ferramenta de evolução da organização. 5 Qual a essência da diferença entre uma melhoria radical e uma melhoria contínua?. Assista ao vídeo de resolução da questão 3
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