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Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 1 1 Manual do Curso APRIFARMA: Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 2 2 SUMÁRIO Apresentação ................................................................................................................................ 7 Módulo I – Noções gerais diabetes mellitus (DM) .................................................................... 9 Objetivo ..................................................................................................................................... 9 Unidade 1: Diabetes mellitus .................................................................................................... 9 Conceito ................................................................................................................................ 9 Classificação .......................................................................................................................... 9 Metabolismo normal da glicose .......................................................................................... 10 Fisiopatologia do DM2 ........................................................................................................ 10 Fatores de risco para o DM2 ............................................................................................... 11 Unidade 2: Epidemiologia do DM2 ......................................................................................... 12 Problema de saúde pública ................................................................................................. 12 Mortalidade do DM2 ........................................................................................................... 13 O DM2 e as comorbidades .................................................................................................. 14 O DM2 é uma doença séria ................................................................................................. 15 Unidade 3: Métodos e critérios para diagnóstico DM ............................................................ 15 Categorias de tolerância a glicose ....................................................................................... 15 Importância do diagnóstico e seguimento da doença ........................................................ 16 Sintomas clássicos e sintomas gerais .................................................................................. 17 Módulo 2: Tratamento do Diabetes Mellitus ........................................................................... 19 Objetivo ................................................................................................................................... 19 Modalidades de tratamento ............................................................................................... 19 Educação em diabetes ........................................................................................................ 19 Tratamento não farmacológico ........................................................................................... 20 Tratamento farmacológico .................................................................................................. 20 Sete Comportamentos de autocuidado .............................................................................. 21 Módulo 3: Tratamento não farmacológico ............................................................................ 22 Objetivo ................................................................................................................................... 22 Unidade 1: Alimentação saudável ........................................................................................... 22 Orientação nutricional ........................................................................................................ 22 Definição de metas realistas – metas a curto e longo prazo .............................................. 23 Mudanças de hábito alimentar ........................................................................................... 23 Plano alimentar individualizado .......................................................................................... 23 Saber lidar e tratar a hipoglicemia ...................................................................................... 23 Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 3 3 Aprender a escolher os alimentos – diet/light .................................................................... 24 Contagem de carboidrato ................................................................................................... 25 Unidade 2: Atividade física ...................................................................................................... 25 Benefícios da atividade física no DM .................................................................................. 25 O que fazer? ........................................................................................................................ 26 Algumas dicas para começar: .............................................................................................. 27 Unidade 3: Apoio do profissional farmacêutico ...................................................................... 27 Benefícios do controle glicêmico ........................................................................................ 27 Por que controlar a glicemia e a pressão? .......................................................................... 28 Módulo 4: Tratamento farmacológico no diabetes mellitus tipo 1 (DM1) ......................... 29 Objetivo ................................................................................................................................... 29 Introdução ............................................................................................................................... 29 Unidade 1: Objetivos do tratamento no DM1 ........................................................................ 29 Tipos de insulina .................................................................................................................. 29 Esquemas de insulinoterapia .............................................................................................. 31 Efeitos adversos da insulina ................................................................................................ 31 Unidade 2: Insulinoterapia ...................................................................................................... 33 Insulina basal ....................................................................................................................... 34 Insulina prandial, ou bolus .................................................................................................. 34 Insulina de correção, ou bolus de correção ........................................................................ 35 Módulo 5: Tratamento farmacológico do DM2 ..................................................................... 36 Objetivo ................................................................................................................................... 36 Unidade 1: Objetivos do tratamento no DM2 ........................................................................ 36 Obter e manter o controle metabólico ............................................................................... 36 Metas do tratamento farmacológico para o DM2 .............................................................. 36 Como atingir as metas do tratamento farmacológico para o DM2? .................................. 37 Como fazero paciente aderir ao uso de vários medicamentos para a mesma doença? ... 38 O que é considerado na escolha do medicamento para tratar o DM? ............................... 38 Nota importante aos farmacêuticos ................................................................................... 39 Unidade 2: Tratamento com antidiabéticos orais (ado's) e injetáveis (incretinomiméticos) . 40 Antidiabéticos orais e injetáveis disponíveis no Brasil ........................................................ 41 Potencial de redução de A1C .............................................................................................. 42 Terapia convencional com insulinas ................................................................................... 42 Esquemas de insulinização no DM2 .................................................................................... 43 Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 4 4 Insulinoterapia intensiva ..................................................................................................... 44 Unidade 3: Educação em tratamento farmacológico ............................................................. 45 O uso de vários medicamentos para a mesma doença ...................................................... 45 Dispensando medicamentos para tratamento da hiperglicemia em diabetes ................... 46 Como orientar pessoas com DM na dispensação de medicamentos seguindo as orientações da RDC 44/2009 ............................................................................................... 47 Orientação a um indivíduo com diabetes e várias comorbidades ...................................... 47 Módulo 6: Farmacoterapia e interações medicamentosas no DM2 ................................. 49 Objetivo ................................................................................................................................... 49 Unidade 1: Agentes que aumentam a secreção de insulina ................................................... 49 Introdução ........................................................................................................................... 49 Sulfonilureias ....................................................................................................................... 49 Indicações ............................................................................................................................ 50 Efeitos adversos .................................................................................................................. 50 Contraindicações ................................................................................................................. 50 Interações medicamentosas ............................................................................................... 50 Glinidas ................................................................................................................................ 51 Indicação ............................................................................................................................. 51 Efeitos adversos .................................................................................................................. 51 Contra indicações ................................................................................................................ 51 Interações medicamentosas ............................................................................................... 51 Considerações para atenção farmacêutica em pacientes que utilizam sulfonilureias ou glinidas ................................................................................................................................ 52 Unidade 2: Agentes que não aumentam a secreção de insulina ............................................ 52 Metformina ......................................................................................................................... 52 o Advertência – Acidose lática ....................................................................................... 54 Acarbose .............................................................................................................................. 56 Unidade 3: Agentes que aumentam a secreção de insulina ................................................... 58 glicose dependente e diminuem a secreção de glucagon ...................................................... 58 Introdução ........................................................................................................................... 58 Gliptinas .............................................................................................................................. 61 Unidade 4: Interações de outros medicamentos com o controle glicêmico .......................... 62 Módulo 7: Complicações do diabetes .................................................................................... 64 Objetivo ................................................................................................................................... 64 Unidade 1: Complicações agudas ............................................................................................ 64 Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 5 5 Cetoacidose diabética (CAD) ............................................................................................... 64 Sinais e sintomas ................................................................................................................. 65 Tratamento .......................................................................................................................... 65 Estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH) ........................................................................ 65 Critérios diagnósticos .......................................................................................................... 65 Sinais e sintomas do EHH .................................................................................................... 65 Tratamento .......................................................................................................................... 66 Como prevenir a CAD e o EHH?........................................................................................... 66 Conclusão ............................................................................................................................ 66 Hipoglicemia ........................................................................................................................ 66 Unidade 2: Complicações crônicas .......................................................................................... 67 Olhos: catarata e retinopatia .............................................................................................. 68 Rins ...................................................................................................................................... 68 Sistema nervoso .................................................................................................................. 68 Sistema cardiovascular ........................................................................................................ 69 Módulo 8: Monitoração da glicemia em conformidade com a RDC 44/2009 ................ 70 Objetivo ................................................................................................................................... 70 Monitorando a glicemia ...................................................................................................... 71 Metas da SBD ...................................................................................................................... 71 Modelo de diário glicêmico– controle da glicemia capilar ................................................ 72 Orientando para a automonitoração glicêmica .................................................................. 72 Passo a passo da monitoração pelo farmacêutico .............................................................. 73 Módulo 9: Insulinização .............................................................................................................. 75 Objetivo ................................................................................................................................... 75 Introdução ........................................................................................................................... 75 Aplicação de insulina em conformidade com a RDC 44/2009 ............................................ 75 Orientação para aplicação de insulina na farmácia ............................................................ 75 Orientação para autoaplicação de insulina ......................................................................... 76 Conservação de insulina ...................................................................................................... 77 Cuidados no armazenamento ............................................................................................. 77 Cuidados no transporte ....................................................................................................... 78 referências Bibliográficas ........................................................................................................... 79 Sites consultados .......................................................................................................................... 84 Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 6 6 Sumário de figuras Figura 1: Metabolismo normal da glicose. .................................................................................. 10 Figura 2: Fisiopatologia do DM2 - fonte: adaptado de De Fronzo. Diabetes, 1988. ................... 11 Figura 3: História natural do DM2 - Correlação entre hiperglicemia e hiperinsulinemia e o aparecimento de complicações micro e macrovasculares. Fonte: adaptado de types 2 diabetes basics. International diabetes center, 2000. ............................................................................... 11 Figura 4: Índice de risco de morte em tolerância normal a glicose (NGT). ................................. 13 Figura 5: Proporção de mortes pelas doenças crônicas não transmissíveis aos 70 anos, por grupo de causas, 2008. Fonte: WHO, 2011. ................................................................................ 14 Figura 6: Pirâmide dos alimentos e prato saudável. ................................................................... 22 Figura 7: Pirâmide de atividade física. ........................................................................................ 26 Figura 8: Propriedades a farmacocinéticas das insulinas e análogos. ........................................ 30 Figura 9: Manual prático de diabetes - 1ª Edição ....................................................................... 31 Figura 10: Lipodistrofia. ............................................................................................................... 32 Figura 11: Padrão de secreção fisiológica normal da insulina. ................................................... 34 Figura 12: Bombas de insulina disponíveis no Brasil. .................................................................. 35 Figura 13: Cateteres para bomba de insulina. ............................................................................ 35 Figura 14: Representação gráfica do algoritmo para o tratamento do DM2. ............................. 38 Figura 15: Algoritmo referencial para a sequência de tratamentos durante a evolução do DM2. ..................................................................................................................................................... 40 Figura 16: Antidiabéticos orais e injetáveis disponíveis no Brasil. .............................................. 41 Figura 17: Potencial de redução de A1C. .................................................................................... 42 Figura 18: Condições clínicas que justificam a insulinoterapia oportuna. .................................. 43 Figura 19: Esquemas mais utilizados na insulinização do DM2 e doses iniciais de insulina basal. ..................................................................................................................................................... 44 Figura 20: Modelo de um quadro de horários dos medicamentos. ........................................... 48 Figura 21: Mecanismos de estimulação das células β do pâncreas para a produção de insulina (e-book SBD, 2011). ..................................................................................................................... 59 Figura 22: Tríade da cetoacidose. ............................................................................................... 64 Figura 23: Hiperglicemia. ............................................................................................................. 65 Figura 24: Locais de aplicação de insulina. .................................................................................. 76 Sumário de Tabelas Tabela 1: Fonte: WHO, 2011. ...................................................................................................... 14 Tabela 2: Valores de referência para o diagnóstico do diabetes e pré-diabetes. ....................... 15 Tabela 3: Metas de hemoglobina glicada (A1C) e glicemia conforme diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes. Adaptada de SBD, 2011. ......................................................................... 17 Tabela 4: Correlações das glicemias com a HbA1C. Fonte: SBD, 2009. ...................................... 17 Tabela 5: SBD, 2011(a). Adaptado de SBD, 2009, e ADA, 2011. ................................................. 36 Tabela 6: SBD, 2011(b).Adaptado de SBD, 2009, e ADA, 2011. .................................................. 37 Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 7 7 Apresentação A aprendizagem é parte de um complexo sistema que se encontra em constante evolução. Da sala de aula de corpo presente, estamos partindo para a era da tecnologia em que se torna possível adquirir conhecimento com a modalidade Educação à Distância (EAD) e assim colocar em prática a aprendizagem usando uma nova ferramenta. Esta etapa de EAD é uma evolução do curso presencial do mesmo nome e que levou o conhecimento proposto a mais de 1.800 farmacêuticos de quinze estados brasileiros e usará a mais adequada tecnologia disponível, incluindo recursos multimídia, associados ao acompanhamento dos alunos por monitores especializados em diabetes mellitus. Com o objetivo principal de contribuir para os programas de governo na redução de problemas de saúde decorrentes de diabetes (redução de internações, orientação para adesão ao tratamento, divulgação dos produtos e medicamentos disponíveis, monitoramento e orientação permanente da glicemia, etc.), a intenção desta etapa EAD é extrapolar a informação presencial e levar o conhecimento para um público muito maior. Ao colaborar na formação de profissionais que adquiram conhecimentos, habilidades e competências para praticar educação em diabetes, também faz parte dos nossos objetivos que a qualidade dessa educação seja o próprio processo de tratamento e as pessoas com diabetes que serão beneficiadas. O aprimoramento e o treinamento de profissionais farmacêuticos, que atuam em Farmácias Comunitárias, Farmácias Hospitalares e Postos de Saúde nas atividades de apoio ao autocuidado pelas pessoascom diabetes, mediante este sistema de e-learning, trará a exclusividade de uma tutoria especializada. Serão mais de vinte profissionais de saúde, compondo uma equipe multiprofissional com representantes das áreas da farmácia, medicina, enfermagem, nutrição, psicologia e educação física. O programa educacional irá abordar o diabetes mellitus desde noções gerais incluindo conceito, classificação, fisiopatologia, fatores de risco, epidemiologia, critérios para diagnósticos, sintomas, formas de tratamentos, interações medicamentosas, complicações e técnicas de monitoração e de insulinização. O programa está dividido em módulos com perguntas específicas, para revisão sobre retenção dos conteúdos e com uma prova ao final para certificação. Estamos avaliando as possibilidades para a realização de Oficinas presenciais por região, onde serão explorados os aspectos práticos educacionais da monitoração glicêmica, da insulinização e do aconselhamento em diabetes. O espaço digital (plataforma de e-learning) disponibiliza ferramentas de comunicação como: fórum, chat, enquetes, quizz, conteúdos multimídia, trabalhos de grupo… entre outras funcionalidades para realizar um treinamento com sucesso. Que esta etapa EAD possa contribuir na formação do farmacêutico educador em diabetes. Interiorizando e democratizando o curso de formação, esperamos estimular a capacidade autônoma do educador na medida em que pode ampliar de maneira ativa o seu conhecimento tornando-o ainda mais independente e substituindo a interação pessoal pela ação técnica dos recursos didáticos com apoio de tutoria para que propicie uma aprendizagem independente e flexível aos formadores. Torna-se cada vez mais necessário reinventar a atuação do farmacêutico no contato com os pacientes, para que além do profissional que é ele possa ser um educador em saúde mais Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 8 8 próximo do cidadão, ajudando a detectar mais cedo as potenciais complicações do diabetes, estruturando e construir uma rede de multiplicadores, visando desencadear um processo de avaliação e aplicação dos conhecimentos por meio de metodologia ativa e prática. Não podemos finalizar sem antes agradecer aos colegas que, generosamente, colaboraram na construção deste material emprestando seu tempo e conhecimento. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 9 9 Módulo I – Noções gerais diabetes mellitus (DM) Objetivo Rever noções gerais de diabetes e discutir as melhores formas de transmiti-las a seus portadores para que possam conviver melhor com a doença. Unidade 1: Diabetes mellitus Conceito O DM é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia crônica, com alterações do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos, resultante de defeitos na secreção ou na ação da insulina, ou ambos. Independentemente de sua etiologia, o DM passa por vários estágios clínicos durante sua evolução natural. Classificação A classificação proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Americana de Diabetes (American Diabetes Association - ADA) e recomendada pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) inclui quatro tipos: DIABETES MELLITUS TIPO 1 (DM1), DIABETES MELLITUS TIPO 2 (DM2), DIABETES MELLITUS GESTACIONAL (DMG) e OUTROS TIPOS ESPECÍFICOS DE DIABETES MELLITUS. O DM1 caracteriza-se pela destruição autoimune das células beta do pâncreas, geralmente ocasionando deficiência absoluta de insulina, isto é, o paciente necessitará de insulina exógena desde o diagnóstico. Em geral, o DM1 é diagnosticado nos jovens ou em crianças, e por isso já foi chamado de diabetes juvenil. Representa entre 5% e 10% dos casos de DM. O DM2 caracteriza-se por defeito na ação e/ou na secreção da insulina. Em geral, ambos os defeitos estão presentes quando a hiperglicemia se manifesta, porém pode haver predomínio de um deles. Os pacientes com DM2 não dependem de insulina exógena para sobreviver, mas podem necessitar de insulinoterapia para obter controle metabólico adequado. Normalmente o DM2 é diagnosticado em pessoas com sobrepeso ou obesidade, com idade acima de 40 anos, e está presente em 90% a 95% das pessoas com DM. Com as mudanças nos hábitos da população, vem aumentado a incidência de DM2 também em crianças e adolescentes. O DMG é a forma de DM que aparece durante a gravidez e que pode ou não persistir após o parto. Não exclui a possibilidade de existir DM2 antes da gravidez sem ter sido diagnosticado. O acompanhamento dessas gestantes deve ser intensivo e com uso de insulina para o controle da glicemia. Na maioria dos casos, ocorre reversão do DM após a gravidez, porém existem de 10% a 63% de risco de desenvolver DM2 dentro de 5 a 16 anos após o parto, portanto essas mulheres devem ser seguidas mais de perto devido ao risco de DM2 ao longo dos anos. Outros tipos específicos de DM incluem formas menos comuns, cujos defeitos ou processos causadores podem ser identificados. Aqui chamamos a atenção para: Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 10 10 • doenças do pâncreas exócrino (pancreatite, neoplasia, entre outras); • endocrinopatias (síndrome de Cushing, aldosteronoma, entre outros); • induzidos por fármacos ou agentes químicos (corticoides, hormônios tireoideanos, ácido nicotínico, glicocorticoides, agonistas betadrenérgicos, tiazídicos, entre outros); • infecções (rubéola congênita, citomegalovírus, entre outros). Metabolismo normal da glicose Os carboidratos, presentes em maior quantidade em alguns alimentos, como arroz, massas, pão, tubérculos, cereais, grãos, farináceos, além de outros, são metabolizados e transformados em glicose, que é o principal estimulador da secreção fisiológica de insulina pelo pâncreas, durante o processo digestivo. Veja quadro abaixo. Figura 1: Metabolismo normal da glicose. A insulina secretada, único hormônio com efeito hipoglicemiante, exerce sua ação promovendo o armazenamento da glicose nos músculos (glicogênio muscular), no fígado (glicogênio hepático) e no tecido adiposo (após metabolização para lipídios). Em condições fisiológicas normais, a glicemia oscila em pequena faixa de concentração, mantendo a oferta de nutrientes aos tecidos, e sua ação é regulada por alguns hormônios hiperglicemiantes, como o glucagon, o cortisol, a adrenalina e o hormônio de crescimento. Fisiopatologia do DM2 Entre os distúrbios metabólicos que levam à hiperglicemia crônica que caracteriza o DM2, encontramos dois mecanismos básicos – a resistência insulínica e a deficiência na produção da insulina. Não podemos garantir qual deles ocorre primeiro. Veja a figura seguinte. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 11 11 Figura 2: Fisiopatologia do DM2 - fonte: adaptado de De Fronzo. Diabetes, 1988. Ao longo da evolução natural do DM2, os dois mecanismos coexistem em proporções diferentes para cada paciente. Em pacientes obesos, a tendência é aumentar a resistência insulínica; em praticamente todos os pacientes, o declínio da produção de insulina se acentua com o passar dos anos. Com o estabelecimento da hiperglicemia, começam as alterações microvasculares e, posteriormente, as alterações macrovasculares. Essas alterações são a gênese das complicações crônicas de maior repercussão na morbimortalidade do DM2. Veja a figura seguinte. Figura 3: História natural do DM2 - Correlação entre hiperglicemia e hiperinsulinemia e o aparecimento de complicações micro e macrovasculares. Fonte: adaptado de types 2 diabetes basics. International diabetes center, 2000. Fatores de risco para o DM2 São fatores de risco para o DM2: • idade superior a 45 anos; • excesso de peso a partir de IMC maior do que 25 (sobrepeso);Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 12 12 • obesidade central – cintura abdominal maior do que 94 cm em homens e maior do que 80 cm em mulheres; • dislipidemia – HDL baixo e triglicéridos elevado; • hipertensão arterial; • doença cardiovascular, cerebrovascular ou doença vascular periférica (DVP); • antecedente familiar de diabetes (mãe ou pai); • diabetes gestacional prévio, macrossomia fetal e abortos de repetição; • diagnóstico prévio de síndrome dos ovários policísticos. Unidade 2: Epidemiologia do DM2 Problema de saúde pública As doenças crônicas não transmissíveis, especialmente as doenças cardiovasculares (DCV), o câncer, as doenças crônicas respiratórias e o diabetes, são a principal causa de mortalidade em todo o mundo, respondendo por 63% das mortes ocorridas em 2008. Em indivíduos com menos de 60 anos, 80% dos casos de doenças cardíacas, de derrame e de diabetes podem ser prevenidos, uma vez que os principais fatores de risco para essas doenças são modificáveis e incluem, principalmente, tabagismo, abuso de álcool, dieta não saudável, pouca prática de atividade física, sobrepeso e obesidade, hipertensão arterial, hiperglicemia e hipercolesterolemia. Em 2011, dados da Federação Internacional de Diabetes apontam que cerca de 366 milhões de indivíduos no mundo são portadores de diabetes, o que, mesmo sendo possivelmente um dado subnotificado, ultrapassa a estimativa de que esses eram 285 milhões em 2010. Estima- se que, em 2030, o Brasil será o quinto país em número de indivíduos com diabetes, com aproximadamente 13 milhões de portadores da doença. Esses números traduzem uma epidemia de diabetes que se iniciou nos países desenvolvidos há algumas décadas e que também ocorre nos países em desenvolvimento. Atualmente, mais de 80% dos portadores de diabetes vivem em países de baixa e média renda. Assim, indubitavelmente, o diabetes é importante questão de saúde pública em todo o mundo não apenas pela mortalidade, mas, especialmente, pela morbidade que gera em seus portadores. A morbidade atribuída ao diabetes advém de suas complicações, cujas ocorrências estão relacionadas, principalmente, à hiperglicemia crônica. A nefropatia diabética é a principal causa de insuficiência renal crônica terminal no mundo e acomete de 20% a 40% dos portadores de diabetes. As neuropatias periféricas são uma das complicações mais frequentes do diabetes, estando presentes em até 50% dos pacientes e são responsáveis por inúmeros gastos, amputações e elevada morbimortalidade. Nesse contexto, o pé diabético e suas implicações são considerados uma das mais graves complicações. As amputações de membros inferiores são pelo menos 10 vezes mais comuns entre portadores de diabetes em relação à população não diabética, em países desenvolvidos, uma vez que mais da metade dessas amputações deve-se ao diabetes. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 13 13 O diabetes é uma das principais causas de dificuldade visual e cegueira nos países desenvolvidos. Indivíduos com diabetes utilizam de duas a três vezes mais recursos de saúde quando comparados a indivíduos que não têm diabetes, podendo levar a doença a consumir até 15% do orçamento nacional de saúde. Mortalidade do DM2 As DCV, compreendidas como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e doença vascular periférica, são responsáveis por 50% a 80% das mortes em pessoas com diabetes. O diabetes é considerado um equivalente de doença coronariana. Por outro lado, muitos portadores de DCV, se investigados, têm o diagnóstico de diabetes ou seus estágios pré- clínicos, especialmente intolerância à glicose. Pacientes com DM2 têm risco de mortalidade por DCV de 2 a 4 vezes maior do que não diabéticos; além disso, a doença ocorre mais precocemente, é mais grave. Sua prevalência chega a 55% entre adultos diabéticos em comparação com 2% a 4% na população geral. Figura 4: Índice de risco de morte em tolerância normal a glicose (NGT). Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 14 14 Figura 5: Proporção de mortes pelas doenças crônicas não transmissíveis aos 70 anos, por grupo de causas, 2008. Fonte: WHO, 2011. Mundo Mortes em milhões % de mortes Doença isquêmica cardíaca 7.25 12.8% AVC e outras doenças cerebrovasculares 6.15 10.8% Infecções do trato respiratório inferior 3.46 6.1% Doença pulmonar obstrutiva crônica 3.28 5.8% Doenças diarreicas 2.46 4.3% HIV/AIDS 1.78 3.1% Cânceres de traqueia, brônquios e pulmão 1.39 2.4% Tuberculose 1.34 2.4% Diabetes mellitus 1.26 2.2% Acidentes de trânsito 1.21 2.1% Tabela 1: Fonte: WHO, 2011. O DM2 e as comorbidades O diabetes frequentemente se associa com outras doenças. Para o DM2, no momento do diagnóstico, cerca de 40% dos pacientes já são hipertensos. A dislipidemia desempenha papel importante como fator de risco para doenças aterotrombóticas, uma vez que essas são responsáveis por três em cada quatro mortes entre as pessoas com DM2. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 15 15 Em cerca de 25% dos pacientes com diabetes, a primeira manifestação de doença arterial coronariana (DAC) é o infarto do miocárdio ou a morte súbita. Lembre-se de que as DCV são a principal causa de morte nos pacientes com DM2. Além da incapacitação e morte prematura, a hospitalização para o tratamento dessas doenças é mais prolongada. A depressão também é comorbidade associada ao diabetes, e estudos indicam que os portadores de diabetes possuem níveis de depressão duas vezes maiores do que os de pessoas sem doenças crônicas. O DM2 é uma doença séria As complicações geradas pelo diabetes, como DAC, DAP, AVC, neuropatias, amputações, doença renal, cegueira, bem como as comorbidades que frequentemente o acompanham, são debilitantes para os indivíduos e geram redução da expectativa de vida. Os procedimentos diagnósticos e terapêuticos, as hospitalizações, a invalidez e a morte prematura elevam os custos em saúde. Unidade 3: Métodos e critérios para diagnóstico DM Categorias de tolerância a glicose O diagnóstico do diabetes, conforme diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) publicadas em 2009 com base nas publicações da Associação Americana de Diabetes (ADA), pode ser realizado de acordo com os critérios identificados no quadro a seguir, além da presença dos sintomas clássicos comentados mais abaixo. Classificação Glicemia de jejum Glicemia 2 horas após 75 g de glicose Glicemia casual Hemoglobina glicada Sem alteração < 100 < 140 < 200 < 6,5% Pré-diabetes > 100 e < 126 ≥ 140 e < 200 5,7% e 6,4% Diabetes Mellitus ≥ 126 ≥ 200 ≥ 200 + sintomas clássicos ≥ 6,5% Tabela 2: Valores de referência para o diagnóstico do diabetes e pré-diabetes. Adaptada de SDB, 2008/2011. Tome nota Glicemia de jejum é a medida da glicemia no sangue venoso, obtida por método laboratorial, após jejum de pelo menos 8 horas. Para diagnóstico e acompanhamento de DM não é aconselhado jejum por tempo muito maior do que o recomendado. Duas horas após 75 g de glicose, também chamado de Teste Oral de Tolerância a Glicose (TOTG), ou simplesmente Teste de Tolerância a Glicose (TTG), é a medida da glicemia no sangue venoso, obtida por método laboratorial, após ingestão forçada de 75 g de glicose diluída com água purificada para um total de 150 ml. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 16 16 Casual é a medida da glicemia no sangue venoso, obtida por método laboratorial, ou no sangue capilar, através do glicosímetro, a qualquer tempo após refeição. Além dos valores de glicemia citados acima, recentemente foi preconizada a utilização da hemoglobina glicada (HbA1C ou A1C) como parâmetro para diagnóstico.Mas, antes de explicar esse conceito, vamos entender o que é a HbA1C. A hemoglobina glicada, ou HbA1C, ou simplesmente A1C, é um conjunto de substâncias formadas por reações entre a hemoglobina A e alguns açúcares. O teste da A1C reflete a média dos níveis glicêmicos dos últimos dois a quatro meses. Desde a publicação do estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), esta é utilizada como ferramenta de prognóstico para as complicações crônicas do diabetes, ou seja, quanto maior o resultado, maior o risco do desenvolvimento de complicações crônicas. Importância do diagnóstico e seguimento da doença O diabetes mellitus, em especial o do tipo 2 (DM2), é mais comum de ser diagnosticado em exames de rotina ou quando uma de suas complicações já está instalada. Isso acontece pela demora na manifestação ou na identificação de sintomas do paciente. Já no caso do diabetes mellitus do tipo 1 (DM1), os sintomas são mais intensos e rapidamente percebidos pelo paciente ou familiares, pois é bastante comum o aparecimento desse tipo de DM em crianças e jovens. Por ser decorrente de falha do sistema imunológico que destrói as células do pâncreas que produzem insulina, sua instalação é mais rápida. Sabe-se, porém, que, desde o começo da doença, se não houver controle adequado, iniciam- se as complicações. Sendo assim, destaca-se a importância do profissional de saúde conhecer os sintomas do diabetes para orientar adequadamente a população para prevenção e diagnóstico precoce e consequente seguimento da doença. O diagnóstico do diabetes usualmente causa uma série de sentimentos e incertezas. Neste momento, o controle da doença passa a ser essencial para a garantia de sua qualidade de vida a curto, médio e longo prazo. Sendo assim, a monitoração da glicemia deve fazer parte do dia a dia da pessoa com diabetes. É importante que a pessoa com diabetes compreenda o objetivo da monitoração entendendo que este é um dos Sete Comportamentos essenciais para o Autocuidado. A automonitoração é uma ferramenta para a tomada de decisão da equipe profissional e do paciente sobre as diversas ações referentes ao seu tratamento. Ressalta-se que em casos como início do tratamento, ajuste da dose do medicamento, descompensação glicêmica, estresse clinico e cirúrgico, uso de medicamentos que alteram a glicemia (ex: corticoides) entre outras situações podem necessitar de uma monitoração controle mais intenso. FASE da VIDA META A1C (%) METAS DE GLICEMIA (mg/dl) Jejum Pré-prandial Pós-prandial Adulto < 7% < 100 < 110 < 140 Idosos < 8% Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 17 17 Tabela 3: Metas de hemoglobina glicada (A1C) e glicemia conforme diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes. Adaptada de SBD, 2011. As metas apresentadas acima têm como objetivo fornecer um parâmetro para a prática clínica visando a diminuição do risco de desenvolvimento de complicações crônicas. Destaca-se que cada médico deve traçar a meta juntamente com o seu paciente considerando principalmente a idade do mesmo e consequentemente o risco de hipoglicemias. Hemoglobina glicada (%) Glicemia média estimada (mg/dl) 6,0 126 6,5 140 7,0 154 7,5 169 8,0 183 8,5 197 9,0 212 9,5 226 10 240 Tabela 4: Correlações das glicemias com a HbA1C. Fonte: SBD, 2009. Outra forma de realizar o controle glicêmico é por meio do Sistema de Monitoramento Contínuo de Glicose (CGMS). A glicose é mensurada por meio de um sensor colocado no tecido subcutâneo que verifica os níveis de glicose do tecido intersticial a cada 10 segundos e armazena a média dessas leituras a cada 5 minutos aproximadamente. O CGMS permite identificar as alterações dos níveis de glicose auxiliando na melhor adequação do tratamento. Os dados são transmitidos para um monitor externo durante as medições e depois para um software, permitindo a construção de gráficos para análise. Esse tipo de recurso pode ser utilizado como um exame complementar para auxiliar na definição da conduta terapêutica, e é feito, em geral, com a colocação de sensor por um período aproximado de três dias. Sintomas clássicos e sintomas gerais Os sintomas clássicos associados ao desenvolvimento do diabetes estão relacionados a uma resposta do organismo ao excesso de glicose na corrente sanguínea (hiperglicemia). 0 a 6 anos < 8,5% 6 a 12 anos < 8% 13 a 19 anos < 7,5% Gravidez < 6% Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 18 18 Sabiamente o nosso corpo usa recursos para eliminá-la por meio da sede (polidipsia), que provoca o aumento da ingesta hídrica, e consequentemente, o aumento do volume de urina (poliúria). Apesar da hiperglicemia, o organismo não consegue utilizar de maneira adequada essa glicose e, por isso, a pessoa com diabetes sem tratamento pode apresentar ainda polifagia (aumento da fome) e emagrecimento sem outra causa aparente. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 19 19 Módulo 2: Tratamento do Diabetes Mellitus Objetivo Conhecer o tratamento do diabetes e criar estratégias para estimular seus portadores a manter seu tratamento com qualidade de vida. Modalidades de tratamento As modalidades de tratamento envolvidas em diabetes visam atingir as metas do controle glicêmico, assim como outras metas laboratoriais (que veremos em módulos seguintes) e abrangem a EDUCAÇÃO como um poderoso instrumento para o sucesso do TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO e TRATAMENTO FARMACOLÓGICO. O tratamento das pessoas com diabetes requer atenção em diversos aspectos no dia a dia. Para manter a glicemia controlada, é preciso melhorar os hábitos alimentares, praticar atividade física, tomar as medicações e acompanhar as taxas de glicemia através de monitoração frequente. Para as pessoas com diabetes, isso se torna um desafio, pois na maioria das vezes exige mudanças importantes dos hábitos de vida; por esse motivo, o educador farmacêutico deve estar apto a ouvi-las e orientá-las. O papel do educador farmacêutico é o de estimular o paciente a esses cuidados, proporcionando aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de técnicas e habilidades para o controle da doença, respeitando as diferenças individuais de cultura, condições econômicas, faixa de idade e outras. Educação em diabetes Educação em diabetes é a ferramenta principal do controle do diabetes. A educação é um processo contínuo, e o farmacêutico deve estar qualificado e consciente do seu papel de educador nesse processo. O propósito da educação é o controle do diabetes através do cuidado por parte das pessoas, familiares e cuidadores, tendo como consequência a melhora do estado de saúde e da qualidade de vida dessas pessoas. Educar é promover mudanças de comportamento. Para se obter essas mudanças, é necessário investigar o conhecimento prévio do paciente sobre diabetes, identificar seu nível de autonomia, hábitos alimentares, sua adesão ao tratamento farmacológico, além de identificar possíveis fatores de estímulo à adesão ao tratamento proposto que deve ser discutido em conjunto com a pessoa portadora da doença e/ou familiares e cuidadores. Outros fatores podem também influenciar nessas mudanças, como idade, estado emocional e intervenção de familiares. O farmacêutico pode fornecer informações básicas a partir das deficiências identificadas e orientar quanto à medicação, aos exames, à auto monitoração, à alimentação e à atividade física. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 20 20 Tratamento não farmacológico A orientação nutricional e o estabelecimento de um plano alimentar saudável são fundamentais para controlar pacientes com diabetes. Mudanças no estilo de vida e atividades físicas são terapias de primeiraescolha. Particularmente em DM2 comprovou-se que essa associação proporciona melhora na sensibilidade à insulina, diminui os níveis de glicemia e, de forma expressiva, auxilia no controle do peso, melhorando o perfil metabólico com controle dos lipídeos no sangue. A orientação nutricional deve ser individualizada, considerando as fases da vida, o peso, a estatura, o sexo, o diagnóstico nutricional, os hábitos alimentares, a atividade física, a utilização de fármacos e as doenças intercorrentes. A necessidade nutricional é semelhante à da população em geral, não sendo necessárias proibições. Tome nota O farmacêutico pode estar apto a oferecer informações sobre uma alimentação saudável e atividade física utilizando guias como a pirâmide alimentar, que orienta de forma clara e objetiva como deve ser a alimentação, e a pirâmide de atividade física, que indica quais exercícios fazer e com que frequência. Tratamento farmacológico O tratamento farmacológico se faz necessário quando mudanças no estilo de vida não são suficientes para atingir as metas de controle. Diferentes agentes orais estão disponíveis no mercado, e a escolha pela melhor opção dependerá da experiência profissional de cada médico e das condições clínicas de cada paciente. Na escolha do medicamento deve-se levar em conta: • tipo de diabetes (DM1, DM2, DM gestacional ou outros tipos); • controle glicêmico (valores de glicemia em diferentes horários e valores da A1C); • meta de tratamento, que deve ser individualizada, considerando-se o momento de cada paciente; • existência de complicações ou transtornos metabólicos e doenças associadas; • mecanismo de ação do fármaco; • eficácia do fármaco no controle glicêmico específico para aquele paciente; • eventos colaterais; • características da pessoa com DM (peso, idade, grau de resistência versus secreção de insulina, tempo de diagnóstico, facilidade de acesso e custo). Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 21 21 Tome nota Lembre-se de que o tratamento é individualizado e a escolha dos agentes orais e de suas doses pode ser diferente para cada pessoa. Sete Comportamentos de autocuidado A Associação Americana de Educadores em Diabetes (American Association of Diabetes Educators - AADE, associação formada por profissionais de saúde dedicados a ajudar as pessoas com diabetes no autocontrole estabelece os sete comportamentos do autocuidado como a única forma efetiva de mudança de comportamento, que são: • Comer saudavelmente: incorporar diariamente uma alimentação saudável, equilibrada e fracionada, considerando picos de ação de insulina e/ou medicação, tipo de atividade a ser realizada e outros. • Praticar atividade física: inserir atividade física no estilo de vida, relacionando-a a suas metas e condições de controle glicêmico. • Vigiar a glicemia: monitorar e interpretar os resultados das glicemias tomando decisões adequadas, para que se mantenha de acordo com suas metas de controle. • Tomar medicamentos: usar a medicação e/ou insulina de forma adequada, compreendendo e respeitando seus horários e tipo de ação no organismo, armazenamento, cuidados no preparo e na aplicação da insulina para a máxima efetividade terapêutica e/ou busca da equipe profissional quando necessário. • Resolver problemas: prevenir (seguindo horários de alimentação, medicação e atividade física), detectar (identificar sintomas) e tratar as complicações agudas (hipoglicemia e hiperglicemia), através de tomada de decisões e de comportamentos adequados para a correção e/ou busca da equipe profissional quando necessário. • Adaptarsaudavelmente: desenvolver estratégias comportamentais para lidar com problemas psicossociais, como viagens, mudanças de cidade, estado ou país, mudanças de fusos horários, mudanças de tipos de trabalho, doenças e/ou cirurgias em geral. • Reduzir os riscos: prevenir, detectar e tratar as complicações crônicas (retinopatia, nefropatia, amputações e outras). Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 22 22 Módulo 3: Tratamento não farmacológico Objetivo Conhecer a importância dos hábitos saudáveis como forma de apoio ao tratamento do diabetes, bem como criar estratégias para estímulo de mudanças de hábitos por seus portadores. Unidade 1: Alimentação saudável Orientação nutricional Como dissemos no módulo 2, o farmacêutico deve estar apto a oferecer informações sobre uma alimentação saudável, agradável, prazerosa e ao mesmo tempo em quantidade moderada. A alimentação para as pessoas com DM deve ser a recomendada para toda a família. A seguir, algumas sugestões para uma boa alimentação: • as fibras (saladas, frutas, alimentos integrais), que auxiliam no funcionamento intestinal e digestivo, ajudam a absorver gradativamente a glicose, fazendo com que a curva glicêmica seja melhor e aumentando a saciedade; • os carboidratos (cereais, grãos, farináceos, tubérculos) que fornecem energia para o corpo; • as proteínas (carnes, ovo, leite e derivados), que ajudam na reposição celular e na cicatrização; • diminuir o consumo das gorduras que prejudicam o organismo, como as gorduras aparentes da carne, pele de frango e de peixe e as frituras; • aumentar o consumo das gorduras que trazem benefícios, como azeite e castanhas, lembrando que, apesar de benéficas, também têm calorias e devem ser consumidas com moderação. Figura 6: Pirâmide dos alimentos e prato saudável. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 23 23 Definição de metas realistas – metas a curto e longo prazo As pessoas com DM2 e com excesso de peso devem ser estimuladas a perder peso. O profissional de nutrição deve orientá-las e traçar em conjunto com elas metas realistas que possam ser modificadas gradualmente. Nas pessoas com DM2, a obesidade está quase sempre presente, portanto metas para a perda de peso também ajudarão no controle da glicemia. Como já dissemos, as metas devem ser realistas e alcançáveis (pequenas); assim, à medida que vão sendo atingidas, novas pequenas metas podem ser estabelecidas. Mudanças de hábito alimentar Uma boa estratégia para começar a mudança de hábitos consiste em fracionar as refeições, diminuir seu volume e aumentar o uso de alimentos com fibras e/ou integrais. Assim, tenha sempre em mente: • fracionar ou dividir as refeições significa comer em intervalos de no máximo 3 horas, alternando refeições com lanches leves (café, lanche, almoço, lanche, jantar e lanche); • diminuir o volume das refeições, colocando uma quantidade menor que a habitual a cada semana, até que se atinja a quantidade ideal; • trocar, se possível, a maior parte dos alimentos brancos (arroz branco, pão branco, massa) por alimentos ricos em fibras e/ou integrais (arroz integral, pão integral, massa integral, frutas com casca, aveia); • restringir das calorias para favorecer a perda ponderal; O ideal é perder peso aos poucos, mantendo o peso adequado e os bons hábitos alimentares após atingir as metas. Sempre que possível o ideal é um plano alimentar individualizado, montado especialmente para cada paciente, pois fica mais fácil de ser seguido, de perder peso e, após o resultado final, manter o peso. Plano alimentar individualizado Saber valorizar cada mudança de hábito é muito importante, e, por menor que seja, é sempre uma vitória. Para o paciente é estimulante ser reconhecido pelo profissional pelas metas que se atingiu. Relembrá-lo do que ele deve mudar para o próximo encontro e/ou traçar com ele metas menores, no caso de ele não ter atingido as que foram estabelecidas anteriormente, também é melhor do que dar broncas. Saber lidar e tratar a hipoglicemia Ao diminuir as refeiçõese aumentar os exercícios, deve-se prestar ainda mais atenção às glicemias, pois estas podem baixar. Quando a glicemia estiver abaixo de 70 mg/dl consideramos hipoglicemia, que, em geral, é acompanhada de sintomas como tremores, sudorese, visão turva, cansaço, palidez e fome excessiva. A hipoglicemia deve ser tratada rapidamente através da ingestão de 1 colher de sopa de açúcar diluída em 1 copo de água ou Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 24 24 150 ml de suco de laranja ou 150 ml de refrigerante comum ou 1 sachê de açúcar líquido. Após 15 minutos fazer um teste de glicemia para avaliar se o nível de glicemia já voltou ao normal. Estando ainda abaixo de 70mg/dl, repetir um dos procedimentos citados. No caso de uma hipoglicemia em que o paciente esteja desacordado, tentar passar/massagear açúcar na mucosa da boca (parte interna da bochecha) ou aplicar o glucagon – hormônio antagônico à insulina (Glucagen é o nome comercial), disponível em farmácias e utilizado de forma injetável (veremos mais detalhes em outro módulo). É recomendado que o paciente com diabetes que faz uso de insulina tenha sempre um frasco de glucagon na geladeira para estas eventualidades. Aprender a escolher os alimentos – diet/light Muitas pessoas têm dificuldade em identificar o que é diet e o que é light, por isso é necessário saber explicar as diferenças: • Diet é o alimento, em geral industrializado, do qual foi feita a isenção total de algum ingrediente da sua composição. A maior parte dos alimentos diet no Brasil tem a isenção de açúcar, glicose ou sacarose. • Light é o alimento, em geral industrializado, do qual foi feita a diminuição de algum ingrediente. No mercado de hoje o mais comum é a diminuição de calorias e gorduras, mas muitas vezes, para a diminuição das calorias, é retirado integralmente também o açúcar, portanto o melhor é sugerir à pessoa com diabetes que leia sempre o rótulo dos produtos, verifique os seus ingredientes ou veja a quantidade de carboidratos nas informações nutricionais. Os rótulos são elementos essenciais de comunicação entre produtos e consumidores. Daí a importância de as informações serem claras e poderem ser utilizadas para orientar a escolha adequada de alimentos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o órgão responsável pela regulação da rotulagem de alimentos e que estabelece as informações que um rótulo deve conter, visando à garantia de qualidade do produto e à saúde do consumidor. Eis algumas informações que sempre devem estar presentes nos rótulos: • Lote: é um número que faz parte do controle na produção. Caso haja algum problema, o produto pode ser recolhido ou analisado pelo lote ao qual pertence. • Conteúdo líquido: indica a quantidade total de produto contido na embalagem. O valor deve ser expresso em unidade de massa (quilo) ou volume (litro). • Origem: informação que permite ao consumidor saber quem é o fabricante do produto e onde ele foi produzido, para que possa entrar em contato se for necessário. • Informação nutricional obrigatória: é a tabela nutricional. Demonstra todos os nutrientes em peso e medida caseira em uma porção. Por essa porção o consumidor é orientado a escolher os alimentos mais adequados às suas necessidades diárias. A indicação para as pessoas com diabetes é sempre optar pelas porções com teores reduzidos em calorias, carboidratos e gorduras. • Prazo de validade: os produtos devem apresentar pelo menos dia e mês quando o prazo de validade for inferior a três meses; para produtos que tenham prazo de Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 25 25 validade superior a três meses, pelo menos mês e ano. Se o mês de vencimento for dezembro, basta indicar o ano com a expressão “fim de (ano)”. • Lista de ingredientes: informa os ingredientes que compõem o produto. A leitura dessa informação é importante, porque o consumidor pode identificar a presença de termos como açúcar, sacarose, glicose ou outros tipos de açúcar, como a dextrose. Observação 1: alimentos de ingredientes únicos como açúcar, café, farinha de trigo, leite e vinagre não precisam apresentar lista de ingredientes. Observação 2: a lista de ingredientes deve estar em ordem decrescente, isto é, o primeiro ingrediente é aquele que está presente em maior quantidade no produto, e o último, em menor quantidade. Importante: os produtos devem sempre indicar um contato de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) para esclarecimentos. Contagem de carboidrato Essa é uma das opções de apoio ao controle do diabetes em que o paciente conta a quantidade de carboidratos ingerida em cada refeição (com a ajuda de tabelas mais as informações contidas nos rótulos dos alimentos) e, de acordo com orientações do profissional de nutrição, procura manter uma quantidade de carboidratos preestabelecida para cada refeição. Com isso ele pode utilizar maior variedade de alimentos e, em alguns casos, até doces, fazendo substituições dos carboidratos de suas refeições. No caso de pacientes insulinizados, eles serão orientados a aplicar as unidades de insulina ultrarrápida proporcionalmente à quantidade de carboidratos ingerida. Cada paciente tem a orientação específica dessa relação, isto é, quanto 1U de insulina o paciente precisa para cada “X” g de carboidratos ingeridos, e esse valor é definido em conjunto com o médico e o nutricionista. No caso de paciente em uso de medicação oral, o médico e/ou nutricionista vão definir junto com ele a quantidade de carboidratos ideal por refeição para que ele tenha a liberdade de variar os alimentos dentro da quantidade definida. Mesmo assim é muito importante lembrar ao paciente que não basta contar carboidratos, é preciso também estar atento à composição dos alimentos, considerando que a presença de fibras e proteínas retarda a absorção dos carboidratos simples, diminuindo o pico glicêmico pós-prandial, permitindo assim um melhor controle glicêmico e da obesidade. Unidade 2: Atividade física Benefícios da atividade física no DM Praticar atividade física regularmente é essencial para todos. Para quem tem diabetes, isso é ainda mais importante – exercício, no diabetes, é remédio. A atividade física é capaz de melhorar o controle glicêmico por meio de diversos mecanismos. Os músculos esqueléticos são grandes captadores de glicose, que usam para obter energia. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 26 26 Ao promover contração muscular, a atividade física aumenta a absorção de glicose – inclusive a captação independente de insulina. E essa absorção aumentada pode durar até 48 horas. Além disso, o exercício tem como efeito crônico o aumento do número dos receptores de insulina nas células. Traduzindo: tem por efeito, a redução da resistência à insulina, que é uma das principais causas do diabetes tipo 2. Além de melhorar o controle glicêmico, a atividade física regular traz para a pessoa com diabetes outro benefício tão ou mais importante: a redução do risco de complicações. Sim, porque, se o diabetes causa danos macro e microvasculares, o exercício melhora a saúde dos vasos. Os grandes vasos ganham elasticidade (o que ajuda a combater a hipertensão) e se beneficiam da melhora do perfil lipídico (principalmente pelo aumento do HDL, a porção benéfica do colesterol). Resultado: menor risco de infarto e AVC (derrame). Já os microvasos se beneficiam pelo aumento da oxigenação dos tecidos periféricos e pela revascularização decorrentes da atividade física, enquanto o sistema nervoso autonômico ganha melhor modulação, o que reduz o risco de neuropatia. Isso sem contar que a atividade física regular ajuda a combater o excesso de peso, um dos fatores de risco para o DM2 e melhora a mobilidade articular, também prejudicadano diabetes descontrolado. O que fazer? Um instrumento que mostra como deve ser um programa de exercícios saudável é a pirâmide de atividade física. Figura 7: Pirâmide de atividade física. A ideia é trazer uma representação visual das recomendações para a prática regular de atividade física, visando o treinamento de todas as capacidades. Na base da pirâmide, encontramos as atividades do cotidiano – andar a pé, subir escadas, passear com o cachorro – , que devem ser realizadas todos os dias. No andar de cima da pirâmide, estão as atividades aeróbias – corrida ou caminhada forçada, esportes como futebol e ciclismo –, que devem ser praticadas de 3 a 4 vezes por semana. Subindo mais um pouco na pirâmide da atividade física, vê-se dois tipos de atividades: exercícios de flexibilidade (alongamento, ioga) e exercícios de Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 27 27 força (musculação, ginástica localizada), que devem ser realizados de 1 a 3 vezes por semana. Por fim, no topo da pirâmide estão as situações de inatividade, como assistir TV ou ficar no computador, que devem ser evitadas ao máximo. Claro que as recomendações da pirâmide são as ideais. Mas e aqueles que são totalmente sedentários e querem iniciar-se na vida ativa? Pode ser que olhem para tais recomendações e se sintam desencorajados. Mais do que pensar inicialmente em quantos minutos de exercícios aeróbios são necessários por semana ou em quantas séries devem ser feitas na musculação, é preciso sair do sedentarismo. E para isso não é preciso muito. Hoje, as pesquisas mostram que bastam 30 minutos de atividade física (qualquer movimento), todos os dias, de forma contínua ou acumulada, para reduzir em 39% os riscos de doenças cardiovasculares. Vale subir escadas, ir a pé até a padaria, passear com o cachorro, lavar o carro, cuidar do jardim, dançar... Adotar um padrão de vida ativo é o primeiro passo para ganhar saúde. Algumas dicas para começar: • Procurar uma atividade que seja agradável e traga prazer. • Aumentar a duração e a intensidade aos poucos. • Estabelecer objetivos realistas. • Fazer atividade em grupo ou com um amigo(a). • Variar as atividades. • Comemorar as conquistas. Unidade 3: Apoio do profissional farmacêutico Benefícios do controle glicêmico Para monitorar os níveis de glicose no sangue são utilizados dois métodos: medidas de hemoglobina glicada e testes de glicemia. A hemoglobina glicada é um parâmetro laboratorial que reflete os níveis glicêmicos médios nos 120 dias anteriores à medida, portanto é indicada no acompanhamento regular do paciente. Em geral, recomenda-se que as medidas de hemoglobina glicada sejam realizadas ao menos duas vezes por ano ou com maior frequência em caso de alteração do esquema terapêutico. Os valores desejáveis de hemoglobina glicada são abaixo de 7%, e algumas sociedades médicas já consideram valores abaixo de 6,5% como desejáveis. Os testes de glicemia, por sua vez, refletem o valor real da glicemia em um dado momento. Podem ser feitos em laboratório, pelo próprio paciente (automonitoração) e/ou por familiares ou acompanhantes deste. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 28 28 Os valores recomendados de glicemia variam ao longo do dia, mas, em geral, espera-se que em jejum eles sejam menores que 100 mg/dL e, 2 horas após uma refeição, menores que 140 mg/dL. A frequência da realização dos testes de glicemia pode variar em função do controle do paciente, de alterações no esquema terapêutico e de fatores individuais, como mudança de rotina, aumento de estresse e presença de infecção e outros. É importante que o paciente seja orientado a anotar os seus valores de glicemia e as condições em que o teste foi realizado (como presença/ausência de refeição, atividade física, infecções e outros), para que essas medidas sirvam de apoio à equipe profissional na busca pelo melhor controle glicêmico. Cabe ressaltar que o controle glicêmico adequado previne as complicações do diabetes, como o aparecimento de neuropatia, nefropatia, retinopatia e complicações cardiovasculares. Os ganhos na qualidade de vida do paciente são visíveis quando há um retardo no aparecimento dessas complicações, e elas devem sempre ser contextualizados na realidade do paciente como forma de estímulo para obtenção do controle ideal. Por que controlar a glicemia e a pressão? Durante o processo educativo é importante esclarecer o paciente sobre quais são os parâmetros medidos, tomando sempre o cuidado de utilizar uma linguagem acessível e se certificando de que ele entendeu o que foi conversado. Esse questionamento deve ser feito sempre com perguntas que possibilitem respostas abertas, pois muitos pacientes se sentem constrangidos de dizer que não entenderam determinado assunto. Deve-se abordar as medidas de hemoglobina glicada, glicemia de jejum e pós-prandial, colesterol, triglicéridos, IMC e pressão arterial. Essa abordagem pode ser gradativa, começando com um ou dois parâmetros que sejam mais familiares ao paciente e partindo depois para outras avaliações desconhecidas por ele. Os pacientes devem conhecer quais são os valores esperados em cada um desses exames e ser encorajados a traçar metas realistas para sua obtenção. Essa consciência aumenta a adesão do paciente ao tratamento, já que ele consegue acompanhar de maneira objetiva seu progresso. A presença concomitante de hipertensão arterial em pacientes diabéticos é muito comum, o que aumenta consideravelmente a possibilidade de aparecimento de complicações. Isso ocorre porque muitos dos efeitos da glicemia e da pressão elevadas no organismo se sobrepõem, já que atingem os mesmos órgãos e sistemas. As complicações do diabetes associadas à hipertensão são principalmente a doença cardiovascular, a nefropatia e a retinopatia. Portanto, o paciente deve ser encorajado a controlar a glicemia e a pressão arterial e a conscientizar-se de seus efeitos no organismo. Essa abordagem com o paciente não deve ser feita em tom de ameaça, mas sim sob a ótica dos benefícios que um bom controle pode dar a ele. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 29 29 Módulo 4: Tratamento farmacológico no diabetes mellitus tipo 1 (DM1) Objetivo Conhecer as diferentes formas de tratamento farmacológico para apoio e esclarecimento dos pacientes, familiares e cuidadores. Introdução Por ser uma doença crônica caracterizada pela destruição total das células betapancreáticas, em geral de etiologia autoimune, o DM1 deve ser tratado, desde o diagnóstico, com insulina exógena. Existem vários fatores que afetam a absorção da insulina aplicada no tecido subcutâneo: local de aplicação; fluxo sanguíneo no subcutâneo; volume da injeção de insulina; atividade muscular no local da aplicação; tabagismo; e tipo da insulina. Após o diagnóstico do diabetes, e por um período que em geral pode durar de 2 a 6 meses, o pâncreas do paciente diabético pode produzir alguma insulina, necessitando, nesse período, de doses menores. Esse período é conhecido como “lua de mel". A lua de mel pode se manifestar em 50% a 60% dos casos de DM1. Unidade 1: Objetivos do tratamento no DM1 Tipos de insulina A abordagem da terapêutica com uso da insulina é muito variável, e a estratégia deve ser adaptada a cada paciente, dependendo do seu controle glicêmico, estilo de vida, preferências e de sua aderência ao tratamento e mudanças de hábitos. Para isso, existem insulinas que, por suas diferentes características farmacocinéticas e farmacodinâmicas, são utilizadas para reposição hormonal. As primeiras insulinas produzidas foram obtidas de fontes porcinas e bovinas, até que se desenvolveu, através de engenharia genética, a insulina recombinante humana,e mais recentemente os análogos de insulina (http://www.diabetesebook.org.br/modulo-4/51-visao- geral-e-perfis-das-insulinas-e-analogos-de-insulina). Análogos de insulina são preparações de insulina recombinante humana que sofreram alterações na cadeia de aminoácidos, por troca na posição ou substituição dos mesmos, a fim de apresentar perfil farmacológico de ação mais próxima do fisiológico. Existem análogos de insulina de ação longa, ultrarrápida e bifásica. A potência da insulina é medida em unidades (U). No Brasil, todas as preparações de insulina são na concentração de 100 unidades por ml, chamadas U-100, significando que em cada ml de solução há 100 unidades de insulina. (SBD, 2011, P. 175.) As insulinas são classificadas quanto ao início, pico e duração de ação. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 30 30 Figura 8: Propriedades a farmacocinéticas das insulinas e análogos. Diferentes esquemas terapêuticos têm sido utilizados ao longo dos anos no manejo dos indivíduos com DM1. No entanto, o tratamento insulínico e as metas glicêmicas devem ser individualizados, considerando a idade do paciente, a história de hipoglicemias, principalmente as noturnas e despercebidas, o nível socioeconômico e/ou intelectual, os hábitos e estilo de vida, a prática de atividade física, a contagem de carboidratos, a presença de comorbidades ou doenças macrovasculares severas. Na prática, o tratamento com insulina deve incluir a reposição de insulina basal, que evita a lipólise e a liberação hepática de glicose no período interdigestivo, de insulina prandial (bolus refeição) e de doses complementares de insulina para corrigir as hiperglicemias pré-prandiais e/ou interalimentares (bolus correção) (http://www.diabetesebook.org.br/modulo-4/52- esquemas-de-insulinizacao-no-diabetes-tipo-1-). Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 31 31 Esquemas de insulinoterapia Figura 9: Manual prático de diabetes - 1ª Edição Como mostrado no quadro acima, existem dois esquemas de insulinoterapia: o convencional e o intensivo. Vale ressaltar que o estudo prospectivo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) demonstrou que o tratamento intensivo do DM1, com três ou mais doses diárias de insulina de ações diferentes, é eficaz para reduzir a frequência de complicações crônicas do DM. Acredita-se que essa redução das complicações tenha sido causada por melhor controle metabólico, já que a hemoglobina glicada desses pacientes foi estatisticamente menor no tratamento intensivo (8,05%) do que no convencional (9,76%). (SBD, 2011, p. 61.) Efeitos adversos da insulina Hipoglicemia A limitação no alcance glicêmico ideal em DM1, excluídos fatores como falta de adesão ao tratamento e fraco suporte familiar, permanece sendo a hipoglicemia. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 32 32 Uma glicemia plasmática abaixo de 70mg/dl, independente da faixa etária, é considerada hipoglicemia. Entretanto, níveis glicêmicos entre 60 e 70mg/dl se associam fortemente a episódios mais graves, pois se correlacionam com alterações dos hormônios contrarreguladores, essenciais na reversão espontânea da hipoglicemia. (SBD 2011 pag.64) Vale ressaltar que antes do advento dos análogos de insulina as hipoglicemias ocorriam em maior número e isso certamente contribuiu para certo receio por parte dos pais e dos profissionais de saúde em implementar o tratamento intensivo. Lipodostrofia (atrofia ou hipertrofia no local de aplicação) A aplicação de insulina, assim como qualquer outra substância injetável, exige cuidados no sentido de evitar o risco de infecções ou lipodistrofia no local administrado. O tipo mais comum de lipodistrofia é a lipo-hipertrofia. Os principais fatores de risco para o seu desenvolvimento são duração do tempo de uso da insulina, frequência do rodízio nos pontos de aplicação e a quantidade de vezes que a agulha é reutilizada na autoaplicação. Figura 10: Lipodistrofia. Nas regiões com lipodistrofia, a sensibilidade à dor pode diminuir significativamente. A absorção da insulina é irregular e pode levar ao descontrole glicêmico. Recomenda-se não aplicar em área com lipodistrofia. Para prevenção da lipodistrofia recomenda-se mais atenção no planejamento e na realização do rodízio e orientar o paciente quanto aos riscos da reutilização de agulhas. (SBD, 2011.) Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 33 33 Unidade 2: Insulinoterapia A insulina é classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um agente essencial. A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas. Por ser um polipeptídeo, ela não pode ser ingerida via oral, pois, nesse caso, seria digerida pelas enzimas do aparelho digestivo. Ela é sempre necessária no tratamento do DM1 e deve ser instituída imediatamente após o diagnóstico. Para o controle adequado é necessária tanto uma insulina de ação lenta, ou basal (controla a glicemia de jejum e entre as refeições), quanto uma insulina de ação rápida, ou ultrarrápida (controla a glicemia após a refeição). As necessidades diárias de insulina variam de acordo com a idade, a rotina diária, o padrão alimentar e, sobretudo, a presença ou não de alguma secreção residual de insulina pelas células betapancreáticas. De maneira geral, no início do quadro, a necessidade diária oscila entre 0,3 e 0,6 UI/kg/dia, podendo chegar a 1 UI/kg/dia no final do primeiro ano da doença. Em unidade anterior, foi estudado que existem inúmeras preparações insulínicas, que variam de acordo com a origem e o tempo de ação. Classicamente, o tratamento insulínico no DM1 pode ser dividido nos seguintes tipos: • Convencional: pacientes que utilizam uma ou duas doses fixas de insulina NPH ao dia, associada ou não à insulina regular, antes do café da manhã e do jantar. Esse esquema associa-se a taxas mais altas de hemoglobina glicada, a maior risco de complicações micro e macrovasculares e a uma baixa flexibilidade tanto dos horários alimentares quanto para a prática de exercícios físicos. A fim de se evitar hipoglicemias durante a madrugada, a insulina NPH pré-jantar pode ser dissociada da regular e aplicada no horário de dormir (bedtime). • Múltiplas doses de insulina, ou insulinização plena ou basal bolus: inclui uma dose de insulina basal e outra de insulina em bolus (antes das principais refeições). Esse modelo procura mimetizar o padrão de secreção fisiológica da insulina pancreática em resposta à ingestão alimentar por meio da aplicação de insulina de ação rápida ou ultrarrápida antes de cada refeição e da aplicação de insulina de ação intermediária (NPH - dividida em três ou mais doses/dia) ou de longa duração (ver tipos de insulinas na Figura 8 – página 29), para imitar a secreção fisiológica pré-prandial e noturna de insulina. Costuma-se usar aproximadamente 50% da dose diária total de insulina para controlar a glicemia basal e os 50% restantes para os bolus. Aprimoramento em Diabetes para Farmacêuticos / 34 34 Figura 11: Padrão de secreção fisiológica normal da insulina. Para o esquema de insulinoterapia basal-bolus, no entanto, é imprescindível a monitoração frequente da glicemia capilar para determinar a quantidade de insulina a ser aplicada e evitar possíveis hiperglicemias e hipoglicemias. Insulina basal Fisiologicamente, a secreção de insulina basal regula a produção de glicose hepática para a manutenção da homeostase da glicemia – valores entre 70 mg/dl e 99 mg/dl no jejum e até 140 mg/dl no pós-prandial. A aplicação de insulina com perfil basal deve simular a liberação relativamente baixa e constante da insulina endógena, e seu objetivo é inibir a gliconeogênese, que é a produção hepática de glicose, e a lipólise, que é a degradação da gordura,