Buscar

Cap 7 Desenvolvimento Eco Nali de Jesus

Prévia do material em texto

O pensamento econômico brasileiro envolve as correntes neoliberal, desenvolvimentista e socialista, além do pensamento eclético e independente de Inácio Rangel. O pensamento desenvolvimentista compreendia a corrente ligada ao setor privado e a linha vinculada ao setor público, sendo esta última desdobrada, ainda, em desenvolvimentismo nacionalista e não nacionalista . Segundo a corrente desenvolvimentista, a transformação da economia brasileira seria impossível sem industrialização, planejamento econômico e ampla participação do Estado no processo produtivo. Essa corrente surgiu na década de 1930, com a Grande Depressão e tomou corpo na administração pública e em órgãos como a Confederação Nacional da Indústria e a Federação das Indústrias de São Paulo; sua divulgação ocorreu a partir dos estudos econômicos da década de 1940 (Missão Cooke e Missão Abbink); porém, foi a partir do surgimento do pensamento cepalino que ela se consolidou definitivamente no Brasil, apesar das críticas ferrenhas do pensamento neoliberal, liderado por Eugênio Gudin (1886-1986).
 Pensamento neoliberal de Eugênio Gudin
Segundo os neoliberais, o crescimento econômico precisa ocorrer com base em uma economia estabilizada. Em segundo lugar, ele deve fundamentar-se no aumento de produtividade e não em políticas expansionistas, geradoras de industrialização a qualquer custo. Eles consideravam como de fundamental importância o combate à inflação, o aumento da produtividade, o estímulo às exportações, a liberdade ao capital estrangeiro e participação mínima do Estado no controle da economia. A ideologia neoliberal filia-se aos economistas clássicos ingleses, mas sofreu modificações após o recrudescimento das crises do sistema capitalista na década de 1930. Sob a influência do keynesianismo, passou-se a aceitar medidas anticíclicas praticadas pelos governos. O termo neoliberal compreende, segundo Bielschowsky , essa modificação, pois os economistas dessa corrente passaram a admitir “alguma intervenção estatal saneadora de imperfeições de mercado que, segundo reconheciam, afetavam economias subdesenvolvidas como a brasileira”. A corrente neoliberal, na qual se destacaram Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões, Dênio Nogueira e Daniel Carvalho, tinha como projeto econômico básico o crescimento com equilíbrio das contas públicas; ela se fundamentava no livre mercado, fazendo oposição às teses desenvolvimentistas lideradas pelo pensamento cepalino. Em termos de política de combate à inflação, ela se identificava com o monetarismo: os meios de pagamentos precisam expandir-se no mesmo ritmo das transações econômicas, considerando-se constante a velocidade de circulação da moeda. Os aumentos dos gastos públicos, sem correspondência com novas receitas, elevam o volume de dinheiro na economia e geram inflação. As tentativas de enxugamento do excesso de moeda em circulação, pelo lançamento de títulos públicos, aumentam as taxas de juros e as despesas públicas, realimentando o déficit público e a inflação. A expansão do crédito age no mesmo sentido de fazer crescer o estoque de moeda e os preços, sendo, portanto, combatida pela corrente neoliberal. O crescimento deve ocorrer após o saneamento da economia, para não provocar desequilíbrios ainda maiores e abortar a própria expansão econômica futura. Os desequilíbrios existentes resultariam de erros de política econômica do governo e não de falhas de mercado Segundo Eugênio Gudin havia pleno emprego e inflação na região Sul/Sudeste do país e desemprego no Norte/Nordeste, uma vez que esta última região não conseguia empregar toda a mão-de-obra disponível. Havendo depressão, as empresas do Sul/Sudeste reduzem a produção. Com pleno emprego, investimentos no Sul/Sudeste tenderiam a elevar ainda mais os preços. Investimentos na melhoria da produtividade, principalmente nos setores exportadores, seriam medidas coerentes . Com poupança interna escassa e afluxo insuficiente de capitais estrangeiros, que não deseja atrair, o país lançava mão da emissão de moeda, acelerando a inflação. Para atrair poupança externa, Gudin defendia a completa liberdade para a remessa de lucros, por parte das multinacionais. Segundo ele, o benefício do capital estrangeiro no desenvolvimento precisa ser avaliado “na base da renda nacional e de seu incremento e não na do balanço de pagamentos” (Gudin, 1979, v. 2, p. 95). 64 Para os desenvolvimentistas, constitui grande desperdício de forças relegar a um plano secundário um importante agente do desenvolvimento, que é o Estado. Do lado neoliberal, a grande objeção é que a excessiva intervenção estatal acaba inibindo a iniciativa privada, mola-mestra do desenvolvimento capitalista.
desenvolvimento eram: (a) atração do capital estrangeiro; (b) formação do mercado de capitais; (c) assistência técnica e concessão de crédito seletivo para a agricultura; (d) educação geral e profissionalizante; (e) incentivos ao aumento da produtividade; e (f) promoção das exportações. Adicionalmente, o governo precisaria preservar a estabilidade monetária e cambial, deixando ao mercado a tarefa de assegurar a máxima eficiência do sistema. A industrialização constituía para ele uma forma de diversificar a economia e minimizar as flutuações cíclicas; porém, era contrário à industrialização subsidiada de altos custos e baixa produtividade, porque privilegiava alguns grupos, em detrimento do resto da economia. Sendo regulada pelo mercado, ela deveria absorver a mão-de- obra excedente da agricultura, liberada gradativamente pela mecanização. O Estado não deveria produzir, nem comercializar, porque a iniciativa privada gera bens e serviços com maior produtividade, pela concorrência do mercado. São os consumidores, no exercício de uma verdadeira democracia econômica, que orientam as empresas a produzir determinados bens, em quantidades específicas, e não um burocrata do planejamento central. Contudo, a simples manipulação de instrumentos de curto prazo, isto é, as políticas monetária, fiscal, creditícia e cambial, sem a definição de objetivos e estratégias de longo prazo, por parte da sociedade, tende a levar a economia “a navegar em círculos”.
Embora a economia neoliberal delegue ao setor privado, por meio dos mecanismos de mercado, a tarefa de produzir, cabe ao governo um rigoroso controle das variáveis macroeconômicas, para manter a economia em um equilíbrio estável permanente. As variáveis relevantes a serem controladas são as que dizem respeito à evolução dos meios de pagamentos, crédito, contas públicas e balanço de pagamentos.
Desenvolvimentistas ligados ao setor privado
Entre o empresariado e o setor público encontrava-se a corrente desenvolvimentista, que fazia oposição às teses neoliberais. Para ela, a industrialização, com alguma forma de planejamento e participação estatal, constituía a condição indispensável ao desenvolvimento econômico. Entre os desenvolvimentistas ligados ao setor privado nacional, destacaram-se Roberto Simonsen, João Paulo de Almeida Magalhães e Nuno Figueiredo. Eles obtinham da Confederação Nacional da Indústria e da Federação das Indústrias de São Paulo o apoio institucional de que necessitavam. Teoricamente, vinculavam-se a Keynes e a Prebisch. Defendiam a substituição de importações, o protecionismo e crédito abundante e barato 
Roberto Simonsen e o planejamento global
Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948), engenheiro, empresário e político brasileiro, idealizou instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social da Indústria (SESI). Ele ainda fundou o Centro das Indústrias e a Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo. Desde a década de 1930, ele vinha propondo a industrialização do Brasil como forma de desenvolvimento. Defendeu a criação de indústrias de base, como a siderurgia e a química. Considerava viável a implantação de um capitalismo moderno no país, com decisivo apoio governamental, por meio de políticas protecionistas e planejamento econômico global. Em 1937,Roberto Simonsen já destacava o papel do Estado na substituição de importações, por meio de tarifas elevadas para bens que pudessem ser manufaturados internamente, destinando as divisas economizadas à importação de máquinas e insumos industriais. Havia, porém, forte oposição à industrialização do Brasil, por parte dos EUA e da oligarquia agrário-exportadora nacional. Esta última concorria com a indústria por recursos públicos e políticas macroeconômicas, como desvalorizações cambiais, efetuadas para encarecer as importações, reduziam suas receitas de exportação. No caso do EUA, o surgimento de novos países industrializados era visto como fator de redução de mercado para suas manufaturas. Dirigindo-se a esses opositores, Roberto Simonsen argumentava que a industrialização beneficiaria a todos, pelo aumento das atividades
comerciais e agrícolas, bem como para os ramos industriais ainda não explorados no Brasil 
 Almeida Magalhães e a tese da poupança forçada
Além de admitirem que o crédito não causa inflação, os desenvolvimentistas aceitavam que uma taxa moderada de inflação favorece o desenvolvimento. A elevação do nível geral de preços, com salários monetários constantes, reduz os salários reais, o que estimula os investimentos. A inflação constitui, portanto, uma poupança forçada, embolsada pelos empresários, que se traduz em novos investimentos. A tese da poupança forçada, como estímulo ao desenvolvimento, foi defendida por João Paulo de Almeida Magalhães, a partir dos anos de 1950. Ele opunha-se às posições neoliberais de combate à inflação, causadoras de recessão e desemprego. Para ele, baixos níveis de inflação constituem um mecanismo de poupança forçada, que coloca recursos à disposição dos empresários, por meio do crédito e da possibilidade de aumentarem os preços com uma margem acima dos custos médios. Ele rejeitava a tese de pleno emprego da economia brasileira, defendida por Eugênio Gudin. Ele argumentava que havia mão-de-obra subempregada na agricultura e no setor terciário urbano, que poderia ser absorvida por novos investimentos financiados por crédito ou poupança forçada. Ele sustentou a idéia de que a inflação moderada desempenha papel fundamental no desenvolvimento econômico. Se a economia estivesse em uma situação de pleno emprego, como sustentava Gudin, novos investimentos seriam inflacionários; assim, a única alternativa para deslocar para cima a fronteira das possibilidades de produção seria aumentar a produtividade dos fatores. Com desemprego, o investimento precisa crescer de alguma forma para recuperar o “atraso” do desenvolvimento em relação aos países desenvolvidos. Porém, mesmo com desemprego de trabalho, o crescimento fica limitado pela escassez de capital. Existe, portanto, um limite superior para o crescimento econômico, dado pela acumulação de capital. Desse modo, para maximizar a taxa de crescimento e aumentar o nível de emprego, torna-se necessário o aporte de poupança interna e externa Descartando-se aumentos substanciais de poupança voluntária, a economia precisaria crescer, portanto, mediante poupança forçada. Desse modo, a capacidade de crescimento da economia poderia aumentar de modo compulsório. A poupança forçada significa uma proposição oposta à de Gudin, para o qual os investimentos precisam ser cortados para reduzir a inflação. “Nos países desenvolvidos, em que o teto é o fator trabalho, nossas conclusões coincidem com as daquele autor” . Porém, o modelo de Magalhães da poupança forçada encontra um limite no momento em que os grupos prejudicados reagem, recuperando perdas. Ao provocarem uma espiral inflacionária, eliminam a poupança forçada e a possibilidade de deslocar para cima a fronteira das possibilidades de produção. Contudo, havendo defasagem na recuperação de perdas salariais e de outros rendimentos fixos, ocorrerá poupança forçada e as remarcações de preços estimulam os investimentos. Na possibilidade de a economia poder contar com a ajuda de poupança externa, o papel da poupança forçada fica reduzido. Em conclusão, o crescimento pode efetuar-se com inflação ou sem ela, desde que outros fatores não sejam limitantes, como mão-de-obra especializada, tecnologia, capacidade empresarial e capitais externos. Embora a queda dos salários reais resulte em concentração de renda, ela proporciona aumento dos investimentos. Entretanto, tendo em vista que a inflação causa graves distorções no longo prazo, Magalhães alertava para a necessidade de incentivar-se a poupança voluntária, salientando que isso só seria possível com maior crescimento da renda nacional. A corrente desenvolvimentista ligada ao setor privado, na verdade, defendia seus próprios interesses. Ela desejava importar equipamentos com subsídios cambiais e preservar o mercado interno para suas empresas. Para preservar seus lucros, ela recomendava que se evitasse a tributação excessiva, argumentando a necessidade de estimular os investimentos e evitar a evasão de capitais. Da mesma forma, criticava a fixação do salário mínimo em níveis considerados elevados e reclamava dos altos encargos sociais. Os economistas dessa linha mantinham um discurso adequado aos anseios da classe patronal nacional.
 Desenvolvimentistas ligados ao setor público
Os economistas desenvolvimentistas ligados ao setor público dividiam-se em duas correntes, a nacionalista e a não nacionalista. A industrialização com forte apoio estatal consistia o ponto em comum desses dois grupos. A divergência encontrava-se
na participação do capital estrangeiro e na adoção de políticas de estabilização prévias a qualquer programa de desenvolvimento.
 Celso Furtado e a corrente nacionalista ligada ao setor público
A corrente nacionalista ligada ao setor público teve como expoentes Celso Furtado, Rômulo de Almeida e Américo de Oliveira. Eles consideravam que a participação de empresas estatais era fundamental para a industrialização e o desenvolvimento de projetos prioritários, tais como os de mineração, petróleo, energia, transportes, telecomunicações e indústrias básicas. Teoricamente estavam ligados, como os desenvolvimentistas do setor privado, a um ecletismo keynesiano e às teses cepalinas. Defendiam a industrialização por substituição de importações e contavam com a ampla participação do Estado na correção de desequilíbrios estruturais e na eliminação dos pontos de estrangulamentos do crescimento (Bielschowsky, 1988, p. 284). Celso Monteiro Furtado, nascido em 1920, na Paraíba, foi um dos diretores da CEPAL e do Grupo Misto CEPAL/BNDES. Ele participou da elaboração do Plano de Metas do governo Kubitschek, que deu origem à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), da qual foi o primeiro superintendente. Juntamente com Prebisch, ele desenvolveu e divulgou a análise estruturalista da CEPAL. Em seus escritos, defende a ampla participação do Estado na economia, por meio do investimento em setores estratégicos, a submissão da política monetária e cambial aos objetivos do desenvolvimento e a realização, pelo Estado, da reforma agrária e redistribuição de renda . Assim como Wallich (1969), Furtado entendia que a dinâmica do crescimento encontrava-se nas pressões de demanda e que as inovações tecnológicas podiam ser importadas, sob a coordenação do Estado. O planejamento estatal orientaria o crescimento, rompendo com estruturas arcaicas, bloqueadoras do desenvolvimento. Segundo ele, a transformação das estruturas agrícolas aumentaria continuamente a produtividade, pela transferência de fatores e atividades das zonas rurais para o meio urbano.65 A introdução do progresso técnico na agricultura eleva a renda agrícola, pelo aumento da produção para a exportação e o mercado interno. Maior demanda 
políticas monetárias contracionistas, redutoras do nível do investimento. O argumento de Furtado era de que as altas taxas de desemprego das economias subdesenvolvidas exigem crescimento econômico mais acelerado. Como este se faz com elevação do coeficiente de importações, “qualquer tentativa de correção do desequilíbrio, mediantedesvalorização, provoca sem demora uma redução no ritmo do crescimento, pelo simples fato de que eleva os preços dos bens de capital relativamente aos de consumo” . Segundo Celso Furtado e os estruturalistas de modo geral, a oferta das economias subdesenvolvidas é muito rígida, gerando o processo inflacionário. Isso se explica por não ser possível, no curto prazo, aumentar a oferta quando os preços sobem, ou reduzi-la quando caem. Enquanto isso, a demanda diversifica-se de modo acelerado, em função do efeito demonstração do consumo dos países desenvolvidos. O único meio de eliminar essa tendência inflacionária é expandir a oferta. O problema da inflação, portanto, reside na própria superação do subdesenvolvimento, o que se obteria de modo mais rápido pelo planejamento global e setorial. Este aumentaria a eficiência da industrialização, ao eliminar os estrangulamentos decorrentes da heterogeneidade e rigidez estruturais. Em suma, Furtado considerava fundamental a participação do Estado na economia: (a) atuando diretamente no setor produtivo, por meio de empresas estatais; (b) planejando a distribuição regional e setorial dos investimentos; (c) subordinando a política monetária ao desenvolvimento; (d) promovendo uma distribuição de renda mais equitativa no sentido de dinamizar o setor de mercado interno; e, (e) controlando o afluxo de capital estrangeiro, para que a dependência financeira excessiva não retirasse do país sua autonomia na gestão de problemas econômicos fundamentais. Celso Furtado mantinha, portanto, uma postura nacionalista e estatizante, conforme o pensamento predominante da corrente nacionalista ligada ao setor público. No início da década de 1960, ao esgotar-se o modelo de substituição de importações, Celso Furtado defendia uma estratégia de desenvolvimento pelo aumento da produtividade e distribuição de renda. A elevação da demanda de bens de consumo dos trabalhadores induziria a adoção de inovações tecnológicas na produção de bens de consumo e na agricultura. Preços mais baixos e salários mais altos aumentariam a demanda de produtos industriais. A transformação da estrutura agrária agiria no mesmo sentido, com o meio rural consumindo bens industriais (Furtado, 1961, p. 266).
 Roberto Campos e a corrente não nacionalista ligada ao setor público
Entre os economistas da corrente não nacionalista do setor público, destacaram- se Roberto Campos, Lucas Lopes e Glycon de Paiva. Eles defendiam a industrialização com ampla participação do capital estrangeiro e com planejamento parcial. Caracterizavam-se também pela defesa de políticas de estabilização e achavam que o Estado não devia ocupar os espaços onde a iniciativa privada podia atuar com maior eficiência. Esses eram os pontos de contato com a corrente neoliberal. A diferença residia na defesa da industrialização com planejamento estatal, porém parcial ou setorial (). Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) foi membro da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951-1953), que realizou amplo diagnóstico da economia brasileira e que originou o BNDES e o Grupo Misto CEPAL/BNDES (1953/1955). Ele referia o capital estrangeiro ao estatal, mesmo em setores considerados de segurança nacional, como mineração e energia. Defendia a industrialização com apoio estatal, pois considerava necessário compensar a debilidade privada para investir. A participação do Estado seria feita mediante planejamento parcial e coordenação política. Segundo ela, a grande meta do planejamento é “contingenciar recursos escassos entre objetivos concorrentes e escalonar sua utilização eficiente no tempo e no espaço”. Com o planejamento, pode-se maximizar o crescimento econômico, reduzir o consumo supérfluo e canalizar poupanças pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de captação. O governo tem “a faculdade telescópica” para visualizar onde atuar com prioridade. “Através da tributação, pode o governo comprimir o consumo presente em benefício da acumulação de capital para investimentos” . O ponto de partida do planejamento é o recenseamento das necessidades de investimento, nos diferentes setores, seguido do levantamento das fontes dos recursos disponíveis. O critério preferencial do planejamento é a melhoria da produtividade; para isso, escolhem-se primeiro os projetos de rentabilidade mais imediata, principalmente aqueles suscetíveis de atrair a iniciativa privada. De outra parte, sendo escassos os recursos, e tendo em vista o máximo retorno no menor tempo possível, recomendava Campos a concentração dos investimentos em áreas já providas com alguma infra-estrutura básica. Tornava-se necessário evitar a dispersão espacial e setorial dos recursos, para evitar a diluição e o enfraquecimento dos efeitos de encadeamento e de multiplicação dos investimentos. Assim, Campos recomendava a alocação dos recursos em pontos de crescimento, formados por indústrias motrizes e indústrias-chave,67 ou pontos de germinação, como transporte, energia e indústrias básicas. A indústria automobilística foi um ponto de germinação importante, no fim dos anos de 1950, pelo desenvolvimento da indústria de autopeças e atividades correlatas. Os recursos foram alocados também em pontos de estrangulamento, como aqueles com insuficiência de oferta de energia, transportes, portos, aço, fertilizantes etc. Essas insuficiências de ofertas setoriais agravam-se na medida em que a industrialização avança. No contexto do Plano de Metas (1956/1961), a idéia básica foi transformar tais pontos de estrangulamento em pontos de germinação, por meio da melhoria da produtividade agrícola e da implantação de algumas indústrias-chave, como siderurgia e material de transporte. Campos considerava como um vício do planejamento a superestimação do capital físico em relação ao capital humano, como educação, pesquisa e formação técnica. Em muitos casos, a “mecanização prematura” leva à subutilização pela carência de desenvolvimento educacional e tecnológico. Para os países subdesenvolvidos, portanto, “uma melhoria de produtividade através de equipamentos relativamente baratos, ainda que de menor eficiência mecânica, é mais importante do que o aumento de produtividade através de equipamentos de alta densidade de capital e destinados à poupança de mão-de-obra”. Concordando com Wallich (1969) que o desenvolvimento pode ser derivado do desenvolvimento de outros países, através da importação de tecnologia e de capitais, ele apostava no crescimento desequilibrado: o surgimento e a correção de desequilíbrios e a disseminação dos efeitos do crescimento nos demais setores e no espaço são opções que levam ao aumento do tamanho da economia. Em relação à inflação, ele preferia o gradualismo aos choques ortodoxos, para não causar recessão. Sua estratégia consistia em limitar a expansão do crédito a um ritmo que permitisse à economia desinflar paulatinamente. Para ele, a inflação resultava do estímulo ao consumo, do efeito demonstração que reduzia a taxa de poupança e desequilibrava o balanço de pagamentos. Em relação às visões extremas do monetarismo e do estruturalismo, mantinha uma posição eclética (Bielschowsky, 1988, p. 140). A poupança forçada gera crescimento no curto prazo, mas a concentração de
4 Inácio Rangel e a corrente socialista
O pensamento econômico brasileiro ligado ao desenvolvimento completa-se com a inclusão dos economistas socialistas e do pensamento independente de Inácio Rangel. A corrente socialista ligava-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tendo como principais representantes Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães. Esses autores, baseando-se na doutrina marxista, buscavam viabilizar o desenvolvimento capitalista no Brasil, a fim de facilitar sua passagem ao socialismo. A maioria deles defendia a tese de que a agricultura brasileira permanecia feudal, sendo necessária a reforma agrária para transformar as relações de trabalho do meio rural e promover o desenvolvimento econômico. Argumentavam que duas contradições básicas estavampresentes na sociedade brasileira: o monopólio da propriedade da terra e o imperialismo internacional. O planejamento econômico, com ênfase na empresa privada nacional e no Estado, apresentava-se como uma condição necessária para evitar a dependência ao imperialismo externo. Inácio de Moura Rangel (1914-1994) foi assessor econômico do governo Vargas, membro do Conselho Nacional do Petróleo e técnico do BNDES. Destacou-se das demais correntes por ter efetuado uma adaptação própria de elementos teóricos provenientes de Adam Smith, Keynes e Marx. Em relação à inflação, por exemplo, ao contrário da idéia monetarista, ele partiu do pressuposto de que os preços apresentam variações autônomas em relação ao estoque de moeda. A relação entre moeda e preços pode ser vista pelo exame da equação de Fischer: Mv = pY, onde M são os meios de pagamentos, v a velocidade de circulação da moeda, p o nível geral de preços e Y o nível da atividade econômica. Pela teoria quantitativa da moeda, sendo v constante, o aumento de M não causa elevação de Y, mas de p: a causalidade é da moeda para os preços. Inversamente, uma redução autônoma dos meios de pagamentos deprime os preços e causa recessão. Segundo Rangel, em uma economia oligopolizada como a brasileira, isso não acontece porque as empresas recorrem ao crédito bancário para financiar seus estoques e mantêm ou mesmo elevam seus preços. Por outro lado, o produto não cai quando há expansão autônoma dos preços, mas provoca aumento dos meios de pagamentos ou da velocidade de circulação da moeda. Os problemas de caixa dos bancos são resolvidos pelo Banco Central ou por emissão de moeda, implicando que a causalidade ocorre dos preços para a moeda e não o contrário. O governo exerce, a esse respeito, um papel passivo: a inflação teria origem no mercado e não no Ministério da Fazenda . Em outro extremo, os estruturalistas explicam a causalidade preços e moeda pela existência de pontos de estrangulamentos, como oferta insuficiente de produtos importados e inelasticidade da oferta agrícola. Contudo, as grandes transformações estruturais da economia brasileira, nas décadas de 1950 e 1970, ampliaram as pressões inflacionárias em vez de arrefecê-las. Desse modo, Rangel criticou a insuficiente ênfase na demanda, tanto por monetaristas como por estruturalistas. Em sua opinião, não é a inelasticidade da oferta de produtos agrícolas que explica a elevação de preços, mas as imperfeições de mercado do lado da intermediação comercial, entre produtores e consumidores. Ao mesmo tempo, a essencialidade dos produtos agrícolas produz rigidez de demanda relativamente independente das flutuações de preços. No entanto, a sociedade tolera a inflação pela funcionalidade entre inflação e crescimento econômico. Corte no crédito, aumento da taxa de redesconto do Banco Central e controle de preços inibem o crescimento da produção, gerando desemprego e agravando as crises. A tese estruturalista da rigidez da oferta agrícola vem ao encontro da idéia da insuficiência do mercado interno para o crescimento econômico. A reforma agrária aumenta a oferta de alimentos e a renda das populações agrícolas, assim como a demanda dos trabalhadores. Para Rangel, no entanto, o aumento da oferta agrícola não seria suficiente para reduzir a inflação. Seria preciso também aperfeiçoar os canais de comercialização dos produtos agrícolas, tornando o setor agropecuário mais concorrencial. Outro ponto que distingue seu pensamento é o fundamento teórico da reforma agrária. Nos anos de 1960, os economistas de esquerda discutiam se o modo de produção da agricultura era feudal ou capitalista; isso era importante para a definição do tipo de reforma agrária a ser proposta. Segundo Guimarães (1981), as relações de produção da agricultura brasileira eram feudais, sendo necessária uma reforma agrária ampla para transformá-las e permitir o desenvolvimento capitalista no país. Já para Caio da Silva Prado Júnior (1907-1990) tais relações sempre foram capitalistas, como atestaria a existência de uma agricultura exportadora (Prado Jr., 1981). Desse modo, o desenvolvimento não precisaria passar, necessariamente, pela reforma agrária, mas pela extensão da legislação trabalhista do meio urbano ao homem do campo; ao estimular o pagamento de salários, ela ampliaria o mercado consumidor nas zonas rurais, estimulando a industrialização e o desenvolvimento capitalista.
4.1 Relações de produção da agricultura
Rangel (1977) assume uma posição intermediária, conciliadora. Ele argumenta que as relações de produção são feudais no interior das fazendas, explicando a posição sociopolítica do “coronel” e sua dominação extra-econômica do camponês que trabalha e habita em suas terras, e que tais relações se mostram capitalistas no relacionamento da unidade produtiva rural com o mercado. Esses dois modos de produção, simultâneos, constituem o fundamento da tese de Rangel sobre a dualidade básica da economia brasileira. Sua proposta consistia em romper com a dominação do proprietário em relação ao camponês, existente pelo fato de este habitar em suas terras. A fim de desenvolver o mercado de trabalho no meio rural e incentivar o desenvolvimento do capitalismo no campo, sugere uma “reforma agrária” diferente. Ela consistiria na doação ou venda de uma pequena gleba de terra ao trabalhador rural (1 a 2 hectares), para que ele pudesse aumentar seu poder de barganha no mercado de trabalho. Desse modo, cultivando sua pequena lavoura de subsistência, ele poderia recusar salários muito baixos, evitando, assim, a exploração por parte dos fazendeiros. Ao mesmo tempo, poderia elevar sua renda e produzir parte da subsistência, com produtos que retiraria de sua própria terra. Esse dualismo explicaria a existência de um Brasil moderno, capitalista, ao lado de um Brasil arcaico, feudal. Essa dualidade também se manifestaria historicamente por: (a) fazenda escrava x fazenda mercantil-exportadora; (b) latifúndio feudal x fazenda mercantil-exportadora; (c) latifúndio feudal x capitalismo industrial (a partir dos anos de 1930). A tese central é a de que a estrutura sociopolítica nacional se torna influenciada pela estrutura dual da economia, quando o poder político passa a ser exercido por duas frentes aliadas, mas ao mesmo tempo em conflito. As crises cíclicas do capitalismo internacional influenciaram as alianças internas, ao definirem a intensidade e a natureza das relações entre centro e periferia. A tese da dualidade marcou o posicionamento político de Rangel e sua opção pela tese da substituição de importações, como modo de transformar a estrutura econômica do país. O protecionismo não apenas contém a tendência à expansão do consumo, acima das possibilidades da oferta interna, como também equilibra o balanço de pagamentos e promove o desenvolvimento industrial. A idéia subjacente é a de que apenas as exportações de produtos agrícolas não seriam suficientes para elevar o nível de emprego e transformar a economia nacional, além de manter a estrutura dual na agricultura. Era preciso o estímulo do Estado para industrializar o país, o que só poderia ser efetuado, rapidamente, pela substituição de importações. Contudo, o modelo leva à capacidade ociosa, porque a substituição de importações efetua-se gradativamente em setores com menor demanda e com maior coeficiente de capital e sofisticação tecnológica. A minimização dos desequilíbrios pode ser obtida pelo planejamento governamental. A partir dos anos de 1970, a penetração do capitalismo no campo transformou o latifúndio feudal em propriedades capitalistas, aumentando a produtividade do trabalho e desempregando milhões de trabalhadores. 
5 Algumas teses em debate no Brasil após 1964
O esgotamento do modelo de substituição de importações, no início dos anos de 1960, levou os formuladores da política econômica governamental a dar à economia brasileira maior abertura ao comércio internacional. Durante os primeiros anos do regime militar, entre 1964 e 1967, sob a direção de Roberto Campos (Ministério do Planejamento) e deOctávio Gouvêa de Bulhões (Ministério da Fazenda), efetuou-se, no Brasil, ampla reforma econômico-financeira, criando as bases para o crescimento econômico posterior, que foi sustentado pela expansão das
exportações e por uma fase posterior de substituição de importações. A confiança depositada pelo setor privado na política econômica, a reforma fiscal e a capacidade ociosa existente no sistema produtivo contribuíram para acelerar o crescimento econômico entre 1968 e 1973, ano em que ocorreu o primeiro choque do petróleo, que desacelerou o crescimento da economia nacional nos anos seguintes. As exportações de produtos manufaturados desempenharam importante papel no crescimento após 1968, viabilizando importações de bens de capital e de insumos industriais, o que gerou importantes impactos no setor de mercado interno. Elas mudaram a pauta exportadora brasileira, passando de 17,9% das exportações totais, em 1957/1961, para 29,7% em 1973

Continue navegando