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© Direitos reservados à Editora ATHENEU Pericardiopatias 12 Fábio Fernandes Maurício R. Jordão Charles Mady Introdução As doenças pericárdicas apresentam vá- rias etiologias (Quadro 12.1)1 que levam a diferentes tipos de acometimentos morfoló- gicos e se manifestam clinicamente em qua- tro apresentações principais: pericardite, derrame pericárdico sem comprometimen- to hemodinâmico, tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. A pericardite agu- da pode ser seca, fibrinosa ou efusiva. As in- flamações pericárdicas crônicas incluem as formas efusivas, adesivas e constritivas com duração maior que três meses. A pericardite recorrente pode ser intermitente (intervalo livre de sintomas sem tratamento) e inces- sante, aquela que ocorre depois de retirada do tratamento antiinflamatório.2 Quanto à etiologia da inflamação, as pe- ricardiopatias são classificadas em formas infecciosas e não infecciosas. Na pericar- dite não infecciosa, as formas neoplásicas, doenças autoimunes e desordens do me- tabolismo estão relacionadas.3 Entretan- to, do ponto de vista etiológico, a grande maioria dos casos continua sem um diag- nóstico específico, sendo considerados como idiopáticos.4 PErICArdItE AGudA A pericardite aguda é uma doen- ça comum em vários cenários clínicos e pode ser a primeira manifestação de uma doença sistêmica subjacente. Não há estudos epidemiológicos suficientes que confirmem a real incidência e prevalên- cia dessa patologia. Qualquer afecção pericárdica pode cursar com a síndrome de pericardite, contudo, o diagnóstico etiológico não é definido com facilidade. A causa mais frequente é a neoplasia, atingindo até 35% dos casos. A etiologia viral e autoi- mune vem em seguida, com proporções semelhantes. Dentre as etiologias mais prevalentes, destacam-se as causas virais, autoimunes e neoplásicas.5-6 180 © Direitos reservados à Editora ATHENEU Manual da Cardiologia Prática A doença neoplásica pericárdica é uma complicação dos processos malignos e se manifesta com sinais de restrição dias- tólica. A mortalidade dos pacientes com neoplasia e envolvimento do pericárdio é maior, contribuindo para o óbito em até 83% dos casos. Em ordem decrescen- te de frequência, encontramos: pulmão (18 a 37%), mama (7 a 25%), leucemia (10 a 20%) e linfoma (8 a 21%), mela- noma (3%). Dentre os carcinomas de pulmão mais frequentes, temos predo- minância de adenocarcinomas seguidos pelos carcinomas de células escamosas e pelo carcinoma indiferenciado.7-9 Entretanto, os pacientes com neoplasia podem ter comprometimento do pericárdio não relacionado à neoplasia. Muitos pacien- tes podem apresentar doença pericárdica não maligna, como pericardite por radiação e secundária à quimioterapia. Dentre todas as estruturas cardíacas, o pericárdio é o mais suscetível à radiação. O derrame pericárdico pode ser seroso, hemorrágico, com eleva- das concentrações de linfócitos e proteínas, assemelhando-se aos de origem neoplásica. Os pacientes de maior risco são aqueles sub- metidos a uma maior dose de irradiação e ao volume cardíaco irradiado. A infecção pericárdica de origem viral é a mais comum forma infecciosa de agressão pericárdica. Os mecanismos de transmissão podem ser por via hematogênica, linfática ou direta. Os enterovírus são os principais Quadro 12.1 – Etiopatogenia das pericardiopatias Idiopático Causa não identificável. Geralmente atribuídos à etiologia viral ou autoimune. Neoplasia – Metástase: neoplasia de mama, pulmão, doença de Hodgkin, leucemia, melanoma, trato gastrointestinal – Primária: rabdomiossarcoma, teratoma, fibroma, lipoma, angioma – Paraneoplásico Infecções – Viral: coxsackie, echovírus, EBV, CMV, influenza, HIV, HBV, parvovírus B19, varicela, rubéola – Bacteriana: estafilococo, Neisseria, estreptococo, pneumococo, clamídia, Haemophilus, tuberculose, salmonela, doença de Lyme – Mycoplasma – Fungos: histoplasmose, aspergilose, blastomicose, coccidiodomicose, cândida, nocardia, actinomicose – Parasitas: toxoplasmose, amebíase – Endocardite infecciosa Autoimune – Doenças reumatológicas: lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, vasculite, escleroderma, doença mista do tecido conectivo – Outras: granulomatose de Wegener, poliarterite nodosa, sarcoidose, doença inflamatória intestinal, doença de Whipple, arterite de células gigantes, doença de Behçet, febre reumática Radiação Cardíaca – Pericardite pós-infarto precoce e tardia (Dressler) – Miocardite – Dissecção da aorta Trauma – Fechado/penetrante – Iatrogenia Drogas – Procainamida, isoniazida, hidralazina (indutoras de LES) – Outras: trombolíticos, penicilinas, anticoagulantes, fenitoína Metabólica – Hipotireoidismo – Uremia – Síndrome da hiperestimulação ovariana Capítulo 12 – Pericardiopatias 181 © Direitos reservados à Editora ATHENEU responsáveis e apresentam transmissão fecal-oral. A excreção de vírus é prevalente no início do verão e outono. Após sua mul- tiplicação na faringe, ocorre viremia, segui- da de infecção secundária em órgãos-alvo, como o coração, sistema nervoso central, fígado, pâncreas, suprarrenais e pele. Um aumento de quatro vezes dos níveis de anticorpos séricos é sugestivo, porém não diagnóstico de pericardite viral.9 A confir- mação da pericardite viral baseia-se na do- cumentação do genoma viral pelas técnicas de hibridização in situ ou PCR no líquido ou tecido pericárdico.10 A pericardite bacteriana caracteriza-se pela presença de um exsudato purulento e tem como fatores predisponentes os pa- cientes imunossuprimidos e doenças crô- nicas, tais como alcoolismo e artrite reu- matoide. Também podem ser decorrentes de focos adjacentes de infecção, como broncopneumonia e endocardite infeccio- sa. O diagnóstico depende de um alto grau de suspeita clínica. É uma entidade grave, com evolução para tamponamento e cons- trição pericárdica em 30% dos casos.9-10 O número de casos de tuberculose peri- cárdica vem aumentando nos últimos anos, em decorrência do aumento do número de portadores da síndrome da imunodeficiên- cia adquirida. A pericardite tuberculosa é caracterizada pela identificação do Myco- bacterium tuberculosis no líquido ou tecido pericárdico e pela presença de granulomas na biópsia pericárdica. A presença de doen- ça extracardíaca é sugestiva, devendo fazer parte da investigação diagnóstica a cultura no escarro. São sugestivos de pericardite tuberculosa no líquido pericárdico nível de adenosina deaminase (ADA) maior que 40 U/L com uma sensibilidade de 93% e espe- cificidade de 97%. A pericardite tuberculosa pode evoluir para tamponamento e constri- ção pericárdicos em 30 a 50% dos casos. Nas doenças autoimunes, a pericardi- te é considerada um sinal de atividade da doença. É mais frequentemente observada na esclerodermia sistêmica, artrite reuma- toide e lúpus eritematoso sistêmico. Na esclerodermia sistêmica, a pericar- dite pode se manifestar sob forma aguda com sintomas típicos: dor torácica, febre, atrito pericárdico, cardiomegalia e provas de atividade inflamatória aumentadas. Al- guns têm apresentação na forma crônica caracterizada por efusão pericárdica e car- diomegalia. Há casos descritos de pericar- dite constritiva.11 A pericardite é a manifestação cardíaca mais frequentemente encontrada em pa- cientes com artrite reumatoide. Estudos de necrópsia mostraram uma incidência de 36% de envolvimento pericárdico.12,13 Em estudos ecocardiográficos, a incidência é de 22 a 47% dos pacientes. No entanto, o aparecimento de pericardite clínica é incomum, cerca de 3 a 10% dos pacientes com artrite reumatoide. Nos sintomáticos, a pericardite pode levar a tamponamento ou constrição, em até 41% dos casos.14-16 O lúpuspode acometer todas as cama- das do coração. O pericárdio é a estrutura cardíaca mais acometida, sendo a pericardi- te clínica observada em até 48% dos casos. Como nas demais condições reumatológi- cas, a pericardite lúpica pode evoluir para constrição e tamponamento cardíaco.17 No entanto, o tamponamento pericárdico do lúpus é uma entidade rara e está associada a baixos níveis de C4.18 A pericardite relacionada à insuficiência renal pode ser de dois tipos: a pericardite urêmica, caracterizada pela inflamação pericárdica em pacientes com insuficiên- cia renal avançada e que ainda não estão em tratamento dialítico, e a pericardite as- sociada à diálise. Esta última é ocasionada pela diálise inadequada e/ou sobrecarga Cardiologia Prática 182 © Direitos reservados à Editora ATHENEU de volume, sendo observada nos pacientes em esquema de hemodiálise e ocasional- mente em diálise peritoneal. Nos pacien- tes transplantados renais, a pericardite pode ser secundária à uremia ou infecção como, por exemplo, o citomegalovírus. Quadro ClíniCo As principais manifestações clínicas incluem: dor torácica, atrito pericárdico, alterações eletrocardiográficas (supradesni- velamento difuso do segmento ST e infra- desnivelamento do segmento PR) e derra- me pericárdico. Na presença de duas dessas características, deve-se considerar o diag- nóstico de pericardite.19 A ausência de der- rame pericárdico não exclui o diagnóstico. A dor torácica é tipicamente súbita e envolve a parede torácica anterior. De ca- racterísticas pleuríticas, aguda com piora à inspiração, pode variar em determinadas posições. Geralmente, é aliviada na posi- ção sentada, ás vezes irradia para a região do trapézio e em alguns casos simula is- quemia miocárdica. O atrito pericárdico é altamente específico na pericardite aguda, porém com sensibilidade variável. Classi- camente, é descrito como trifásico, corres- pondendo ao som gerado na sístole atrial, sístole ventricular e diástole ventricular. Pode-se apresentar de maneira bifásica, principalmente na vigência de fibrilação atrial e uma minoria (15%) monofásica.20 Na pericardite aguda, deve-se sempre avaliar a presença de comprometimento miocárdico concomitante decorrente de extensão da inflamação ao miocárdio adja- cente. Esta miopericardite caracteriza-se por disfunção miocárdica, aumento de marca- dores séricos (troponinas e CKMB), presen- ça de terceira bulha e arritmias. Bonnefoy et al.21 observaram nos indivíduos jovens com infecção pericárdica recente que elevações de troponina I eram compatíveis com lesão miocárdica e também associaram a elevação do segmento ST. ExamEs ComplEmEntarEs A radiografia torácica geralmente é normal, podendo mostrar indícios do processo etiológico, tais como processos infecciosos (pneumonia e tuberculose) e neoplasias. Derrames pericárdicos volu- mosos levam à cardiomegalia com campos pulmonares livres. O eletrocardiograma é o método complementar mais útil na ava- liação da pericardite. Classicamente, são descritos quatro estágios.19 ■ Estágio I: elevação do segmento ST côncavo, difuso (exceção de AVR e V1). Segmento PR oposto à polaridade da onda P (Figuras 12.1 e 12.2). ■ Estágio II: normalização do segmento ST e PR, ocorrendo após vários dias. ■ Estágio III: inversão de onda T na maio- ria das derivações, sem perdas de onda R e aparição de onda Q. Em alguns casos, esta fase não é vista (Figura 12.3). ■ Estágio IV: normalização ou persistên- cia das ondas T invertidas (pericardite crônica). Todas as quatro fases eletrocardiográficas estão presentes em 60% dos casos.22 Altera- ções atípicas, como supradesnivelamento do ST localizado, inversão da onda T antes da normalização do segmento ST pode ocorrer em uma minoria. Os diagnósticos eletrocar- diográficos diferenciais são a isquemia mio- cárdica e a repolarização precoce. A pericardite urêmica é peculiar, pois caracteriza-se pela ausência de alterações eletrocardiográficas clássicas da pericardi- te aguda.23 O achado de ecocardiograma normal não afasta o diagnóstico de pericardite aguda. A importância do método consis- te em excluir complicações da inflamação, Capítulo 12 – Pericardiopatias 183 © Direitos reservados à Editora ATHENEU Figura 12.1 – Estágio I ao ECG (aqui não se observam alterações de PR). I aVR V1 V4 II aVL V2 V5 III aVF V3 V6 II Figura 12.2 – Mesmo paciente quatro horas após o primeiro ECG. I aVR V1 V4 II aVL V2 V5 III aVF V3 V6 II tais como derrame pericárdico e evolução para tamponamento. tratamEnto Desde que possível, o tratamento deve ser direcionado para a doença de base. Os pacientes devem ser estratificados quan- to à necessidade de hospitalização, tendo em vista o curso benigno da maioria dos casos. Os pacientes com risco de compli- cação e evolução desfavorável apresen- tam22-24 febre (> 38o) e leucocitose, evidên- cia de tamponamento cardíaco, derrame Cardiologia Prática 184 © Direitos reservados à Editora ATHENEU pericárdico volumoso, imunossupressão, an- ticoagulação oral, trauma recente, falha tera- pêutica com anti-inflamatório não hormo- nal por sete dias e sinais de miopericardite. Nos casos considerados de etiologia viral ou idiopática, deve-se utilizar como a primeira opção o anti-inflamatório não hormonal, com a finalidade de tratar a dor torácica e a inflamação. Ibuprofeno (300 a 800 mg em cada 6 a 8 horas) é uma das drogas preferidas pelos poucos efeitos co- laterais e por não interferir com o fluxo coronariano. A Aspirina®, na dose de 800 mg em cada 6 a 8 horas por 3 a 4 semanas, é outra opção, sendo preferível na pericar- dite pós-infarto. A falha terapêutica com anti-inflamatório não hormonal após sete dias requer nova avaliação do diagnóstico etiológico. Evidências demonstram que a colchicina (0,5 a 1 mg 12/12 horas no pri- meiro dia, seguida de 0,5 mg 1 ou 2 vezes por dia por 3 meses) isolada ou associada ao anti-inflamatório não hormonal pode ser utilizada como tratamento inicial ou nas crises de recorrência.25 O corticoste- roide (1 a 1,5 mg/kg/dia) deve ser evitado, a não ser nos casos de doenças do tecido conectivo, pericardite urêmica e nas pe- ricardites recorrentes não responsivas à colchicina e anti-inflamatório não hormo- nal. Ao se utilizar corticosteroide, deve-se associar ibuprufeno ou colchicina com a finalidade de facilitar a retirada e evitar re- cidiva. Convém, também, estar seguro da exclusão de causas específicas. Muitos pa- cientes se tornam “dependentes” do corti- costeroide e em toda tentativa de redução existe uma recidiva da pericardite e da inflamação. Nestes casos, existe uma ativa- çao autoimune persistente. O uso de corti- costeroide deve ser limitado a casos espe- cíficos e o tratamento, individualizado. Nos casos de etiologia bacteriana, de- vem-se tratar a pericardite com antibió- ticos adequados, drenagem pericárdica e exploração cirúrgica. Nos casos de peri- cardite secundários à insuficiência renal, o tratamento preconizado é maximizar a terapia dialítica. Nos casos associados às efusões urêmicas e secundários à diálise, a instilação pericárdica de corticosteroides pode ser benéfica, porém, se intratável, a Figura 12.3 – Mesmo paciente 30 dias após o primeiro ECG. I aVR V1 V4 II aVL V2 V5 III aVF V3 V6 II Capítulo 12 – Pericardiopatias 185 © Direitos reservados à Editora ATHENEU pericardiectomia pode ser necessária. A pericardite e efusões pericárdicas mixe- dematosas, no geral, são responsivo à re- posição tireoidiana.23-25 dErrAME PErICÁrdICo O derrame pericárdico (DP) pode ocorrer na pericardite aguda ou em uma grande va- riedade de doenças sistêmicas. Sua presença tem implicações diagnósticas e/ou prognós-ticas (p. ex., doenças neoplásicas com DP as- sociado têm prognóstico pior).26 A presença de DP gera a suspeita de pericardite aguda. Qualquer desordem pericárdica pode evo- luir com DP, sendo as principais patologias listadas no Quadro 12.1. A incidência das diferentes causas de DP varia nas publicações, dependendo princi- palmente das características nosológicas e demográficas do estudo. As principais causas com diagnóstico incluem infecção e malignidade.27,28 O derrame descrito como idiopático tem incidência de 7 a 48%.28,29 Nos casos de derrames hemorrágicos, as causas mais frequentes são a malignida- de e a iatrogenia.30 Em nossa casuística, a biópsia foi diagnóstica em 10,5% dos ca- sos, dois casos de etiologia tuberculosa e dois de etiologia neoplásica (um adeno- carcinoma indeterminado e um mesote- lioma); nos demais casos, o diagnóstico foi de pericardite crônica inespecífica. Quadro ClíniCo E ExamEs ComplEmEntarEs A abordagem diagnóstica consiste em verificar a presença do DP, seu impac- to hemodinâmico e determinar a causa. O cenário clínico para suspeitar da sua presença abrange qualquer uma das cau- sas de pericardite, febre a esclarecer ou de origem indeterminada, cardiomega- lia recém-diagnosticada sem congestão pulmonar, derrame pleural isolado à es- querda ou maior do que à direita31 e de- terioração hemodinâmica após infarto do miocárdio, cirurgia cardíaca ou pro- cedimentos invasivos cardiológicos. Em alguns casos, há sintomas inespecíficos, secundários à compressão de estruturas mediastinais, tais como esôfago (disfagia), brônquios ou traqueia (dispneia), nervo frênico e laríngeo recorrente (disfonia). Diante dessas possibilidades, a suspeita de DP pode ser corroborada por achados do ECG. A baixa voltagem dos complexos QRS é definida como amplitude de QRS menor ou igual a 5 mm nas derivações de membros. Sua presença é sugestiva, mas não específica, pois está presente em ou- tras condições, como insuficiência adre- nal, hipotireoidismo, obesidade, anasar- ca, doença pulmonar obstrutiva crônica, derrame pleural, cardiomiopatias, rejei- ção de transplante cardíaco e variante do normal. A alternância de complexo QRS não é específica, mas se a onda P também alternar, é patognomônico. De qualquer forma, a suspeita clínica de DP indica a investigação com o eco- cardiograma para confirmar e avaliar a repercussão hemodinâmica pela presença do tamponamento cardíaco (TC) agudo ou subagudo. A forma aguda, relacionada ao trauma, dissecção de aorta, ruptura da parede livre do VE ou complicações iatro- gênicas, implica em risco de vida pela ele- vada pressão intrapericárdica com restri- ção ao enchimento diastólico sem tempo de adaptação, levando ao colapso hemo- dinâmico. Na forma subaguda, os sinto- mas são mais insidiosos, sendo alguns ca- sos assintomáticos. A queixa geralmente é de dispneia, fadiga e desconforto torácico e está associada com neoplasia, uremia, Cardiologia Prática 186 © Direitos reservados à Editora ATHENEU hipotireoidismo ou pericardite idiopá- tica. Por sua facilidade e conveniência, o ecocardiograma é fundamental para o diagnóstico de TC. Seus principais acha- dos são: colapso protodiastólico do átrio direito e do ventrículo direito,32 aumento da variação respiratória da velocidade de influxo mitral e tricúspide, dilatação da cava inferior e redução menor de 50% do diâmetro na inspiração. Clinicamente, o TC se manifesta com taquicardia sinusal, aumento da pressão venosa jugular e pul- so paradoxal (queda maior que 10 mmHg na pressão sistólica durante a inspiração). A causa do DP geralmente é clara quan- do associada a um cenário clínico evi- dente, como doença neoplásica, renal ou tireoideana. Portanto, anamnese e exame físico são fundamentais e guiam os de- mais exames que geralmente se limitam a: hemograma completo, eletrólitos, função renal e tireoideana, FAN, complemento e tomografia de tórax. A pericardiocentese diagnóstica possi- bilita uma análise bioquímica, imunológi- ca, citológica e bacteriológica do líquido pericárdico. Cultura, citologia, adenosina deaminase (na suspeita de tuberculose) e proteína C-reativa são os principais pa- râmetros estudados. Proteínas, DHL, he- mácias, leucócitos e glicose dificilmente distinguem exsudato de transudato e são pouco úteis na avaliação etiológica.33 Nos pacientes submetidos à pericardiocentese terapêutica por tamponamento, é lógico considerar a análise do líquido. Outras indicações para pericardiocentese diag- nóstica são as suspeitas de pericardite pu- rulenta, tuberculosa ou neoplásicas, sendo causas frequentes de tamponamento. A biópsia pericárdica tem pouca sensibili- dade diagnóstica, devendo ser considerado o risco-benefício do procedimento. Em nossa casuística, a biópsia pericárdica por Marfan apresentou uma baixa sensibilidade (cerca de 10%), sendo positiva nos casos de neo- plasia ou tuberculose. Outra técnica indicada é a videopericardioscopia, nos casos de DP recorrente ou sem etiologia. Em nossa ins- tituição, foram avaliados 20 pacientes com doença pericárdica, com a técnica de video- pericardisocopia. A biópsia pericárdica levou a um diagnóstico etiológico em 30% dos ca- sos, permitindo um aumento da sensibilida- de diagnóstica naqueles derrames que antes eram considerados idiopáticos. Desde então, a pericardioscopia tem sido o procedimento de rotina adotado em nossa instituição nos casos de derrames pericárdicos importantes. Tal procedimento permite maior sensibilida- de diagnóstica, além de uma ampla ressecção do pericárdio.34-36 O tratamento é variável e geralmente direcionado à condição clínica subjacente. O tamponamento cardíaco é uma entidade que deve ser tratada com urgência, sendo o tratamento definitivo a pericardiocentese ou a drenagem cirúrgica do líquido peri- cárdico. A pericardiectomia está indicada nos casos sintomáticos onde o tratamento clínico e repetidas pericardiocenteses não foram bem sucedidas. O tratamento clíni- co é ineficaz e deve ser realizado apenas enquanto o tratamento cirúrgico é pro- gramado. Nos casos de pericardite recor- rente (cerca de 40% dos casos), além da pericardiocentese de repetição, pode ser necessária a instilação de agentes esclero- santes, janela pericárdica ou até mesmo a indicação de pericardiectomia. PErICArdItE ConStrItIVA Quando o pericárdio perde sua elasticida- de, por acúmulo de líquido ou cicatrização inadequada, manifesta-se a síndrome com- pressiva pericárdica. Esta situação abrange o tamponamento cardíaco, a pericardite Capítulo 12 – Pericardiopatias 187 © Direitos reservados à Editora ATHENEU constritiva e a pericardite efusivo-constri- tiva. A pericardite constritiva caracteriza-se pela restrição ao enchimento ventricular diastólico em decorrência de um pericárdio espessado e frequentemente calcificado. A diferenciação entre pericardite cons- tritiva e cardiomiopatia restritiva, muitas vezes é difícil, pois ambas as entidades apresentam características hemodinâmi- cas similares. A diferenciação destas duas entidades pode ser realizada pela identifi- cação do espessamento pericárdico. Um pericárdico normal é aquele menor ou igual a 2 mm, já um espessamento peri- cárdio maior que 4 mm sugere constrição e aqueles maiores que 6 mm são os que apresentam maior especificidade de cons- trição.37 Entretanto, em 18% dos casos sub- metidos à pericardiectomia, o pericárdio não se encontrava espessado. Muitos des- tes doentes apresentavam um diagnóstico de epicardite constritiva; portanto, um pe- ricárdio normal não afasta o diagnóstico de pericardite constritiva. Para o correto diagnóstico da doença, deve-se ter um elevado índice de suspei- ta clínica, exame físico e complementar (ecocardiograma,estudo hemodinâmico) direcionados para avaliação da restrição. No entanto, em alguns casos, somente a exploração cirúrgica confirma o diagnós- tico da pericardite constritiva. A pericardite efusivo-constritiva é uma entidade infrequente, que se caracteriza pela concomitância de tamponamento pericár- dio e constrição ocasionada pelo pericárdio visceral. Sua importância está no fato da contribuição do pericárdio visceral na pa- togênese da constrição e a necessidade de este ser removido cirurgicamente. A drena- gem pericárdica e a retirada do pericárdio parietal não são suficientes na resolução dos sintomas clínicos. O diagnóstico clínico baseia-se na demonstração de persistência da elevação da pressão atrial direita, após a retirada do derrame pericárdico com a re- dução das pressões intrapericárdicas próxi- mas ao normal. Pode ocorrer em qualquer tipo de pericardite associada com derrame, mais frequentemente observada naqueles casos secundários à radiação e, menos fre- quentemente à cirurgia cardíaca.38 O diagnóstico diferencial da pericardite constritiva deve ser realizado com embo- lia pulmonar, infarto do ventrículo direito, doença pulmonar obstrutiva crônica, car- diomiopatia restritiva e cirrose com ascite. Pelo tratamento radicalmente diferente e pela semelhança sindrômica, especial aten- ção merece a diferenciação entre pericardite constritiva e cardiomiopatia restritiva (a Ta- bela 12.1 contém as principais diferenças). Quadro ClíniCo Os sintomas são sugestivos de insuficiên- cia cardíaca direita, tais como anasarca, ascite, distensão abdominal e edema de membros inferiores; e também sintomas de insuficiên- cia esquerda (dispneia) decorrente da insufi- ciência diastólica. Dor torácica com caracte- rística de pericardite, ou mesmo atípica, está usualmente presente. Sintomas inespecíficos incluem fadiga, anorexia, náuseas, dispepsia e perda de peso.39 Ao exame clínico, observa-se paciente com caquexia cardíaca, sinais de insufi- ciência cardíaca direita e elevação de pulso venoso jugular em 93% dos pacientes e aju- da a distinguir dos hepatopatas primários. Os pulmões geralmente são limpos. O pulso arterial é usualmente normal, entretanto, nos casos mais graves, existe uma diminuição da pré-carga, ocorrendo diminuição da ampli- tude. O pulso paradoxal não é comum na ausência de derrame pericárdico ou doença pulmonar. O precórdio usualmente é quie- to e a característica auscultatória é o knock Cardiologia Prática 188 © Direitos reservados à Editora ATHENEU pericárdico, que corresponde à súbita cessa- ção do enchimento ventricular, presente em 47% dos casos. A primeira bulha usualmente é normal, com a segunda bulha desdobrada. O desdobramento ocorre devido ao fecha- mento precoce da valva aórtica, secundária à diminuição do volume de sangue ejetado pelo ventrículo esquerdo.39,40 ExamEs ComplEmEntarEs À radiografia do tórax, a presença de anel calcificado ao redor do coração em pacientes com sintomas de insuficiência cardíaca direita sugere fortemente pericar- dite constritiva; derrames pleurais podem estar presentes (60%). No eletrocardiograma, não há alterações específicas e algumas características podem sugerir constrição pericárdica, como: baixa voltagem de QRS, inversão de onda T, fibri- lação atrial, bloqueios atrioventriculares e raramente padrão de pseudoinfarto. Altera- ções inespecíficas do ST e T são comuns. No ecocardiograma, a fração de ejeção encontra-se geralmente preservada. Sinais indiretos podem estar presentes, como au- mento dos átrios com dimensões ventricu- lares normais. Existe também uma variação respiratória durante a inspiração, caracteri- zada pela diminuição das velocidades de fluxo ao Doppler da onda E mitral maior que 25% e uma diminuição expiratória na velocidade de fluxo diastólico da veia hepá- tica e aumento do fluxo diastólico reverso. Espessamento pericárdico, às vezes com calcificação, também pode estar presente. A tomografia e a ressonância nuclear magnética permitem localizar e caracte- rizar as alterações anatômicas das lesões pericárdicas, bem como derrames, mas- sas, anomalias congênitas e espessamento. Na constrição, a documentação anatômica de um pericárdio espessado permite dife- renciar pericardite constritiva da cardio- miopatia restritiva.41 No entanto, existem casos de epicardite, levando à constrição pericárdica sem existir documentação de espessamento pericárdico. A ressonância nuclear magnética apresen- ta uma acurácia de 93% para diferenciar peri- cardite constritiva e cardiomiopatia restritiva, tabela 12.1 – diferenças entre pericardite constritiva e cardiomiopatia restritiva Constrição restrição Descenso y proeminente Presente Variável Pulso paradoxal ⅓ dos casos Ausente Pressões de enchimento dos lados esquerdo e direito iguais Presente Esquerda pelo menos 3 a 5 mmHg maior que a direita Pressão de enchimento > 25 mmHg Raro Comum Sinal da raiz quadrada Presente Variável Variações respiratórias das pressões ou fluxos esquerda-direita Exagerado Normal Tamanho do átrio Possível aumento esquerdo Aumento biatrial Espessura da parede ventricular Normal Geralmente aumentada Abaulamento septal Presente Ausente Doppler tecidual velocidade E´ Aumentada Reduzida Espessura pericárdica Aumentada Normal Capítulo 12 – Pericardiopatias 189 © Direitos reservados à Editora ATHENEU com base no achado de um espessamento pe- ricárdico maior ou igual a 4 mm. Às vezes, é necessária a avaliação he- modinâmica para o diagnóstico de peri- cardite constritiva. Os principais achados incluem: aumento da pressão atrial direita, descensos x e y proeminentes nas curvas venosas, sinal de Kussmaul (a falta do de- clínio inspiratório ou aumento inspirató- rio na pressão venosa central), aumento na pressão diastólica final do ventrículo direito, sinal “de raiz quadrada” nos tra- çados de pressões diastólicas ventriculares e discordância entre os picos de pressões ventriculares (direita e esquerda) durante inspiração (Tabela 12.1). tratamEnto O tratamento deve sempre visar à cau- sa subjacente, apesar de poucos pacientes responderem com tratamento clínico, tor- nando a intervenção cirúgica a terapêutica de escolha. A terapia para tuberculose deve ser iniciada antes da cirurgia e mantida por um ano. O uso de diuréticos deve ser utili- zado com cautela, objetivando reduzir, não eliminar, o edema, estase jugular e ascite. Em alguns casos, o pericárdio espessado e calcificado está em contato direto com o miocárdio, diminuindo a contratilidade do músculo cardíaco, o que leva a uma disfun- ção da coordenação do enchimento ventri- cular diastólico. No pós-operatório de peri- cardiectomia, não é infrequente a evolução para baixo débito cardíaco.42-44 A indicação cirúrgica clássica ocorre nos casos em que há insuficiência cardíaca clíni- ca. Porém, pela alta mortalidade do proce- dimento, pacientes com sintomas leves não têm indicação. Nos pacientes com sintomas moderados, a intervenção não deve ser adia- da, pois pacientes em classe funcional avan- çada (IV da NYHA) apresentam maior mor- talidade (30 a 40% × 6 a 19%) e o benefício cirúrgico é menor. A pericardite constritiva é uma doença heterogênea, com pior evolução nos casos secundários à radiação. A fração de ejeção pode reduzir após a cirurgia, com retorno da função ocorrendo em meses.43 A melhora dos sintomas e a normalização das pressões cardíacas podem levar meses após pericardiectomia.44 rEfErênCIAS bIblIoGrÁfICAS 1. Imazio M, LeWinter MM, Saperi GM. Evalu- ation and management of acute pericarditis. UpToDate 17.3. Disponível em: http://www. uptodate.com (08 dezembro 2009). 2. Maisch B, Ristic AD. Practical aspects of the management of pericardialdisease. Heart 2003;89:1096-1103. 3. Maisch B. Pericardial diseases, with a focus on etiology, pathogenesis, pathophysiolo- gy, new diagnostic imaging methods and treatment. Current opinion in cardiology 1994;9:379-388. 4. Fernandes F, Ianni BM, Arteaga E, et al. Valor da biópsia pericárdica no diagnósti- co etiológico das pericardiopatias. Arq Bras Cardiol 1998;70(6):393-5. 5. Zayas R, Anguita M, Torres F, et al. Incidence of specific etiology and role of methods for specific etiologic diagnosis of primary acute pericarditis. 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