Buscar

Tipo de Injusto Doloso - Bitencourt - Resumo

Prévia do material em texto

Flávia Argôlo França
2
Tratado de Direito Penal – Parte Geral
Cezar Roberto Bitencourt – Volume 1
24ª edição revista, ampliada e atualizada – 2018 – Saraiva Jr
Segunda Parte: TEORIA GERAL DO DELITO
XVIII – TIPO DE INJUSTO DOLOSO
1. Tipo objetivo. 
O tipo objetivo descreve todos os elementos objetivos que identificam e limitam o teor da proibição penal: o sujeito ativo, a conduta proibida, o objeto da conduta, as formas e meios da ação, o resultado, a relação de causalidade, as circunstâncias do fato etc. Isso quer dizer que o tipo objetivo constitui o referente fático sobre o qual se projeta a vontade reitora da ação, elemento do tipo subjetivo.
1.1. O autor da ação. 
O delito como obra da ação humana sempre tem um autor, que é identificado como o sujeito ativo que realiza a ação proibida ou omite a ação esperada91. Como regra geral, os tipos não caracterizam objetivamente o autor, limitando-se a utilizar uma fórmula neutra, que admite qualquer pessoa como autora, como, por exemplo, “matar alguém”. Em outros termos, qualquer pessoa pode ser autora do crime de homicídio (como também dos crimes de furto, roubo, dano etc.) independentemente de qualidades ou condições pessoais que ostente. Esses são os chamados crimes comuns, que não exigem qualquer qualidade ou condição pessoal ou especial do autor da infração penal. Em muitos crimes, porém, o autor recebe uma individualização especial, que o distingue do anonimato, exigindo-lhe determinada qualidade ou condição pessoal, como ocorre, por exemplo, no denominado crime próprio ou especial. Pode ser condição jurídica (acionista), profissional ou social (comerciante), biológica (gestante, mãe), de parentesco (ascendente, descendente).
1.2. Ação ou omissão. 
O núcleo objetivo de todo crime é a descrição de uma conduta, que pode ser realizada mediante ação ou omissão. Os tipos penais podem descrever: a) simplesmente uma atividade ou inatividade humana, sem a necessidade de um resultado
externo para que a conduta seja punida como delito consumado, ou então b) uma atividade humana que produz determinado resultado, sem o qual a conduta somente poderá ser punida como tentativa. Na primeira hipótese teríamos os crimes formais, também conhecidos como crimes de mera atividade ou, no caso, de omissão própria, e, na segunda, os crimes materiais ou de resultado. Os crimes de resultado podem ser realizados mediante comissão ativa ou em comissão por omissão (omissão imprópria). Além disso, podem ser diferenciados entre delitos de lesão e delitos de perigo.
1.3. Resultado.
A distinção entre ação, como simples manifestação de vontade, e resultado, como consequência externa derivada dessa manifestação, tem grande importância dogmático-penal em múltiplos aspectos, como veremos. Nos crimes materiais, a ação, ao se realizar, sempre modifica alguma coisa, produzindo um resultado que está separado no tempo e no espaço da ação que o precede. Como já havíamos indicado, nos crimes materiais o resultado faz parte da descrição típica, de modo que sem ele o delito não pode ser punido como consumado. 
1.4. Nexo causal e imputação objetiva.
Nos crimes de resultado deve existir, como demonstramos em capítulo precedente, uma relação de causalidade entre ação e resultado. Esse é o primeiro passo para a imputação objetiva do resultado à conduta do autor93 (imputação puramente objetiva). Nos chamados crimes de resultado (crimes materiais), o tipo de injusto objetivo somente se realiza quando entre a ação e o resultado houver um nexo de causalidade. No entanto, deve-se ter presente a advertência de Wessels, para quem “nos delitos de resultado a existência do nexo causal é o mais importante, mas não o único pressuposto da imputação. Fundamento da imputação objetiva do resultado socialmente danoso é a causalidade da ação para a ocorrência do resultado típico, mas nem toda causação é, na espécie, juridicamente relevante, de forma que fundamente a responsabilidade jurídico-penal”94. Com efeito, além da relação de causalidade, é necessário demonstrar que o resultado constitui precisamente a realização do risco proibido criado pelo autor através de sua conduta. Ou seja, é necessário demonstrar que no caso se cumprem os requisitos valorativos de imputação objetiva. 
2. Tipo subjetivo. 
O tipo subjetivo abrange todos os aspectos subjetivos do tipo de conduta proibida que, concretamente, produzem o tipo objetivo. O tipo subjetivo é constituído de um elemento geral — dolo —, que, por vezes, é acompanhado de elementos especiais — intenções e tendências —, que são elementos acidentais, conhecidos como elementos subjetivos especiais do injusto ou do tipo penal.
2.1. Elemento subjetivo geral: dolo. 
 2.1.1. Definição de dolo. 
Dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, ou, na expressão de Welzel, “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito”. O dolo, puramente natural, constitui o elemento central do injusto pessoal da ação, representado pela vontade consciente de ação dirigida imediatamente contra o mandamento normativo.
O dolo, enfim, elemento essencial da ação final, compõe o tipo subjetivo. Pela sua definição, constata-se que o dolo é constituído por dois elementos: um cognitivo, que é o conhecimento ou consciência do fato constitutivo da ação típica; e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, o conhecimento (representação), é pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele.
 2.1.2. Teorias do dolo. 
a) Teoria da vontade ou do consentimento. Para essa teoria, tida como clássica, dolo é a vontade dirigida ao resultado. Para Carrara, seu mais ilustre defensor, o dolo
“consiste na intenção mais ou menos perfeita de praticar um ato que se conhece contrário à lei”. A essência do dolo deve estar na vontade, não de violar a lei, mas de realizar a ação e obter o resultado. 
A vontade, para essa teoria, como critério aferidor do dolo eventual, pode ser traduzida na posição do autor de assumir o risco de produzir o resultado representado como possível, na medida em que “assumir” equivale a consentir, que nada mais é que uma forma de querer. O consentimento do autor na produção do resultado seria, ademais, o fator decisivo para diferenciar o dolo eventual da culpa consciente, pois, nesta, apesar do conhecimento da perigosidade da conduta e da probabilidade de produção do resultado típico, o autor da conduta atua porque considera seriamente que o resultado não chegará a produzir-se.
b) Teoria da representação: Segundo a teoria da representação, cujos principais defensores, em sua fase inicial, foram Von Liszt e Frank, para a existência do dolo é suficiente a representação subjetiva ou a previsão do resultado como certo ou provável.
Pode-se afirmar que o legislador penal brasileiro manifestou sua adesão expressa à teoria da vontade ou do consentimento, na medida em que no art. 18 do nosso Código Penal destaca que se diz doloso o crime “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Contudo, no nosso entendimento, essa orientação acerca do dolo somente é admissível quando o conteúdo da vontade (enquanto querer ou assumir a produção do resultado) estiver vinculado ao conhecimento atual dos elementos objetivos do tipo (consciência ou representação), como veremos na seguinte epígrafe.
 2.1.3. Elementos do dolo. 
a) Elemento cognitivo ou intelectual: Para a configuração do dolo exige-se a consciência (previsão ou representação) daquilo que se pretende praticar. Essa consciência deve ser atual, isto é, deve estar presente no momento da ação, quando ela está sendo realizada.
b) Elemento volitivo (vontade) A vontade, incondicionada, deve abranger a ação ou omissão (conduta), o resultado e o nexo causal. A vontade pressupõe a previsão, isto é, a representação, na medida em que é impossível querer algo conscientemente senão aquilo que se previu ou representou na nossa mente, pelo menos, parcialmente.
 2.1.4. Espéciesde dolo: direto e eventual. 
a) Dolo direto ou imediato No dolo direto o agente quer o resultado representado como fim de sua ação. A vontade do agente é dirigida à realização do fato típico. O objeto do dolo direto é o fim proposto, os meios escolhidos e os efeitos colaterais representados como necessários à realização do fim pretendido. Assim, o dolo direto compõe-se de três aspectos, quais sejam, representação, querer e anuir, nos seguintes termos: 1) a representação do resultado, dos meios necessários e das consequências secundárias; 2) o querer a ação, o resultado, bem como os meios escolhidos para a sua consecução; 3) o anuir na realização das consequências previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios.
b) Dolo eventual
Haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado (art. 18, I, in fine, do CP), isto é, não se importando com sua ocorrência. No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas, apesar de prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo113, por considerar mais importante sua ação que o resultado.
A consciência e a vontade, que representam a essência do dolo direto, como seus elementos constitutivos, também devem estar presentes no dolo eventual. Para que este se configure é insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado ou a atuação consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado, como sustentaram os defensores da teoria da probabilidade.
2.2. Elemento subjetivo especial do tipo ou elemento subjetivo especial do injusto. 
A doutrina clássica denominava, impropriamente, o elemento subjetivo geral do tipo dolo genérico e o especial fim de agir, de que depende a ilicitude de certas figuras delituosas, dolo específico. O próprio Welzel esclareceu que: “Ao lado do dolo, como
momento geral pessoal--subjetivo, que produz e configura a ação como acontecimento dirigido a um fim, apresentam-se, frequentemente, no tipo especiais momentos subjetivos, que dão colorido num determinado sentido ao conteúdo ético-social da ação”119. Assim, o tomar uma coisa alheia é uma atividade dirigida a um fim por imperativo do dolo; no entanto, seu sentido ético-social será completamente distinto se aquela atividade tiver como fim o uso passageiro ou se tiver o desígnio de apropriação.
 2.2.1. Delitos de intenção. 
Delitos de intenção requerem um agir com ânimo, finalidade ou intenção adicional de obter um resultado ulterior ou uma ulterior atividade, distintos da simples realização dolosa dos elementos objetivos do tipo. Trata-se, portanto, de uma finalidade ou ânimo que vai além da realização do tipo. As intenções especiais integram a estrutura subjetiva de determinados tipos penais, exigindo do autor a persecução de um objetivo compreendido no tipo, mas que não precisa ser alcançado efetivamente. Faz parte do tipo de injusto uma finalidade transcendente — um especial fim de agir —, como, por exemplo, para si ou para outrem (art. 157); com o fim de obter (art. 159); em proveito próprio ou alheio (art. 180) etc. Como tivemos oportunidade de afirmar, “esta espécie de elemento subjetivo do tipo dá lugar, segundo o caso, aos atos chamados delitos de resultado cortado e delitos mutilados de dois atos. Os primeiros consistem na realização de um ato visando à produção de um resultado, que fica fora do tipo e sem a intervenção do autor” (ex.: arts. 131 — perigo de contágio de moléstia grave; 159 — extorsão mediante sequestro, do CP).
 2.2.2. Delitos de tendência. 
Nos delitos de tendência a ação encontra-se envolvida por determinado ânimo cuja ausência impossibilita a sua concepção. Nesses crimes, não é somente a vontade do autor que determina o caráter lesivo do acontecer externo, mas outros extratos específicos, inclusive inconscientes. Com efeito, “não se exige a persecução de um resultado ulterior ao previsto no tipo, senão que o autor confira à ação típica um sentido (ou tendência) subjetivo não expresso no tipo, mas deduzível da natureza do delito (ex.: o propósito de ofender — arts. 138, 139,
140, CP; propósito de ultrajar — art. 212, CP)”
 2.2.3. Momentos especiais de ânimo. 
Características como “sem escrúpulos”, “sem consideração”, “satisfazer instinto sexual”, “inescrupulosamente” e outras semelhantes assinalam estados anímicos especiais que não constituem grau de responsabilidade pessoal pelo fato, e, por isso, os inimputáveis também podem agir com essas características especiais de ânimo.
Como afirmava Welzel, “trata-se, pois, de elementos subjetivos do injusto que fundamentam ou reforçam o juízo de desvalor social do fato”.
 2.2.4. Especiais motivos de agir. 
Por último, merece destacar que os motivos de agir, regra geral, constituem elemento subjetivo especial do tipo ou do injusto. Pertencem também, a nosso juízo, ao tipo subjetivo esses motivos, e, especialmente, por que, como afirmava Maurach, nem sempre seja clara a diferença entre motivos e intenções: o motivo impulsiona, a intenção atrai. A verdade é que os motivos têm caracteres anímicos e impulsionam as realizações de condutas, como, por exemplo, motivo torpe, motivo fútil,
3. Erro de tipo. 
Erro de tipo é aquele que recai sobre circunstância elementar da descrição típica. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento constitutivo do crime. O erro de tipo essencial sempre exclui o dolo, permitindo, quando for o caso, a punição pelo crime culposo, uma vez que a culpabilidade permanece intacta. O erro de tipo inevitável exclui a tipicidade não por falta do tipo objetivo, mas por carência do tipo subjetivo.
4. Princípios da adequação social e da insignificância. 
4.1. Princípio da adequação social. 
Segundo Stratenwerth, “é incompatível criminalizar uma conduta só porque se opõe à concepção da maioria ou ao padrão médio de comportamento”. As consequências da chamada “adequação social”, contudo, não encontraram ainda o seu porto seguro. Discute-se se afastaria a tipicidade ou simplesmente eliminaria a antijuridicidade de determinadas condutas típicas.
4.2. Princípio da insignificância.
Segundo esse princípio, é necessária uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Frequentemente, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material, por não produzirem uma ofensa significativa ao bem jurídico tutelado. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. A insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem jurídico atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida. Por razões como essa, parece-nos inadequado afastar, a priori, a admissibilidade do reconhecimento da insignificância tão somente em razão da natureza do bem jurídico tutelado, como sustentam algumas decisões jurisprudenciais. Sugerimos, até por equidade e política criminal democrática, que o exame casuístico nunca deve ser desprezado.

Continue navegando