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Linguística e ensino de línguas - LOBATO 2015

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1. o QUE O PROFESSOR DA EDUCAÇÃO 
BÁSICA DEVE SABER DE LINGUÍSTICA^ 
Lúcia Maria Pinheiro Lobato 
1 Palestra proferida em 13 de dezembro de 2003, em que a autora integrou a mesa-redonda 
intitulada 4/./ngu/sf/coeo Professor de fm/noeds/co, realizada na 2" Reunião Regional da Sociedade 
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Fortaleza - CE. 
. • • . 1 . M . ^5 V - 1 , 1 . 
l > 1 / ' I i ' I 
1' ' 't ( 
" ' I 1 , I " < -
'l , * 1 í ' ' • 
Introdução , , 
o objetivo deste trabalho é refletir sobre a interface da linguística com a 
Educação Básica. . , 
É ponto pacífico que um dos legados da linguística de grande utilida-
de para o contexto escolar é a visão não-preconceituosa sobre línguas e 
variedades de línguas. Esse foi um legado da linguística estrutural que se 
consolidou com os desenvolvimentos subsequentes da linguística, sobre-
tudo a sociolinguística variacionista. Essa visão não-preconceituosa derivou 
naturalmente da perspectiva da língua como estrutura, daí que o caráter 
não-normativo da linguística se opôs frontalmente à atitude de preconceito 
linguístico que existia até então. Exemplos de preconceito linguístico são 
o conceito de língua primitiva (i.e., a ideia de que a povos de cultura dita 
'primitiva' correspondem línguas igualmente 'primitivas'), a valoração de 
certas variedades de língua ou registros de língua em detrimento de outras 
variedades e registros, e assim por diante. Acho que ninguém hoje contestaria 
que o estudante que vai ser professor de ensino básico deve receber uma 
formação que o torne isento de preconceitos ou, pelo menos, o sensibilize 
contra preconceitos linguísticos e o norteie para saber como reagir diante 
de situações de variação dialetal dentro de sua sala de aula. 
Mas não é sobre esse tipo de fato que quero me deter hoje. Quero 
me concentrar numa outra questão - a questão de ser, ou não, necessário 
16 LINGUISTICA E ENSINO DE LiNGUAS 
que o professor de ensino básico tome conhecimento do conteúdo de 
certas análises linguísticas mais recentes e de maior consenso, e seja infor-
mado sobre questões linguísticas gerais, como, por exempto, diferentes 
concepções de linguagem. Em palavras mais gerais: O que o professor 
de ensino básico tem de saber e o que não precisa saber sobre análises 
linguísticas específicas e sobre questões gerais em debate? 
Trazer esse tipo de questão para debate se justifica por duas razões. 
De um lado, porque há uma grande defasagem entre o conhecimento 
sobre estrutura linguística acumulado nas Universidades, nos centros de 
pesquisa, e o conhecimento gramatical veiculado nas gramáticas escolares. 
De outro lado, porque qualquer exigência sobre conteúdo a ser introduzida 
na formação dos professores tem de ser muito bem medida, a fim de que 
não se queira transformar em linguista todo professor de língua do ensino 
básico. Meu objetivo aqui é apresentar o problema, esperando que suscite 
discussões. Acho que essa questão é real e tem de ser debatida num fórum 
amplo, a fim de que qualquer mudança seja fruto de um consenso. Isso é 
necessário porque a mudança no modo como se trata língua e gramática 
seria total, caso viesse a ser colocada em prática, nos moldes como estou 
pensando que deveria ser. 
O que é Gramática? :•...;„ fy:-fiTn=q M^uni ,:n:,„ 
Inicialmente, por uma questão de clareza, é preciso distinguir dois con-
ceitos de gramática. r> 1: r--
Num certo sentido, gramática é algo estático - é um conjunto de 
descrições a respeito de uma língua. É nesse sentido que a palavra é usada 
quando dizemos 'a gramática do Celso Cunha', 'a gramática do Rocha^ 
Lima'. Cada uma dessas gramáticas tem suas propriedades específicas. 
A de Rocha Lima é tida em geral como a mais normativa das três. A de 
Celso Cunha já é não-normativa, mas compartilha com a de Rocha Lima o 
o QUE o PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA DEVE SABER DE LINGUISTICA | 17 
caráter taxionômico, porque arrola fatos e regras de estrutura linguística. 
Um exemplo disso é o capítulo dessas gramáticas sobre conjunções e tipos 
de orações. São apresentadas uma lista de conjunções coordenativas e 
subordinativas e uma lista de orações coordenadas e subordinadas. De 
qualquer modo, gramática nesse sentido é um compêndio com descrições 
de uma língua. 'r.'= ..-.•••Í.. c-)iii('< • -/-^.iov •.-:•< o 
Num outro sentido, gramática tem caráter dinâmico e corresponde a 
um construto mental, que cada membro da espécie humana desenvolve, 
desde que exposto a dados da língua em questão, já que se trata aqui 
de gramática de uma língua. Na minha fala vou restringir esse construto 
mais ainda — vou tratar mais especificamente de gramática da língua 
materna. Quando se começa a refletir sobre fatos de língua, fica claro que 
os seres humanos nascem com uma estrutura mental organizada de tal 
modo que torna a aquisição de língua algo inevitável, inexorável. Podemos 
chamar essa estrutura mental inata de diferentes nomes. Muitos usam 
as expressões gramática universal, faculdade de linguagem ou dispositivo 
de aquisição de língua.^ É em virtude dessa gramática universal, dessa 
faculdade de linguagem, desse dispositivo de aquisição de língua, que 
todo membro da espécie humana é capaz de adquirir uma língua, sem 
qualquer ensino, bastando para tanto a experiência do contato com a 
língua nos primeiros anos de vida. Por mais que fiquem em contato com 
falantes de uma língua natural e sejam treinados para falar, papagaios 
e chimpanzés nunca chegarão a desenvolver uma gramática de língua 
natural com sua propriedade mais característica, a criatividade. A criati-
vidade vem naturalmente com a aquisição da língua: a criança se torna 
capaz de produzir e entender enunciados inteiramente novos, que nunca 
2 As expressões são empregadas sob a ótica gerativista. Como referência adicional, pode-se citar 
a obra seminaMspecfs ofthe Theory ofSyntax (CHOMSKY, 1965), e Knowledge ofLanguage:Its nature, 
origin and use (CHOMKSY, 1986), esta última fundadora do modelo de Princípios e Parâmetros. 
Para uma sistematização dos fundamentos epistemológicos, indicamos a obra traduzida para o 
português Wovos Horizontes no Estudo da Linguagem e da Mente (CHOMSKY, trad. 2006). Para uma 
abordagem didática, indicamos o Novo IVIanual de Sintaxe (MIOTO etalii, 2013). [Nota das editoras] 
18 I LINGUÍSTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
tinha produzido ou ouvido antes. Uma dada língua, qualquer que seja ela, 
é uma manifestação da gramática universal, da faculdade de linguagem. 
A explicação para o uso criativo que os falantes/ouvintes fazem de sua 
língua só pode estar em propriedades da estrutura mental inata que 
chamamos de faculdade de linguagem. Papagaios e chimpanzés nunca 
chegarão a desenvolver uma gramática de língua natural, e, em conse-
quência, a aprender uma língua natural, porque lhes falta a faculdade 
de linguagem. Em termos mais concretos, falta-lhes a estrutura mental 
inata relativa à linguagem. Ao linguista teórico cabe a tarefa de analisar 
línguas de modo comparativo, a fim de poder fornecer uma explicação 
das propriedades da gramática universal e do fato de haver variação 
entre as línguas. Nesse momento, não é isso o que me interessa. O que 
me interessa é o fato de haver, para todos nós que adquirimos uma 
língua, uma gramática internalizada, que compartilha propriedades da 
gramática universal, mas que tem também propriedades específicas. 
Gramática, nessa nova percepção, é algo dinâmico capaz de explicar a 
criatividade, típica das línguas naturais, e intemo, pois corresponde ao 
desenvolvimento biológico de uma faculdade mental, a faculdade de 
linguagem (às vezes também chamada de gramática universal), vista 
aqui como um órgão do cérebro. 
Em resumo, existem pelo menos dois conceitos de gramática -
segundo um deles, gramática é algo estático, externoao indivíduo e 
taxionômico; segundo o outro, gramática é algo dinâmico, interno ao 
indivíduo e com propriedades que explicam o caráter criativo do uso 
das línguas naturais. '-o --.r t- •f::-ibi,-:;i-t nm Í^ÍUÂAJ 
No meu modo de ver as coisas, é fundamental que o professor de 
língua perceba essa diferença e trabalhe em sala de aula com gramática 
nessa última acepção - como algo dinâmico, interno ao indivíduo e com 
propriedades explicativas do caráter criativo do uso das línguas naturais. 
o QUE o PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BASICA DEVE SABER DE LINGUÍSTICA | 19 
A escola como agente elícíador da aquisição de 
novos estágios de conhecimento da língua 
Se adotamos o conceito de gramática como algo dinâmico, interno ao 
indivíduo e dotado de propriedades que explicam a característica criativa 
das línguas naturais, vemos que o aluno, de qualquer série, já chega em 
sala de aula com uma gramática adquirida, e com propriedades tais que 
lhe permitem o uso criativo da língua. A escola não vai, portanto, ensinar 
gramática ao aluno, pois o aluno já chega com uma gramática adquirida. 
O que, exatamente, vai ser ensinado ao aluno? O que pode o aluno ainda 
adquirir? Enfim, em sentido mais amplo, como pode essa nova percepção 
do que seja gramática levara renovação do ensino de língua? 
O processo de aquisição de uma língua é algo que acontece com a 
criança, e não algo que a criança faz ou algo que fazem com ela. Como eu 
disse, nesse processo desenvolve-se no cérebro da criança uma entidade 
biológica que faz parte do seu legado genético - a gramática universal 
-, de acordo com propriedades específicas dos dados linguísticos a que 
ela ficou exposta. O processo de aquisição de língua natural corresponde, 
então, ao desenvolvimento de uma gramática particular, tendo como pano 
de fundo a gramática universal, mas a partir da exposição a dados de uma 
dada língua. Assim, uma criança nascida em São Paulo, mas em contato 
com dados do japonês, vai adquirir a gramática do japonês, e uma criança 
nascida na mesma cidade, mas em contato com dados do português do 
Brasil, vai adquirira gramática do português do Brasil. > . n^wsc 
O primeiro ponto que quero salientar aqui, a esse respeito, é que a 
criança adquire a gramática de sua língua sem ensino. Ela própria é dotada 
de um dispositivo de aquisição de língua, que permite o desenvolvimento 
da gramática da língua, em seu cérebro, a partir da faculdade de lingua-
gem e da exposição aos dados da língua. Por que não fazer o mesmo 
no ensino de língua? Aceitando essa postura, a escola tem de adotar a 
mesma metodologia do dispositivo de aquisição de língua: a mente do 
20 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS > 
aluno simplesmente desenvolve os novos processos, a partir da expo-
sição a dados que manifestam esses processos. Vou então concluir que 
a primeira propriedade do ensino de língua materna segundo as novas 
diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais deve ser a adoção do 
procedimento de descoberta. Isto é, em vez de ser taxionômico, o ensino 
deve levará descoberta. b • ^ s ^ : 
Uma segunda característica desse ensino deve ser a adoção da 
metodologia de eliciação. Na verdade, em princípio o aluno adquiriria 
toda a informação que se possa imaginar por ele próprio, sem precisar de 
eliciação. Isto é, o procedimento de descoberta a partir do contato com 
dados da língua é muito poderoso e tem grande amplitude. Basta pensar 
em tudo o que Aristóteles descobriu, partindo somente da sua intuição. 
O problema de se usar o procedimento de descoberta, sem auxílio de 
metodologia adicional, é que o processo seria muito lento. É preciso, 
portanto, que seja usada também uma metodologia de eliciação, ou seja, 
uma metodologia que direcione o aluno a tirar conclusões e desenvolver 
seu conhecimento sobre a língua.^ Consideremos a questão da estrutura-
ção das orações e dos períodos. No caso das orações chamadas causais 
e explicativas, para ganhar tempo, é preciso que seja preparado material 
didático bem direcionado, para que o próprio aluno tire suas conclusões 
a respeito das distinções que a língua faz, em contraste com as distinções 
que a gramática taxionômica propõe. 
Finalmente, uma terceira característica do ensino gramatical é que 
deve usar uma técnica de resultados. Existe nas línguas uma relação entre 
forma e conteúdo, de tal modo que variações de forma levam a diferenças 
no conteúdo. A técnica de resultados consistiria em trabalhar com estru-
3 O seguinte trecho dos Parâmetros Curriculares Nacionais evidencia a preocupação com a falsa 
ideia de que o aprendiz constrói o conhecimento de forma espontaneísta, e ressalta o importante 
papel de mediador do professor: Para que essa mediação [entre os elementos da tríade aluno, objeto 
de conhec\mer\to,eensmo] aconteça, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades 
didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno (Brasil, 
2000, p. 29). [Nota das editoras] 
o QUE o PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BASICA DEVE SABER DE LINGUISTICA 1 21 
turas dando ênfase ao fato de que a cada estrutura (quer morfológica, 
quer sintática, e levando em conta o fator prosódico) corresponde um 
certo resultado semântico. Com a técnica de resultados, o aluno verifica 
por si próprio que o ensino gramatical tem uma razão de ser, pois percebe 
que sentido obtém com tal ou qual estrutura. Ele então se dá conta de 
que esse tipo de estudo contribui para o seu domínio de estruturas e, em 
consequência, para o seu domínio do texto - que estruturas escolher, de 
acordo com o significado que quer obter. , 
O grande desafio 
Os Parâmetros Curriculares Nacionais decretaram o fim do ensino gramatical 
tal qual é praticado atualmente no Brasil. No entanto, isso não significa 
uma eliminação do ensino gramatical." A visão de gramática no ensino 
gramatical atual é errónea, e é preciso, sim, a presença da gramática no 
ensino, mas sob uma nova percepção. Caso se aceite essa posição, tem 
de haver uma difusão geral dessa mudança de perspectiva sobre o que 
se entende por gramática e ensino gramatical. Isto é, cada professor de 
ensino fundamental e médio tem de assimilar o conceito de gramática 
como entidade biológica. Tem de haver também, em consequência, 
uma mudança do conteúdo programático de cada nível escolar, e uma 
preparação do corpo docente de cada nível escolar para essa mudança. 
4 Essa posição, em defesa da reformulação do ensino de gramática, está colocada de forma 
bastante clara no texto dos PCNs: [A gramática], ensinada de forma descontextualizada, tornou-se 
emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar 
de ano - uma prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação, 
exercícios de reconhecimento e memorização de nomenclatura. Em função disso, tem-se discutido se 
há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira 
é para que e como ensiná-la (Brasil, 2000, p. 39, grifos nossos). Note-se, porém, que os PCNs não 
avançam em relação a uma justificativa teórica para esse questionamento. Diferentemente, em 
Lobato, existe um fundamento epistemológico e teórico na formulação do conceito de língua 
e gramática, o qual deve orientar as decisões relativas à metodologia proposta para o ensino de 
língua. [Nota das editoras] 
22 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
É evidente que acho que essa difusão do conceito de gramática 
biológica e essa mudança de conteúdo programático são necessárias. Acho, 
mais ainda, que cabe à Universidade formar o novo professor de língua, 
um professor capaz de incorporar nas suas aulas os novos conhecimentos 
da linguística teórica. Esse é o nosso grande desafio: formar professores 
capazes de renovar o ensino de língua,à luz da teoria gramatical moder-
na. Isso significa que temos de redirecionar, também na Universidade, o 
modo como damos aula de língua materna. Nessa tarefa, a meu ver, na 
Universidade terá de haver um trabalho conjunto entre os docentes de 
linguística e docentes de língua, para não haver duplicidade de conteúdo. 
Qualquer que seja a partição de tarefas, certos fenómenos têm de ser 
estudados e difundidos sistematicamente. 
É preciso, antes de tudo, que os nossos alunos aprendam a fazer 
demonstrações empíricas de que existe a faculdade de linguagem. Qualquer 
fenómeno linguístico pode servir de tema para a demonstração. Pode-
se escolher uma classe de palavras (substantivos, por exemplo), ou uma 
forma verbal (imperativo, por exemplo), ou um fenómeno morfossintático 
(concordância, por exemplo), ou uma construção sintática (interrogativas 
com uso de pronome interrogativo, por exemplo). Qualquer fenómeno 
serve, porque para qualquer um existem exceções, e as exceções podem 
ser usadas na construção de uma argumentação com base na pobreza 
do estímulo: como a criança chega a dominar o uso do fenómeno em 
questão, apesar das exceções, se não houve ensino a respeito? Nesse tipo 
de argumentação, a conclusão inevitável é que existe uma faculdade de 
linguagem guiando a geração de expressões linguísticas. Isso porque, caso 
a criança adquirisse a língua por imitação ou analogia, não conseguiria 
evitar a geração dos casos de construção agramatical que têm relação 
analógica com os casos gramaticais. Ela não conseguiria evitar, pois faria 
uma generalização indutiva a partir dos casos gramaticais. Como os casos 
agramaticais não são gerados, sabemos que há algo a mais, que não o 
processo de indução, guiando o processo de aquisição de língua. 
o QUE o PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BASICA DEVE SABER DE LINGUISTICA ] 23 
Para dar mais concretude à discussão, consideremos o par de frases 
abaixo: 
1 (1) João acha que ele fala russo fluentemente. 
' (2) Ele acha que João fala russo fluentemente. 
Todos os falantes atribuem duas interpretações a 'ele' em (1): ou 'ele' 
tem como antecedente 'João', ou se refere a uma pessoa não identificada 
na frase. Isto é, 'ele' pode ter referência dependente da referência de 'João', 
ou pode ter referência livre. Em (2), no entanto, 'ele' só aceita a interpre-
tação de referência livre. Ora, há uma interpretação para o pronome 'ele' 
em (1) que deixa de existir em (2). Caso as crianças adquirissem a língua 
por analogia, deveriam, por analogia de (2) com (1) atribuir a 'ele' duas 
interpretações em (2), exatamente como fazem em (1). Mas não o fazem. 
E não o fazem sem, no entanto, receber instrução a esse respeito. Além do 
mais, esse tipo de fato não é específico ao português. Outras línguas fazem 
precisamente a mesma distinção. Tudo leva a crer, portanto, que estamos 
diante de um fenómeno que decorre da existência de uma faculdade de 
linguagem. A necessidade de os alunos aprenderem a fazer esse tipo 
de argumentação é real, pois só se os nossos alunos se derem conta de 
que existe, de fato, a faculdade de linguagem, poderão se envolver com 
convicção num projeto de renovação do ensino. 
Os fatos de língua a serem examinados sob um novo prisma são inú-
meros, e cito três. O primeiro é a questão das relações gramaticais. Noções 
como sujeito e predicado, complemento e adjunto têm sido muito estuda-
das, e seria salutar ter material didático que incorporasse o conhecimento 
recente sobre esses temas. Não tenho como me alongar sobre cada item 
aqui. Aponto, brevemente, o fato de os conceitos de sujeito e objeto serem 
universais, mas resistirem a uma definição que cubra suas características 
nas diferentes línguas. Por isso, apesar de integrarem a gramática universal, 
têm de ser caracterizados na gramática particular. Sobre os conceitos de 
24 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
argumento e adjunto, a literatura recente é rica e variada, e tem o que 
contribuir para uma explicação mais didática desses conceitos. O segundo 
tema que cito é o das classes de verbos. Vamos continuar falando de verbos 
transitivos e intransitivos, quando já se sabe que existem aí, na verdade, 
três, e não duas classes? Isso porque os intransitivos correspondem a duas 
classes, a dos inergativos e a dos inacusativos. O terceiro fato que enumero 
é a classificação das orações. Muito já se sabe sobre os tipos oracionais, 
além da classificação tradicional, e vale a pena rever essa questão. 
Finalmente, é preciso mudar a postura diante das análises linguísticas. 
No caso de questões em aberto, é preciso abrir o jogo mostrando que 
não se tem ainda uma resposta. Estaremos assim adotando uma postura 
científica, e isso é muito bom. 
Estou fazendo essas considerações a respeito do ensino superior, e 
tomando por verdadeiro que a mudança deve ocorrer a partir da Universi-
dade. Para o ensino básico, acho que a mudança total vai ocorrer paulatina-
mente, à medida em que entrarem para o corpo docente professores que 
incorporaram as novas aquisições da linguística. De qualquer modo, acho 
que a mudança metodológica tem de ser imediata: em vez de se partir 
de definições, partir de dados empíricos, com adoção do procedimento 
de descoberta, da metodologia de eliciação e da técnica dos resultados. 
A questão, para o ensino fundamental e médio, é que a renovação em 
maior profundidade vai depender de uma atualização do corpo docente. 
Esse é um fato a ser aceito. No entanto, essa é somente uma tarefa a mais, 
parte do desafio geral. . {.-:•=*''•, 
~À > •'n >t(i. , ' . • t ' i oi , i>t'","i) 
Por que não abandonar totalmente 
o material gramatical? - ^ 
Defendi que o ensino gramatical taxionômico tem de ser abandonado, 
mas que o ensino gramatical tem de permanecer, só que sob uma nova 
o QUE o PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BASICA DEVE SABER DE LINGUISTICA 1 25 
perspectiva do que seja gramática, e, em decorrência, com novos mé-
todos didáticos. 
Vou concluir mostrando algumas razões para não se abandonar total-
mente o ensino gramatical na escola. A primeira razão é o fato de ao texto 
e às atividades discursivas em geral subjazer a mesma gramática abstrata 
que subjaz às palavras, aos sintagmas, às orações e às frases. Não pode 
ser diferente, pois, se assim o fosse, a mente humana estaria operando 
de modo antieconômico, com princípios de tipo diferente para domínios 
diferentes do mesmo objeto. O natural é considerar que, para o mesmo 
objeto, são usados os mesmos princípios abstratos. No texto, são usados 
princípios que extrapolam o limite da sentença, mas, certamente, não são 
de natureza diferente dos princípios do limite da sentença. A diferença, 
a meu ver, está nas unidades com que a gramática opera num e noutro 
domínio, e não na natureza dos princípios. - -
Em segundo lugar, considero que não se deve abandonar totalmente 
o material gramatical porque a explicitação dos mecanismos de que as 
línguas fazem uso e de seu efeito semântico ajuda o aluno a ganhar tempo 
no seu processo de domínio das técnicas do texto e das atividades discur-
sivas em geral. A escrita, por exemplo, tem características muito peculiares, 
e aceita estruturas complexas muito mais facilmente do que a fala, por 
estar livre das limitações de memória que caracterizam o discurso oral. 
Não vejo como seria possível ter um ensino produtivo sem explicitação 
de mecanismos estruturais. 
A terceira razão é que, se usado adequadamente o método proposto 
- uso do procedimento de descoberta, da metodologia de eliciação e da 
técnica dos resultados -, o aluno vai chegar por si próprio à conclusão 
de que existe uma faculdade de linguagem e de que ele próprio tem 
uma gramática interna, biológica. A visão de língua do aluno certamente 
mudará. Além disso, o ensino estará contribuindo para que cada aluno 
conheça um pouco maisda natureza humana. 
26 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
Casos de Divergência entre Análises 
Tradicionais e Análises Recentes 
Vou examinar três casos de divergência entre análises da Gramática 
Tradicional e análises mais recentes da Linguística. 
Casos de Erro de Análise 
O primeiro caso que vou apresentar é de erro de análise. Um caso exemplar 
é a análise do argumento sentenciai que ocorre com o verbo parecer, em 
frases como (3): 
(3) a. Parece que João é inteligente, 
b. Parece que vai chover. 
r As orações que ocorrem depois de 'parece' em (3) - que João é 
inteligente, que vai chover - são tratadas como subjetivas pela Gramática 
Tradicional e como objetivas diretas pelas análises linguísticas recentes. 
Há evidências de que essas orações são efetivamente objeto direto, e não 
sujeito. Uma dessas evidências é o fato de que as frases em (3) aparecem 
com um sujeito pronominal manisfesto em línguas que não têm sujeito 
pronominal nulo, como se vê em (4): , .-• 
(4) a. llsemblequeJeanestintelligent. . , 
It seems that John is intelligent. 
. ' b. II semble qu'il va pleuvoir. 
It seems that it is going to rain. 
Uma outra evidência é o fato de a posição vazia antes de 'parece' (a 
posição que é ocupada por // em francês e it no inglês) poder ser ocupada 
O QUE O PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA DEVE SABER DE LINGUISTICA | 27 
pelo sujeito manifesto da oração que segue parecer, como se vê nos pares 
em (5): 
(5) a. João parece ser inteligente. 
b. Essa manteiga parece estar rançosa. 
c. Esse gato parece estar miando rouco. 
Uma terceira evidência é o fato de que, nesse tipo de exemplo em 
(5), o sujeito de 'parece' nos exemplos abaixo é sujeito sintático desse 
verbo, mas não é um argumento semântico do mesmo verbo - é, antes, 
um argumento semântico do predicado à direita de 'parece' (argumento 
de 'ser inteligente' em (6a), de 'estar rançosa' em (6b) e de 'estar miando 
rouco' em (6c): 
(6) a. João parece [ ser inteligente]. 
• : b. Essa manteiga parece [ estar rançosa]. 
c. Esse gato parece [ estar miando rouco]. 
Se essa análise está correta (como já concluíram todos os linguistas 
que sobre ela se debruçaram), a análise tradicional que é passada ano após 
ano aos alunos está errada. Sobre esse tipo de caso, eu própria não tenho 
dúvida: tem de haver uma mudança nas nossas gramáticas escolares, para 
incorporar essa nova análise. 
Casos de Análises Aprofundadas ' 
Um caso diferente é o de análises que a linguística aprofundou. Nesse 
caso, está a divisão da Gramática Tradicional dos verbos principais em dois 
grandes grupos - transitivos e intransitivos. Segundo a análise linguística, 
em vez de uma divisão bipartite, temos uma divisão tripartite. Isso porque 
28 I LINGUÍSTICA E ENSINO DE LlNGUAS ' •; ' . 
OS verbos intransitivos são subdivididos em dois grupos - verbos inacu-
sativos e verbos inergativos. Em que consiste a diferença entre a visão 
tradicional e a visão mais recente? Que argumentos temos para dizer que 
há uma divisão tripartite e não bipartite? 
Primeiramente, consideremos o critério que a Gramática Tradicional 
usa para chegar a uma divisão bipartite. O critério é o número de argu-
mentos: um verbo transitivo tem dois argumentos (sujeito e complemento) 
e um intransitivo tem um único argumento (sujeito). O que a pesquisa 
recente identificou foi que, no caso de verbos intransitivos, o único argu-
mento que ocorre, e que sinteticamente é o sujeito, para certos verbos 
tem correspondência com o sujeito de verbos transitivos e para outros 
verbos tem correspondência com o objeto de verbos transitivos. Isso fica 
claro com alguns exemplos. Vamos considerar o uso de orações reduzidas 
de particípio. Se tentamos construir uma reduzida com verbo transitivo, 
vemos que só o objeto pode estar presente, como em (7): 
(7) a. Maria lavou a louça, 
b. Lavada a louça,... 
iiiiúrú' c. *Lavada Maria,... eí'-;.• v-':.tí;-n':' ->í:.-''> :>-t • 
Em (7c), só conseguimos interpretar Mar/a como o objeto e a oração 
é agramatical exatamente porque nesse exemplo o sintagma Maria está 
sendo interpretado como sujeito. Passando para o exame de verbos intran-
sitivos, vemos que o argumento desses verbos se comporta efetivamente 
ora como o objeto de verbos transitivos, como os verbos de (8)-(10), e ora 
como o sujeito de verbos transitivos, como os verbos de (11)-(13): 3 
(8) a. O bebé nasceu. , , . 
b. Nascido o bebé,... 
o QUE O PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÃSICA DEVE SABER DE LINGUÍSTICA 29 
i- í •! (9) a. Marisa morreu. 
' ' b. Morta Marisa,... ' ' ^ MÍ 
(10) a. A semente germinou. 
b. Germinada a semente,... 
(11) a. O bebé soluçou. 
: b.*Soluçadoo bebé,... :^'vC 
\ (12) a. O trem apitou. ; y : « • j't?^t ; :i ;í 
'i'-';;;) b. ^Apitado o trem,... rA..i-'k.rq:, '-JOÍ 
V->• (13) a. Luiza sorriu. • <..:.:,. -
loM'-•: b. *Sorrida Luiza,... -^OV.Í^ÍI/O f ,i ; n •..:;r p tj 
Para distinguir esses dois comportamentos, os verbos de (8)-(10) 
recebem uma denominação diferente da dos verbos em (n)-(13): os verbos 
de (8)-(10) são denominados inacusativos e os de (11)-(13), inergativos. . 
Sobre esse tipo de caso, já não é tão óbvio que as nossas gramáti-
cas escolares tenham de incorporá-lo. Aqui a coisa fica um pouco mais 
complicada porque os fatos já são mais complexos. Mas há problemas 
na não-incorporação. Primeiro, está cada vez mais em uso essa distinção, 
de modo que quem não a conhecer vai ter dificuldade no entendimento 
de estudos linguísticos (e não estou falando de estudos escritos em ou-
tras línguas ou estudos sobre línguas exóticas, ou, ainda, estudos muito 
especializados). Segundo, vai haver um momento em que a educação 
escolar sobre língua vai ter de introduzir esses conceitos. No momento, 
são introduzidos nas Universidades, pelo menos nos centros onde se 
faz pesquisa, de modo que muitos alunos atuais, futuros professores de 
ensino básico, já têm esse conhecimento. Até que ponto está correta essa 
omissão de informação? A questão pode ser resumida do seguinte modo: 
30 I LINGUISTICA E ENSINO DÊ LlNGUAS 
De um certo ponto de vista, omitir essa informação é sonegar informação. 
De outro ponto de vista, dar essa informação pode ser considerado fazer 
análise linguística, além dos propósitos do ensino escolar. 
Casos de Análises Confusas 
O último caso que vou considerar é o de análises tradicionais que têm dado 
muita margem a discussão exatamente por falta de exatidão e clareza. 
Situa-se aí a distinção entre orações causais e explicativas. Poderíamos levar 
todo um dia discutindo essa distinção, sem chegarmos a uma conclusão. 
Para esse tipo de caso, como vai ser necessária uma revisão da análise 
tradicional, mas acho que ainda vai levar algum tempo antes de termos 
chegado a uma publicação que deixe clara a distinção, o melhor que o 
professor pode fazer é deixar uma certa distância entre ele próprio e a 
Gramática Tradicional. Isto é, o professor não deve se comprometer com 
a análise tradicional: deve apontar a análise tradicional e deixar clara a 
confusão que a ela subjaz. .yuí^is • ''^^ .••:''\':*'Í: -y-i • H ; 
1 / 
I 
1 
3. LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUAS^ 
Lúcia Maria Pinheiro Lobato ; ^ » , . 
1 Palestra proferida no II Encontro Nacional de Estudos de Linguistica e Literatura, em 1976, quando 
a autora era professora do Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de Letras da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
Afirma-se frequentemente que a linguística pode contribuir para a reno-
vação do ensino de línguas. Neste artigo, trataremos dessa questão, com 
relação exclusivamente ao ensino de língua materna, através de uma breve 
análise dos seguintes pontos: 
(i) De que modo e até onde pode a linguística contribuir para a tarefa 
' •:•:'•!') do aluno e do professor na pedagogiadas línguas? v; -;., o; 
(il) Entre os modelos linguísticos existentes atualmente, haveria 
algum cuja aplicação ajudaria a resolver os problemas do ensino 
'^^: / e da aprendizagem de línguas? 
(iii) Considerações sociolinguísticas na renovação do ensino de 
línguas. 
(iv) Possibilidades reais de renovação gramatical no Brasil à luz dos 
^•'Y::}':>-v desenvolvimentos recentes da linguística. 
Contribuição da linguística para o ensino de línguas 
Entre os campos de aplicação linguística, encontra-se o ensino de línguas. 
Pressupõe-se, daí, que a linguística contribui (ou pelo menos pode con-
44 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
tribuir) de algum modo para a realização dos objetivos do ensino de uma 
língua viva. Mas em que consiste essa contribuição e quais os seus limites? 
Consiste, primariamente, na elaboração de uma análise rigorosa da língua 
em questão, a qual servirá de base para o ensino, sem, no entanto, tomar o 
lugar de um manual preparado com fins pedagógicos. Em outras palavras, 
trata-se de uma contribuição indireta, que não pode servir de texto para 
uso em aula de língua, podendo, entretanto, servir de fundamento para 
a elaboração de tal manual. 
Essa é a contribuição da linguística teórica ao ensino de línguas e, ao 
mesmo tempo, a aplicação primária da teoria linguística, nesse campo. 
A que corresponde a contribuição da linguística aplicada propriamente 
dita? Antes de se dar uma resposta a essa pergunta, faz-se mister precisar 
que o linguista aplicado (aquele que aplica a linguística a um campo 
determinado, no caso, o ensino de línguas) tem um estatuto intermedi-
ário e dependente no processo geral do ensino de línguas. Isto é, nessa 
operação total intervêm várias autoridades, do governo até o professor, 
passando pelas autoridades educacionais regionais e locais, pelos diretores 
de faculdades e de escolas e pelos linguistas aplicados. Logo, as tarefas 
relativas ao ensino acham-se divididas entre essas várias autoridades. Ao 
linguista aplicado não cabe, então, por exemplo, decidir sobre que línguas 
serão ensinadas nem sobre quem ensinará, onde serão ensinadas, que 
verbas serão dedicadas ao treinamento de professores ou à obtenção e 
elaboração de material escolar, nem ainda por que serão elas ensinadas. 
Mas cabe a ele encontrar as melhores soluções possíveis para os problemas 
de sua alçada, como, por exemplo, o que ensinar e como organizar esse 
ensino. A esse respeito, será sua tarefa organizar a análise da língua para 
uso em sala, de preferência com a ajuda de professores e pedagogos. Essa 
tarefa de análise com fins pedagógicos processar-se-á em várias etapas, 
compreendendo a restrição da língua a um dado dialeto e a um ou mais 
registros, a seleção dos fatos linguísticos a serem ensinados, a gradação 
desse material selecionado para fins de ensino. 
LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 1 45 
Uma outra aplicação da linguística ao ensino reside na organização 
em material escolar do que foi selecionado. Aqui, estamos num nível 
diferente de aplicação, pois, embora a linguística forneça princípios para 
a descrição e a seleção do que vai ser ensinado, ela não oferece princípios 
para sua organização em material didático. É a esse respeito que surge 
a questão de como apresentar os fatos da língua ao estudante. Aqui, a 
tarefa do linguista aplicado é a de um auxiliar do professor, daqueles que 
treinam professores, e do autor de livros didáticos. Isso porque, em princípio, 
dizer como a língua deve ser ensinada é tarefa precípua dos professores e 
daqueles que treinam professores, e escrever livros didáticos sobre línguas 
é uma atividade especializada que só pode concernir em parte ao linguista. 
Modelos linguísticos e ensino de línguas 
A pesquisa sobre o aproveitamento do material selecionado em forma 
de material escolar, isto é, sobre a criação de gramáticas pedagógicas, 
tem sido feita sob a forma de discussão sobre a relação entre os modelos 
linguísticos e as descrições pedagógicas, de um lado, e sob a forma de 
estudos experimentais dos métodos de ensino, por outro. Vamos aqui 
dizer algumas palavras sobre a aplicabilidade dos modelos linguísticos 
ao ensino de língua materna. 
A existência de um modelo linguístico que seja aplicável ao ensino 
de línguas está na dependência direta do fato de esse modelo satisfazer 
o primeiro objetivo do ensino de uma língua viva. Admitido o fato de que 
esse objetivo seja capacitar os falantes a usarem a língua de modo eficaz 
e adequado, esse modelo teria, então, ao mesmo tempo, de possuir, entre 
outras, as seguintes características: , 
(i) Levar em conta o contexto linguístico e a situação extralinguística, 
o que quer dizer que, de um lado, esse modelo não poderia se 
46 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
limitar ao nível da frase, tendo de ir até ao nível do texto ou do 
u diálogo, e, de outro, teria de dar conta do uso apropriado dos 
enunciados, numa dada situação de comunicação, de acordo 
com os objetivos visados, com o tema da conversa, com o canal 
de transmissão utilizado etc; 
(il) Tomar em consideração não só a função referencial da linguagem 
como também as funções emotiva, conativa, fática, metalinguística 
e poética;^ , 
(iii) Ser um modelo que dê conta das variações da língua, sejam essas 
dialetais, sejam de registro. 
Essa condição imposta ao modelo decorre dos seguintes fatos: 
(i) Possuir uma língua não significa exclusivamente ser capaz de 
construir e compreender frases gramaticais: significa saber utilizar 
essas frases num dado contexto linguístico e numa dada situação 
' linguística apropriada; 
(ii) Comunicar-se com outrem não é exclusivamente transmitir ou 
pedir informações sobre objetos ou acontecimentos dados (função 
referencial): comunicar é também transmitir emoções, senti-
mentos, julgamentos (função emotiva), é usar a língua para agir 
- ' sobre o destinatário (função conativa), para atrair a atenção do 
interlocutor, para verificar se o canal de comunicação funciona 
(função fática), para verificar se o interlocutor está usando o 
mesmo código (função metalinguística), para procurar dar melhor 
configuração à mensagem (função poética); 
2 A abordagem das funções da linguagem segue o modelo elaborado pelo linguista russo Roman 
Jakobson (1896-1982) (cf. JAKOBSON, 1995). [Nota das editoras] 
LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS ] 47 
(iii) Não existe língua una e homogénea no território em que é fa-
lada: toda língua comporta variações de vários tipos - dialetais 
(sociais, etárias, regionais etc.) e de registro (em função do grau 
í V " de conhecimento entre falante-ouvinte, da modalidade falada-
': -escrita e da formalidade da situação). 
Acontece que, no entanto, não existe até o momento um modelo 
que reúna essas três características, pois os modelos existentes não são 
modelos do emprego da língua, são modelos do sistema da língua, res-
tringindo-se à função referencial, considerando a frase como a unidade 
superior da descrição gramatical e negligenciando as unidades superiores 
à frase, tais como o texto e o diálogo. 
Assim, vejamos: > 'r>;, ' ' .' ,u • • ' 
(i) A gramática tradicional é uma gramática da frase, que negligencia 
i I, ; totalmente a situação de comunicação e apresenta a língua como 
sendo pura e homogénea; ....ÍÍ.V .','H<"'H ••J^>V,:,«Í.-
(ii) O modelo estrutural representa um passo adiante na descrição 
gramatical em relação ao modelo tradicional: a língua deixa de 
•gw • ser considerada como pura e homogénea, para ser compreendida 
; !como um complexo de variantes. No entanto, esse modelo, apesar 
de distinguir entre a langue e a parole,^ exclui da descrição lin-
3 Os conceitos de langue e parole foram formulados originalmente por Ferdinand de Saussure, 
referindo-se, respectivamente, ao sistema linguístico (definido como homogéneo,coletivo e estático) 
e à fala (definida como heterogénea, individual e dinâmica). Conforme observado pela autora, nessa 
dicotomia, Saussure busca demonstrar que a langue é o objeto da linguística (cf. Curso de Linguis-
tica Geral, 1916). Estudos subsequentes, notadamente no âmbito da Sociolinguística, questionam 
essa abordagem, postulando o conceito de heterogeneidade sistemática, em relação ao fenómeno 
da variação linguística, tomando por base os dados da língua em uso. A abordagem gerativa, por 
sua vez, dispensa a dicotomia langue/parole, definindo língua como uma propriedade da espécie 
humana, situada no cérebro/mente de cada indivíduo, o que permite reter a noção de sistema 
estável, postulada por Saussure, sem excluir o papel da língua em uso para dar conta do fenómeno 
da variação e mudança linguística (cf. CHOMSKY, 1986). [Nota das editoras] 
48 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
guística os fatores ligados ao emprego individual da língua como 
instrumento de comunicação numa dada comunidade. Desse 
modo, com a exclusão da fala do âmbito da análise, não se leva 
' em consideração o emprego das diversas variantes linguísticas 
segundo as situações e descreve-se uma variante de língua con-
siderada neutra, homogénea, representativa, comum a todos os 
membros da comunidade. Continua-se a negligenciar, de modo 
geral, as unidades superiores à frase, com algumas exceções. 
(iii) O modelo gerativo também tem a característica de ser um modelo 
da frase, não levando em conta nem o emprego dessas mesmas 
frases em situações de comunicação apropriadas nem o fato de 
a língua não ser una e de comportar variações de diversos tipos. 
É claro que a exclusão, do modelo, de níveis superiores ao da frase 
é perfeitamente explicável: como descrever o que está além do nível da 
frase se o próprio nível da frase ainda está por ser totalmente analisado? 
Como vimos, a aplicabilidade de algum dos modelos existentes ao ensino 
de línguas só existiria se houvesse concordância de objetivos entre ensino 
de línguas e modelo gramatical. Ora, se os modelos existentes visam a dar 
conta dos fatos da língua no nível da frase, negligenciando o emprego 
da língua e o fato de ela comportar variações de diversos tipos, e se, por 
sua vez, o ensino de línguas visa capacitar o indivíduo a se expressar 
apropriadamente, na língua ensinada, nas diversas situações de sua vida 
quotidiana e profissional, não há concordância de objetivos. <• >« • 
O ensino de línguas exige um modelo que analise as relações entre 
frases e, que, portanto, ultrapasse o nível da frase; um modelo que leve 
em conta os fatos sociolinguísticos em jogo no uso da língua. Enfim, uma 
gramática pedagógica tem necessariamente de ser uma gramática da 
pragmática do emprego de uma língua. 
LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 1 49 
Sociolinguística e ensino de línguas IOÍ - * 
Sendo a língua um veículo de comunicação entre os membros de uma dada 
comunidade, é natural que se procure estudá-la em seu contexto social. A 
sociolinguística procura exatamente estudar a língua em seu uso por uma 
dada comunidade linguística. Como o ensino também visa o emprego da 
língua, há necessariamente de se relacionar com a sociolinguística e seus 
princípios ao ensino de línguas, e em consequência, tem-se de levar em 
conta, no ensino de uma língua, a variação linguística no âmbito de uma 
mesma comunidade linguística. O comportamento linguístico varia em 
função de fatores sociais: (a) tipo de relação entre locutor-ouvinte; (b) tipo 
de situação em que se encontram: em família, na escola, no trabalho, na 
igreja etc; (c) o assunto tratado. Em função desses fatores sociais, podem 
ser tratadas as variações no uso da língua, ensinando-se o aluno a distinguir 
os diferentes usos da língua segundo essas determinantes e, sobretudo, 
dando-se meios aos falantes de usar registros que não possuam ainda. 
Por outro lado, a separação do que é constante do que é variável na fala 
da comunidade, e a diferenciação do que é variação social e do que é 
variação individual ou estilística, darão meios ao professor e ao linguista 
de trabalhar conjuntamente na análise dos erros dos alunos, através de 
uma interpretação de tais erros em função da língua padrão da qual eles 
se desviam. Finalmente, é necessário também levar em conta o fato de 
haver, em certas áreas geográficas, contato entre línguas, como acontece 
no sul do Brasil. Deve-se considerar, a esse respeito, no caso de contato 
entre o português e outra língua, o efeito dessa outra língua sobre o 
comportamento linguístico e sociolinguístico dessas comunidades. 
Como há uma convergência entre os interesses dos professores de 
língua, dos linguistas e dos sociolinguistas, é possível que em breve veja-
mos o campo da linguística se alargar para abranger a análise da língua 
como instrumento da comunicação. Numa tarefa conjunta, aos linguistas 
e aos sociolinguistas cabe propor hipóteses e soluções que permitam aos 
50 I LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUAS 
professores resolver da melhor maneira possível os problemas ligados 
ao ensino e à aprendizagem do emprego apropriado da língua, o que 
permitiria uma renovação do ensino, através de uma nova orientação e 
de uma elaboração empírica dos novos cursos. Desse modo, a aplicação 
da linguística ao ensino de língua não se faria de modo dogmático, mas 
de modo empírico e dialético. 
Renovação gramatical no Brasil 
Mostramos as lacunas das teorias gramaticais com relação a uma aplicação 
ao ensino de línguas e a necessidade de serem introduzidos nessas teorias 
a pragmática do emprego da língua e fatores sociolinguísticos durante 
muito tempo negligenciados no ensino. Observamos que, para o ensino, 
faz-se mister uma gramática do texto e do discurso, que apresente as 
relações entre frases num texto e trate do uso real de frases em diferentes 
situações de comunicação, ao passo que as teorias atuais são teorias da 
frase e do sistema linguístico. A necessidade de se alargar o escopo das 
atuais teorias e das análises utilizadas na elaboração de material peda-
gógico, para se incluir aí os dados que acabamos de mencionar, tem sido 
frequentemente apontada, por linguistas de diversas correntes. Como já 
dissemos, o fato de teorias terem de se limitar à competência, negligen-
ciando o desempenho, deve-se a uma necessidade natural e lógica de se 
estudar primeiro aquela e depois esse. ;Í I#**Í;^ -V *Í 3 íwr^' < i; i ?. -
íí Com relação a outras línguas, tentativas têm sido feitas no sentido 
de se renovar o ensino com base em ideias linguísticas recentes. No Brasil, 
não temos conhecimento de nenhuma tentativa no género. 
Uma renovação que se baseasse numa análise completa de dados do 
português contemporâneo, sob uma dada abordagem, seria uma ilusão. 
Uma tal análise ainda não existe, só existindo poucas análises e assim 
mesmo de dados parciais da língua. 
LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUAS 1 51 
O que se poderia e se deveria então fazer no Brasil, com vistas a uma 
renovação do ensino? Primeiramente, deveria haver uma maior colaboração 
entre professores e linguistas, a fim de que, de um lado, os problemas da 
aprendizagem do emprego da língua fossem melhor equacionados e, de 
outro, se elaborasse em novas bases o ensino e se renovassem empiricamente 
os novos cursos. Em segundo lugar, dessa colaboração deveriam surgir 
novos materiais escolares, levando em conta o uso da língua em diversas 
situações de comunicação e contendo exercícios que também evidencias-
sem as relações entre frases e o uso dessas frases em diferentes situações. 
Por outro lado, urge também que não se ignore o fato de haver 
comunidades bilíngues no Brasil, onde o português entra como língua 
aprendida na escola. Caso se tente alfabetizar em português um aluno que 
não fale essa língua, o que acontecerámuito provavelmente (e é o que tem 
acontecido na realidade) é que esse aluno não terá bom rendimento em sua 
aprendizagem e se sentirá inferiorizado e com complexos que repercutirão 
em sua vida futura. O que se deveria fazer é alfabetizar em português 
o aluno, mas através do uso da língua que ele conhece e aprendeu em 
casa. Desse modo, não se estará desestimulando a aprendizagem nem 
se estará formando pessoas com vistas ao fracasso. Para tal, no entanto, 
seria necessário que se elaborassem descrições dessas línguas não oficiais, 
tal como são faladas na comunidade, e do português que esses falantes 
utilizam, pois, com certeza, não é esse o português literário que se tenta 
ensinar nas escolas. Uma tal análise é essencial para a análise dos erros 
dos alunos de ascendência estrangeira. fMn«>=. riv..» =Í-; H\; Ásra • *a 
Acabamos de observar que se tenta ensinar nas escolas o português 
literário. Cabem aqui algumas palavras a esse respeito, n Í;!-
Tem-se notado que o ensino da gramática do português nas escolas 
brasileiras centra-se sobretudo no ensino que toma como exemplos orações 
retiradas de textos literários, o que parece conferir a esse ensino o objetivo 
principal de dar aos estudantes melhores condições para compreenderem 
e apreciarem a literatura nacional e também a portuguesa. No entanto. 
52 1 LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
tomar esse objetivo como o fim em si do ensino da língua materna é 
bastante questionável. Não que o ensino não possa ter esse objetivo. Ele 
deve ter esse objetivo, mas entre outros. Esses outros objetivos do ensino 
da língua seriam, de um lado, o de proporcionar aos falantes meios de 
usarem sua língua de modo eficaz e apropriado ou adequado (e esse foi 
0 objetivo que consideramos como o objetivo primeiro do ensino de lín-
guas), e, de outro, o de fornecer a esses mesmos falantes conhecimentos 
sobre o funcionamento de sua língua. Na prática, no Brasil, parece que 
esses dois últimos objetivos têm sido negligenciados. Enfatiza-se o uso 
literário da língua, em detrimento de outros usos, aliás, usos de que os 
falantes terão realmente necessidade em sua vida quotidiana. Não que 
sejamos contrários ao ensino de literatura nas escolas e faculdades. Somos 
contrários ao seu ensino exclusivo. - v „ . 
1 Esse estado de coisas é conhecido por todos e a constatação de 
suas consequências faz parte do dia a dia dos professores de qualquer 
matéria nas Universidades brasileiras. Muitos alunos de nossas facul-
dades não conseguem expressar de modo claro as suas ideias, o que 
impede seu melhor desenvolvimento em outras matérias, por exemplo, 
a própria linguística, no caso de alunos dessa disciplina. Será que nossas 
escolas não conseguem ensinar o uso apropriado da língua? Um pedido 
de transferência, por exemplo, é feito por universitários em mais de um 
tratamento. Ora, requerimentos exigem o uso de um registro que não é 
o literário, mas tampouco é o coloquial. E, seja dita essa verdade, muitos 
de nossos alunos não dominam outro registro a não ser o coloquial. Na 
tentativa de ensino do registro mais elevado, nosso ensino perde-se em 
seus propósitos, não conseguindo totalmente nem mesmo realizar seu 
objetivo implícito. ,.. ,, . ,. • ''«^ • 
No entanto, é claro que nossas faculdades de Letras não são respon-
sáveis por esse estado de coisas, nem tampouco, e muito menos, seus 
professores de português. O aluno já entra na faculdade com deficiência 
em seus conhecimentos da língua materna em outros registros que não 
LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 53 
O coloquial. A falha, portanto, está na base. Mas, para remediá-la, seriam 
necessárias providências de ordem não-técnica, como melhor remune-
ração aos professores, a fim de que, com classes menores, pudessem dar 
ênfase ao ensino do uso da língua. Esse objetivo - ensino do uso da língua 
em diferentes registros - implica exercícios, e, para tanto, o professor 
tem de dispor de tempo para a correção. Ora, nossos professores têm 
de 'correr' de uma escola para outra, muitos dando até mais de 40 horas 
de aula por semana. Dispõem eles, com essa carga de aula, de tempo 
para levar trabalhos de alunos para casa? Humanamente, essa tarefa 
é impossível. Portanto, uma renovação do ensino da língua materna 
implica, antes de tudo, melhor remuneração para os profissionais desse 
mesmo ensino. É lógico que, então, essa melhor remuneração implicaria 
maiores deveres por parte dos professores. Mas também é verdade que 
esses mesmos professores deixariam de ser professores frustrados, como 
o são agora, para serem professores que veem o resultado de sua labuta. 
Todos admitem atualmente que o ensino não pode mais ser pres-
critivo, isto é, não pode mais continuar considerando errado o uso que o 
falante faz de sua língua, tentando substituí-lo por outro uso, mais "bem 
visto" pela sociedade. Admitidas as variações existentes no uso da língua, 
o ensino tem de deixar de ser prescritivo para ser descritivo e produtivo. 
No ensino descritivo, mostrar-se-á como a língua funciona e dar-se-á ao 
aluno consciência do uso que ele próprio faz de sua língua; no produtivo, 
ensinar-se-ão ao aluno variantes de sua língua apropriadas a diversas 
situações, de modo que ele possa efetivamente usá-las de acordo com 
suas necessidades. Com esses dois tipos de ensino, procura-se atingir 
os objetivos do ensino de línguas a que já nos referimos: o objetivo 
educacional de mostrar como funciona a língua e o objetivo pragmático 
de dar meios aos falantes de usar apropriadamente a sua língua. O outro 
objetivo, o de capacitar o falante a apreciar a literatura, não é mais do 
que uma decorrência desses outros objetivos, pois, conhecendo bem sua 
língua materna, o falante tem melhores condições para compreender o 
54 I LINGUISTICA E ENSINO DE LlNGUAS 
USO literário da língua. Aí está, pois, mais uma razão para se enfatizar o 
ensino pragmático da língua. ' 
Queremos agora terminar estas palavras dizendo que a linguística não 
tem receitas a oferecer. Aplicações pedagógicas, já prontas, da linguística 
ao ensino de línguas não existem e qualquer aplicação possível ao ensino 
de línguas é o resultado de longa reflexão e de um trabalho conjunto entre 
linguistas e professores. Extrair de uma teoria linguística algumas de suas 
noções básicas e usá-las isoladamente, fora do conjunto da teoria, não é 
renovar o ensino de línguas: isso seria pura mistificação. 
55 
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