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AULA 1 - CÉLULAS EXCITÁVEIS OBJETIVO: O objetivo desta aula é compreender os mecanismos de comunicação elétrica no sistema nervoso dos animais Células excitáveis são células capazes de gerar ou responder sinais elétricos. Suas propiedades são portanto de bioeletrogênese e respostas elétricas ativas dependentes principamente de canais iônicos. Os neurônios são um tipo de células excitáveis, e no sistema nervoso a comunicação se opera principamente por sinais elétricos. Uma das mais importantes funções da eletricidade animal é a transmissão de informações. Existem dois mecanismos pelos quais as mensagens podem ser transmitidas nos organismos vivos. Um depende da liberação de substâncias químicas específicas, que vão agir em receptores localizados à distâncias variadas do ponto de liberação. Mas as mensagens químicas sozinhas não são capazes de prover a velocidade e acurácia requeridas para regular o funcionamento de milhões de diferentes células, o que é conseguido através de sinais elétricos. A eletricidade também permite a progressão da informação dentro de uma célula, além de possibilitar o controle de funções relacionadas à distribuição de substâncias carregadas eletricamente, que são secretadas ou absorvidas de acordo com seus gradientes eletroquímicos, como o controle do pH, do volume celular e do aporte de nutrientes. CANAIS IÔNICOS Os canais iônicos são proteínas integrais de membrana contendo poros que permitem a passagem de íons. Estão presentes em todas as células, excitáveis ou não, e são capazes de fazer o reconhecimento e seleção específica de determinados íons, uma propriedades que chamamos de seletividade. A maioria dos canais iônicos são ativos, se abrem (e fecham) em resposta a sinais elétricos, químicos ou mecânicos. Outros, os canais não acionáveis, são passivos e se encontram sempre abertos. Os canais ativos geram os potenciais sinápticos, geradores e de ação. Os canais passivos são importantes na determinação do potencial de repouso, além de influenciarem a integração sináptica. É essencial para as funções da eletricidade animal que diferentes canais iônicos apresentem permeabilidade seletiva para diferentes íons. A permeabilidade é a taxa com que um determinado íon atravessa um canal aberto em condições padrões. A seletividade compara as permeabilidades de um canal aberto a diferentes íons respectivamente. Os íons são transportados seguindo o seu gradiente eletroquímico. Este gradiente é determinado por duas forças através da membrana, uma causada pela diferença de potencial químico (devido à diferença de concentração dos íons) e a outra causada pela diferença de potencial elétrico. Quando estas duas forças, no sentido intra para extracelular, se igualam às no sentido extra para intracelular, o íon está em equilíbrio, e não há transporte efetivo de um lado da membrana para outro, mesmo que o íon tenha uma via que o permeie. A diferença de potencial elétrico capaz de contrabalançar uma diferença de concentração é chamada de potencial de equilíbrio, que pode ser medido para cada íon. Os íons atravessam os canais por um fluxo passivo com taxas muito altas, da ordem de 108 íons por segundo. A propiedade cinética que melhor descreve a permeação é a condutância, que pode ser medida pela corrente (fluxo) que passa através de um canal aberto em resposta à força de um gradiente eletroquímico. A taxa de fluxo iônico é dependente da concentração. O aumento do fluxo com a concentração faz com que, muitas vezes, o íon ao qual o canal é mais permeável não seja o que fisiologicamente o permeia. Os fotorreceptores da retina, por exemplo, possuem um canal ativado pela luz, via GMP cíclico, que é mais permeável ao Ca++ do que ao Na+. Entretanto, como a concentração extracelular de sódio é muito maior que a de cálcio, a condutância para sódio é maior do que para cálcio e consequentemente o sódio normalmente carrega cerca de 80% da corrente através destes canais. As proteínas formadoras dos canais iônicos ativos apresentam diferentes estados conformacionais relativamente estáveis. Estes estados conformacionais representam diferentes estados funcionais. Por exemplo, cada canal iônico tem pelo menos um estado aberto (i.e. estado que conduz corrente) e um ou mais estados fechados (estados que não conduzem). A transição entre estes estados pode ser regulada por três diferentes mecanismos. Alguns canais são regulados por mudança no potencial de membrana e são chamados de canais dependentes de voltagem. Outros, são regulados por ligantes químicos, que podem agir em sítios extracelulares, como no caso dos neurotransmissores, ou intracelulares, como no caso de constituintes citoplasmáticos como o Ca++ e nucleotídeos. Um terceiro grupo é regulado por estiramento mecânico da membrana ou outros estimulos fisicos como frio ou calor. Os canais iônicos dependentes de voltagem possuem uma região, composta por aminoácidos carregados, que pode se mover em função do campo elétrico, chamada de sensor de voltagem. Quando há uma mudança no potencial transmembrana, o movimento do sensor de voltagem fornece energia para que o canal passe do estado fechado (F) para o estado aberto (A). Esta mudança conformacional é transitória (pouco estável), e o canal passa por outra mudança conformacional que o leva a um estado refratário, não condutor e não ativável, que é chamado inativo (I), também pouco estável. Este processo, chamado de inativação, em alguns tipos de canais, como os para Na+ e para K+ (a nomenclatura dos canais dependentes de voltagem geralmente usa o critério de permeabilidade), parece resultar de uma mudança conformacional em uma região específica do canal. Em alguns canais para Ca++, este processo parece estar relacionado à ligação ao canal de íons ou outros mensageiros intracelulares. O canal tem que passar pelo estado inativo (I) depois de ativado (A) e tem que sair dele (I) para se tornar ativável (F). Estas transições (A→I e I→F) não são determinadas por variação no potencial de membrana, como é a transição F→A. Os tempos de latência para as transições de estado dos diferentes canais são variáveis, sendo maior nos canais para K+ do que nos para Na+, por exemplo. Isto faz com que um estímulo que acione dois canais diferentes possa acionar primeiro um tipo de canal, o que é muito importante para a geração dos sinais, como poderá ser visto na geração do potencial de ação. Os canais regulados por ligantes são acionados pela mudança na energia química resultante da ligação da molécula reguladora à porção receptora do canal. Como resultado desta ligação, o poro do canal se abre, permitindo a passagem de íons. Alternativamente, a ligação do agonista ao receptor pode levá-lo a um estado inativo (dessensibilizado), que é um estado não condutor. A transição para o estado inativo é muito mais lenta (da ordem de segundos a minutos) que a transição para o estado aberto (da ordem de milissegundos), portanto os canais sensíveis a ligantes entram neste estado refratário apenas após exposição prolongada ao agonista. A nomenclatura dos canais regulados por ligantes geralmente usa o critério do ligante mais específico, como receptor para a acetilcolina (ou nicotínico), receptor para GABA ou receptor para Glicina, por exemplo. A seletividade desses canais é bastante variada. Para os canais ativados mecanicamente, a energia associada ao estiramento da membrana é transferida ao canal através do citoesqueleto ou diretamente pela tensão da bicamada lipídica. Pouco se sabe sobre os mecanismoss que acoplam o frio ou calor à abertura de canais sensíveis as estes estímulos. POTENCIAL DE REPOUSO DAS CÉLULAS A maior parte das células mantém umadiferença de potencial (voltagem) entre as duas faces de sua membrana plasmática. Esta diferença pode ser medida com instrumentos que meçam voltagem. Uma diferença de potencial é sempre relativa a dois pontos, e como o lado extracelular é uzado como referencial zero (aterrado), o potencial é medido do lado intracelular, que na situação de repouso (na ausência de sinalização) está na faixa de -50 a -90 mV (potencial de repouso). Isto significa que há um acúmulo de cargas positivas na face externa e de cargas negativas na face interna da membrana. Dois mecanismos são responsáveis pela geração do potencial de repouso: as diferentes concentrações de íons nos lados intra e extracelular e a permeabilidade seletiva da membrana, que na situação de repouso é determinada principalmente pelos canais não acionáveis, já que os ativos se encontram praticamente todos fechados. Diversos sistemas de transporte ativo criam os vários gradientes de concentração. Como a membrana é impermeável a alguns íons, estes são mantidos nas concentrações inicialmente colocadas pelos sistemas de transporte. Os íons que são permeáveis irão se difundir passivamente, gerando uma diferença de potencial. Se a membrana for completamente permeável a apenas um íon, o fluxo de íons se estabilizará quando o potencial de membrana (de repouso) atingir o potencial de equilíbrio deste íon. As células da glia, por exemplo, na situação de repouso, são permeáveis apenas ao potássio, e seu potencial de repouso é igual ao potencial de equilíbrio do potássio. Se a membrana tiver uma permeabilidade diferencial a diversos íons, todos irão contribuir para a geração da diferença de potencial. Nesta situação, o potencial de membrana será determinado pela somatória das contribuições individuais. PROPIEDADES ATIVAS DA MEMBRANA Existem mudanças no potencial de membrana que não são devidas à abertura ou fechamento de canais iônicos. Estas produzem os chamados potenciais eletrotônicos. São resultado de uma resposta passiva da membrana. As alterações resultantes da corrente elétrica que flui através da membrana pelos canais iônicos são as respostas ativas. Toda vez que há um fluxo de íons para dentro ou fora da célula há uma alteração na sua polarização. Um efeito que leve à um potencial de membrana menos negativo é chamado despolarização, enquanto que um aumento é chamado hiperpolarização. No sistema nervoso, três respostas ativas podem ser claramente distinguidas: potenciais de ação, potenciais sinápticos e potenciais geradores. A) POTENCIAIS DE AÇÃO Os potenciais de ação são despolarizações transitórias (na faixa de milisegundos) da membrana devido à abertura e fechamento de canais ativados por voltagem. Nos neurônios, a maioria dos potenciais de ação são causados pela abertura e fechamento de canais para sódio e potássio. Quando um neurônio recebe um estímulo despolarizante, os canais para sódio (lembre-se que a latência para a abertura destes canais é menor) se abrem, e a entrada de sódio aumenta a despolarização. Se esta despolarização atingir o limiar de disparo do potencial de ação, haverá um balanço positivo de despolarização continuada. O limiar é o menor estímulo capaz de produzir uma resposta. A subsequente inativação dos canais para sódio interrompe a entrada de sódio e a membrana começa a se repolarizar. Com uma maior latência, os canais para potássio (que foram também mobilizados pelo estímulo de voltagem) se abrem, e a saída do potássio continua a repolarização, que pode atingir valores mais negativos que o potencial de repouso (hiperpolarização). A subsequente inativação dos canais para potássio interrrompe a saída de potássio e a célula retorna ao seu potencial de repouso. No sistema nervoso, a frequência dos potenciais de ação é a medida da magnitude de sua atividade, uma vez que os potenciais de ação são tudo-ou-nada, ou seja, eles não variam em amplitude. Como eles são gerados por canais que são sensíveis à diferença de potencial, a despolarização produzida pela abertura de alguns canais serve de estímulo para a abertura de novos canais, o que permite uma resposta com amplitude máxima. Permite também o espalhamento da despolarização para as regiões adjacentes, num processo de condução do potencial de ação a várias regiões das células. Durante e logo após o potencial de ação, existem períodos, chamados refratários, em que não podemos elicitar um novo potencial de ação. Estes períodos estão relacionados à inativação dos canais para sódio após a sua abertura, porque os canais precisam se recuperar da inativação para serem reabertos. A abertura dos canais para potássio também contribui para a existência dos períodos refratários. Os períodos refratários limitam a frequência de potenciais de ação disparados pelos neurônios. B) POTENCIAIS SINÁPTICOS Potenciais sinápticos são despolarizações ou hiperpolarizações transitórias nas membranas pós-sinápticas. Eles são produzidos por abertura e fechamento de canais ativados por ligantes que, neste caso, são os neurotransmissores. Os potenciais pós- sinápticos podem ser excitatórios (PPSE), quando a ligação ao neurotransmissor produzir despolarização ou inibitórios (PPSI), quando o neurotransmissor produzir hiperpolarização. Dois fatores determinam a natureza excitatória ou inibitória dos potenciais sinápticos: qual(is) os íon(s) permeia(m) o canal pós-sináptico ativado pelo neurotransmissor e o potencial de equilíbrio do(s) íon(s) permeante(s). Tomemos por exemplo uma sinapse existente entre um interneurônio que libera glicina e um outro neurônio (pós-sináptico) do sistema nervoso central. Quando a glicina é liberada do terminal nervoso do interneurônio, ela se liga aos seus receptores no neurônio pós- sináptico. Estes receptores são permeáveis ao íon cloreto. Se o potencial de equilíbrio do Cl- no neurônio pós-sináptico for mais negativo que o potencial de repouso haverá hiperpolarização (PPSI), e se for mais positivo haverá despolarização (PPSE). Isto porque, como dito anteriormente, o potencial de membrana tende a atingir o potencial de equilíbrio do(s) íon(s) que são permeáveis. Na maioria dos neurônios que apresentam receptores para glicina o potencial de equilíbrio do cloreto é mais negativo que o potencial de repouso, e por isto a glicina é considerada um neurotransmissor inibitório. Por outro lado, na junção neuromuscular dos vertebrados, quando a acetilcolina é liberada do terminal nervoso, ela se liga aos receptores para acetilcolina (receptores nicotínicos) na região pós-sináptica da fibra muscular. Estes canais são permeáveis a Na+, K+ e Ca++, de maneira o potencial de membrana será determinado pela somatória das contribuições individuais, o que resultará em um PPSE. Diferentemente dos potenciais de ação, os potenciais sinápticos são graduais. A sua amplitude depende da quantidade de neurotransmissor liberado. Outra diferença é que eles não são conduzidos ativamente para áreas extra-sinápticas, porque tanto os neurotransmissores quanto seus receptores estão concentrados nas sinapses. Entretanto, os potenciais sinápticos são capazes de transmitir sua informação ativando (se é um PPSE) ou dificultando a ativação (se é um PPSI) de canais dependentes de voltagem, que poderão gerar potenciais de ação propagáveis. C) POTENCIAIS GERADORES OU RECEPTORES Os potenciais geradores são despolarizações transitórias que ocorrem nas células receptoras sensoriais, em resposta a um estímulo ambiental. As células receptoras sensoriais são especializadas em transduzir um estímulo ambiental em sinal elétrico. Estas células exercem esta função por possuírem canais iônicos acionáveis por estímulos de diferentes modalidades sensoriais.Tomemos como exemplo uma célula receptora do estímulo doloroso (chamada de nociceptor) durante uma dor isquêmica cardíaca (angina). Os nociceptores são neurônios pseudounipolares que possuem um terminal na periferia (neste caso em contato com o músculo cardíaco) e um terminal no sitema nervoso central (neste caso na medula espinhal). Estes neurônios captam o estímulo doloroso na periferia e o transmite ao sistema nervoso central. O principal estímulo para a produção de dor isquêmica é um acúmulo de prótons, e os terminais periféricos dos nociceptores que inervam o coração são enriquecidos em canais iônicos ativados por prótons (ASICS – do inglês Acid Sensing Ion Channels). Os ASICs são canais permeáveis a sódio e, em presença de acidez (aumento de prótons), estes canais são ativados levando à entrada de sódio com uma consequente despolarização. Esta despolarização do terminal nervoso sensorial é chamada de potencial gerador, por ser uma das origens do primeiro sinal elétrico no sistema nervoso. Desta forma, o nociceptor transduziu um estímulo químico potencialmente doloroso em sinal elétrico que o sistema nervoso será capaz de decodificar. O potencial gerador é uma despolarização gradual, porque depende do número de canais ASICs abertos, e transitória, porque depende da continuidade da presença do estímulo. Da mesma forma que os potenciais sinápticos, os potenciais geradores não são conduzidos ativamente para outras regiões neuronais, mas eles são capazes de transmitir sua informação ativando canais dependentes de voltagem, que poderão gerar potenciais de ação propagáveis. Quanto maior o potencial gerador no terminal nervoso maior será a frequência de potenciais de ação na fibra associada a este terminal, e maior será a sensação de dor percebida pelo cérebro. AUTOAVALIAÇÃO: 1- Qual o critério utilizado para a nomenclatura dos canais ativados por voltagem? E para os ativados por ligantes? 2- Como o potencial de equilíbrio do íon determina a direção de seu fluxo através da membrana? 3- Por que o resultado da abertura de canais nicotínicos é uma despolarização, tendo em vista que ele é permeável também ao potássio? 4- Por que o potencial de ação é uma resposta tudo-ou-nada? 5- Se os potenciais de ação são tudo-ou-nada, como o nociceptor sinaliza estímulos de diferentes intensidade? AULA 2 – SINAPSES OBJETIVO: O objetivo desta aula é conhecer os mecanismos de transmissão do sinal elétrico de uma neurônio para outra célula excitável Sinapses são regiões de contato entre um neurônio e outra célula excitável, que poderá ser um outro neurônio, uma célula muscular ou glandular. É uma região estruturalmente especializada para comunicação intercelular, composta de elementos pré-sinápticos, pós- sinápticos e uma região intermediária, a fenda sináptica. SINAPSES QUÍMICAS E SINAPSES ELÉTRICAS No início do século XX, havia grande controvérsia sobre o mecanismo de passagem de informações nas sinapses: alguns acreditavam que havia uma continuidade dos terminais nervosos com a célula pós-sináptica que permitia a passagem do sinal elétrico, e outros acreditavam que haviam mediadores químicos, substâncias liberadas pelos neurônios que estimulavam as células pós-sinápticas. Um experimento realizado pelo pesquisador Otto Loewi, em 1927, foi muito importante para o esclarecimento destes mecanismos. Loewi estudou a diminuição da frequência e da força dos batimentos cardíacos produzidas pela estimulação do nervo vago. Ele registrou o batimento de dois corações isolados em duas cubetas diferentes. Após a estimulação do nervo vago do primeiro coração ele recolheu parte do líquido que banhava este coração e o colocou no líquido que banhava o segundo coração. Ele observou que o segundo coração, cujo nervo vago não havia sido estimulado, apresentou a mesma resposta inibitória do primeiro coração. Ele concluiu que havia uma substância (algo transferível no líquido recolhido) mediadora do efeito, que ele chamou vagustuff. Esta substância tem hoje sua estrutura conhecida: a acetilcolina. Este experimento marcou uma era de grandes progressos na teoria dos mediadores químicos da neurotransmissão. Vários são os mediadores químicos (neurotransmissores) hoje conhecidos. Eles tanto podem ser moléculas pequenas como a acetilcolina, aminoácidos (glutamato, glicina, GABA) e aminas (adrenalina, noradrenalina, dopamina, serotonina) quanto podem também ser peptídeos, como o VIP (do inglês vasoactive intestinal peptide), os peptídeos opióides e outros. Para ser considerada um neurotransmissor uma substância tem que apresentar todos os seguintes critérios: ser sintetizada na célula pré-sináptica, ser liberada por estimulação e a sua aplicação exógena deve mimetizar o seu efeito in vivo. Os neurotransmissores exercem seus efeitos, como explicado na aula I, através da ligação com receptores específicos na membrana pós-sináptica, produzindo os potenciais pós- sinápticos. Existem vários subtipos de receptores para cada neurotransmissor. Por exemplo, o glutamato pode ativar receptores do tipo AMPA, kainato, NMDA e mGLU. Estes subtipos são classificados de acordo com seus ferfis farmacológicos, ou seja, de acordo com a sua afinidade de ligação a diferentes compostos químicos. Além das fortes evidências a favor da teoria dos mediadores químicos, presentes nas sinapses químicas, tem sido evidenciadas atualmente a existência de sinapses elétricas, que são regiões de continuidade elétrica dada por canais intercelulares chamados de junções abertas. As sinapses elétricas representam uma minoria das sinapses do sistema nervoso central, mas as junções abertas são muito importantes em músculo liso e cardíaco. Figura 2.1 TEORIA QUÂNTICA DA LIBERAÇÃO DE NEUROTRANSMISSORES A junção neuromuscular é a sinapse de mais fácil acesso à experimentação. Nesta sinapse foram realizados estudos que formaram as bases para a teoria quântica da liberação de neurotransmissores. Esta teoria, elaborada pelo pesquisador Bernard Katz, na década de 1950, estabelecia que os neurotransmissores são liberados sempre em valores múltiplos de uma unidade fundamental, o quantum. Bernard Katz mostrou, quando registrava o potencial de membrana muscular na região sináptica, que haviam pequenas despolarizações espontâneas de cerca de 0.5 mV e 2 ms de duração. Após a estimulação do nervo era evocada uma despolarização de formato semelhante, mas com amplitudes múltiplas de 0.5 mV, que variavam de acordo com a concentração de cálcio extracelular. Os eventos espontâneos e os evocados eram igualmente bloqueados pelo curare, um antagonista dos receptores nicotínicos de acetilcolina, mostrando que ambos eram produzidos pela ação da acetilcolina na membrana pós-sináptica. Ele nomeou os pequenos eventos espontâneos “potenciais de placa motora em miniatura” (MEPPs, do inglês miniature endplate potencials), em analogia à despolarização evocada por estimulação nervosa (EPP, endplate potential). Katz concluiu que a resposta evocada (EPP) era o resultado da somatória dos eventos individuais (MEPPs), os quanta. Alguns anos após estes estudos, as vesículas sinápticas foram identificadas, e os pesquisadores postularam que o conteúdo de uma vesícula correspondia ao quantum, e que o EPP era resultado da liberação simultânea de várias vesículas. Muitas evidências se sucederam e corroboraram para a formulação da teoria quântica vesicular da liberação quântica de neurotransmissores. Posteriormente a estes estudos na junção neuromuscular, mostrou-se que os mesmos mecanismos operam no sistema nervoso central. A NEUROTRANSMISSÃO QUÍMICA Quando um neurônio é ativado por uma despolarização ele deflagra potenciaisde ação. Estes são conduzidos até os terminais sinápticos, onde ativam a abertura de canais para cálcio dependentes de voltagem. Os canais para cálcio se concentram em regiões especializadas da membrana pré-sináptica chamadas zonas ativas. Nestas regiões, a despolarização promove a entrada de grande quantidade de cálcio, o que aciona a fusão das vesículas e a liberação dos neurotransmissores. Os neurotransmissores se ligam aos seus receptores inseridos na membrana pós-sináptica produzindo os potenciais pós-sinápticos excitatórios (PPSE) ou inibitórios (PPSI). Desta forma, o neurônio pré-sináptico transmite sua atividade elétrica para o neurônio pós-sináptico. Conforme visto na Aula I, os potenciais sinápticos não são conduzidos ativamente para áreas extra-sinápticas, mas eles funcionam como ativadores (PPSE) para a geração de um potencial de ação. Figura 2.2 Várias proteínas estão envolvidas no processo de ancoragem e fusão das vesículas sinápticas. Existem proteínas que se ligam às vesículas sinápticas (v-SNAREs), outras que se ligam à membrana do terminal nervoso (t-SNARES) e outras que fazem a conexão v- SNARES/t-SNARES. Os estudos atuais propõem que o complexo proteínas-vesículas ancoradas se encontram em estado favorável à fusão, mas que este processo é bloqueado por uma proteína sensível ao cálcio, a qual tem sido proposto ser a sinaptotagmina. Com a grande entrada de cálcio produzida pela despolarização do terminal nervoso, ocorre o desbloqueio do processo de fusão e há grande liberação de neurotransmissores. O efeito dos neurotransmissores na região pós-sináptica é terminado quando ele é retirado da proximidade de seus receptores. Para isto, existem dois tipos de mecanismos: enzimas que quebram a molécula, como a acetilcolinesterase que hidrolisa a acetilcolina, e transportadores inseridos na membrana citoplasmática, que recaptam os neurotransmissores para o interior no mesmo neurônio ou para outra célula, como as da glia. INTEGRAÇÃO SINÁPTICA Como mencionado na aula I, o sinal que codifica a atividade de um neurônio é a frequência dos potenciais de ação que ele dispara. No sistema nervoso, raramente um neurônio dispara um potencial de ação toda vez que recebe um estímulo sináptico excitatório. Na maioria das vezes, os neurônios recebem e integram o sinal de várias sinapses presentes em seu corpo celular, seus dendritos e em seu axônio, e respondem desencadeando potenciais de ação ou modificando sua frequência de disparos basal. O corpo celular de um motoneurônio alfa (o neurônio que inverva a fibra muscular esquelética), por exemplo, recebe de 10.000 a 200.000 sinapses de neurônios provenientes do córtex cerebral, cerebelo, tronco cerebral, da medula espinhal e de neurônios sensoriais periféricos. As sinapses podem ser ativadas em conjunto, produzindo uma somação espacial, ou serem ativadas repetidamente, produzindo uma somação temporal. O motoneurônio alfa processa todos os sinais recebidos e, se o balanço for uma despolarização supralimiar para o desencadeamento de potenciais de ação, estes serão inicializados na região de implantação do axônio no corpo celular. Esta região é chamada de zona de gatilho, porque lá se concentram os canais para sódio e potássio responsáveis pela geração dos potenciais de ação. Desta região os potenciais de ação serão propagados pelo axônio até a próxima sinapse. Figura 2.3 PLASTICIDADE SINÁPTICA As sinapses são capazes de mudar sua efetividade dependendo de uma atividade prévia, ou seja, possuem plasticidade. Existem vários fenômenos de facilitação e depressão que demonstram a plasticidade sináptica. A potenciação a longo prazo (LTP, do inglês long term potenciation) é um tipo de facilitação sináptica inicialmente observada experimentalmente in vivo no hipocampo. Esta região é responsável pela formação de memória. A LTP é medida como um aumento prolongado (observado em dias) do tamanho dos potenciais sinápticos glutamatérgicos após uma estimulação repetitiva. Este fenômeno é causado pela entrada de Ca++ pelos receptores glutamatérgicos NMDA com consequente ativação de várias proteínas responsáveis pelo aumento da efetividade sináptica. Em modelos animais, foi mostrado que a superexpressão de receptores NMDA facilita o aprendizado, enquanto que o bloqueio das proteínas responsáveis pelo aumento da efetividade sináptica inibem o aprendizado, mostrando que a LTP é um fenômeno importante para a memória. AUTOAVALIAÇÃO: 6- Defina neurotransmissor e cite alguns exemplos. 7- O que significa liberar um quantum de neurotransmissor? 8- Por que os eventos evocados, registrados pelo Bernard Katz, variavam em amplitude de acordo com a concentração extracelular de cálcio? 9- Por que, independentemente de quais sejam os ativadores no sistema nervoso, eles sempre se fazem percebidos por modificações na frequência de potenciais de ação? 10- Qual a função da sinaptotagamina nas sinapses? 11- Como os neurônios operam com as informações de todas as sinapses neles presentes? 12- Citar uma função do receptor NMDA para glutamato. AULA 3 – CONTRAÇÃO MUSCULAR OBJETIVO: O objetivo desta aula é conhecer os mecanismos de transformação do sinal elétrico pós-sináptico da junção muscular em contração muscular e as propiedades conjuntas das fibras musculares. Os músculos são divididos em cardíaco, liso e esquelético. Cerca de 40% do corpo é constituído por músculo esquelético e outros 10 % por músculo liso e cardíaco. A maioria dos músculos esqueléticos são de contração voluntária e suas células funcionam sem comunicação entre si. Os múculos liso e cardíacos são autoexcitáveis e suas células atuam como um sincício. Nesta aula serão apresentados aspectos da muscultatura esquelética. ETAPAS ENTRE OS PROCESSOS DE EXCITAÇÃO E CONTRAÇÃO Uma unidade motora é formada por um neurônio motor e as fibras (células) musculares (1 a 1000) por ele inervadas. O disparo na zona de gatilho do neurônio motor é conduzido até os terminais nervosos e evoca potenciais pós-sinápticos excitatórios (PPSE) na junção neuromuscular das fibras que ele inerva. Os PPSEs são conduzido eletrotonicamente para áreas extra-sinápticas, onde eles ativam canais para sódio e potássio dependentes de voltagem produzindo potenciais de ação propagáveis. Os potenciais de ação se propagam pela embrana plasmática, penetram no interior da fibra através de invaginações chamadas túbulos “t”, e levam à abertura de um canal para cálcio presente no retículo sarcoplasmático chamado receptor para rianodina. A abertura deste canal libera cálcio estocado no retículo para o citoplasma, o que aciona as proteínas contráteis. A subsequente recaptação deste cálcio pelo retículo cessa a contração. MECANISMOS MOLECULARES DA CONTRAÇÃO As fibras musculares são formadas por miofibrilas compostas de filamentos proteicos capazes de produzir o encurtamento da fibra. As proteínas que compõem os filamentos são a miosina, actina, troponina e tropomiosina. O processo responsável pelo encurtamento dos elementos contráteis é o deslizamento dos filamentos de actina sobre os de miosina promovido pela ligação da actina à uma molécula de miosina ativada pela quebra de ATP. A actina e miosina têm uma tendência espontânea à ligação, entretanto esta ligação é inibida pelo complexo tropomiosina-troponina. O aumento do cálcio citoplasmático, através de sua ligação à troponina, remove esta inibição, levando ao deslizamento entre os filamentos, oque causa contração. A concentração de ATP na fibra muscular, em torno de 4 mM, é suficiente para manter a contração total por no máximo um a dois segundos.Uma fonte de energia que é rapidamente utilizada para reconstituir o ATP é a fosfocreatina, cuja quebra fornece um novo íon fosfato para o ADP ser reconvertido em ATP. Entretanto, a quantidade de fosfocreatina na fibra muscular é também pequena, capaz de manter a contração máxima por apenas cinco a oito segundos. Para contrações prolongadas o músculo depende da glicólise e do metabolismo oxidativo. O MÚSCULO COMO UM TODO Um nervo é constituído por vários axônios e cada um pode ter um limiar de excitação diferente. Uma única estimulação supralimiar no nervo produz um abalo (contração abrupta e breve) muscular, cuja intensidade depende do número de axônios que atingiram o limiar. O abalo muscular pode ser produzido também por estimulação direta do músculo. O abalo muscular é uma resposta bem mais lenta que o potencial de ação muscular e sua duração varia em diferentes tipos de múculos – lentos ou rápidos. A duração das contrações são adaptadas a diferentes funções musculares. Os músculos oculares precisam ser extremamente rápidos para a manutenção do ponto de fixação dos olhos nos objetos, já o músculo sóleo precisa manter o suporte contínuo e por longos períodos do corpo contra a gravidade. A contração muscular pode ser isométrica ou isotônica. A contração é isométrica quando o músculo não se encurta e isotônica quando encurta mas sua tensão permanece constante. A somação da contração das fibras individuais pode ocorrer para aumentar a intensidade de contração total. A somação pode ocorrer pelo aumento de unidades motoras e pelo aumento da frequência de estimulação. O aumento da frequência de estimulação pode levar a um processo chamado tetania. A tetania é uma contração mantida, com algum (tetania imperfeita) ou nenhum (tetania perfeita) relaxamento. Ela ocorre porque a distância entre os potenciais de ação pode ser menor que o período de duração da contração. Desta forma, antes que o músculo relaxe ele recebe novo estímulo e a contração é mantida. Contrações musculares fortes por períodos prolongados podem levar a um estado chamado fadiga, que é um relaxamento em presença de estimulação do músculo. Os músculos podem aumentar sua massa, um processo chamado de hipertrofia. A hipertrofia é resultado do aumento no número de filamentos de actina e miosina em cada fibra muscular. Durante o desenvolvimento da hipertrofia, os sistema enzimáticos que fornecem energia, principalmente o relacionado à glicólise, também aumentam. Por outro lado, o músculo que pemanece sem uso por muitas semanas sofre uma redução das proteínas contráteis e hipotrofia. Em circunstâncias de geração de força muscular extrema, pode haver aumento no número de fibras musculares, processo chamado hiperplasia. AUTOAVALIAÇÃO: 1- Como se dá a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático para o citoplasma? 2- Como o aumento da concentração de cálcio citoplasmático produz contração muscular? 3- Como a quebra do ATP contribui para o fenômeno de contração muscular? 4- Explique o fenômeno de tetania perfeita e imperfeita. 5- Diferencie hipertrofia e hiperplasia. Aula 4 – Princípios de Fisiologia Sensorial Objetivos: Esta aula expõe os mecanismos básicos por trás dos sentidos, com um enfoque nas propriedades comuns a todos os receptores e sistemas sensoriais. Introdução O sistema nervoso pode ser visto como um sistema de controle ou de regulação que constantemente atua sobre o ambiente interno ou externo e amostra por meio dos sentidos os resultados de suas ações, em uma alça de retroalimentação permanente (Figura 4.1). Assim, a única forma de acesso ao mundo pelos animais são seus sentidos. Portanto, estudar como características do ambiente são convertidas em impulsos neuronais e como esses impulsos são processados para dar origem a ações e/ou sensações e percepções é de fundamental importância. Não por acaso, essa constitui uma das questões centrais da neurofisiologia. Antes de prosseguirmos, convém fazermos aqui algumas definições. Sentido pode ser definido como uma faculdade pela qual o corpo tem acesso ao ambiente; sensação é a consciência não elaborada de uma estimulação sensorial; percepção é o processo consciente de interpretação das sensações, que depende de funções cognitivas como memória e atenção. Modalidades e receptores sensoriais FIGURA 4.1. O primeiro passo para se entender fisiologia sensorial é entender as propriedades dos estímulos ambientais, que são o pano de fundo sobre o qual os sistemas sensoriais evoluíram. Tais estímulos se apresentam sob diferentes formas de energia física e química. O som, por exemplo, vem da vibração mecânica de meios de propagação, mais comumente o ar. O gosto dos alimentos vem de sua constituição química, e a luz é uma energia eletromagnética. Os receptores sensoriais são as estruturas que convertem esses diferentes tipos de energia em sinais neuronais, ou seja, realizam o processo denominado transdução do sinal. Cada receptor é seletivo, ou tem sensibilidade máxima, para um determinado tipo de energia, de forma que receptores (e sentidos) podem ser classificados de acordo com essa seletividade (Tabela 4.1). Por exemplo, mecanorreceptores são aqueles que transduzem energia mecânica (som, pressão etc.) em potenciais de ação. Os fotorreceptores presentes na retina transformam a energia presente nos fótons (pacotes básicos de energia luminosa, ou quanta) em potenciais elétricos. Dois fatores essenciais explicam a sensibilidade diferenciada dos receptores: (1) Fator molecular – Receptores sensoriais contêm moléculas - proteínas de membrana – em sua porção distal que são maximamente sensíveis apenas a uma dada forma de energia, e quando ativadas desencadeiam mudanças no potencial elétrico das células receptoras. Por exemplo, as células presentes nos botões gustativos da língua contêm receptores que se ligam a substâncias químicas presentes nos alimentos, a exemplo do que ocorre também no epitélio olfativo. Mecanorreceptores presentes na pele são canais iônicos ancorados por processos citoesqueléticos. Quando a membrana da célula é deformada, no caso de uma pressão exercida sobre a pele, o canal se abre e deixa entrar íons na célula. Os fotorreceptores da retina contêm moléculas chamadas opsinas que sofrem mudanças conformacionais na presença de fótons, desencadeando uma cascata intracelular de segundo mensageiro, que por sua vez resulta no fechamento de canais iônicos (Figura 4.2). TABELA 4.1. (2) Fator morfológico - No curso da evolução, os receptores sensoriais se diversificaram para detectar diversos tipos de energia ambiental e muitos se organizaram em verdadeiros órgãos sensoriais, que funcionam como filtros específicos e especializados para transformarem, de forma ideal, determinados atributos de um estímulo. Um exemplo impressionante disso é o olho dos vertebrados. O olho é um órgão extremamente complexo que evoluiu para captar luz e formar uma imagem por meio de seu sistema de lentes que então é projetada aos cones e bastonetes, os fotorreceptores da retina, localizados no fundo do olho. Outro aspecto interessante dos receptores e órgãos sensoriais é que eles evoluíram para terem também uma localização no corpo que é ideal para o tipo de energia que eles captam. Tomando novamente o exemplo dos olhos, assim como outros órgãos de sentidos especiais como as estruturas do ouvido interno (cóclea e labirinto), eles se localizam no pólo anterior (ou cabeça) dos vertebrados. Como esses animais possuem simetria bilateral, a cabeça é normalmente a primeira parte do corpo a encontrar estímulosambientais novos à medida que um animal se locomove. Assim, as estruturas que o animal utilizará para sondar o ambiente e se localizar no espaço estão primariamente em suas cabeças. De fato, os sentidos também podem ser classificados em função da localização dos receptores, segundo mostrado no esquema da Figura 4.3. Transdução do sinal Conforme mencionado acima, após a chegada do estímulo ao receptor, ele deve ser transformado em um sinal elétrico por meio do processo chamado transdução, para então ser transmitido ao sistema nervoso central, que irá integrá-lo e interpretá-lo (Figura 4.4). O processo de transdução, esquematizado na Figura 4.5, começa com a detecção do estímulo pelo receptor. A partir daí, podem acontecer dois processos diferentes que têm o mesmo efeito final: mudar o potencial elétrico da célula, despolarizando ou hiperpolarizando-a. O processo depende do tipo de receptor. Em alguns casos, como em mecanorreceptores, a própria proteína receptora é um canal iônico que se abre e deixa entrar íons de sódio que FIGURA 4.3 FIGURA 4.2. despolarizam a célula. Em outros casos, como quimio e fotorreceptores, a ativação do receptor pelo estímulo leva à ativação de uma cascata de segundo mensageiro, que culmina normalmente na fosforilação ou ligação de alguma molécula a um canal iônico, que então se abre ou fecha, modulando o potencial elétrico da célula. Essa alteração do potencial celular ocasionada pela ativação do receptor é chamada de potencial receptor. Esse potencial é diferente de um potencial de ação porque não é tudo-ou-nada, e sim um potencial graduado cuja amplitude depende da intensidade do estímulo, que influencia quantos canais iônicos se abrem e com que freqüência. Dependendo da sua amplitude, o potencial receptor pode deflagrar um potencial de ação, caso no qual ele é chamado de potencial gerador, e o neurônio é classificado como sensorial primário, por transmitir a informação diretamente ao sistema nervoso central (Figura 4.6). Em outros casos, como na retina, a célula receptora não é capaz de gerar um potencial de ação: o potencial receptor leva à liberação de neurotransmissores em uma sinapse, e apenas o neurônio pós-sináptico deflagrará um potencial de ação se seu limiar de excitabilidade for alcançado. Esse segundo tipo de receptores é chamado neurônio sensorial secundário. Em ambos os casos, o axônio que leva a informação ao sistema nervoso é conhecido como fibra sensorial ou fibra aferente de primeira ordem. Codificação das qualidades básicas do estímulo Os potenciais de ação gerados em um dado neurônio em geral possuem duração, forma e amplitude fixa, de sorte que não há nenhuma característica de potenciais individuais que o sistema nervoso possa utilizar para extrair informações acerca de estímulos. Assim, o sistema deve lançar mão de outras estratégias para codificá-las. Conforme ilustrado na FIGURA 4.4 FIGURA 4.5 Figura 4.6, a intensidade do estímulo é codificada principalmente pela freqüência dos potenciais de ação gerados pelo neurônio sensorial. Quanto maior a intensidade do estímulo, mais canais iônicos serão abertos (ou fechados), de forma que o potencial gerador também será maior. Quanto maior a duração e amplitude do potencial gerador, por sua vez, maior será a freqüência de deflagração de potenciais de ação. Dessa forma, estímulos intensos são codificados no sistema nervoso com uma alta freqüência de disparos. Essa relação, contudo, não é linear, mas sim logarítmica (Figura 4.7). Duas propriedades dessa relação são dignas de nota. Primeiro, uma dada porcentagem de mudança na intensidade do estímulo gera uma alteração da mesma magnitude na freqüência de disparos, independente do valor absoluto da mudança. Assim, se a intensidade de um estímulo dobra de 2 para 4 ou de 16 para 32 unidades arbitrárias, o potencial gerador terá um incremento de igual valor em milivolts, desde que esses valores estejam na região linear da curva. Essa propriedade aumenta muito a faixa dinâmica dos neurônios, ou seja, a faixa de intensidade de estímulo à qual eles respondem. Aliada ao fato de que neurônios diferentes possuem faixas dinâmicas diferentes, essa propriedade permite que o sistema nervoso seja capaz de codificar uma ampla faixa de intensidades de estímulo. Nosso sistema visual, por exemplo, é sensível desde a ambientes escuros até à luz do meio dia, em uma variação de intensidade da ordem de 1012. A segunda propriedade interessante da relação entre intensidade do estímulo e freqüência de disparo da célula é a saturação da resposta. A partir de um certo nível de intensidade do estímulo, a freqüência chega a um limite superior, não sendo capaz de aumentar mais (Figura 4.7). Esse limite é ditado por várias propriedades biofísicas dos neurônios, em particular o número de canais iônicos presentes na membrana, que impõem um limite superior à magnitude do potencial receptor; e a duração do período refratário absoluto da célula, que limita a freqüência de disparo. FIGURA 4.6 FIGURA 4.7 Há, ainda, outros mecanismos secundários de codificação de intensidade do estímulo. Por exemplo, quanto mais intenso for um estímulo, maior o número de receptores ele recrutará, o que também serve com código de intensidade para o sistema nervoso. Além disso, em determinadas modalidades sensoriais a intensidade pode ser indicada também pelo recrutamento de receptores de outras modalidades que só respondem a níveis altos do estímulo. Um exemplo disso é o calor. Até uma determinada temperatura, apenas termorreceptores da pele são ativados. A partir de um certo limite, receptores de dor (nociceptores) também passam a ser ativados, o que é um indício de alta intensidade (temperatura) do estímulo. Um outro aspecto importante acerca dos receptores sensoriais é que eles não são bons indicadores de níveis absolutos de energia. Receptores biológicos são constituídos de tal maneira que detectam melhor o contraste ou variação entre dois estados. Por exemplo, a sensação térmica de uma bacia de água morna será maior se estivermos previamente com as mãos em água fria que com as mãos em água à temperatura ambiente. Além disso, as sensações freqüentemente mudam com o tempo. A sensação de ter chaves no bolso, por exemplo, diminui com o tempo, até que deixamos de senti-las após alguns minutos. A explicação por trás desses fenômenos pode ser encontrada no conceito de adaptação sensorial. Os receptores exibem diferentes graus de adaptação, mas podem ser classificados em dois grandes grupos (Figura 4.8). Receptores tônicos ou de adaptação lenta são aqueles cujo potencial receptor é mantido enquanto durar o estímulo e, por conseguinte, são adequados para realizar a análise de intensidade do estímulo. Um exemplo desse tipo são os receptores tônicos de estiramento do fuso muscular, que estudaremos em mais detalhes na Aula 5. Os receptores fásicos ou de adaptação rápida, por sua vez, são aqueles que se adaptam rapidamente ao estímulo, ou seja, se o estímulo persistir por muito tempo, a resposta desses receptores diminui de maneira significativa. Isso é geralmente acompanhado de uma sensação de redução de intensidade ou aparente ausência de estímulo. Devido a essas características, os receptores fásicos fornecem informações sobre a velocidade ou taxa de mudança do estímulo. A adaptação pode ter origem em vários pontos da via sensorial. Em mecanorreceptores, por exemplo, ela ocorre devido às características morfológicas do próprio receptor. Em outros casos, como nos fotorreceptores, pode ocorrer por um esgotamento das moléculas transdutoras. Outros mecanismos incluemainda inibição de cascatas de segundo mensageiro, acomodação da zona de gatilho de potenciais de ação da célula sensorial e modulações das propriedades biofísicas de canais iônicos, além de mecanismos que ocorrem no sistema nervoso central. Transmissão ao sistema nervoso central: linhas rotuladas Após a transdução e codificação das características básicas do estímulo, as informações sensoriais são conduzidas ao sistema nervoso central através dos prolongamentos periféricos dos neurônios aferentes. O esquema geral das vias somatossensorial e proprioceptiva está ilustrado na Figura 4.9. O neurônio sensorial primário, freqüentemente de morfologia pseudo-unipolar, leva os impulsos transduzidos pelo receptor a neurônios sensoriais secundários localizados no tronco encefálico (fibras vindas da cabeça) ou medula espinhal (fibras vindas do resto do corpo) ipsilateral. Os axônios do neurônio secundário em seguida cruzam a linha média e alcançam, por vezes diretamente e por vezes com relés no tronco, o tálamo contralateral. Daí parte o neurônio sensorial terciário, que projeta para as ditas regiões sensoriais primárias do córtex cerebral. Os sentidos especiais possuem vias similares, que chegam ao encéfalo por meio de pares cranianos, tipicamente fazendo um relé no tronco encefálico, e não na medula. Em alguns casos, como na visão, a informação sensorial periférica é distribuída paralela e simultaneamente para mais de uma região encefálica, sendo que a que alcança o córtex cerebral passa pelo tálamo sem antes passar pelo tronco. É importante notar que cada uma dessas vias sensoriais alcança uma região cortical diferente, o que, pensa-se, constitui a base da codificação da modalidade do estímulo. Esse FIGURA 4.8 FIGURA 4.9 conceito é conhecido como o princípio da linha rotulada, que pode ser definida como a cadeia de neurônios relacionada a um determinado receptor sensorial. Em outras palavras, o sistema nervoso distingue uma modalidade sensorial da outra porque cada uma delas é transmitida exclusivamente por uma via neuronal, que chega a uma parte específica do cérebro (Figura 4.10). Outro fato interessante é que essas projeções, e por conseguinte as regiões corticais são organizadas topograficamente. No caso do córtex somatossensorial primário, ilustrado no painel B da Figura 10, por exemplo, cada porção do córtex corresponde a uma região do corpo, o que é chamado representação somatotópica. Isso foi originalmente descrito pelo neurocirurgião canadense Roger Penfield, daí o nome homúnculo de Penfield (homúnculo quer dizer pequeno homem). Analogamente, o córtex visual primário é organizado por regiões do campo visual, em um mapa chamado retinotópico ou visuotópico, ao passo que o auditivo é organizado em freqüências do som, em um mapa tonotópico. Individualmente, cada neurônio responde a apenas uma região restrita do espaço (ou do espectro de freqüências). À região do espaço cuja estimulação é capaz de alterar a atividade de um neurônio dá-se o nome de campo receptor, conceito de extrema influência na neurofisiologia sensorial. Após seu processamento nas áreas corticais primárias, a informação sensorial ainda é processada por várias redes de associação no córtex antes de chegarem às regiões motoras do cérebro, de forma freqüentemente modular e paralela. Para se ter uma idéia, atualmente são conhecidas cerca de 35 áreas visuais diferentes no córtex do primata, cada uma especializada em processar diferentes aspectos dos estímulos, tais como forma, movimento e cor. À medida que as informações de origem sensorial são integradas em regiões a jusante das áreas corticais primárias, elas são combinadas com informações de natureza cognitiva, tais como memória, atenção, entre outros, em um processo que ao cabo dá origem ao que chamamos de percepção. FIGURA 4.10 Auto-avaliação 1. De que formas podem ser divididas as modalidades sensoriais? 2. O que é transdução? Explique seus mecanismos. 3. Conceitue potencial receptor e explique como ele se distingue do potencial de ação. 4. Como a intensidade do estímulo é codificada pelos receptores? 5. Quais são as implicações do fato de que a freqüência de disparos do neurônio sensitivo é proporcional ao logaritmo da intensidade do estímulo? 6. Cite e explique os dois tipos de receptores sensoriais quanto ao grau de adaptação. 7. O que é o princípio da linha rotulada? 8. O que é campo receptor? Aula 5 – Organização da função motora Objetivos: Nesta aula serão apresentados os mecanismos neurais do controle motor somático, com ênfase nas ações reflexas, que são a forma mais elementar de controle. Introdução Passaremos agora ao estudo de como o sistema nervoso gera ações coordenadas, que chamamos de comportamento, por meio do seu sistema motor. Movimentos e postura dependem da contração e relaxamento coordenado dos músculos esqueléticos que movimentam estruturas ósseas. Essa coordenação, por sua vez, depende de disparos finamente orquestrados dos neurônios que controlam os músculos, chamados neurônios motores ou motoneurônios alfa. Embora por vezes voluntárias, nossas ações ocorrem principalmente por mecanismos reflexos e subconscientes. Muitas ações subconscientes resultam de reflexos simples desencadeados por estimulação sensorial. Além disso, muitos dos atos que ocorrem em conseqüência de comandos motores originados do cérebro dependem de circuitos de reflexos medulares para sua execução. Receptores musculares Em virtude de sua importância para a compreensão das ações musculares reflexas, estudaremos os receptores musculares em mais detalhes. Esses receptores, que incluem fusos musculares e órgãos tendinosos de Golgi, são as estruturas responsáveis pela porção sensitiva dos reflexos miotático e miotático inverso, respectivamente, e veiculam sensações do tipo proprioceptivo. Fusos musculares. Como ilustrado na Figura 5.1, os fusos musculares são receptores fusiformes e encapsulados, compostos por fibras musculares modificadas, que podem ser encontradas na maioria dos músculos esqueléticos, arranjadas de forma paralela às fibras responsáveis pela contração, ou seja as fibras extrafusais. Os fusos são inervados por axônios sensitivos e motores, e contêm dois tipos de fibras: fibras de bolsa nuclear, inervadas por axônios motores gama dinâmicos e por axônios sensitivos dos tipos Ia e II; e fibras de cadeia nuclear, inervadas por axônios gama estáticos e os dois tipos de fibras sensitivas (Figura 5.2). Os axônios Ia, que inervam as duas fibras, constituem as chamadas terminações primárias; os axônios tipo II formam as terminações secundárias. É importante notar que as fibras gamas dinâmicas e as fibras sensitivas do tipo Ia são fibras de condução rápida, ao passo que as outras são de condução mais lenta por possuírem axônios menos calibrosos. Os fusos musculares são receptores de estiramento, respondendo, assim, a mudanças no comprimento das fibras musculares. As terminações primárias e secundárias, entretanto, respondem de formas diferentes ao estiramento. As primárias são fásicas, e portanto sinalizam principalmente a taxa de mudança no comprimento muscular, ao passo que as secundárias são tônicas, sendo mais sensíveis ao grau de estiramento em condições estáticas. A razão para isso é que as fibras intrafusais de bolsa e cadeia nuclear reagem de forma diferente ao estiramento. As fibras de bolsa nuclear se adaptam rapidamente em função de suas propriedades viscoelásticas. Logo após o estiramento, sua parte central, onde se localizam os núcleos, volta à posição original. Dessa forma, um axônio inervandoessa parte central será mais sensível a mudanças no grau de estiramento. As fibras de cadeia nuclear, por outro lado, exibem uma mudança de comprimento sustentada em resposta ao estiramento muscular. Um axônio que inerva essa fibra, portanto, será sensível ao seu comprimento de forma contínua (Figura 5.3). Conforme mencionado acima, os fusos musculares também recebem inervação de neurônios motores, chamados de motoneurônios gama dinâmicos e estáticos, que exercem a função primordial de manter a sensibilidade da resposta ao estiramento independente do grau relativo de estiramento prévio do músculo (Figura 5.4). Devido ao arranjo paralelo do fuso, um encurtamento das fibras extrafusais por FIGURA 5.2 FIGURA 5.1 FIGURA 5.3 FIGURA 5.4 ocasião de uma contração muscular (ativação do motoneurônio alfa) pode levar a um “afrouxamento” das fibras intrafusais. Se, nesse estado contraído, o músculo sofrer um estiramento, o fuso não será ativado, já que a fibra intrafusal não será estirada a ponto de estimular os aferentes. Isso, na realidade, não acontece, graças aos motoneurônios gama, que são co-localizados com os motoneurônios alfa na raiz ventral da medula espinhal. Quando um motoneurônio alfa envia disparos para que um músculo contraia, o neurônio gama geralmente manda sinais simultâneos às fibras intrafusais, fazendo com que elas se contraiam com a mesma magnitude das extrafusais, de modo que o fuso muscular mantém-se sensível a estiramentos mesmo nesse novo estado de contração. Órgãos tendinosos de Golgi. São receptores presentes nos tendões dos músculos e formados por terminações de axônios sensoriais do tipo Ib. Em contraste com os fusos musculares, estão dispostos em série com as fibras extrafusais. Por isso, respondem essencialmente à contração muscular. Na verdade, os órgãos tendinosos respondem à tensão presente nos tendões, sinalizando, portanto, a força da contração. A Figura 5 compara as respostas desses receptores às dos fusos musculares. Ações reflexas Um reflexo pode ser definido como um conjunto de processos que leva a uma resposta orgânica desencadeando uma modificação funcional de natureza regulatória ou adaptativa. Um ato reflexo é, por definição: • Involuntário; • Rápido em comparação a ações voluntárias; • Estereotipado, já que ocorre de maneira semelhante em membros de uma mesma espécie. Quanto à sua origem, reflexos podem ser divididos em inatos (ou não condicionados), como é o caso do reflexo pupilar; e condicionados, quando são adquiridos depois do nascimento após um processo de aprendizagem. Um exemplo clássico disso é a salivação reflexa a um sinal auditivo após treinamento de associação do sinal a um alimento, segundo descrito pela primeira vez pelo fisiologista russo Ivan Pavlov na última década do século XIX. Finalmente, os reflexos podem ser divididos também de acordo com o número de sinapses que empregam, que é geralmente proporcional à complexidade da resposta e inversamente proporcional ao tempo que demoram para acontecer. Assim, os reflexos mais simples e rápidos são os monossinápticos, que utilizam apenas uma sinapse interposta entre a porção sensorial e a motora, como é o FIGURA 5.5 caso do reflexo miotático. Os mais lentos e complexos empregam duas ou mais sinapses e são ditos polissinápticos, cujo exemplo mais típico é o reflexo de retirada. Em termos gerais, um arco reflexo é um circuito funcional que contém necessariamente um conjunto de receptores sensoriais (uma via aferente), um centro de integração no sistema nervoso central, um conjunto de neurônios motores (via eferente) e um órgão efetuador (músculo ou glândula) (Figura 5.6). Analisaremos agora alguns tipos de reflexo em maior detalhe. Reflexo miotático ou de estiramento. É uma contração muscular que ocorre em resposta ao estiramento do mesmo músculo. Esse reflexo é de grande importância: para a manutenção da postura, por manter o tônus da musculatura anti-gravitacional; para o controle do comprimento muscular e proteção contra o estiramento passivo excessivo. Por isso, ele é rotineiramente testado na prática clínica. Um exemplo é o exame do reflexo patelar, no qual o neurologista provoca um estiramento do músculo reto femoral percutindo o tendão patelar com um martelo, e observa a contração reflexa do mesmo músculo sob a forma de uma leve extensão da perna. O circuito básico do reflexo encontra-se ilustrado na Figura 5.7. O estiramento das fibras musculares leva a uma ativação do fuso muscular. Se as aferências primárias são as ativadas, o reflexo é dito fásico; se tanto as primárias quanto as secundárias são ativadas, o reflexo é do tipo tônico. As aferências chegam à medula espinhal por meio de seu corno dorsal e fazem um contato sináptico direto com o motoneurônio alfa que inerva o músculo de onde veio a aferência. Se a ativação do fuso é intensa o suficiente, o motoneurônio é ativado, causando a contração muscular. Esse reflexo é, portanto, monossináptico. Além da ativação da musculatura agonista, ocorre também uma inibição a musculatura antagonista, o que facilita a movimentação da articulação. No caso do reflexo patelar, por exemplo, enquanto o músculo reto é ativado, a musculatura do jarrete, na parte posterior da coxa, é inibida. Isso ocorre porque os aferentes do fuso muscular também ativam interneurônios inibitórios na medula, que por sua vez inibem os motoneurônios alfa que inervam a musculatura antagonista. Esse tipo de arranjo é muito comum na medula, e recebe o nome de inervação recíproca. Reflexo miotático inverso. Como o próprio nome sugere, esse reflexo é o inverso do reflexo miotático: seu efeito final é relaxar a musculatura agonista e estimular a antagonista. Conforme ilustrado na Figura 5.8, o reflexo inicia-se com a ativação dos órgãos tendinosos de golgi, por ocasião de uma contração muscular. Uma contração expressiva faz com que os axônios aferentes do órgão tendinoso excitem um interneurônio medular inibitório, que por sua vez inibe o motoneurônio alfa, provocando o relaxamento FIGURA 5.6 FIGURA 5.7 muscular. O reflexo miotático inverso é, portanto, dissináptico, já que envolve obrigatoriamente duas sinapses. Além disso, de forma análoga ao reflexo de estiramento, ele ocasiona também uma estimulação da musculatura antagonista em virtude de uma inervação recíproca. Esse reflexo atua em conjunto com o miotático para controle da postura, e é também importante para evitar lesões nos tendões por excesso de tensão, ocasionadas por uma contração muscular muito intensa. Reflexos de retirada. Há diversos tipos de reflexos flexores, mas todos provocam o mesmo padrão de contração muscular ipsilateral. Em virtude de sua importância e por ser o exemplo mais representativo, descreveremos aqui o reflexo de retirada, ilustrado na Figura 5.9. Nesse reflexo, uma estimulação nociceptiva (dano tecidual) leva a uma retirada do membro ou parte do corpo de onde veio o estimulo. Um exemplo clássico é a flexão rápida do membro inferior ao se pisar em um prego, ou a retirada da mão quando se encosta em algum objeto muito quente. Dessa forma, o reflexo é muito importante para a proteção contra estímulos nocivos. Uma estimulação intensa o suficiente leva à ativação de um interneurônio excitatório, que ativa o motoneurônio alfa que inerva a musculatura flexora; e de um interneurônio inibitório, que inibe o motoneurônio alfa responsável pelo controle da musculatura antagonista (extensora). Um aspecto interessante do reflexo é que interneurônios medulares comissurais (cujos axônios atravessam para o outro lado da medula) podem ser ativadosquando o nível de estimulação é mais elevado e desencadear um padrão de contração muscular contralateral oposto ao do lado ipsilateral: a musculatura extensora se contrai e a flexora é relaxada. Esse reflexo, conhecido como extensor cruzado, é importante para a manutenção da postura e equilíbrio no momento da retirada do membro inferior, por exemplo. O reflexo de retirada apresenta, portanto, algumas características que o distinguem do reflexo miotático. Primeiro, ele é polissináptico, e por isso possui uma latência maior. Além disso, ele exibe uma divergência significativa: um estímulo sensorial leva a ações musculares reflexas em várias articulações simultaneamente, enquanto o reflexo miotático é local. Finalmente, o reflexo de retirada é capaz de ativar (ou inibir) a musculatura contralateral: ele envolve uma inervação recíproca dupla. Vias descendentes e controle motor voluntário Um estudo detalhado do controle motor pelo encéfalo foge aos objetivos deste material. Forneceremos aqui algumas noções gerais acerca do assunto. Recomenda-se ao estudante interessado que consulte a bibliografia indicada no final do capítulo. Além de estarem envolvidos nas ações reflexas, os circuitos medulares estão sob o controle de projeções descendentes vindas do encéfalo, principalmente tronco encefálico e córtex cerebral. A maior projeção é o chamado trato córtico-espinhal que sai do córtex motor primário, no giro pré-central do lobo FIGURA 5.9 FIGURA 5.10 FIGURA 5.8 frontal, e inerva interneurônios e motoneurônios da medula contralateral. Esse é um dos principais tratos envolvidos no controle voluntário do movimento. À semelhança do córtex somatossensorial primário, que estudamos na aula anterior, os neurônios motores do giro pré-central estão organizados topograficamente em um mapa conhecido como homúnculo motor. As projeções desses neurônios para a medula também exibem organização topográfica, tal como a própria medula espinhal: neurônios em regiões específicas da medula inervam grupos musculares específicos. Por exemplo, os motoneurônios que inervam os músculos do membro superior estão localizados na porção medial do corno ventral da medula em sua porção cervical, que devido ao grande número de corpos de neurônios encontra-se aumentada, recebendo o nome de intumescência cervical. Outro aspecto importante das vias descendentes e que elas podem modular os circuitos medulares em vários pontos diferentes (Figura 5.10): interneurônios, motoneurônios alfa e gama, e mesmo na porção pré-sináptica dos neurônios sensoriais. O sinal veiculado pelas vias descendentes é precedido por complexas etapas de processamento para o planejamento do ato motor. De fundamental importância é um circuito cerebral composto por áreas corticais frontais (áreas pré-motora e motora complementar, além do córtex motor primário), alguns núcleos do tálamo e um conjunto de núcleos cerebrais profundos conhecidos como núcleos do base. Disfunções desses últimos estão envolvidas em diversas patologias motoras, tal como a doença de Parkinson. Outra estrutura encefálica de prima importância para o controle motor é o cerebelo. Essa estrutura, que possui conexões recíprocas (envia e recebe) com a medula, vários núcleos do tronco e com o córtex cerebral, está intimamente envolvida na coordenação motora fina e no aprendizado motor – por exemplo, aprender a andar de bicicleta ou tocar um instrumento. O controle motor, portanto, é fruto de uma intricada ação coordenada de neurônios localizados em várias regiões do sistema nervoso central, e está sujeito à constante influência de sinais sensoriais que chegam à medula e ao tronco encefálico. Auto-avaliação 9. Qual a importância dos circuitos de reflexos medulares para o controle motor? 10. Compare os padrões de resposta das fibras primária e secundária do fuso muscular ao estiramento das fibras extrafusais. 11. Qual a função do motoneurônio gama no fuso muscular? 12. Compare os órgãos tendinosos de golgi aos fusos musculares em termos morfofuncionais. 13. O que é um reflexo? Descreva, em termos gerais, a organização de um arco reflexo. 14. Compare os reflexos miotático, miotático inverso e o de retirada em termos de receptores, número de sinapses e músculos efetuadores. 15. Que pontos dos circuitos medulares estão sujeitos à modulação pelas vias descendentes? 16. Cite algumas funções relacionadas ao cerebelo e núcleos da base. AULA 6 – O SISTEMA NEUROVEGETATIVO OBJETIVO: O objetivo desta aula é conhecer os mecanismos de controle nervoso das funções viscerais. O sistema neurovegetativo regula as funções viscerais. Pelo fato desta regulação operar, na maioria das vezes, independentemente de nossa consciência e vontade, este sistema é também conhecido como sistema nervoso autônomo. O sistema neurovegetativo, assim como o sistema nervoso somático, é organizado com base no arco reflexo. As alças reflexas do sistema neurovegetativo também possuem controle cerebral, principalmente do sistema límbico, relacionado às emoções, razão pela qual as atividades viscerais são grandemente influenciadas pelo estado emocional. REFLEXOS AUTONÔMICOS Impulsos iniciados nos receptores viscerais são transmitidos por vias aferentes para o sistema nervoso central, integrados dentro dele em diferentes níveis, e transmitidos para os órgãos efetores viscerais por vias eferentes. Os níveis de integração são variados. Os reflexos simples, tais como a contração da bexiga cheia, são integrados a nível medular, os que regulam a respiração e a pressão arterial são integrados no bulbo, os que controlam as respostas pupilares à luz são integrados no mesencéfalo e os mais complexos, relacionados à constância do meio interno, no hipotálamo. Os dois sistemas controladores do organismo, nervoso e endócrino, operam juntos, e por vezes os reflexos são neuroendócrinos. Um exemplo é o reflexo de ejeção do leite. Este reflexo é iniciado pela estimulação de receptores táteis, abundantes nos mamilos. Os impulsos gerados nesses receptores são transmitidos das vias táteis somáticas para os núcleos supra-óticos e para-ventriculares do hipotálamo. As descargas destes neurônios produzem liberação de ocitocina na circulação pela neurohipófise. A ocitocina causa contração das células mioepiteliais, o que impulsiona o leite para fora dos alvéolos da mama e para fora dos mamilos. Muitos reflexos têm aferências de um órgão e eferências para outro. Um exemplo é o reflexo oculocardíaco. Suas aferências são receptores mecânicos no globo ocular. Sua estimulação produz diminuição da força e frequência cardíacas. A estimulação proposital deste reflexo, por compressão do globo ocular, é capaz de normalizar uma taquicardia de origem atrial, e esta pode ser uma manobra utilizada pelos médicos para corrigir esta arritimia. O conhecimento dos reflexos viscerais é muito importante em várias outras circunstâncias, por exemplo, durante procedimentos cirúrgicos em áreas altamente reflexogênicas, como o globo ocular e o reto. A maneira de previnir complicações durante o manuseio destas estruturas (pode haver inclusive parada cardíaca) é aprofundar a anestesia o suficiente para abolir estes reflexos. VIAS EFERENTES: CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS As vias eferentes periféricas do sistema neurovegetativo, diferentemente do sistema somático que só possui um neurônio, são compostas por dois neurônios. Um possui o corpo celular na medula espinhal ou tronco encefálico (neurônio pré-ganglionar) e faz sinapse com o segundo neurônio (neurônio pós-ganglionar), cujo corpo celular compõe o gânglio autonômico, com sinapses nosefetores viscerais. Estas vias são divididas em dois componentes, o sistema simpático e o parassimpático. Os corpos celulares dos neurônios pré-ganglionares simpáticos se encontram na medula tóraco-lombar, enquanto que os parassimpáticos estão nos núcleos dos nervos cranianos do tronco encefálico e na medula sacral. O sistema nervoso simpático possui neurônios pré-ganglionares, na sua maioria, curtos e pós-ganglionares longos, enquanto que o sistema parassimpático possui neurônios pré-ganglionares longos e pós-ganglionares curtos. Portanto, os gânglios simpáticos estão localizados próximo à medula espinhal, enquanto os parassimpáticos estão localizados na proximidade das vísceras. A medula da glândula supra-renal pode ser considerada um gânglio simpático modificado, pois é inervada por neurônios semelhantes aos pré-ganglionares e suas células produzem adrenalina, que tem ações semelhantes à estimulação das fibras pós- ganglionares simpáticas. A diferença é que a supra-renal libera o mediador químico na circulação, resultando em sua ampla distribuição e efeitos sistêmicos. VIAS EFERENTES: CONSIDERAÇÕES FUNCIONAIS A) NEUROTRANSMISSORES E RECEPTORES Os neurotransmissores dos neurônios simpáticos e parassimpáticos são a acetilcolina e a noradrenalina. Estes neurotransmissores agem respectivamente, nos receptores colinérgicos e adrenérgicos. Existem dois subtipos principais de receptores colinérgicos: nicotínicos e muscarínicos. Os receptores nicotínicos são canais iônicos (receptores ionotrópicos), semelhantes aos que são encontrados na região sináptica da junção neuromuscular esquelética. Sua ativação produz potenciais pós-sinápticos excitatórios. Os receptores muscarínicos não formam poros condutores de íons (são receptores metabotópicos). Sua estimulação ativa proteínas e outras moléculas ativas dentro da célula, podendo produzir tanto estimulação quanto inibição da atividade celular. Esta atividade é por vezes elétrica, como um efeito no potencial de membrana das células cardíacas ou intestinais. Outras vezes sua atividade muda o metabolismo celular, causando efeitos como, por exemplo, o aumento na produção de enzimas digestivas. Existem dois tipos de receptores adrenérgicos: alfa e beta. Ambos são receptores metabotrópicos. Existem ainda vários subtipos de receptores muscarínicos, nicotínicos, alfa e beta. Estes subtipos são classificados de acordo com a sua afinidade de ligação a diferentes compostos químicos. A predominância de um dos diferentes subtipos de receptores em um tecido determina a característica da ação em cada órgão. Tanto as fibras pré-ganglionares simpáticas quanto parassimpáticas liberam acetilcolina, que age em receptores nicotíncos presentes nos corpos celulares dos neurônios pós-ganglionares. As fibras pós-ganglionares simpáticas, na sua maioria, liberam noradrenalina, enquanto que as parassimpáticas liberam acetilcolina. Nas membranas das células dos órgão efetores estão presentes os vários subtipos de receptores muscarínicos e adrenérgicos. B) FUNÇÕES NOS DIFERENTES TECIDOS Os efeitos da estimulação das fibras nervosas simpáticas e parassimpáticas estão mostrados no quadro 6.1. Como pode ser visto, a maioria dos órgãos recebe inervação mista, simpática e parassimpática. Suas ações muitas vezes são antagônicas, como por exemplo no coração, onde o simpático produz aumento de força e freqüência dos batimentos e o parassimpático produz diminuição. Em alguns órgãos os efeitos são complementares, como nos órgãos sexuais masculinos, onde o parassimpático produz ereção e o simpático ejaculação. Em outros tecidos, como nos músculos pilomotores, só um dos sistemas tem atividade. O avanço no conhecimento dos vários subtipos de receptores e o desenvolvimento de drogas mais seletivas para cada um deles permite o melhor controle das funções viscerais. Por exemplo, a adrenalina (substância semelhante à noradrenalina) exógena pode ser usada para produzir dilatação brônquica e melhorar uma crise asmática, mas produz também taquicardia, o que seria indesejável. O uso da terbulalina, uma droga mais seletiva para o subtipo de receptor adrenérgico presente na musculatura bronquiolar (beta2) que para o cardíaco (beta1), é uma terapêutica mais indicada. Quadro 6.1 DIFERENÇAS NA RESPONSIVIDADE DOS SISTEMAS SIMPÁTICO E PARASSIMPÁTICO Apesar de haver controle conjunto dos sistemas simpático e parassimpático em muitos órgãos, durante suas atividades basais normalmente predomina um dos sistemas, ou seja, um deles determina o tônus. No sistema digestivo o tônus é dado pelo parassimpático, enquanto que no sistema cardiovascular predomina o simpático. A acetilcolina normalmente não circula no sangue, por causa da alta concentração de acetilcolinesterase nas sinapses, e os efeitos da descarga colinérgica localizada em geral são discretas e de curta duração. A noradrenalina é capaz de se difundir para a corrente sanguínea a partir das terminações nervosas. O sistema simpático, em situações de estresse, se descarrega em conjunto, o que foi chamado por Cannon de reação de preparação para fuga ou luta. O sinais desta reação incluem dilatação pupilar, estimulação do coração, contração da vasculatura da pele, piloereção, facilitação do estado de vigília e aumento dos níveis plasmáticos de glicose e ácidos graxos. PAPEL DO HIPOTÁLAMO E DO SITEMA LÍMBICO O hipotálamo é a porção da terminação anterior do diencéfalo, e é dividido em vários núcleos. Sherrington considerava o hipotálamo “o principal gânglio do sistema autonômico”, porque a estimulação de algumas de suas áreas produz descargas simpáticas difusas, enquanto que a estimulação de outras produz descargas parassimpáticas. O hipotálamo é também uma estrutura que coordena várias funções importantes para a constância do meio interno, como a fome, a sede, a osmolaridade e a temperatura corporal. O sistema límbico é uma parte do cérebro que consiste de tecido cortical ao redor do hilo do hemisfério cerebral e de um grupo de estruturas profundas associadas – a amígdala, o hipocampo e os núcleos septais. A estimulação límbica produz alterações na pressão arterial e respiração. O hipotálamo e o sistema límbico estão intimamente relacionados com a expressão emocional e a gênese das emoções. AUTOAVALIAÇÃO: 1- Como se dá a neurotransmissão de um neurônio pré-ganglionar para um pós- ganglionar? 2- Os anticolinesterásicos podem ser usados para antagonizar o efeito de um bloqueio do receptor nicotínico por curare, mas este procedimento requer o uso concomitante de atropina, um antagonista muscarínico. Qual a lógica deste procedimento? 3- Os sistemas nervosos simpático e parassimpático são sempre antagônicos. Justifique sua concordância ou discordância com esta afirmativa citando o efeito em dois órgãos. 4- Por que o sistema nervoso simpático pode ser considerado catabólico e o parassimpático anabólico?
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