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Direito Penal Aplicado II aula 4

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Direito Penal Aplicado II 
Aula 4
Crimes contra a Fé Pública
Os crimes contra a Fé Pública visam resguardar a confiança que deve reger determinadas atividades na sociedade. A moeda que todos nós usamos diariamente circula porque existe uma confiança generalizada de que aquela nota é verdadeira. Da mesma forma, documentos públicos são presumidamente verdadeiros e ninguém deixa de receber ou dar crédito ao documento normalmente. Portanto, para que esta "fé" prevaleça (afinal de contas, se não fosse assim ficaria difícil comercializar e viver em sociedade!), o legislador decidiu criminalizar condutas que violem a Fé Pública em determinados casos.
Previsto no art. 289 do CP, o crime de falsificação de moeda pode ocorrer pela sua fabricação ou alteração (transformar uma nota de 5 em 50 reais). Repare que a nota deve estar em curso legal no país, pois, caso não esteja (falsificar notas de Cruzeiro, por exemplo), a conduta não se enquadrará no art. 289, mas no art. 171 (estelionato).
Importante notar que, caso a falsificação seja grosseira (facilmente identificável que não é verdadeira), o crime será também o do art. 171, não podendo se falar em crime de moeda falsa (verbete nº 73 da Súmula do STJ: A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual).
Falsidade Ideológica x Falsidade Material (Falsidade ideológica: conteúdo e ou informação.)
A falsidade pode ocorrer com relação ao conteúdo do documento (informação que nele consta) ou com relação à sua forma e características.
Quando o conteúdo/informação for falsificado, estamos diante de uma falsidade ideológica;
Quando se tratar de falsificação da forma/características, estamos diante de uma falsidade material.
Falsificação de documento público
Documento público é aquele documento emitido pela Administração Pública, com Fé Pública, em seu nome, por um funcionário público e obedecendo os requisitos previstos na legislação em vigor.
Por essa definição, responda: um documento autenticado pelo Cartório de Notas é documento público para fins penais?
R: Não. Isto porque a autenticação em cartório apenas reconhece a compatibilidade das informações com o original, mas não lhe dá a qualidade de documento público.
Ainda dentro deste conceito de documento público, o art. 297, §2º, estabelece que é equiparado a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular. Portanto, um cheque ou uma nota promissória (são títulos de crédito endossáveis), por exemplo, apesar de serem documentos particulares, são equiparados a documento público para efeito do art. 297.
Observe que o art. 297 estabelece duas condutas falsificar e alterar. Essa alteração e falsificação se refere apenas ao formato do documento, à sua parte extrínseca, e não ao seu conteúdo.
Se for com relação ao conteúdo, o crime será de falsidade ideológica, como visto antes, nos termos do art. 299. Contudo, há um detalhe interessante. Conforme falado acima, o documento público é, por definição, emitido por um funcionário público ou alguém nesta condição investido. E se o documento público for falsificado por um particular? Nesse caso, ainda que a falsificação seja com relação ao conteúdo, será crime de falsidade material (art. 297), uma vez que o particular não pode fazer documento público. Portanto, trata-se de uma falsificação de conteúdo que diz, na verdade, respeito ao próprio formato do documento. Cuidado para não confundir!
Nos §3º e §4º, podemos identificar um equívoco do legislador, pois inseriu uma série de condutas que, tecnicamente, seriam falsidade ideológica. Estas falsidades foram inseridas com o intuito de reprimir as constantes fraudes ao INSS.
É o caso, por exemplo, de alguém inserir um vínculo trabalhista falso na carteira de trabalho de outrem a fim de que consiga provar a sua qualidade de segurado da previdência social ou mesmo declarar um salário distinto daquele efetivamente pago.
Como se nota, trata-se de típica alteração do conteúdo/informação em documento, caracterizando falsidade ideológica e não material. Apesar dessa falta de técnica, isto em nada interfere na aplicação do tipo ao caso concreto.
Falsificação de documento particular
	
No art. 298, a redação é bem parecida, mudando apenas o tipo de documento. Por documento particular, podemos definir por exclusão, sendo todo aquele que não for produzido por funcionário público, de acordo com os requisitos legais.
É o contrato de compra e venda de um imóvel ou um contrato social de uma sociedade empresarial, por exemplo. O parágrafo único, inserido em 2012, se refere ao cartão de crédito ou débito e visa coibir penalmente a clonagem de cartões.
Falsidade Ideológica
A primeira observação é que, conforme vimos, o documento público deve ser feito por funcionário público. Do contrário, não será documento público.
Desse modo, somente funcionário público pode figurar como sujeito ativo desse crime, já que é o único que tem atribuição legal para emiti-lo. Mas, e se um particular emitir o documento ou mesmo colocar nele uma informação? (inserir informações em um “espelho” de CRLV de um veículo). Como não tem atribuição para fazer, a conduta se enquadrará na falsidade material (art 297).
É relevante dizer que as condutas da falsidade ideológica devem ter uma finalidade específica. Ou seja, o agente, ao “omitir” ou “inserir”, deve fazê-lo com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Se a falsidade tiver outro propósito, a conduta será atípica.
Uso de documento falso
O uso de documento falso, previsto no art. 304 do CP  somente é aplicado quando o documento falso for um daqueles do art. 297 a 302 do CP. Devemos observar que o tipo penal utiliza o verbo fazer uso, indicando que o porte, por exemplo, não se enquadra nesta figura.
E o que significa fazer uso? É apresentar/usar o documento falso perante alguém ou autoridade.
Vejamos alguns exemplos:
Apresentar identidade falsa ao policial;
Apresentar documento (qualquer um) falso ao posto do INSS para requerer algum benefício previdenciário.
No caso do policial requisitar a apresentação do documento de identidade, haverá crime? Aqui, pode surgir uma dúvida porque o tipo diz fazer uso e, quando alguém é requisitado, ele não tem outra alternativa a não ser apresentar a identidade ao policial. Não haveria espontaneidade na situação e, consequentemente, não teria feito uso, mas forçado a fazer uso. Majoritariamente, e essa também é a posição da jurisprudência, entende-se que a situação deste exemplo configuraria o crime, de maneira que a espontaneidade não é requisito para a sua consumação.
Em geral, o uso de documento falso não ocorre apenas uma vez. O agente apresenta o documento em diversas ocasiões, cometendo, portanto, o crime várias vezes. Neste caso, ele responderá por cada uso? Em regra, sim, seja em concurso material, seja em crime continuado. No concurso material, apenas para relembrar, as penas serão somadas e, no crime continuado, será aplicada uma única pena somada de 1/6 a 2/3.
Pode ocorrer também do agente apresentar vários documentos na mesma situação. Por exemplo, o sujeito vai pleitear um benefício previdenciário e apresenta identidade e uma anotação de vínculo empregatício na CTPS falsas. Neste caso, cometerá duas vezes o art 304? Não. Neste caso, por estar no mesmo contexto e pelo fato do próprio tipo usar a expressão fazer uso de qualquer dos papéis (no plural, portanto), haverá apenas um crime.
No caso de alguém falsificar e usar o documento particular, ele responderá pelo art 298 e 304? Não. O agente responderá apenas um dos crimes: art 298. Isto porque o bem jurídico tutelado é a Fé Pública, a qual já foi violada pela falsificação, sendo o uso do documento um fato posterior imponível. Contudo, essa interpretação somente aconteceráse o agente for o mesmo. Se alguém falsifica para outro usar, haverá a incidência de ambos os dispositivos: art. 297 para quem falsificou e art. 304 para quem usou.
Quem é competente para julgar os crimes de uso de documento falso: Justiça Federal ou Justiça Estadual? Conforme últimas decisões do STJ, a competência não deve ser definida pelo tipo de documento falsificado, mas pela pessoa que recebe o documento. Assim, se o documento de identidade falso for apresentado à Polícia Rodoviária Federal, a competência será da Justiça Federal. Se for apresentado à Polícia Militar, será da Justiça Estadual! Portanto, o fato do documento ser federal ou estadual não implicará na definição da competência para julgamento do crime, mas sim a autoridade para a qual o documento é apresentado.
Jorge é comerciante e recebeu em seu estabelecimento, sem ter conhecimento, uma cédula falsa de R$ 100,00. Ao tomar conhecimento de que a nota era falsa, Jorge decidiu passá-la adiante para não ter prejuízos em seu comércio.
Neste caso, ele poderá ser penalizado, de alguma maneira, por seu ato? Justifique.
Sim, será enquadrado no art. 289, §2º, pois colocou em circulação moeda falsa tendo conhecimento de que a mesma não era autêntica.
Art. 289, § 2º Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

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