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Variação linguistica(1)

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195 
Anuário da Produção 
Acadêmica Docente 
Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 
Luís Fernando Prado Telles 
Anhanguera Educacional S.A. 
lftelles@directnet.com.br 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ALGUNS ASPECTOS DA VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA1 
 
RESUMO 
O presente artigo procura apresentar a importância do reconhecimento da 
variação lingüística na construção do processo de comunicação entre 
professor e aluno. Para tanto, oferece uma introdução aos principais 
conceitos de variação lingüística, apresentando os seus tipos e seus 
respectivos exemplos. A partir daí, discute a relativização do conceito de erro 
em linguagem, bem como a relação entre linguagem e poder, para, em 
seguida, trabalhar a questão do preconceito lingüístico por meio da 
desconstrução de alguns mitos sobre linguagem. 
Palavras-Chave: variação lingüística; linguagem; poder; preconceito 
lingüístico. 
ABSTRACT 
This article presents the importance of the recognition of linguistic variation 
in the construction of the communication process between teacher and 
student. To this, it offers an introduction to key concepts of language 
variation, with their types and their examples. Since then, it discusses the 
relativity of the concept of error in language, as well as the relationship 
between language and power, then to work the issue of linguistic prejudice 
through the deconstruction of a few myths about language. 
Keywords: linguistic variation; language; power; linguistic prejudice. 
 
 
 
1 Material da 2ª aula da Disciplina Técnicas de Comunicação Docente, ministrada 
no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino 
Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: 
Anhanguera Educacional, 2009. 
Anhanguera Educacional S.A. 
Correspondência/Contato 
Alameda Maria Tereza, 2000 
Valinhos, São Paulo 
CEP 13.278-181 
rc.ipade@unianhanguera.edu.br 
Coordenação 
Instituto de Pesquisas Aplicadas e 
Desenvolvimento Educacional - IPADE 
Informe Técnico 
Recebido em: 22/7/2009 
Avaliado em: 10/2/2010 
Publicação: 21 de abril de 2010 
196 Alguns aspectos da variação lingüística 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
1. INTRODUÇÃO 
Como já sabemos, um dos fatores que influenciam no sucesso da comunicação é a 
adequação do discurso do orador ao auditório, para tanto, aquele que profere o seu 
discurso deve saber reconhecer as características do seu público, as suas particularidades, 
e saber respeitá-las no sentido de fazer-se, também, respeitado. Portanto, essa adequação 
está estreitamente ligada à eficácia da construção do ethos do orador, bem como ao 
trabalho com o pathos do auditório. 
 Dentre os elementos cruciais ao trabalho com a adequação está a própria 
linguagem. Tanto a do orador quanto a do auditório, leia-se, no caso específico tratado 
aqui, professor e aluno. Relativizar algumas compreensões sobre linguagem, levando-se 
em conta os aspectos da variação lingüística pode ajudar o professor a reavaliar o seu 
próprio processo de construção discursiva, bem como o do aluno, inclusive no sentido de 
poder repensar a prática comunicacional frente a expectativas do que sejam discursos 
belos e corretos. 
 O presente artigo tem a intenção de apresentar uma pequena discussão que 
proponha um deslocamento em relação a compreensões idealistas sobre linguagem, no 
sentido de chamar a atenção para o fato de que os critérios para a formulação de 
valorações dos fenômenos lingüísticos são construídos socialmente e, portanto, revelam 
usos ideológicos da língua. Tais usos podem ser iluminados pelo reconhecimento de 
diferentes registros e níveis de linguagem e pelo entendimento de algumas categorias de 
relativização provenientes do campo de estudo da variação lingüística, o que permite se 
repensar a noção de erro, bem como a relação entre linguagem e poder, e suas na 
construção de mitos e preconceitos lingüísticos. 
 O reconhecimento destes elementos pode ajudar o professor a refletir sobre a sua 
prática lingüística não apenas no sentido de repensar a valorização do seu próprio 
discurso, mas, inclusive, o do seu aluno, de uma maneira geral. Reconhecer os elementos 
da variação lingüística pode auxiliar o professor a adequar o seu discurso ao público ao 
qual se dirige e, concomitantemente, saber valorizar, também, o discurso deste público, 
impedindo que se interponham, na relação ensino e aprendizagem, mitos e preconceitos 
sobre linguagem que possam causar ruídos na comunicação e atravancar o processo de 
educação, distanciando professor e aluno. 
 Luís Fernando Prado Telles 197 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
2. NOTAS SOBRE A NOÇÃO DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA 
Toda língua é viva. Isso significa dizer que se modifica e se reinventa ao longo do tempo. 
A língua não é um bloco monolítico, uno e plenamente distinguível em seus limites e 
dimensões; apresenta variações que podem ser condicionadas, por exemplo, pelo lugar, 
pelo grupo social, pela situação de comunicação ou pelo tempo. A variação é inerente ao 
fenômeno lingüístico, é constitutiva, inclusive, do próprio processo de formação das 
línguas. As línguas românicas, por exemplo, tais como o português, o italiano, o espanhol, 
dentre outras, são derivações do chamado latim vulgar (ou popular), variação já bem 
distinta do latim culto. 
De certo modo, então, é possível considerar que as línguas românicas de um 
modo geral são provenientes de um fenômeno lingüístico que, em certo momento da 
história, constituiu-se como um desvio em relação ao que se entendia como sendo a 
norma culta do latim. Assim, desse modo, o que podia ser considerado erro em um 
determinado tempo, de acordo com um determinado padrão ou norma, em outro acabou 
por constituir o padrão de outra língua. Isso dá o mote para repensarmos a noção de erro, 
o que faremos mais adiante. 
Reconhecer o fenômeno da variação lingüística, despido de preconceitos, é 
fundamental para o falante reconhecer-se em sua própria língua e se constituir 
legitimamente enquanto sujeito, uma vez que essa constituição passa, necessariamente, 
pela possibilidade de se reconhecer em seu espaço, em seu grupo social, em seu tempo e, 
também, pela capacidade de se adequar às diferentes situações de manifestação 
lingüística. No que se refere à questão da comunicação na relação ensino e aprendizagem, 
é fundamental, portanto, que tanto o professor como o aluno possam se constituir 
enquanto sujeitos reconhecendo-se em suas variantes lingüísticas, respeitando as 
variações provenientes do discurso alheio e sentindo-se respeitados em suas variantes. 
 O fenômeno da variação pode ser notado com mais facilidade quanto aos 
aspectos do vocabulário e da pronúncia. Contudo, pode ser constatado nos mais diversos 
planos da língua. Por exemplo, no plano fônico, é patente a diferença de pronúncia do “s” 
em final de sílaba dependendo da região do país, em alguns lugares é pronunciado como 
uma chiante (como fazem os cariocas) e em outros como sibilante (como os paulistas). A 
depender também da região, o “t” e o “d” seguidos de “i” (leia-se o som de “i”) podem 
assumir diferentes pronúncias, variando da sonoridade também chiante (o que 
equivaleria a soar como algo próximo de “tchi” e “dji”) para outra não chiante (“ti” e 
“di”). A primeira forma é a predominante no país, já a segunda é menos comum, sendo 
reconhecida como marca regional e, em alguns casos, associada a certa influência da 
198 Alguns aspectos da variação lingüística 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
imigração italiana.Ainda no que se refere ao plano da fala, há variações curiosas como 
pronúncia do “e” da palavra “festa”, por exemplo, como se fosse um ditongo “éi”, como 
em algumas ocorrências de fala do carioca. Outro caso bastante patente é a diferença na 
dicção do som do “r” em final de palavra ou em alguns casos em que ocorre no interior 
delas, como o famoso “r” da palavra “porta”. O paulistano pronuncia de um jeito, o 
paulista do interior do estado de outro e o carioca de outro. 
 Além do plano fônico, há variações que podem se dar no plano morfológico 
(como a conjugação, por analogia, de certas formas de verbos irregulares como se fossem 
regulares: “se eu ver, se eu propor, ele interviu”); no plano lexical (por exemplo: “bicha” 
por “fila”, “cueca” por “calcinha”, “muriçoca” por “mosquito”) e, inclusive, no plano 
sintático. Quanto a este último, interessante notar, por exemplo, que em certas regiões do 
Brasil faz-se o uso do pronome de tratamento de segunda pessoa “tu”, mas com o verbo 
conjugado na terceira pessoa; em determinadas regiões é comum o uso do pronome lhe(s) 
na função de objeto direto (como nas ocorrências “eu lhe vi”, “eu lhe adoro”); em 
determinadas situações de fala usam-se os pronomes pessoais oblíquos no lugar dos retos 
ou não se faz a concordância nominal e nem verbal principalmente para marcar o plural. 
Inúmeros podem ser os exemplos de variações lingüísticas, mas para uma 
organização mais sistemática de suas possibilidades, os estudiosos as caracterizaram, 
basicamente, a partir de quatro conceitos. Há a variação diatópica, aquela que é associada 
ao lugar e que compreende, portanto, os regionalismos. As variações que marcam as 
diferenças de grupos sociais (seja referente à classe social, a grupos identitários ou de 
profissionais) são denominadas de variantes diastráticas e compreendem, por exemplo, a 
diferença no uso de gírias, jargões, termos técnicos, e, inclusive, a diferença em relação à 
chamada norma culta e a dita popular. A variação que tem como fator o caráter temporal 
é entendida como sendo uma variação diacrônica e a que incide sobre a situação de 
comunicação é chamada de diafásica, esta variação é aquela que tem como parâmetro a 
adequação de produção discursiva, tal como as exigências situacionais de formalidade e 
informalidade, as quais têm a ver, respectivamente, com uma certa atitude mais tensa ou 
menos tensa, mais controlada ou menos controlada da produção lingüística. A variação 
nestes quatro aspectos podem se dar, portanto, em qualquer um dos planos lingüísticos 
acima aventados (o fônico, o morfológico, o sintático, o lexical, dentre outros). 
O que torna complexo o fenômeno da variação lingüística é o fato de que esses 
diferentes fatores não se dão de forma independente, mas se entrecruzam e se 
determinam. Na esfera de uma variante lingüística determinada socialmente, pode haver 
outro fator de variação que estabeleça diferenças em outros níveis. Por exemplo, as gírias 
 Luís Fernando Prado Telles 199 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
que caracterizam um determinado grupo social podem variar ao longo do tempo e, 
portanto, estabelecer uma variação lingüística dentro de um mesmo círculo social. Ou, 
ainda, a variação diafásica que se dê no sentido da informalidade à formalidade exige, 
comumente, uma variação diastrática, no sentido da passagem do uso da variante popular 
à culta. Na maioria das vezes, as incompreensões sobre a variação lingüística, os 
equívocos e os preconceitos se dão quando se toma como critério de valoração uma 
variante em relação à outra, como se uma fosse o padrão e a outra o desvio. Esse é o 
equivoco que se faz, por exemplo, quando se cobra a corretude da língua falada a partir 
dos paradigmas da língua escrita, sendo esta mais atrelada ao paradigma da gramática 
normativa. Dito isto, faz-se importante passarmos a uma breve apresentação da diferença 
de paradigmas entre a perspectiva normativa e a descritiva da língua a fim de se poder 
relativizar a noção sobre o que seja “erro” em linguagem. 
3. SOBRE A NOÇÃO DE ERRO EM LINGUAGEM 
Basicamente, o reconhecimento e o entendimento da variação lingüística sem a 
preocupação com o seu julgamento, a priori, só é possível a partir da perspectiva 
descritivista da linguagem. Essa perspectiva é a que orienta, de um modo geral, a ciência 
da linguagem, o campo de estudos conhecido como lingüística. Esta encara a língua como 
um fenômeno que deve ser entendido em seus mecanismos e não julgado previamente a 
partir de regras ou preceitos estabelecidos arbitrariamente. Nesse sentido, essa 
perspectiva procura entender e descrever as regras inerentes ao funcionamento das 
línguas em vez de impor regras ao uso. A abordagem descritiva da linguagem procura 
demonstrar como diferentes modos de linguagem possuem diferentes regras sem se 
pautar pela noção de “erro”, mas sim a partir da noção de “variação”. Considera a língua 
como algo dinâmico, de uso, e não como algo prescrito ou idealizado que tem de ser 
reproduzido de modo correto, idêntico a uma forma ideal. 
Por outro lado, a abordagem normativa da linguagem é aquela baseada nos 
preceitos da gramática tradicional. Essa abordagem não é científica, pois não se preocupa 
em descrever a língua de acordo com as leis que realmente demonstram orientar o seu 
uso. Essa abordagem funciona no sentido de prescrever um código que não corresponde, 
em muitos momentos, ao uso efetivo da língua. A abordagem normativa da língua 
distancia-se do cientificismo, pois não é descritiva, mas prescritiva e, enquanto tal, 
considera a existência de erros e preocupa-se em estabelecer uma regra que diga o que é 
correto e incorreto. 
200 Alguns aspectos da variação lingüística 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
A partir desta distinção é possível se falar, então, em dois tipos de gramática: 
uma descritiva, que procura entender as regras de funcionamento das diferentes 
manifestações lingüísticas, e uma normativa, que prescreve regras a serem seguidas. 
Enquanto a gramática descritiva procura entender um fenômeno lingüístico para 
descrever a sua lógica, a gramática normativa se preocupa em dizer se tal fenômeno está 
certo ou errado. Diante de um fenômeno como, por exemplo, o típico “nós vai” a 
gramática normativa dirá apenas que foge à regra e que, portanto, constitui um erro; já a 
gramática descritiva procurará entender a lógica daquilo que a gramática normativa 
entende por erro e, diante disso, poderá entender a existência de leis mais profundas, 
menos evidentes que orientam as formulações lingüísticas de um modo geral. Neste caso 
tomado como exemplo, a gramática descritiva enxerga a lei da economia de meios agindo 
na linguagem: se a marcação do plural já se dá no pronome, dispensa-se, portanto, a 
marcação redundante no verbo. 
Dessa forma, muitos casos encarados como erros pela gramática normativa são 
vistos pela gramática descritiva como modalidades de variação e não necessariamente 
como algo que tem de ser corrigido ou combatido. Em substituição à pergunta sobre se 
um fenômeno é errado ou não se colocará a pergunta sobre a sua adequação ou não ao 
momento de enunciação. No caso das variantes lingüísticas, portanto, a idéia de correção 
é extralingüística, outros fatores que não propriamente lingüísticos permitirão decidir se 
determinado fenômeno é ou não adequado. Há, por exemplo, situações de comunicação 
que exigem maior cuidado, uma adequação mais pertinente à chamada norma culta, 
outras, por outro lado, são quase que impositivas do uso de uma variante mais informal, 
mais coloquial. 
Mas se a questão é a adequação, então, para a gramática descritivanão há erro? 
Sim, há, mas o erro, nesse plano, tem a ver com outro conceito, o de “agramaticalidade”. 
O erro, sob a perspectiva da lingüística, existe quando há agramaticalidade e isso não 
significa o desvio em relação à norma culta, à gramática normativa, mas diz respeito ao 
fenômeno lingüístico do qual não é possível depreender-se uma lógica de funcionamento, 
nem quando considerado internamente em suas relações, nem quando colocado em 
relação com outros fenômenos da língua. O fenômeno é agramatical quando não se pode 
reconhecer nele o funcionamento de alguma lei ou esta ser depreendida dele. Trata-se, 
pois, de um fenômeno sem gramática, destituído de regras de funcionamento. Conforme 
explicam Savioli e Fiorin, toda língua possui um sistema fundamental de regras gerais 
que se desrespeitadas conduzem a algo que não é próprio da língua, ou que não é mais 
reconhecido como pertencente a ela. No caso da agramaticalidade, 
 
 Luís Fernando Prado Telles 201 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
[...] o erro é intralingüístico, não tem nada a ver com um julgamento social sobre uma 
variedade lingüística mais ou menos prestigiada. Se um falante disser Menino bola joga 
campo no, terá violado regras do sistema, como o artigo deve preceder o substantivo, a 
preposição precede o termo que rege, etc. Nesse caso, não terá produzido uma frase do 
português, mas terá pronunciado um amontoado de palavras. (FIORI; SAVIOLI, 2001, 
p.30). 
Dificilmente um falante comete o tipo de agramaticalidade acima citada como 
exemplo. Contudo, no plano da língua escrita, há alguns casos de agramaticalidade que 
são relativamente comuns, tais como frases em que faltam termos essenciais como o 
predicado, ou períodos compostos por subordinação em que não aparece a oração 
principal. 
De acordo com o exposto acima, então, é possível considerar que a noção de 
“erro” é mais pertinente ao campo da gramática normativa, já para a lingüística, a noção 
de erro é sempre vista de modo relativo, se algo é denominado de erro ela sempre 
perguntará em relação a que. Já a agramaticalidade não deve ser vista a partir da idéia de 
erro, mas deve ser vista como uma manifestação lingüística em que não há propriamente 
um erro em relação a uma norma, mas uma ausência de regra que faz daquela 
manifestação algo irreconhecível como pertencente a uma determinada língua. Conforme 
alerta Marcos Bagno, seria possível 
até dizer que existem “erros de português”, só que nenhum falante nativo da língua os 
comete! Por exemplo, seriam “errados” os enunciados abaixo 
Aquela garoto me xingou 
Eu nos vimos ontem na escola 
Júlia chegou semana que vem 
Não duvido que ele não queira não vir aqui 
Que o livro que a moça que Luís que trabalha comigo me apresentou escreveu é bom 
não nego. 
Esses enunciados, precisamente por serem agramaticais, isto é, por não respeitarem as 
regras de funcionamento da nossa língua, não aparecem na fala espontânea e natural de 
falantes nativos do português do Brasil, mesmo que sejam crianças pequenas que ainda 
não freqüentam escola ou adultos totalmente iletrados. (BAGNO, 1999, p. 125) 
Apesar de ser possível a relativização das noções de erro e de correção da 
gramática normativa a partir da perspectiva mais ampla da lingüística e da gramática 
descritiva, isso não significa que a gramática normativa seja inútil ou que deva ser 
descartada de uma hora para outra. Ela ainda é um dos principais parâmetros sobre os 
quais se orientam muitas práticas lingüísticas, principalmente aquela da escrita, que 
precisa de uma base convencional estabelecida para funcionar de modo eficiente e preciso. 
O problema ocorre quando a gramática normativa é tomada como diapasão de tudo 
quanto se refere à língua a ponto de se chegar à confusão comum de se tomar a gramática 
normativa do português como se esta fosse a própria língua portuguesa. O problema é 
maior ainda quando essa generalização, aí sim errônea, é tomada como pressuposto, 
mesmo que inconscientemente, e passa a funcionar como instrumento de opressão e de 
exclusão nos jogos que orientam as relações de poder existentes na sociedade. 
202 Alguns aspectos da variação lingüística 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
4. LINGUAGEM E PODER 
Como ensina Maurízio Gnerre, a linguagem não é usada somente para veicular 
informações, mas ocupa papel central, inclusive, na função de comunicar ao ouvinte a 
posição que o falante ocupa de fato ou pensa que ocupa na sociedade em que vive. Ainda 
segundo o lingüista, as regras que orientam a produção apropriada dos atos de linguagem 
devem levar em conta as relações sociais em que estão envolvidos o emissor e o receptor. 
Para tanto, todo emissor, ou produtor de um ato lingüístico, deve saber quando pode ou 
não falar, sobre qual conteúdo lhe é consentido falar e que tipo de variedade lingüística é 
oportuna, ou seja, qual é mais adequada à situação de comunicação. O problema se dá, 
atenta Gnerre, quando determinados falantes de uma língua são excluídos da 
possibilidade de escolher uma variedade por não terem acesso a ela, como no caso da 
variedade culta ou tida como padrão (considerada, muitas vezes, como sinônimo da 
própria língua e, geralmente, associada a conteúdos de prestígio), ou são excluídos 
simplesmente por utilizarem-se de uma variante lingüística que lhes é própria, mas que é 
desprestigiada socialmente, como é o caso de algumas variantes regionais, por exemplo. 
Conforme alerta Gnerre, 
[...] uma variedade lingüística “vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, 
vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e 
sociais. Essa afirmação é válida, evidentemente, em termos “internos”, quando 
confrontamos variedades de uma mesma língua, e em termos “externos” pelo prestígio 
das línguas no plano internacional. Houve época em que o francês ocupava a posição 
mais alta na escala de valores internacionais das línguas, depois foi a vez da ascensão do 
inglês. O passo fundamental na afirmação de uma variedade sobre as outras é sua 
associação à escrita e, conseqüentemente, sua transformação em uma variedade usada 
na transmissão de ordem política e “cultural”. (GNERRE, 1988, p. 61) 
De certa maneira, Gnerre está afirmando que os valores e os juízos construídos 
sobre as variantes lingüísticas não têm sua sustentação em critérios propriamente 
lingüísticos, mas provêm de conceitos já estabelecidos socialmente, é por isso que a 
variedade lingüística vale o que valem na sociedade os falantes. Isso significa dizer que 
uma determinada variante regional, por exemplo, é mais valorizada do que outra não 
porque suas regras são mais exatas, mais claras, ou porque é intrinsecamente mais bela do 
que outra, mas sim porque a variante ganha os valores já previamente construídos 
socialmente sobre a determinada região e seus respectivos habitantes. 
Outro aspecto importante frisado por Gnerre é o caráter de legitimação de uma 
variedade lingüística garantido pela sua associação à escrita e, portanto, a uma certa 
norma gramatical. Aqui, volta-se, novamente, ao problema da associação da língua a um 
único padrão, o da escrita e da gramática normativa, o que levaria àquela generalização 
errônea acima aludida, a de se tomar a gramática normativa como sinônimo de língua 
portuguesa. Esta associação estaria na base, segundo Marcos Bagno, da maioria dos mitos 
 Luís Fernando Prado Telles 203 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
sobre linguagem que dão sustentação ao fenômeno do preconceito lingüístico que tem 
funcionado como instrumento de dominação e de agravamento do processo de exclusão 
socialno Brasil. Conforme considera Bagno: 
O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso 
da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer 
essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é o 
vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua. [...] A 
língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a 
tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta. 
Essa descrição, é claro, tem seu valor e seus méritos, mas é parcial (no sentido literal e 
figurado do termo) e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua – 
afinal, a ponta do iceberg que emerge representa apenas um quinto do seu volume total. 
Mas é essa aplicação autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia 
geradora do preconceito lingüístico. (BAGNO, 1999, p. 9-10) 
5. SOBRE O PRECONCEITO LINGÜÍSTICO: DESCONSTRUINDO ALGUNS MITOS 
Em seu livro Preconceito lingüístico: o que é, como se faz, Marcos Bagno lista oito dos 
principais mitos sobre a língua portuguesa que conduzem à criação do preconceito 
lingüístico. As explanações sobre cada um dos mitos constituem os capítulos da primeira 
parte do livro. O primeiro deles é aquele que pode ser resumido pela seguinte afirmação: 
“a língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Esta frase 
constitui-se como a afirmação de um mito, pois, como já dito anteriormente, a língua não 
é um bloco monolítico, mas constituída de variações. O fato de o português ser a língua 
da grande maioria da população brasileira significa que esse português é homogêneo. Na 
base desse mito está a idéia acima aventada de que a língua portuguesa do Brasil é a 
língua da gramática normativa. Para Bagno, acreditar nesse mito significa, por um lado, 
desconsiderar as variantes lingüísticas do português do Brasil como sendo manifestações 
lingüísticas legítimas e merecedoras de respeito e, por outro, assumir que existe uma 
grande parcela da população que pode ser entendida como os “sem língua”, já que, 
seguindo a lógica que sustenta o mito, não têm acesso ao chamado padrão culto da língua, 
muito pautado, como já dissemos, no paradigma da escrita e da gramática normativa. 
O segundo mito isolado por Bagno é traduzido pelas afirmações complementares 
de que o “brasileiro não sabe português” e de que “só em Portugal se fala bem 
português”. Para o lingüista, estas duas afirmações refletem a existência de um único 
problema, o complexo de inferioridade do brasileiro. O fato de o brasileiro se dizer 
desconhecedor da língua de que é falante nativo tem a ver novamente como o fato de 
identificar a língua à gramática normativa e esta a uma tradição cultural que, muitas 
vezes, lhe foi imposta como superior e que está associada historicamente à cultura do 
colonizador. O que ocorre, explica Bagno, é que o português falado pelo brasileiro é 
diferente e não inferior ao falado em Portugal. Portanto, o segundo não deve ser usado 
204 Alguns aspectos da variação lingüística 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
como critério de avaliação do primeiro. Para marcar mais claramente a diferença, Bagno 
chama a atenção para o fato de que os lingüistas preferem chamar o português falado no 
Brasil de português brasileiro. No plano da linguagem escrita, o português de Portugal e do 
Brasil são pouco divergentes, ainda mais agora com o novo acordo ortográfico que tende a 
aproximar os modos de escrita, contudo, no que se refere à fala, constituem-se ambas 
variantes legítimas da língua portuguesa e, como nos mostra Bagno, as duas se 
distanciam, em muitos momentos, mas em diferentes caminhos, do que é tido como 
norma gramatical. No Brasil, por exemplo, os pronomes “o”/ ”a” usados em posição 
proclítica são muito pouco usados na linguagem falada, o mesmo se pode dizer do uso 
das posições enclíticas das formas pronominais “lo” e “la”. Em vez de se dizer, no Brasil, 
“eu o vi”, diz-se “eu vi ele”; em vez de “eu vou pegá-lo”, diz-se “eu vou pegar ele”. Estas 
formas são usadas na fala apenas em situações mais formais, em momentos de produção 
discursiva mais tensa, em que o enunciador pretende marcar que domina as regras 
gramaticais de uso do pronome. Se estas formas de uso pronominal não são comuns na 
língua falada pelo brasileiro e são mais corriqueiras na fala dos portugueses, por outro 
lado, há outras construções que são mais comuns ao falante português e menos ao 
brasileiro, mas que constituem, do mesmo modo, um desvio à regra gramatical. Por 
exemplo, a expressão “mais pequeno” não é aceita no português brasileiro como sendo 
correto, já em Portugal isso é de uso corrente. Conforme diz Bagno, do mesmo modo 
como nós cometemos os nossos “pecados” contra a gramática normativa, os portugueses 
também cometem os deles. Em Portugal, por exemplo, na língua falada, o plural de “tu” 
não é o “voz”, mas “vocês” e quando se faz o uso dos possessivos, os portugueses usam o 
"vosso”/“vossa” em referência a “vocês”, pronomes que, gramaticalmente, só poderiam 
ser usados com “o vós”. Dizem, por exemplo: “Vocês trouxeram os vossos filhos?”. 
Conclui Bagno, portanto, que nem o português brasileiro ou o falado em Portugal “é mais 
certo ou mais errado, mais feio ou mais bonito: são apenas diferentes um do outro e 
atendem às necessidades lingüísticas das comunidades que os usam, necessidades que 
também são... diferentes!” (BAGNO, 1999, p. 32). 
O terceiro mito atacado pelo lingüista em seu livro é aquele que se pauta na 
afirmação de que o “português é muito difícil”. Como diz, essa idéia é “prima-irmã” 
daquela de que “brasileiro não sabe português”. Essa afirmação tem a mesma origem na 
falsa identificação da língua portuguesa à gramática normativa. O fato de não conhecer as 
regras da gramática normativa não significa que um falante nativo do português não 
saiba a sua língua. Aqui, faz Bagno uma distinção importante: “saber uma língua, no 
sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com 
naturalidade as regras básicas de funcionamento dela.” (BAGNO, 1999, p. 35). Segundo o 
 Luís Fernando Prado Telles 205 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
autor, esse mito é denunciado, por exemplo, por certas incongruências quanto à cobrança 
de correção em relação à regra gramatical, visto que há casos mais evidentes que outros e 
que, por isso, não são aceitos; outros, por serem menos evidentes, são aceitos por aqueles 
mesmos que condenam aqueles primeiros. O exemplo é o caso da questão da regência do 
verbo assistir, segundo Bagno, 
Aquelas mesmas pessoas que, por causa da pressão policialesca da escola e da gramática 
tradicional, usam a preposição a depois do verbo assistir, também dizem que “o jogo foi 
assistido por vinte mil pessoas”. Ora, se o verbo assistir pede uma preposição é porque 
ele não é transitivo direto, e só os verbos transitivos diretos podem, segundo as 
gramáticas, assumir a voz passiva. Desse modo, quem diz “assisti ao jogo” não poderia, 
teoricamente, dizer “o jogo foi assistido”. Só que essa esquizofrenia gramatical acontece 
o tempo todo. Basta ler jornais como a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo, cujos 
manuais de redação decretam que o verbo assistir tem que vir obrigatoriamente seguido 
da preposição a. Na voz ativa, a preposição aparece: “Vinte mil pagantes assistiram ao 
jogo”, porque assim manda o manual da redação. Mas na hora de usar a voz passiva, a 
gramática intuitiva brasileira do redator se manifesta, e a gente encontra milhares de 
exemplos do tipo “o jogo foi assistido por vinte mil pagantes”.Essas pessoas, então, 
ficam em cima do muro: “acertam” na voz ativa, por causa do patrulhamento 
lingüístico, mas “erram” na passiva, porque se deixam levar pelo uso normal do 
português brasileiro. (BAGNO, 1999, p. 37) 
Esse mito número três, segundo Bagno, teria alçado o chamado “português” ao 
nível de uma entidade quase que mística e sobrenatural à qual apenas alguns poucos 
iniciados teriam acesso. Esse mito seria responsável, ainda, por sustentar toda uma rede 
mercadológica que faria dessa “dificuldade” do português um “produto com boa saída 
comercial” (BAGNO, 1999, p. 38). 
O mito de número quatro seria uma espécie de contrapartida lógica dos mitos 
dois e três, uma vez que se “o brasileiro não sabe português” porque o “português é 
muito difícil”, então, nada mais natural a conclusão de que “as pessoas sem instrução 
falam tudo errado”. Esta seria a assertiva que sustentaria o quarto mito. Para trabalhar a 
desconstrução desse mito, Bagno recorre novamente à discussão sobre linguagem e poder 
e procura demonstrar, por meio de exemplos, como fenômenos exatamente idênticos do 
ponto de vista lingüístico são valorizados de modos distintos a depender de quem os 
produz. O primeiro caso trabalhado por Bagno é o fenômeno lingüístico da transformação 
de “l” em “r” em encontros consonantais como pode ocorrer nas pronúncias de palavras 
como “Cláudia/Craudia”, “chiclete/chicrete”, “planta/pranta”. Essas formas de 
pronúncia estigmatizadas socialmente e consideradas muitas vezes como sinônimo de 
“burrice”, na verdade constituem um fenômeno fonético, nos mostra Bagno, que está na 
base da própria formação da língua portuguesa padrão. O fenômeno da transformação de 
“l” em “r” na pronúncia de certas palavras numa variante coloquial, não padrão, do 
português brasileiro é o mesmo que possibilitou a formação de algumas palavras do 
português padrão. A esse fenômeno dá-se o nome de rotacismo e é o que explica a 
formação de algumas palavras provindas do latim, tais como “praga”, que veio de 
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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
“plaga”, “obrigar’ que veio de “obligare”, “fraco” que veio de “flaccu”, dentre outras 
muitas. Chama a atenção Bagno, inclusive, para o fato de que o próprio Camões escreveu 
“pubricar”, “pranta”, “frauta”, “frecha” em Os Lusíadas. 
Outro exemplo é o fenômeno lingüístico da palatalização. Este nome é usado para 
designar o fenômeno já mencionado anteriormente a respeito da pronúncia da consoante 
“t” antes do som de “i”. Esse “t” é pronunciado como algo próximo de “tch”, assim, a 
maioria dos falantes do sudeste pronuncia a palavra “titia” como “tchitchia”. Bagno 
chama a atenção para o fato de muitos falantes nordestinos pronunciarem esse mesmo 
som do “tch”, só que em ocorrências em que o som posterior é de “u” (não estarmos 
usando os símbolos do alfabeto fonético, mas devemos frisar que estamos falando de som 
e não de grafia). Portanto, não raro é possível encontrar a pronúncia “oitchu”para a 
palavra escrita como “oito”. Tanto no caso da pronúncia da palavra “titia” quanto no da 
palavra “oito” o fenômeno lingüístico é o mesmo, mas a avaliação que se faz de cada um 
não é a mesma. 
A conclusão de Bagno é simples. Se o fenômeno é o mesmo, mas nuns casos se 
aceita e em outros não, em uns casos é tido como normal e em outros como “estranho”, 
“engraçado” ou até “errado”, então o problema não está naquilo que se fala, mas em quem 
fala o quê. Evidencia-se, assim, o fato de que o preconceito lingüístico decorre de outros 
tipos de preconceito, como o social e o regional. 
Bagno segue em sua cruzada contra o preconceito lingüístico e em seu trabalho 
de desconstrução dos mitos sobre linguagem. O quinto mito é aquele que diz que “o lugar 
onde melhor se fala o português no Brasil é o Maranhão”. Bagno chama a atenção para o 
fato de se ter criado esse mito muito em razão do fato de nesse estado ainda se usar o 
pronome de segunda pessoa seguido das formas verbais com a terminação “-s” própria 
da segunda pessoa: “tu vais”, “tu queres”. O fato é que se os maranhenses fazem essa 
concordância correta, por outro lado também dizem coisas do tipo como “esse é um bom 
livro para ti ler”, em vez do que seria o correto: “Esse é um bom livro para tu leres”. Ou 
seja, se eles “acertam”, por um lado, “erram”, por outro. Assim, Bagno demonstra a 
falácia da argumentação generalizante de se tomar a fala de uma determinada região do 
país como exemplo do português chamado correto segundo a gramática normativa. Esse 
caso trabalhado por Bagno é apenas um meio usado pelo lingüista para combater aquilo 
que entende por “ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de 
falantes o ‘melhor’ ou o ‘pior’ português” e alerta para o fato de que “se tivermos de 
incentivar o uso da norma culta, não podemos fazê-lo de modo absoluto”, em detrimento 
de outras variantes lingüísticas. 
 Luís Fernando Prado Telles 207 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
Na parte de seu livro reservada à desconstrução do sexto mito, Bagno procura 
argumentar contra o estabelecimento da escrita como paradigma de correção e de 
julgamento da língua de um modo geral. O mito resume-se à seguinte afirmação: “O certo 
é falar assim porque se escreve assim”. Contra esse mito, o lingüista chama a atenção para 
o fato de que a escrita alfabética é uma tentativa de representação gráfica, convencional da 
língua falada. Em sendo assim, seria uma incongruência querer inverter a situação e 
cobrar da fala uma adequação à escrita. É um contra-senso querer estabelecer a escrita 
como paradigma da língua falada. Em outros termos, em vez de se dizer pronuncie assim, 
pois se escreve assim, o mais justo seria, considera Bagno, por exemplo, dizer a um aluno 
que ele pode dizer “bonito” ou “bunito”, “louco” ou “loco”, mas que só pode escrever 
“bonito” e “louco”, porque deve haver uma ortografia convencionada para a língua para 
que todos possam ler e compreender o que se escreve. 
O sétimo mito combatido por Bagno é aquele que afirma que “é preciso saber 
gramática para falar e escrever bem”. De certo modo, esse mito incorre no mesmo engano 
do anterior, da mesma forma que houve uma inversão na lógica da relação entre língua 
falada e língua escrita, também ocorreu em relação à gramática. Esta, a princípio, deveria 
servir para descrever e registrar as regras e funcionamentos da língua, seria, portanto, 
para ser uma decorrência da língua. Contudo, alerta Bagno, 
como a gramática, porém, passou a ser um instrumento de poder e de controle, surgiu 
essa concepção de que os falantes e escritores da língua é que precisam da gramática, 
como se ela fosse uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua ‘bonita’, 
‘correta’ e ‘pura’. (BAGNO, 1999, p. 64). 
Esse mito número sete estaria centrado naquela confusão inicial já aventada 
anteriormente de se tomar a gramática normativa como sinônimo de língua. Mas é preciso 
desfazer essa confusão, diz Bagno, “não há por que confundir o todo com a parte”. Assim, 
é possível considerar que conhecer a gramática normativa pode ser um dentre muitos 
instrumentos que contribuem ao uso eficaz da língua falada e escrita, mas talvez não seja 
uma condição exclusiva ou necessária. 
O último dos mitos combatidos por Bagno é aquele que diz que o “domínio da 
norma culta é um instrumento de ascensão social”. O lingüista também procura explicitar 
a lógica perversa que dá base a essa formulação e demonstra que, na verdade, via de 
regra, quem tem acesso à norma culta é quem já passou por um processo de ascensão 
social, ou que já está numa posição privilegiadasocialmente. Dominar ou não dominar a 
norma culta não é garantia de ascensão social e o inverso também é verdadeiro, nada 
garante que as pessoas privilegiadas econômica e socialmente possuam, de fato, maior 
domínio da norma culta. O fato de terem condições mais facilitadoras não significa que, 
208 Alguns aspectos da variação lingüística 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
de fato, possuam maior domínio. Por outro lado, como diz Bagno, o domínio da norma 
culta de nada vai adiantar a uma pessoa 
que não tenha casa decente para morar, água encanada, luz elétrica e rede de esgoto. O 
domínio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que não tenha acesso às 
tecnologias modernas, aos avanços da medicina, aos empregos bem remunerados, à 
participação ativa e consciente nas decisões políticas que afetam sua vida e a de seus 
concidadãos. (BAGNO, 1999, p. 70) 
Esses oito mitos sobre a língua, diz Bagno, resumem as crenças errôneas que 
sustentam a permanência do preconceito lingüístico em nossa sociedade. Ao final do 
livro, lista uma série de noções que devem ser levadas em consideração para se assumir 
uma nova postura diante da língua na luta contra o preconceito lingüístico. A essas 
noções Bagno dá o nome de “cisões” e as endereça aos professores de língua portuguesa, 
mas cabem perfeitamente a todo falante de português. Para a luta contra o preconceito 
lingüístico, é necessário: 
1. “Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário 
competente dessa língua, por isso ele sabe essa língua”; 
2. “Aceitar a idéia de que não existe erro de português”, mas “diferenças de uso ou 
alternativas de uso em relação à regra única proposta pela gramática normativa”; 
3. “Não confundir erro de português com simples erro de ortografia”; 
4. “Reconhecer que tudo o que a gramática normativa chama de erro é na verdade 
um fenômeno que tem uma explicação científica perfeitamente demonstrável”; 
5. “Conscientizar-se de que toda língua muda e varia. O que é hoje visto como 
‘certo’ já foi ‘erro’ no passado. O que hoje é considerado ‘erro’ pode vir a ser 
perfeitamente aceito como ‘certo’ no futuro da língua”; 
6. “Dar-se conta que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal, ela 
simplesmente vai...”; 
7. “Respeitar a variedade lingüística de toda e qualquer pessoa, pois isso equivale a 
respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano, 
porque” 
8. ”A língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos, nós somos a 
língua que falamos”. 
9. (BAGNO, 1999, p. 143-144) 
6. MODALIDADES DE LINGUAGEM E A PRODUÇÃO DO TEXTO ESCRITO 
Desse nosso passeio pela cruzada de Bagno contra o preconceito lingüístico deve resultar, 
sim, a relativização de um entendimento de língua a partir do paradigma único da 
gramática normativa, mas isso não quer dizer que devamos jogar tudo para o alto e 
entregarmo-nos a um vale tudo lingüístico. Respondendo a uma pergunta que ele próprio 
formula, Então, vale tudo?, Bagno dirá que o uso da língua, tanto em sua modalidade oral 
como escrita, deverá encontrar o ponto de equilíbrio entre os eixos da adequabilidade e o da 
aceitabilidade. Por exemplo, não é aceitável e nem adequado se cobrar a estrutura e a 
correção gramatical de um texto escrito no discurso oral, ainda mais se este discurso for 
pertinente a uma situação informal de comunicação. A modalidade escrita da língua é 
aquela em que o paradigma da gramática normativa se faz mais adequado, e, mesmo 
 Luís Fernando Prado Telles 209 
Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210 
assim, isso dependerá do nível de formalidade, de informalidade e de outras 
condicionantes do texto. 
 Em seu outro livro, Bagno dá a dica para resolvermos a relação com a gramática 
normativa. Em vez de subordinarmos a nossa linguagem ao paradigma único da 
gramática com o fito de ficarmos nos policiando quanto ao certo e o errado, deveríamos 
inverter a situação e usarmos o conhecimento de gramática a favor de nossa atuação 
lingüística. Sugere que devamos “fazer da gramática o instrumento para tocar a música da 
linguagem” (BAGNO, 2000, p. 311) e, assim, substituirmos a gramática pela dramática da 
linguagem, por meio da qual atuamos enquanto sujeitos. Nesse sentido, escrever, para 
Bagno (2000, p. 311) “não é alinhar mecanicamente uma série de palavras ou de orações. É 
ter plena consciência de que cada palavra, de que cada oração é apenas uma brecha para o 
mundo, e que é este mundo que é importante, interessante, vital”. 
Estas palavras de Bagno servem não apenas para encerrar este artigo, mas 
iluminam o trabalho posterior, a ser desenvolvido nas duas aulas seguintes sobre a 
construção do texto escrito e, porque não dizer, dos modos de constituição do sujeito 
enquanto ator em sua língua, para nos aproximarmos, aqui, de uma perspectiva mais 
dramática sobre a linguagem. 
REFERÊNCIAS 
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999. 
______. Dramática da língua portuguesa: Tradição gramatical, mídia & exclusão social. São Paulo: 
Edições Loyola, 2000. 
GNERRE, Maurízio. Linguagem e poder. Subsídios à proposta curricular de língua portuguesa 
para o 1º. e 2º. graus. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo - Secretaria de Estado da 
Educação, 1988, p. 61-63. (Coletânea de Textos – Volume I). 
SAVIOLI, Franciso Platão; FIORIN, José Luís. Manual do candidato: português. Brasília: Fundação 
Alexandre de Gusmão, 2001. 
Luís Fernando Prado Telles 
Possui bacharelado e licenciatura em 
Letras (1997), mestrado (2000) e 
doutorado (2009) em Teoria e História 
Literária pela Universidade Estadual de 
Campinas, ambos na área de Literatura 
Portuguesa. Desde 2001, atua como 
professor de nível superior nas áreas de 
Língua Portuguesa e de Literatura. Participou, na 
qualidade de parecerista, da equipe responsável pela 
elaboração do Catálogo do Programa Nacional do Livro 
Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2005) proposto 
pelo Ministério da Educação. Atuou como professor dos 
cursos de formação continuada para professores do 
Ensino Fundamental e Médio oferecidos pela Secretaria 
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do Estado da Educação de São Paulo em conjunto com a 
Unicamp (2005-2006). Foi professor das Faculdades de 
Campinas-Facamp de 2002 a 2009. Atualmente é 
Supervisor Acadêmico da Área de Educação e Humanas 
do Departamento de Pós Graduação e Extensão da 
Anhanguera Educacional S.A. Áreas de atuação e de 
interesse: Literatura Portuguesa, Teoria da Literatura, 
Teoria do Romance, Teoria da Narrativa, Teoria da 
Modernidade e Pós-modernidade.

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