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Seção 2 – A racionalização do real Sócrates e a busca de si Sócrates não foi o primeiro filósofo; no entanto, é ele que carrega a marca do primeiro filósofo propriamente dito. Foi a história que lhe deu essa honra, já que ele mesmo não se preocupava com tal definição. Sua vida tinha um objetivo claro que era provocar os seus contemporâneos a pensar, sem se prender a formalidade, mas como uma busca de referências e valores que fundamentasse o sentido e significado de uma vida individual e coletiva. Para ele, filosofar era uma atitude, um modo de vida que era motivado pela necessidade de interrogar, e o conhecimento um diálogo com o mundo. O pensamento socrático é o ponto de partida para a tradição filosófica ocidental. Ele inaugura a tradição clássica ao romper com a preocupação dominante dos Pré-Socráticos de fazer uma filosofia da natureza. Com o seu pensamento, a problemática ético-política toma a dianteira da discussão filosófica como questão urgente da sociedade grega. Este desenvolvimento da filosofia está diretamente ligado a uma nova realidade cultural e econômica. É a partir da estabilização da sociedade grega, com o desenvolvimento do comércio, com a organização da sociedade ateniense, que a filosofia encontrará as condições necessárias para o seu desenvolvimento. Ao lidar com os seus próprios negócios, a sociedade ateniense viu a necessidade de conciliar e harmonizar as diferentes tendências e, para isso, a democracia foi a melhor ferramenta. Mas o que representou essa democracia? Ela representa a possibilidade de se resolver, através da palavra e das leis iguais para todos, as divergências existentes ao buscar o melhor para as partes. Com isso, a razão se sobrepõe a força, e a força se rende a força da razão. A linguagem precisa ser racional, as discussões bem fundamentadas, os argumentos articulados e o questionamento essencial. Quem foi Sócrates? Como podemos observar, Sócrates marca o início da filosofia clássica. Mas quem foi ele? Sócrates nasce em Atenas, em 470/469. Filho de uma parteira e de um escultor. Para ele a filosofia era uma arte de vida. Costumava interrogar os seus discípulos em praça pública e se recusava a escrever os seus pensamentos. Foi condenado a morte em 399, sob a acusação de corromper a juventude e de impiedade, já que parecia propor deuses diferentes daqueles venerados na cidade. Algo interessante em sua jornada filosófica é que ele não funda uma escola; sua pedagogia era ensinar os caminhos da filosofia nas ruas e praças. Seu objetivo era trazer à luz ou levar ao nascimento da verdade em seus ouvintes, como faz uma parteira. Quanto à busca da verdade, ela não pode corresponder a um conjunto de proposições e de fórmulas predeterminadas que podemos escrever, comunicar ou vender. Pelo contrário, o saber e a verdade se encontram na alma, e cada ser humano tem a responsabilidade de descobri-los, conhecendo a si mesmo. A originalidade do pensamento socrático está na lição em que o indivíduo que realmente busca o conhecimento verdadeiro deve começar por questionar a si mesmo. Essa consciência de si irá provocar uma inquietação em quem o escuta. É o poder da palavra que se manifesta através do diálogo. Assim, conhecer é adentrar na natureza das coisas e a verdade está em dizer como as coisas realmente são, ou seja, descobrir a essência das coisas. Em sua busca pela verdade, Sócrates foca no ser, nesse caso o ser humano. Ele faz uma análise das qualidades individuais e das virtudes, definindo essas qualidades como sendo bondade, justiça, temperança, coragem. Quando pergunta o que é, seu objetivo é compreender a sua essência e não a sua mera aparência. A partir dessas perguntas ele constrói uma filosofia prática que se tornará a ética. Bertand Russell afirma: “Encontramos em Sócrates um precursor das escolas estóica e cínica do período posterior da filosofia grega. Com os cínicos, compartilha a sua própria despreocupação para com os bens terrenos, e com os estóicos, o seu interesse pela virtude como o maior dos bens. (...) Isto ressalta a linha fundamental do pensamento socrático. Embora ele sempre diga que nada sabe, não acha que o conhecimento esteja além do nosso alcance. O importante é precisamente que devemos tentar a busca do conhecimento. Sócrates sustenta que o que faz um homem pecar é a falta de conhecimento. Se soubesse, não pecaria. A causa dominante do mal é, portanto, a ignorância. Assim, para alcançar o Bem, precisamos possuir conhecimento, logo, o Bem é conhecimento. O vínculo entre o Bem e o conhecimento é um marco presente em todo o pensamento grego.” (RUSSELL, 2001, p. 69) A Filosofia Moral Sócrates inaugura a filosofia moral ao vencer as amarras dos vícios e fomentar os caminhos para as virtudes. Interessante é que ele conseguiu enxergar o quanto estamos presos às ilusões de um mundo material, assim como apontava para o conhecimento como o único remédio para tamanha doença. Poucos pensadores são tão relevantes para os nossos dias como ele. Se pararmos para observar, vivemos em uma sociedade em que os valores são desacreditados diariamente. Através dos meios de comunicação de massa, o que somos desaparece em detrimento do que possuímos. O materialismo se afirma não apenas nas relações comerciais, mas até mesmo nas relações pessoais, onde os sentimentos são barganhados pelos discursos de alienação e consumo. Sócrates apresenta o remédio: ‘conhece a ti mesmo’. O ser humano tem a predisposição para o pensamento. A dificuldade está em aceitar esse desafio e encará-lo da maneira correta. Não podemos esquecer que uma vida sem capacidade de pensar não vale a pena ser vivida. O documentário a seguir explica com clareza esse fato. A ‘Maiêutica’ socrática A ‘Maiêutica’ socrática – palavra grega de define o trabalho da parteira – dentro de um olhar filosófico, representa trazer à luz a verdade. Para que a verdade venha a ser é necessário reconhecer os perigos das certezas aparentes. Nesse caso, o indivíduo precisa ter coragem para abandonar crenças e opiniões. O professor Franklin Leopoldo e Silva explica: [Sócrates] Via o conhecimento como um processo, um diálogo, em que a procura do verdadeiro acontecia por colaboração, e cujo requisito não era de forma alguma a erudição ou a ciência acumulada, mas antes o despojamento de uma alma esvaziada de preconceitos e disposta a encetar um caminho, sempre partilhado. O que se convencionou chamar de método não era mais que essa disposição para assumir uma conduta pautada pela interrogação. O adágio ‘só sei que nada sei’, o emblema do filósofo, sintetiza esse propósito. Por via das interrogações, cujas respostas suscitavam novas perguntas, procurava-se percorrer um caminho em que a alma realizava ao mesmo tempo duas tarefas: livrar-se das falsas certezas e aparências de um pretenso saber adquirido, e abrir-se, por consequência, a novas etapas de uma procura que valia muito mais por si mesma que pelo objetivo a ser eventualmente atingido. À simplicidade do método, corresponde a dificuldade dameta: assim há que desconfiar sempre de certezas cristalizadas, há que experimentá-las exaustivamente, examiná-las por todos os lados – e se verá então que poucas resistirão à prova. (LEOPOLDO E SILVA, 2009, p. 27) A filosofia não pode ser desvinculada da sua atitude moral. O professor Franklin Leopoldo observa que se fala muito da predominância da problemática moral em Sócrates, em contra partida à filosofia da natureza dos Pré-Socráticos. A razão é que a própria filosofia encontra na disposição moral sua condição de possibilidade, e na aspiração à verdade seu impulso mais original. Não é sem razão que o pensamento do Sócrates deixou marcas significativas no seu maior discípulo. “O não saber Socrático e a Educação: o desafio de aprender a pensar” Platão e o problema do conhecimento Platão (428-348 a.C) viveu em Atenas, onde fundou uma escola denominada Academia, foi o grande discípulo de Sócrates. Enquanto seu mestre via o conhecimento como um processo, um diálogo com o objetivo de encontrar a verdade, para Platão, a busca do filósofo passa a tomar um caráter de recolhimento, um distanciamento da vida pública. Dessa forma, a filosofia se afasta da vida prática para tentar uma melhor compreensão dela. O que podemos observar é que, para o filósofo, antes de tentar compreender qualquer coisa, é necessário construir um saber a respeito da natureza humana. Como observa Franklin Leopoldo: É nesse sentido que podemos dizer que a filosofia de Platão estende-se muito além dos temas socráticos, sem que esse prolongamento represente um abandono do método, do estilo, das preocupações centrais e principalmente do espírito que animara o pensamento de Sócrates. (LEOPOLDO E SILVA, 2009, p.33) A Academia criada por Platão é a precursora das futuras universidades que se desenvolvem a partir da Idade Média. Nela os estudos aconteciam em consonância aos estudos tradicionais de aritmética, geometria, astronomia. Era exigido do aluno o gosto e domínio da matemática. O objetivo era, através dessa formação, afastar o pensamento do mundo sensível para aproximá-lo das estruturas imutáveis que existem por trás dele. O objetivo da verdadeira educação não é encher o aluno com conteúdos, mas desenvolver neles a capacidade de pensar de forma crítica e autônoma. Os bons hábitos da educação (leitura, escrita, poder de síntese, capacidade de problematizar, raciocínio lógico) são aqueles que levam ao pensamento crítico, aqueles que já estavam presentes na Academia e que devem se apresentar nos dias de hoje. Educação é aprender a pensar com autonomia sob a orientação de um professor. Influenciado pelo seu mestre, Platão traz para a sua filosofia o diálogo como força de interação que concede valor ao falar e ao ouvir. A princípio, o diálogo parece algo simples, uma mera interação entre indivíduos, contudo o diálogo é disposição e reconhecimento do valor do outro. Um verdadeiro diálogo não é possível se não se quer realmente dialogar. Graças a esse acordo entre interlocutores, renovado a cada etapa da discussão, já não é um dos interlocutores que impõe sua verdade ao outro; bem ao contrário, o diálogo ensina-lhes a pôr-se no lugar do outro, a superar seu ponto de vista. Graças ao seu esforço sincero, os interlocutores descobrem por eles mesmos, e neles mesmos, uma verdade independente deles, na medida em que se submetem a uma autoridade superior, o lógos. Como em toda a filosofia antiga, a filosofia consiste aqui no movimento pelo qual o indivíduo se transcende em alguma coisa que o supera, para Platão, no lógos, no discurso que implica uma exigência de racionalidade e de universalidade. Além disso, esse lógos não representa uma espécie de saber absoluto; trata-se de fato, do acordo que se estabelece entre interlocutores que são levados a admitir certas posições em comum, acordo no qual eles superam seus pontos de vista particulares. (HADOT, 2014, p.100) Intuição Intelectual Platão aproveita do seu mestre a noção de logos, e continua o processo de análise do real, cria a palavra eidos ou ideia, para se referir à intuição intelectual. Acima do mundo sensível, existe o mundo das ideias, mundo onde estão presentes as essências imutáveis que o homem encontra através do exercício contemplativo. Como as ideias são a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Para ele existe uma dialética que faz a alma se elevar das coisas múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis. Como observa Maria Lúcia Aranha: O mundo sensível é acessível aos sentidos, mas, sendo o mundo da multiplicidade e do movimento, é ilusório, é sombra, é cópia do verdadeiro mundo. Acima dele, o mundo das ideias gerais e das essencias imutáveis pode ser atingido por meio da contemplação e da depuração dos enganos dos sentidos. O mundo dos sentidos é regido pela opinião, e o mundo das ideias, pela ciência. Nosso espírito se eleva das coisas múltiplas e sensíveis para as ideias unas e imutáveis por meio de um movimento dialético, que consiste em vencer a crença nos dados do mundo sensível e na utilização sistemática do discurso para chegar à ordem da verdade. Portanto, para Platão, a dialética tem o efeito de remontar de conceito em conceito, de proposição em proposição, até os conceitos mais gerais e os princípios primeiros. As ideias não são coisas: são regras, modelos, cujo uso correto é regido pelo bem; e o verdadeiro conhecimento é dar a razão de alguma coisa, ou seja, responder ao porquê. Não podemos deixar de reforçar que a filosofia platônica, como toda a filosofia grega, era essencialmente voltada para a prática, para a formação dos cidadãos capazes de manter uma discussão pública, defendendo suas ideias. Por isso, conhecimento e política tinham ligação estreita. A fim de conceber um projeto de modificação política para a cidade, era preciso conhecer o mundo, descobrir e descrever novos modos de o ser humano se relacionar com esse mundo. (ARANHA E MARTINS, 2012, p. 108 e 109) É aqui que, mais uma vez, a força da educação se apresenta com o seu vigor. A educação é o meio para tornar justo o homem e a cidade. Os exercícios físicos trazem harmonia ao corpo, a música e a matemática trazem harmonia à alma e a dialética leva ao encontro com a verdade. O conhecimento liberta, e, assim como em Sócrates, é indissociável de uma atitude moral. Em Platão, desenvolvimento intelectual e purificação moral não se distinguem. O mundo das ideias é constituído de uma tríade de formas que são a Verdade, o Bem e o Belo. Conhecer a verdade, querer o bem, amar a beleza são proposições intercambiáveis porque se fundem numa só atitude que sintetiza a saudade da alma de sua terra natal. Aristóteles, o pai de todas as ciências A filosofia do Aristóteles é um marco do pensamento grego. Ele concebeu o saber como uma articulação de áreas autônomas. Aristóteles é considerado o pensador que construiu a ciência sobre bases empíricas e experimentais. Teria sido ele o precursor do método experimental? Alguns comentadores dizem que não. Para eles, Aristóteles não possuía a noção da experimentação comoconhecemos hoje. A observação não tinha como alvo verificar ou falsificar as hipóteses, mas enfatizar as diferentes posições teóricas que ele adota. Seu pensamento parte de uma teoria do saber de uma complexidade e de uma sutileza poucas vezes vistas. Na história da filosofia, se convencionou traduzir por “ciência” o termo “episteme” utilizado por ele. O saber assim designado se caracteriza por seu rigor, sua universalidade, assim como pela necessidade de seu objeto. Nesse ponto, ele se opõe a outros tipos de saber menos rigoroso e apresenta uma visão diferente daquela de Platão. Para Aristóteles, todas as ciências se inserem na filosofia, no entanto, existem várias ciências. Segundo Platão, havia uma ciência de todas as coisas que era ciência do inteligível, das essências, contraposta ao conhecimento sensível. Quem foi Aristóteles? Como ele construiu um pensamento singular? Qual a sua relevância nos nossos dias? Aristóteles faleceu em 322 a.C. com a idade de 62 anos, pesquisador incansável, a amplitude de suas explorações científicas era próxima à profundidade de suas análises filosóficas. Jonathan Barnes escreveu: “Nenhum homem antes dele contribuiu tanto para o ensino. Nenhum homem depois dele pôde aspirar a rivalizar com ele em termos de realizações.” (Barnes, 2005, p.09) No sistema aristotélico o saber teórico (ciência como conhecimento da realidade) se divide em: ● Ciência em geral: É o que ele denomina de filosofia primeira, e que será chamada de metafísica, consistindo na metafísica propriamente dita, ou ontologia, isto é, na ciência do ser enquanto ser. ● Ciência natural: O conhecimento da realidade natural, que se divide em: ○ A) Física e astronomia, que examinam o ser em movimento. ○ B) Ciência da vida ou biologia, conhecida na antiguidade como história natural. Ciência que investiga os seres vivos em movimento. ○ C) Psicologia, o estudo do ser – vivo, sensível e inteligente – em movimento. O caráter hierárquico do sistema reflete-se na ordem de tratamento dos temas. Começa com a questão do ser em geral, passa para a primeira determinação do ser, o ser em movimento, em seguida temos o ser em movimento e vivo, e finalmente, o ser em movimento, vivo, sensível e inteligente, como observa o professor. (Marcondes, 1995, p.75) A segunda parte do sistema aristotélico O filósofo Danilo Marcondes observa que a segunda parte do sistema aristotélico consiste no saber prático, que inclui a ética e a política. O saber prático se difere do saber teórico porque seu objetivo não é o conhecimento de uma realidade determinada, mas o estabelecimento das normas e critérios da boa forma de agir, ou seja, da ação correta e eficaz. Em suas ações, o homem tende sempre para fins que se configuram como bens. Mas qual seria o bem supremo? Aristóteles não tem dúvida que esse bem é a felicidade (eudaimonia). A felicidade é o fim para o qual tendem todos os homens. Mas o que é felicidade? Reale explica: A maioria dos homens acredita que a felicidade consiste no prazer e no gozo. Mas uma vida dedicada aos prazeres é uma vida que torna os homens ‘semelhantes aos escravos’, é uma ‘existência digna de animais’. As pessoas mais evoluídas e mais cultas situam o bem supremo e a felicidade na honra. E buscam a honra sobretudo aqueles que se dedicam ativamente à vida política. No entanto, este não pode ser o fim último que todos buscamos, pois, como observa acertadamente Aristóteles, trata-se de algo externo. (...) É bem verdade que os prazeres e as honras são buscados por si mesmos, mas não as riquezas; a vida dedicada ao acúmulo de riquezas, por conseguinte, é a mais absurda e a mais inautêntica, pois está voltada para a busca de coisas que valem no máximo como meios, nunca como fins. (...) Mas o bem supremo do homem também não pode ser aquilo que Platão e os platônicos indicaram como tal, ou seja, a Ideia do Bem ou o transcendente Bem-em-si, pois, nesse caso, é evidente que não seria realizável ou alcançável pelo homem. Não se trata, portanto, de um bem transcendente, mas de um bem imanente; não pode ser bem já definitivamente realizado, mas realizável e adquirível pelo homem e para o homem. (...) O bem do homem só pode consistir na ‘obra’ que lhe é peculiar, ou seja, aquela obra que ele e só ele sabe realizar, assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste na obra que é peculiar a essa coisa. A obra do olho é ver, a obra do ouvido é ouvir, e assim por diante. E a obra do homem? Ela a) não pode ser o simples viver, posto que o simples viver é próprio de todos os seres vegetais; b) tampouco pode ser sentir, posto que é comum também aos animais; c) nada mais resta senão concluir que a obra peculiar do homem é a obra da razão e a atividade da alma segundo a razão. Logo, o verdadeiro bem do homem consiste nessa ‘obra’, ou ‘atividade’, da razão, mais exatamente, nas perfeitas explicação e atuação de tal atividade. Essa é, portanto, a ‘virtude do homem’, e nela que se encontra a felicidade. (REALE, 2012, p. 113-114) A Virtude Na Ética a Nicômaco, Aristóteles trata, entre outras coisas, da virtude (areté): sua proposta é apresentar um caminho em que o homem possa se tornar bom, ou alcançar o grau mais elevado do bem humano. Como já observamos, o bem para ele é a felicidade e a felicidade consiste na atividade da alma de acordo com a virtude. Quando Aristóteles constrói seu sistema de pensamento, as ciências práticas vêm em segundo lugar, depois das ciências teóricas. Para ele, elas são hierarquicamente inferiores às teóricas na medida em que nelas o saber deixa de ser um fim em si mesmo, pois está subordinado e, de certa maneira, submetido à atividade prática. No entanto, todas têm valor no seu sistema de pensamento. Sem rupturas, ou mesmo desvios, trata-se de um processo cumulativo, com um progresso gradativo, em que cada estágio, de certa forma, pressupõe o anterior. Exemplo: Sensação => memória => experiência => arte (técnica) => teoria/ciência (aisthesis) (mnemósine) (emperia) (téchne) (episteme) Para ele, o processo começa com as sensações ou sentidos; ao contrário de Platão ele os valoriza. Depois vem a memória que retém os dados sensoriais para que o processo do conhecimento siga; os dados que recebemos dos sentidos e que são retidos na memória, constituem a experiência, que é a primeira etapa do conhecimento. A etapa seguinte é a téchne ou arte/técnica. Essa etapa é aquele que nos permite conhecer o porquê das coisas. A última etapa do processo do conhecimento, que, para ele, é a mais elevada, é a episteme, a ciência ou saber teórico. Essa etapa é a do conhecimento real em seu sentido mais abstrato e genérico, o conhecimento dos princípios e dos porquês últimos de todas as coisas. Marcondes observa que, para Aristóteles, o saber teórico se caracteriza por ser contemplativo, e se define pela visão da verdade e por não ter objetivos práticos ou mesmo fins imediatos. Nesse caso é um saber gratuito, ou seja, uma finalidade em si mesma, que satisfaz uma curiosidade natural do homem que é o desejo pelo conhecimento. A sua capacidade de abstração e generalidadeé o que dá à episteme a superioridade em relação á técnica. A técnica enquanto saber aplicado visa a um determinado fim, enquanto o saber teórico é fim em si mesmo. Essa forma de fazer ciência foi talvez a única referência para o pensamento ocidental até o surgimento da modernidade. Aristóteles não foi apenas um pensador, mas aquele que criou dentro das suas possibilidades as bases para o conhecimento rigoroso e sistemático. Claro que, durante muito tempo, as ciências modernas levantaram duras críticas ao seu pensamento, esférico e finito, centrado no homem e fundamentado sobre a percepção. Ele foi o filósofo que desbravou áreas tão distintas como física, zoologia e política ao propor explicações para coisas que não tinha a menor noção de como ocorriam. Ele começou praticamente do zero, fazendo uso do seu intelecto singular e da sua capacidade de observação. A sua metafísica é a figura última da racionalidade ao se dirigir aos limites do mundo e do dizer o mundo quando traça os seus limites. A todo anúncio do fim da metafísica convém reler ou descobrir a filosofia de Aristóteles. O saber para ele é um chamado à responsabilidade: não basta conhecer, precisamos conhecer bem.