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TEORIAS DA COMUNICAÇÃO TC_Iniciais_Impressa.indd 1 10/11/2017 15:24:31 Revisão técnica: Deivison Moacir Cezar de Campos Especialista em História contemporânea Mestre em História Social Doutor em Ciências da Comunicação Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 T314 Teorias da comunicação / Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro [et al.] ; [revisão técnica: Deivison Moacir Cezar de Campos]. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 295 p. il. ; 22,5 cm. IISBN 978-85-9502-236-2 1. Comunicação - Teoria. I. Cordeiro, Rafaela Queiroz Ferreira. CDU 007 TC_Iniciais_Impressa.indd 2 10/11/2017 15:24:31 TEORIAS DA COMUNICAÇÃO Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro Doutora em Letras/Linguística Mestre em Letras/Linguística Pesquisadora, professora e jornalista Marina Costa Jornalista Mestre em Ciências Sociais André Corrêa da Silva de Araújo Mestre em Comunicação e Informação Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo Cláudia Renata Pereira de Campos Mestre em História Social Licenciada e Bacharel em História Designer de Moda 2017 TC_Iniciais_Impressa.indd 3 10/11/2017 15:24:31 © SAGAH EDUCAÇÃO S.A., 2017 Gerente editorial: Arysinha Affonso Colaboraram nesta edição: Editora: Mariana Belloli Assistente editorial: Adriana Lehmann Haubert Preparação de originais: Gabriela Dal Bosco Sitta Capa sobre arte original: Cíntia Garcia e Fernanda Anflor Editoração: Know-How Editorial Reservados todos os direitos de publicação à SAGAH EDUCAÇÃO S.A., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 São Paulo Rua Doutor Cesário Mota Jr., 63 – Vila Buarque 01221-020 São Paulo SP Fone: (11) 3221-9033 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL TC_Iniciais_Impressa.indd 4 10/11/2017 15:24:31 PALAVRA DO GRUPO SER EDUCACIONAL É através da educação que a igualdade de oportunidades surge, e, com isso, há um maior desenvolvimento econômico e social para a nação. Há alguns anos, o Brasil vive um período de mudanças, e, assim, a educação também passa por tais transformações. A demanda por mão de obra qualificada, o aumento da competiti- vidade e a produtividade fizeram com que o Ensino Superior ganhasse força e fosse tratado como prioridade para o Brasil. Dessa forma, as instituições do Grupo Ser Educacional buscam ampliar as competências básicas da educação de seus estudantes, além de oferecer-lhes uma sólida formação, sempre pensando nas ações dos alunos no contexto da sociedade. Janguiê Diniz TC_Palavra.indd 5 10/11/2017 15:24:07 TC_Palavra.indd 6 10/11/2017 15:24:07 A recente evolução das tecnologias digitais e a consolidação da internet modificaram tanto as relações na sociedade quanto as noções de espaço e tempo. Se antes levávamos dias ou até semanas para saber de acontecimentos e eventos distantes, hoje temos a informação de maneira quase instantânea. Essa realidade possibilita a ampliação do conhecimento. No entanto, é necessário pensar cada vez mais em formas de aproximar os estudantes de conteúdos relevantes e de qualidade. Assim, para atender às necessidades tanto dos alunos de graduação quanto das instituições de ensino, desenvolvemos livros que buscam essa aproximação por meio de uma linguagem dialógica e de uma abordagem didática e funcional, e que apresentam os principais conceitos dos temas propostos em cada capítulo de maneira simples e concisa. Nestes livros, foram desenvolvidas seções de discussão para reflexão, de maneira a complementar o aprendizado do aluno, além de exemplos e dicas que facilitam o entendimento sobre o tema a ser estudado. Ao iniciar um capítulo, você, leitor, será apresentado aos objetivos de aprendizagem e às habilidades a serem desenvolvidas no capítulo, seguidos da introdução e dos conceitos básicos para que você possa dar continuidade à leitura. Ao longo do livro, você irá encontrar hipertextos que irão auxiliá- -lo no processo de compreensão do tema. Esses hipertextos estão classificados como: APRESENTAÇÃO Traz dicas e informações extras sobre o assunto tratado na seção. TC_Apresentação.indd 7 10/11/2017 17:43:03 Todas essas facilidades vão contribuir para um ambiente de apren- dizagem dinâmico e produtivo, conectando alunos e professores no processo do conhecimento.* Bons estudos! * Atenção: para que seu celular leia os códigos, ele precisa estar equipado com câmera e com um aplicativo de leitura de códigos QR. Existem inúmeros aplicativos gratuitos para esse fim, dis- poníveis na Google Play, na App Store e em outras lojas de aplicativos. Certifique-se de que o seu celular atende a essas especificações antes de utilizar os códigos. Mostra um exemplo sobre o tema estudado, para que você possa compreendê-lo de maneira mais eficaz. Alerta sobre alguma informação não explicitada no texto ou acrescenta dados sobre determinado assunto. Indica, por meio de links e códigos QR*, infor- mações complementares que você encontra na web. https://goo.gl/fNYdkW 8 Apresentação TC_Apresentação.indd 8 10/11/2017 17:43:03 SUMÁRIO Unidade 1 Primeiros conceitos e definições de comunicação .............................. 13 Marina Costa Comunicação: a origem do termo .............................................................................................................13 Os fundamentos científicos da comunicação social ......................................................................17 Comunicação e história .....................................................................................................................................20 Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições ............................................................................................................ 31 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro A evolução da comunicação humana .....................................................................................................31 Etapas da evolução da comunicação humana ..................................................................................33 A origem da linguagem ....................................................................................................................................38 Elementos básicos do processo de comunicação ................................45 Marina Costa Elementos básicos do processo comunicativo ..................................................................................45 Funções da linguagem ......................................................................................................................................50 Elementos básicos da comunicação e teoria ......................................................................................52 Pesquisa em comunicação: Mass Communication Research ...........59 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro O início da Mass Communication Research .........................................................................................60 A Escola Norte-americana ...............................................................................................................................64 Algumas considerações sobre os estudos dos MCM .....................................................................71 Origens da cultura de massa ........................................................................75 Marina Costa Sociedade e cultura de massa......................................................................................................................75 Edgar Morin e a cultura de massa ...............................................................................................................80 Hannah Arendt e a cultura de massa........................................................................................................83 Unidade 2 A indústria cultural ...........................................................................................89 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro O que é indústria cultural? ...............................................................................................................................89 Características da indústria cultural ...........................................................................................................94 Críticas à indústria cultural: reificação e alienação ...........................................................................99 TC_Sumario.indd 9 10/11/2017 15:21:25 Os conceitos de dialética do Iluminismo e reprodutibilidade técnica ................................................................................................................105 Marina Costa Dialética do Iluminismo .................................................................................................................................. 105 A indústria cultural .............................................................................................................................................109 Reprodutibilidade técnica .............................................................................................................................112 A Escola Norte-americana ........................................................................... 119 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro A Escola Norte-americana dos estudos de comunicação ........................................................119 Características da Escola Norte-americana .......................................................................................121 Alguns estudos da Escola Norte-americana ..................................................................................... 124 Unidade 3 A Escola de Frankfurt e a Escola de Chicago ........................................139 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro A Escola de Chicago de Sociologia ......................................................................................................... 139 A Escola de Frankfurt de Teoria Crítica ................................................................................................. 143 A constituição de uma escola de pensamento............................................................................... 147 Considerações finais ......................................................................................................................................... 149 Signo e cultura ................................................................................................153 André Corrêa da Silva de Araújo O conceito semiótico de cultura .............................................................................................................. 153 A cultura como objeto da semiótica ...................................................................................................... 157 Código e cultura ...................................................................................................................................................161 Conceitos de signo em Saussure e Peirce ..............................................167 Cláudia Renata Pereira de Campos Conceito de signo: Saussure e Peirce ..................................................................................................... 167 Tipos característicos de signo: Saussure e Peirce ........................................................................... 169 Considerações finais ......................................................................................................................................... 175 Análise do discurso francesa ......................................................................179 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro A análise do discurso francesa ................................................................................................................... 179 Algumas noções trabalhadas pela análise do discurso francesa ....................................... 182 Teóricos da análise do discurso francesa.............................................................................................188 Análise do discurso inglesa ........................................................................197 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro A análise do discurso inglesa ...................................................................................................................... 197 Estudos culturais .................................................................................................................................................201 A análise crítica do discurso .........................................................................................................................205 Sumário10 TC_Sumario.indd 10 10/11/2017 15:21:25 As contribuições da França para os estudos da comunicação ......213 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro Os estudos franceses dos meios de comunicação ........................................................................213 A Internacional Situacionista .......................................................................................................................223 A sociedade do espetáculo .........................................................................................................................224 As contribuições da América Latina para os estudos em comunicação ....................................................................................................233 Marina Costa Centros de estudos e primeiras publicações referentes à comunicação na América Latina .................................................................................................................................................233 Os fundadores dos estudos de comunicação na América Latina ......................................239 As alternativas e contribuições mais recentes nos estudos em comunicação na América Latina .......................................................................................................................................... 243 Unidade 4 As teorias empíricas de campo .................................................................253 Marina Costa Linhas gerais da Teoria Empírica de Campo .....................................................................................253 As pesquisas sobre o consumo dos mass media ............................................................................256 O contexto social e os efeitos dos mass media................................................................................258 Teoria Funcionalista .......................................................................................267 Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro A Teoria Funcionalista dos MCM ...............................................................................................................267 Panorama da Teoria Funcionalista dos MCM: teóricos e funções .......................................272 As funções dos meios de comunicação de massa ...................................................................... 274 Algumas considerações finais ....................................................................................................................277 O Modelo Informacional ..............................................................................281 Rafaela Queiroz FerreiraCordeiro A Teoria da Informação dos MCM ............................................................................................................282 O Modelo Informacional de Shannon e Weaver ............................................................................283 Principais noções da Teoria da Informação .......................................................................................287 Gabaritos ......................................................................... 295 11Sumário TC_Sumario.indd 11 10/11/2017 15:21:25 TC_Sumario.indd 12 10/11/2017 15:21:25 Primeiros conceitos e definições de comunicação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a origem etimológica da palavra comunicação. Analisar os fundamentos científicos da comunicação. Relembrar as fases da comunicação ao longo da história. Introdução A comunicação faz parte da vida do ser humano desde o surgimento da própria humanidade. O ser humano é um ser social. Ele não vive de forma isolada e se comunica desde o passado mais remoto para ter as suas necessidades básicas atendidas. Hoje, as pessoas se comunicam para trocar informações, para se entreter, se integrar ao grupo, satisfazer as suas necessidades econômicas e afetivas. Neste texto, você vai saber mais sobre a origem etimológica do termo comunicação. Também vai conhecer os fundamentos científicos da co- municação e aprender sobre a história dos processos comunicativos. Comunicação: a origem do termo Antes mesmo de você se interessar em estudar e pesquisar comunicação, o ato de comunicar já fazia parte da sua vida intensamente, não é mesmo? As tradi- cionais interações face a face e os antigos meios, como carta, jornal, telégrafo, telefone, rádio e televisão, têm dividido com ou cedido espaço para as interações via internet nos computadores e em seguida nos celulares smartphones. Hoje, você está conectado durante boa parte do seu dia. Interage com os amigos no U N I D A D E 1 TC_U1_C01.indd 13 10/11/2017 15:21:14 WhatsApp, vê o que eles fazem no Facebook, no Instagram ou no Snapchat, certo? Então, mesmo que não fosse um estudante de comunicação, seria interessante conhecer mais sobre esse tema. Afinal, ele faz parte e interfere nas vivências diárias de cada um. Mas você sabe o que é, de fato, comunicação? Para começar uma discussão sobre o conceito de comunicação, é preciso recorrer à etimologia da palavra, ou seja, à sua origem. João Pedro Sousa (2006), em Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Media, alerta para o fato de que esse não é um conceito simples de delimitar. Isso ocorre pela sua amplitude e também porque diversas formas de comunicação ocorrem a todo momento, intencionalmente ou não. Afinal, o mundo está cheio de significados, e as pessoas estão frequentemente interpretando os acontecimentos de diversas formas. A raiz da palavra é latina: communicatione significa “ação comum” ou “participar”. Communicatione deriva de commune, que quer dizer “comum”. Assim, ao tornar algo comum, seja uma informação, uma emoção ou uma experiência, ocorre a comunicação. O termo communicatio é formado por três elementos. Munis significa “estar encarregado de” e, junto ao prefixo co, indicativo de simultaneidade, dá origem à ideia de “atividade realizada conjuntamente”. A terminação tio reforça a ideia de atividade. Esse foi o primeiro significado do termo, quando utilizado pela primeira vez, no vocabulário religioso (MARTINO, 2013). No contexto do cristianismo antigo, quando o isolamento era valorizado como um caminho para encontrar Deus, havia duas correntes que lidavam com essa questão de formas diferentes. Uma era a dos anacoretas. Eles acreditavam na importância da solidão radical e viviam de forma individual. A outra era a dos cenobitas. Eles apostavam na vida em comunidade, em conventos ou mosteiros, também chamados de cenóbios, palavra que significa “lugar onde se vive em comum”. No mosteiro, surgiu uma nova prática, chamada de com- municatio, referente a “tomar a refeição da noite em comum”. Dessa forma, communicatio significava não simplesmente ir jantar, mas sim o momento da quebra do isolamento, de juntar o grupo para fazer algo em comum. Por isso, o sentido de communicatio era diferente da noção de comer de uma comunidade primitiva (MARTINO, 2013). Primeiros conceitos e definições de comunicação14 TC_U1_C01.indd 14 10/11/2017 15:21:14 Esse sentido original de comunicação implica alguns pontos que são úteis para o entendimento dos conceitos atuais. Um aspecto é o de que comunicação não significa toda e qualquer relação, mas aquelas que têm o isolamento como pano de fundo. Além disso, existe a intenção de quebrar o isolamento. A ideia de uma realização em comum também está presente. É importante você não confundir comunicação com o conceito platônico de participa- ção. Dois ou mais elementos com as mesmas propriedades não significa comunicação, mas participação. Por exemplo: a ideia de azul. O céu e o mar “participam” da ideia de azul, pois têm essa característica em comum. Também é importante que você não confunda comunicação com uma espécie de ação ou hábito coletivo. Comunicação não significa “ter algo em comum” por ser da mesma comunidade. A comunicação é um processo bem delimitado no tempo e não se confunde com a convivialidade (MARTINO, 2013). O que dizem os dicionários sobre o conceito de comunicação (MARTINO, 2013, p. 15)? 1. Fato de comunicar, de estabelecer uma relação com alguém, com alguma coisa ou entre coisas. 2. Transmissão de signos por meio de um código (natural ou convencional). 3. Capacidade ou processo de troca de pensamentos, sentimentos, ideias ou informações por meio de fala, gestos, imagens, seja de forma direta ou pelos meios técnicos. 4. Ação de utilizar meios tecnológicos (comunicação telefônica). 5. A mensagem, informação (a coisa que se comunica: anúncio, novidade, informação, aviso, etc.). 6. Comunicação de espaços (passagem de um lugar a outro), circulação, transporte de coisas: “vias de comunicação – artérias, estradas, vias fluviais”. 7. Disciplina, saber, ciência ou grupo de ciências. Os sentidos de comunicação dos dicionários são importantes para você ter uma ideia inicial sobre o tema, mas é preciso se aprofundar mais. De acordo com João Pedro Sousa (2006), é possível dissertar sobre comunicação sob 15Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 15 10/11/2017 15:21:14 duas grandes perspectivas. Uma seria a da comunicação como processo: comunicadores trocam, intencionalmente, gestos, palavras, imagens, ou seja, mensagens codificadas, por meio de um canal, gerando certos efeitos. A outra seria a da comunicação como uma atividade social. Portanto, os seres humanos, em uma dada cultura, vivem as suas realidades do dia a dia, criando e trocando significados. As duas colocações se complementam. Nesse sentido, as mensagens só têm efeitos porque ganham um significado em determinado contexto social e cultural. Por outro lado, também há diferença entre as duas posições. A primeira considera que só há comunicação se houver um emissor, um receptor e uma mensagem codificada. Já para a segunda, isso não é necessário. Assim, à medida que os seres humanos dão significado aos acontecimentos do mundo, a comunicação está ocorrendo. Ainda é possível complexificar mais os conceitos de comunicação. Para Muniz Sodré (1996), o termo se refere a pôr em comum os conteúdos que social, política ou existencialmente não devem permanecer isolados. De acordo com ele, o afastamento originário devido à diferença entre os seres humanos, à alteridade, é minimizado por causa de um laço formado pelo compartilhamento de recursos simbólicos. Já o termo“linguagem” se refere à “ordem de acolhimento das diferenças e de promoção da dinâ- mica mediadora entre os homens” (SODRÉ, 1996). Nessa perspectiva, a comunicação é de extrema importância social, cultural e política. É por meio dela que as pessoas ultrapassam as diferenças e seguem em direção aos seus objetivos. Você se comunica para (SOUSA, 2006, p. 23): trocar informações; entender e ser entendido; entreter e ser entretido; integrar-se aos grupos e às comunidades, às organizações e à sociedade; satisfazer as necessidades econômicas que lhe permitem pagar a alimentação, o vestuário e os bens que, de uma forma geral, você consome; interagir com os outros, conseguindo amigos e parceiros, tendo sucesso pessoal, sexual e profissional, algo fundamental para a autoestima e o equilíbrio. Primeiros conceitos e definições de comunicação16 TC_U1_C01.indd 16 10/11/2017 15:21:15 Os fundamentos científicos da comunicação social Refletindo sobre a constituição do campo da comunicação, José Luiz Braga (2011) parte de duas noções. A primeira considera ocioso discutir sobre o estatuto acadêmico formal do campo. Assim, assume a sua existência enquanto campo social. Isso pois, quando se diz “comunicação social”, na atualidade, há um forte consenso sobre o assunto. A segunda não aceita uma explicação do campo com base em uma natureza interdisciplinar. Segundo Braga, a interdisciplinaridade pode ter diferentes sentidos. Um seria o de que um campo de estudos está sob influências de dados e conheci- mentos desenvolvidos por outras disciplinas. Nesse caso, todos os campos do conhecimento são interdisciplinares. O segundo sentido seria uma referência a um espaço de interface. Neste, um dado conhecimento se forma na confluência de duas ou mais disciplinas, como na psicossociologia ou na bioquímica. Nesse caso, seria preciso identificar e analisar um conjunto específico de disciplinas que estariam compondo a interface interdisciplinar da comunicação. O terceiro sentido indica que o terreno da comunicação é vazio e não existiria caso não fosse o fato de que todas as disciplinas humanas e sociais têm algo a dizer sobre essa temática. Contudo, essa perspectiva frouxa, na visão do autor, não explica o porquê do interesse generalizado no tema. Além disso, não esclarece por que ele não cabe nos espaços de cada campo particular, como acontece com outras temáticas, como violência, trabalho ou sexo. Em A Ciência do Comum, Muniz Sodré (2014) também questiona a ideia de inerência da interdisciplinaridade à comunicação. De acordo com ele, as ciências da comunicação produzem valor social, cultural e político, premissas de uma ciência social. No entanto, a sua não consolidação em ciência criou o rótulo de inter, multi e transdisciplinar, e isso seria sintoma teórico de crise de paradigma do conhecimento. Nesse debate da interdisciplinaridade, a comunicação deve assumir o seu protagonismo, já que é essencial às relações humanas nas áreas do saber. Com relação à caracterização de qual é o objeto de conhecimento que define a comunicação, José Luiz Braga apresenta duas primeiras alterna- tivas. Ou a comunicação surge como uma questão bastante ampla e muito 17Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 17 10/11/2017 15:21:15 presente nas atividades humanas, a ponto de o objeto se tornar inapreensível (tudo seria comunicação: a política, a educação, a literatura, etc.), ou ha- veria ângulos e objetos específicos identificadores na área. O problema da primeira tendência é que a comunicação, estando em todo lugar, em todas as pautas, acaba estando em lugar nenhum, e o da segunda tendência é a possibilidade de se cair em um reducionismo lógico. Assim, preferências pessoais ou grupais de enfoque acabam pesando na escolha do que seria o campo. Outro problema é o de se evitar sobreposições em áreas de estudos mais tradicionais. Mas há também possibilidades menos radicais. Uma diz que o objeto da comunicação é qualquer “conversação” do espaço social (o que há de trocas simbólicas e de interações nas situações da vida social), e a outra enfoca naquilo que ocorre nos meios de comunicação social ou mídia. “A definição da área pelos meios oferece o risco de segmentação do objeto em questões tecnológicas, ou jurídico-políticas, ou expressivo-interpretativas, ou outras [...]”, afirma Braga (2011). Portanto, o autor dá preferência à concepção de conversação. Por fim, Braga destaca que o objeto da comunicação não pode ser apre- endido enquanto “coisas” nem “temas”, mas como certo tipo de processos caracterizados por uma perspectiva comunicacional. O que importa é capturar os processos, seja nas mídias, nos signos ou em episódios interacionais. Sodré (2014), no mesmo sentido, aponta como objeto da comunicação os processos de vinculação. Ainda com relação à discussão sobre o objeto da comunicação, Vera França (2013) aponta para o fato de que uma reflexão rápida sobre o assunto, uma percepção pela vivência ou senso comum, levaria à ideia de que o objeto seria empírico – os meios de comunicação de massa. No entanto, ela lembra que os objetos do mundo são recortados, religados, pelo olhar dos que os estudam. Pois, ao se pensar em meios de comunicação de massa (televisão, rádio, etc.) como objeto, não se pode deixar de questionar sobre o que, exatamente, seria a reflexão: o desenvolvimento tecnológico dos aparelhos? A produção discursiva dentro do meio? A diversidade de produtos que foram aí gerados? A cultura profissional dos trabalhadores do veículo? Dessa forma, a comunicação tem ainda outra dimensão. Afinal, ela é também um conceito, uma forma de apreensão, uma representação de diferentes práticas – uma forma de conhecê-las e concebê-las. A partir disso, Vera França esclarece que o objeto da comunicação não são os obje- tos comunicativos do mundo, mas a forma de identificá-los e construí-los conceitualmente. Primeiros conceitos e definições de comunicação18 TC_U1_C01.indd 18 10/11/2017 15:21:15 Como resultado dos esforços para se saber mais sobre comunicação, surgiram os estudos e teorias da área. São o resultado de inúmeras iniciati- vas, com pretensão científica, de conhecer a comunicação. A constituição desse campo de estudo passou por tensões, contradições e dificuldades. Isso decorre, segundo a autora, da própria natureza do objeto ou da relação que se estabelece, às vezes de forma conflituosa, entre o campo da teoria e o da prática. França lembra que o próprio espaço acadêmico da comunicação teve início por uma razão de ordem pragmática: os cursos profissionalizantes na área de comunicação, sobretudo de jornalismo. Então, os cursos surgiram antes da criação das teorias que apareceram logo depois, constituindo a formação técnica, mas também proporcionando uma dimensão humanista e social à formação. Esse foco na prática trouxe algumas distorções, como a natureza instrumental da demanda. Assim, com certa frequência, o estudo da comuni- cação é realizado visando a determinado resultado. É, nesse sentido, guiado por finalidades específicas, comprometendo o distanciamento crítico que é preciso no âmbito científico. Por outro lado, a autora comenta que a crítica à identificação exagerada com a prática causou o efeito inverso: descolamento. Ela alerta que o foco na produção intelectual com desprezo pela empiria se transforma em pura abstração, não em produção científica. Assim, não faz sentido focar apenas na prática, nem só na teoria. Entre as dificuldades relacionadas à definição da comunicação está a diversidade de fatos e práticas que compõem o objeto dessa área. Há inúmeras atividades profissionais, variedade de veículos, muitas linguagens, etc. Além disso, há a mobilidade do objeto empírico. Ou seja, os avanços tecnológicos ocorrem num ritmo muitomais acelerado do que a reflexão acadêmica. Por último, você pode considerar a heterogeneidade dos aportes teóricos. Nesse sentido, as teorias da comunicação, principalmente no início, são formadas por proposições advindas de investigações da sociologia, antropologia, psicologia, etc. Isso enriquece e ao mesmo tempo dificulta a integração teórica e metodológica do campo (FRANÇA, 2013). Na visão de Vera França, os estudos da comunicação ainda não têm uma tradição estabelecida. O seu objeto ainda não foi constituído com clareza, nem 19Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 19 10/11/2017 15:21:15 a sua metodologia. Portanto, ela pensa que o campo da comunicação ainda está em constituição, como Sodré (2014). Diferente deste, entende que, por enquanto, trata-se de um domínio interdisciplinar. Aponta, no entanto, que “[...] a interdisciplinaridade é transitória: quando ela consegue se estabilizar, criar referências, fincar estacas – aí, sim, podemos falar do surgimento de um domínio novo” (FRANÇA, 2013). Comunicação e história A respeito do início da comunicação humana, ainda há muitas dúvidas e um território fértil para investigações. Não se sabe, de fato, se na Pré-história os seres humanos se comunicavam por gritos e grunhidos, assim como os animais, ou por gestos, ou ainda por uma mistura de tudo isso (DÍAZ BORDENAVE, 1982). Sobre a origem da fala humana, se cogita que teve início com a imitação dos sons da natureza, como os das cachoeiras, rios e animais. Outra hipótese seria a de que os sons humanos começaram com as exclamações espontâneas, por exemplo, “ai” devido a uma dor, ou “ah” por admiração a algo. Além disso, especula-se que, nessa época, a comunicação também ocorria por sons emitidos por batidas das mãos e dos pés, bem como pelo uso de pedras e troncos ocos (DÍAZ BORDENAVE, 1982). O fato é que o ser humano passou a considerar alguns elementos como representantes dos significados de outros elementos, e assim surgiram os sig- nos. Ou seja, as pessoas da Pré-história associaram sons e gestos a objetos ou ações. Os sons e gestos, nesse contexto, seriam então os signos, compartilhados socialmente, e o repertório dos signos, bem como as regras de combinações entre eles, necessárias para haver o entendimento do grupo social, deram origem à linguagem. Graças a essas regras de combinações, que você conhece como gra- mática, as intenções dos interlocutores ficam mais claras (DÍAZ BORDENAVE, 1982). Já imaginou se o seu amigo dissesse “o doce comeu ela” em vez de “ela comeu o doce”? A ordenação dos signos permite a eficiência da comunicação. Mais tarde, para manifestar as mais diferentes intenções dos interlocutores, os seres humanos passaram a usar a linguagem de diversos modos: indicativo, interrogativo, imperativo ou declarativo. Também se percebeu que na lingua- gem algumas palavras manifestavam uma ação ou o nome de algo, etc. Mas claro que ainda não havia as designações “verbo” ou “substantivo” (DÍAZ BORDENAVE, 1982). A linguagem oral, apesar de sua eficiência, tinha duas grandes limitações: não era permanente e não tinha grande alcance. Diante desses desafios, os seres Primeiros conceitos e definições de comunicação20 TC_U1_C01.indd 20 10/11/2017 15:21:15 humanos começaram a pensar em formas de fixar os conteúdos comunicados e também de transmiti-los em distâncias maiores. Como você acha que o ser humano passou a fixar os signos então? Primeiramente por meio das pinturas primitivas, na Era Paleolítica (entre 35.000 e 15.000 anos da Era Cristã). Seja com intenção ritualística, estética ou expressiva, as pessoas da época registraram cenas de caça em cavernas como as de Altamira, na Espanha, ou de Dordogne, na França. Figura 1. Réplica exposta no Museu Nacional de Altamira de uma pintura rupestre pré- -histórica da caverna de Altamira, na Espanha. Fonte: EQRoy/Shutterstock.com. Ao longo da história, cada época teve as suas especificidades em relação aos processos comunicacionais. Dessa forma, em cada período a comunica- ção atendeu a objetivos diferentes. Em 3.500 a.C., os sumérios inventaram a escrita. Já pensou nas transformações que essa invenção causou? Depois, a escrita surgiu também entre os judeus e gregos. Com isso, várias versões de narrativas mitológicas passaram a ser registradas em documentos: a epopeia de Gilgamesh, o Antigo Testamento judaico-cristão, o Baghavad Gita hindu e o Corão árabe. Esses registros permitiram a continuidade das tradições a que se referiam (HOHLFELDT, 2013). A Grécia, no século V a.C., passou por profundas transformações. Atenas era uma aldeia rural com atividades agrícolas e pastoris, mas os seus acor- 21Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 21 10/11/2017 15:21:17 dos com Esparta, contra o imperador persa Xerxes, fizeram a localidade se desenvolver com as atividades comerciais. Esparta fornecia a madeira que Atenas utilizava para a construção de barcos e consequente intensificação do comércio. Esparta também oferecia segurança militar e Atenas, distribuição de suas riquezas. Com a urbanização de Atenas, a arquitetura e as artes plásticas ganharam importância. Uma nova etiqueta social também foi instituída: comer e beber iguarias de outros lugares em rituais complexos faziam parte disso. A filosofia e outras atividades culturais passaram a ser financiadas pelos mais ricos. Dessa forma, personalidades como Sócrates ou Platão eram hóspedes das pessoas abastadas. Foram justamente os gregos que refletiram inicialmente sobre a comu- nicação humana, a partir dos pré-socráticos. Eles exerciam a comunicação como prática de poder. Mas quando Atenas começou a ter problemas com os acordos estabelecidos com Esparta, esses filósofos passaram a ser vistos de forma negativa pela sociedade. Eram tidos como perniciosos, pessoas que submetem os homens pela mente. O maior dos sofistas, Sócrates, foi o responsável pelo desenvolvimento da prática filosófica da maiêutica. Segundo esta, o aprendizado acontece por meio do diálogo, de perguntas e respostas. Assim, o mestre guia o aluno ao conhecimento. Mas as principais contribuições gregas para os primeiros estudos da co- municação foram de Platão e Aristóteles. No livro VII da obra A República, Platão (427 – 327 a.C.) apresenta o Mito da Caverna. Trata-se da história de prisioneiros que viviam dentro de uma caverna. Tudo o que conheciam do mundo eram apenas as sombras do que se passava atrás deles, na entrada da “morada”. Assim, não conheciam a vida como quem estava livre e sob a luz. Um dia, um dos prisioneiros é liberto, vê o mundo fora da caverna, se impres- siona e volta para contar aos amigos. Mas estes não o entendem e enxergam o ex-prisioneiro como mais uma sombra deformada (HOHLFELDT, 2013). Para saber mais sobre o Mito da Caverna, acesse este link (FREIRE, 2011): https://youtu.be/Rft3s0bGi78 Primeiros conceitos e definições de comunicação22 TC_U1_C01.indd 22 10/11/2017 15:21:17 Por meio do exemplo do Mito da Caverna, você pode perceber que Platão refletiu com profundidade sobre a comunicação, mas dentro de uma perspectiva negativa. Platão acreditava que havia um Mundo das Ideias, das essências, que antecedia a materialidade. Para ele, quando o ser humano recebia um corpo, guardava apenas um fragmento desse outro mundo. A caverna seria então uma referência ao corpo, e as sombras na parede seriam metáforas dos objetos materiais. De acordo com essa perspectiva, o acesso ao conhecimento seria dificílimo para a maioria das pessoas, com exceção dos filósofos (estes, devido à sapiência extraordinária, deveriam inclusive administrar a sociedade). A partir daí, Platão pode levar você a refletir sobre a impossibilidade da comunicação. Já para Aristóteles (384 – 322 a.C.), que foi discípulo de Platão, a comu-nicação é, sim, possível. Em Retórica, ele aborda os discursos – aquilo que diz respeito a alguma coisa. Segundo Aristóteles, o ser humano é um animal social, um ser coletivo, e não uma individualidade. Vivendo socialmente, o ser humano usa a razão, traduzida em linguagem. Além disso, para viver bem e feliz no grupo, ele precisa da retórica. Esta é o conhecimento dos meios e estratégias para alcançar a persuasão. Na situação da retórica, três elementos estão presentes: o que fala, aquilo de que fala e aquele a quem fala. Assim, Aristóteles foi o primeiro a formular a situação comunicativa. Ele também aborda três gêneros de discursos oratórios: deliberativo, judiciário e demonstrativo. No primeiro caso, que trata sobre o futuro, se aconselha ou se desaconselha algo. No segundo caso, voltado para o passado, uma ação judiciária comporta a acusação e a defesa. E o terceiro caso, referente ao presente, comporta duas partes, o elogio e a censura. O modelo pioneiro na contemporaneidade da Teoria da Comunicação, de Harold D. Lasswell, tem muito do trabalho de Aristóteles (HOHLFELDT, 2013). Observe: Aristóteles – a pessoa que fala → o assunto → a pessoa a quem fala H.D. Lasswell – emissor (fonte) → mensagem → receptor A diferença entre as duas teorias é que Lasswell acrescentou “em que canal e com que efeitos” ao processo comunicacional. Por outro lado, Aris- tóteles tratou da questão dialógica do processo ao refletir sobre os gêneros citados. Nesse sentido, a pessoa que fala espera uma resposta do outro ou quer convencê-lo de algo. Partindo para o contexto de Roma, do século I a.C. ao século I d.C., o que havia eram medidas no âmbito da comunicação para controle social e garantia de poder. Os governos romanos se mantinham bem informados, se antecipavam às crises, garantiam informação e opinião consensual. O primeiro dos 12 imperadores romanos, Caio Júlio César (102 – 44 a.C.), costumava escrever 23Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 23 10/11/2017 15:21:17 sobre as suas façanhas, com interesse em documentar os acontecimentos para as gerações futuras. Ele inclusive inaugurou o estilo conhecido hoje como primeira pessoa enfática – em uma narrativa autobiográfica, em vez de se usar eu, usa-se a primeira pessoa do plural, nós. Júlio César também reformou as instituições romanas. Ele determinou que só a língua latina fosse usada no âmbito institucional, o que evitou a multiplicidade de informações (HOHLFELDT, 2013). Mais tarde, em consequência disso, a Igreja Católica adotou a língua latina como oficial. Além disso, fez a produção científica ser realizada em latim também para controle dos censores. Júlio César instituiu a acta diurna. O Senado era obrigado a registrar em papiros os conteúdos dos debates da Casa, que depois eram afixados nos muros da instituição. Mais tarde, esses registros passaram a ser copiados e distribuídos nas diversas regiões do Império, uma prática que antecipou as folhas noticiosas do século XVI (HOHLFELDT, 2013). Posteriormente, o sobrinho-neto e herdeiro de Júlio César, César Augusto (63 a.C. – 14 d.C.), estabeleceu um serviço de correios. Para isso, construiu também es- tradas, tudo para manter um governo centralizado e conectado com as sedes das administrações das províncias (HOHLFELDT, 2013). Muitos dizem que a Idade Média foi um período de pouco desenvolvimento intelectual e investimento no conhecimento. No entanto, você não deve es- quecer que foi nesse período que Alexandre Magno (356 – 323 a.C.), rei da Macedônia, construiu a biblioteca de Alexandria. Esta chegou a ter 700 mil volumes, com cópias de livros do mundo inteiro. A biblioteca era o centro da cultura antiga. Além disso, os mercadores europeus levaram da China para a Europa invenções como a bússola, dando segurança às navegações, a pólvora, para as conquistas pela força, e o papel. A chegada do papel, junto à invenção do tipo móvel, permitiu a difusão de informações novas num ritmo antes nunca visto na Europa. Tanto que na metade do século XVII começaram a circular as folhas informativas (HOHLFELDT, 2013). Primeiros conceitos e definições de comunicação24 TC_U1_C01.indd 24 10/11/2017 15:21:18 Outro contexto importante de mudanças nos processos de comunicação foi o da França entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX. A Revolução Burguesa de 1789 realizou grandes transformações na história social. Depois dela, não importavam mais tanto os títulos de nobreza. A nova classe da burguesia valorizava o presente e investia no futuro. A educação passa a ter um papel social de destaque, com o surgimento da escola leiga, pública e gratuita. Nessa época também ocorreu o movimento dos enciclopedistas, que pre- tendia reunir os conhecimentos disponíveis em toda a Europa. O projeto foi idealizado por Jean Le Ronde d A´lembert (1717 – 1783) e Denis Diderot (1713 – 1784). Ele contava com sábios, filósofos e especialistas como Vol- taire, Montesquieu, Rousseau, Jacourt, etc. No final das contas, em 1757, a Encyclopédie francesa foi iniciada com 17 volumes, escritos quase que inteiramente por Diderot, pois os colaboradores abandonaram o projeto por medo de serem presos. A enciclopédia foi editada em 1780, com o apoio de Madame de Pompadour. O século XIX também foi marcado pelo surgimento do romance-folhetim. Ele tinha uma linguagem simples e um tom de suspense, prendendo a atenção até dos que estavam se iniciando no hábito da leitura. Os enredos se estendiam por muitos meses, como hoje acontece com as telenovelas e séries. Dessa forma, os leitores renovavam as assinaturas dos jornais. Já o final do século XIX viu a descoberta da eletricidade, a lâmpada elétrica, o surgimento do telégrafo, a radiodifusão telegráfica e o telefone sem fio, além do fonógrafo, cuja evolução possibilitou o surgimento dos múltiplos toca-discos. Em 1895, o cinema surge, na França, com os irmãos Lumière. Muitos foram contrários a ele, por acharem que era “coisa do demônio”, mas logo a invenção fascinou o público. E foi no início do século XX que começaram os estudos específicos sobre o fazer comunicativo. Eles são contemporâneos de profundas mudanças que atingiram a comunicação. Como exemplos, você pode considerar o desen- volvimento das técnicas, a institucionalização e a profissionalização das práticas e as novas configurações de espaço e tempo que se estabeleceram diante da realidade comunicativa do período. Os estudos sobre a comunica- ção aconteceram por causa da chegada dos novos meios e também porque a sociedade precisava usar melhor a comunicação para a realização de projetos (FRANÇA, 2013). 25Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 25 10/11/2017 15:21:18 Algumas das questões que marcaram o início das pesquisas sobre comunicação foram a urbanização crescente, a consolidação do capitalismo industrial, a sociedade de consumo, a expansão do imperialismo (especificamente o norte-americano), a divisão política do mundo entre capitalismo e comunismo, além do papel central da ciência, que passou a responder cada vez mais pelo progresso da vida social (FRANÇA, 2013). Alguns trabalhos mostram que o alemão Otto Groth, em Estrasburgo, escreveu algo parecido com uma enciclopédia do jornalismo – a Teoria do Diário – nas primeiras décadas do século XX. Mas só a partir dos anos 1930 é que começaram as pesquisas voltadas para os efeitos e funções dos meios de comunicação de massa, com a mass communication research, nos Estados Unidos. Nesse contexto, são considerados os fundadores da pesquisa em comunicação: Paul Lazarsfeld, Harold Lasswell, Kurt Lewin e Carl Hovland (FRANÇA, 2013). As motivações dos estudos eram de ordem política e econômica. Com a expansão industrial, era preciso aumentar a venda dos novos produtos. Assim, havia muitaspesquisas focadas no comportamento das audiências e no aperfeiçoamento das técnicas de intervenção e persuasão. Na I Guerra Mundial, os meios de comunicação tiveram o papel de promover o fortalecimento do sentimento nacional, sustentar a economia e influenciar as vontades da população civil. Depois disso, com a crise de 1929 e a retomada da economia americana com o New Deal, a comunicação tinha o papel de racionalização da sociedade. Mas foi na II Guerra Mundial que o alcance da comunicação ficou claro, com os programas da Alemanha nazista orientados por Joseph Goebbels. Nessa época, a propaganda era utilizada para controle político-ideológico. Em relação à Europa e aos Estados Unidos, na segunda metade do século XX foi observado o surgimento de novas tecnologias, rápidas e eficientes, que afetaram profundamente o modo de vida das pessoas. A partir de 1930, o cinema teve grandes conquistas: primeiro o som, depois a cor, e, então, a ampliação dos quadros. Em relação à televisão, as primeiras experiências foram realizadas em 1929 na Inglaterra, na União Soviética e nos Estados Unidos. E, com as descobertas da II Grande Guerra, surgiram o rádio transis- torizado, em 1954, e o computador eletrônico, com a IBM, em 1959. Por fim, graças aos avanços tecnológicos, voltamos um pouco àquela noção clássica Primeiros conceitos e definições de comunicação26 TC_U1_C01.indd 26 10/11/2017 15:21:18 de comunidade grega. Afinal, apesar das dimensões da Terra, as distâncias diminuíram e o tempo de troca de mensagens também (HOHLFELDT, 2013). Hoje, em minutos você pode conversar com alguém que está no Japão, seja para fechar negócios ou por razões pessoais e afetivas. 1. O que quer dizer a raiz latina da palavra comunicação – communicatione? a) “Ação comum”. Communicatione deriva de commune, que quer dizer “comum”. Portanto, ao tornar algo comum, seja uma informação, uma emoção ou uma experiência, ocorre a comunicação. b) “Lugar comum”. Communicatione significa “estar num mesmo lugar, partilhando as mesmas ideias”. c) “Padrão comum”. Communicatione se refere a comportamento. Portanto, quando há comportamentos semelhantes, há comunicação. d) “Pensamento comum”. Communicatione tem a ver com transmissão de pensamento e entendimento entre interlocutores. e) “Comungar”. Communicatione deriva de commune, que quer dizer “comum”. Portanto, a palavra surgiu no contexto religioso dos mosteiros. 2. José Luiz Braga (2011), sobre a caracterização de qual é o objeto de conhecimento que define a comunicação, afirma que: a) o objeto da comunicação não pode ser apreendido enquanto coisas nem temas, mas sim como um certo tipo de processos caracterizados por uma perspectiva comunicacional. b) o objeto da comunicação é muito amplo e quase tudo pode ser comunicação: política, sociologia, arte. c) o objeto da comunicação é restrito, se trata do que é apresentado nos meios de comunicação de massa. d) o objeto da comunicação se restringe ao que é produzido pela televisão e pelo rádio. e) o objeto da comunicação se refere aos processos identificados dentro das produções dos meios de comunicação social. 3. Sobre o campo da teoria e o campo da prática nos estudos relacionados à comunicação, pode-se dizer que: a) a comunicação está no dia a dia das pessoas, por isso os estudos sobre essa área do conhecimento são necessariamente voltados para o empirismo. b) a comunicação é um tema filosófico, por isso o enfoque dos estudos sobre comunicação é teórico. c) devido à necessidade de formação técnica de jornalistas, os estudos da comunicação são 27Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 27 10/11/2017 15:21:18 voltados para questões práticas. d) não há discussão sobre campo teórico e campo prático quando o assunto é comunicação. e) é importante equilibrar as questões teóricas e práticas nos estudos sobre comunicação. 4. De acordo com as ideias expostas na obra do filósofo Platão (427 – 327 a.C.), pode-se inferir que: a) a comunicação se manifesta naturalmente e com eficiência entre as pessoas. b) para estabelecer comunicação, é preciso ler e compreender o Mundo das Ideias. c) a comunicação só é possível entre os filósofos discípulos de Platão, pelo potencial crítico de cada um deles. d) a obra de Platão não tem relação com a temática da comunicação. e) é muito difícil estabelecer comunicação eficiente. Com exceção dos filósofos, a maioria das pessoas não acessa o conhecimento. 5. Aristóteles (384 – 322 a.C.), em Retórica, aborda a questão dos discursos – aquilo que diz respeito a alguma coisa. Tomando como referência essa obra e outras do filósofo grego, é correto afirmar que: a) na situação da retórica, três elementos estão presentes: o que fala, aquilo de que fala e a natureza. b) na situação da retórica, três elementos estão presentes: emissor, mensagem e receptor. c) na situação da retórica, três elementos estão presentes: o que fala, aquilo de que fala e aquele a quem fala. d) Aristóteles trata da impossibilidade da comunicação. Raras são as vezes em que há processo comunicativo. e) sobre comunicação, Aristóteles reproduziu as ideias de Platão, pois era seu discípulo. Primeiros conceitos e definições de comunicação28 TC_U1_C01.indd 28 10/11/2017 15:21:18 BRAGA, J. L. Constituição do campo da comunicação. Revista Verso e Reverso, São Leopoldo, v. 25, n. 58, p. 62-77, 2011. DÍAZ BORDENAVE, J. E. O que é comunicação. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. FRANÇA, V. O objeto da comunicação/a comunicação como objeto. In: HOHLFELDT, A.; MARTINO, L. C.; FRANÇA, V. (Coord.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. FREIRE, R. O mito da caverna: Platão – dublado. [S.l.]: YouTube, 2011. 1 vídeo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Rft3s0bGi78&feature=youtu.be>. Acesso em: 10 out. 2017. HOHLFELDT, A. As origens antigas: a comunicação e as civilizações. In: HOHLFELDT, A.; MARTINO, L. C.; FRANÇA, V. (Coord.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. MARTINO, L. C. De qual comunicação estamos falando? In: HOHLFELDT, A.; MARTINO, L. C.; FRANÇA, V. (Coord.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. SODRÉ, M. A ciência do comum: notas para o método comunicacional. Petrópolis: Vozes, 2014. SODRÉ, M. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. SOUSA, J. P. Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e dos media. 2. ed. Porto: BOCC, 2006. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-ele- mentos-teoria-pequisa-comunicacao-media.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2017. Leituras recomendadas BEZERRA, E. D. Fundamentos sociológicos da comunicação. In: SÁ, A. (Coord.). Fun- damentos científicos da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. BRASIL, J. P. Fundamentos antropológicos da comunicação. In: SÁ, A. (Coord.). Fun- damentos científicos da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. PEREIRA, J. M. Fundamentos psicológicos da comunicação. In: SÁ, A. (Coord.). Funda- mentos científicos da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. SÁ, A. Fundamentos filosóficos da comunicação. In: SÁ, A. (Coord.). Fundamentos científicos da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. SOUZA, M. R. Fundamentos linguísticos da comunicação. In: SÁ, A. (Coord.). Funda- mentos científicos da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. TELES, E. Fundamentos biológicos da comunicação. In: SÁ, A. (Coord.). Fundamentos científicos da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1973. 29Primeiros conceitos e definições de comunicação TC_U1_C01.indd 2910/11/2017 15:21:19 TC_U1_C01.indd 30 10/11/2017 15:21:19 Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar o processo evolutivo da comunicação humana. Descrever as etapas da evolução da comunicação humana. Explicar o que é a linguagem. Introdução A comunicação é parte fundamental da sua vida. Você consegue imaginar uma vida sem e-mails, redes sociais ou telefone? Ora, o ato de se comu- nicar é social e responde a necessidades e práticas diárias. Um rápido lance de olhar sobre a atualidade poderia levar você a pensar que, hoje, o uso da comunicação é marcado por um excesso, que não só responde a necessidades, mas as cria. Contudo, será que a comunicação sempre foi assim? Como era a comunicação dos primeiros homens? Quando surgiram a fala e a escrita? Neste texto, você vai refletir sobre o processo evolutivo da comuni- cação humana. Além disso, vai identificar as etapas da evolução dessa comunicação e, por fim, compreender o que é a linguagem e a sua natureza essencialmente social. A evolução da comunicação humana A história do início da comunicação humana é muito antiga e não teve início com o surgimento da imprensa de Gutenberg ou do telégrafo de Morse, como você poderia pensar. A capacidade de se comunicar é um fenômeno fundamental da existência do homem, fenômeno este que o acompanha desde o começo da sua TC_U1_C02.indd 31 10/11/2017 15:21:08 jornada na Terra. Mesmo o homem das cavernas possuía a necessidade de se comunicar. Sabe-se, contudo, que ela se dava de forma bem intuitiva e por meio de gritos, grunhidos e gestos. Além disso, as últimas descobertas informam que ele se reunia ao redor do fogo para falar das suas atividades cotidianas. É, portanto, necessário discutir sobre a comunicação humana desde o seu início para compreender as mudanças atuais nas formas de comunicação. Desse modo, é preciso um retorno à anterioridade, ao início da humanidade. Afinal, mudanças na maneira de compartilhar significados ocorreram ao longo do processo evolutivo. Ora, compreender como o homem tem se comunicado com o passar dos milênios é importante para você entender como os seres humanos têm modificado seu comportamento conforme o tempo e o espaço. Contudo, você deve estudar a comunicação social tendo em vista o comportamento e o estilo de vida do homem em cada contexto. Portanto, precisa pensar, acima de tudo, que a história não caminha numa necessária linha progressiva e evolutiva no sentido de uma suposta superioridade. Ter acesso a esse desenvolvimento não é uma tarefa simples. Se não é nada fácil inferir as condições culturais humanas por meio de fósseis e antigos artefatos, o que dizer de reconstruir, ao longo do tempo e espaço, como os homens se comunicavam? E, além disso, o que dizer, a partir das várias formas de comunicação, quais implicações estas trouxeram para o estilo de vida que os homens adotavam? Logo, não seria equivocado afirmar que há uma relação íntima entre a evolução da comunicação humana e o comportamento social (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Você precisa, portanto, conhecer um pouco dessas histórias para que possa adotar uma postura mais crítica diante dos avanços tecnológicos da comunicação atual. O desafio está lançado. Agora, você vai começar a conhecer melhor as etapas da comunicação humana. Figura 1. A evolução do homem. Fonte: Panco/Shutterstock.com. Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições32 TC_U1_C02.indd 32 10/11/2017 15:21:08 Etapas da evolução da comunicação humana O desenvolvimento da comunicação não se deu de forma tranquila e contínua. É um processo que foi se aperfeiçoando a partir das necessidades sociais e de sobrevivência. Essas várias etapas são chamadas por DeFleur e Ball-Rokeach (1993) de eras. Como você vai ver a seguir, a caracterização das eras não tem por objetivo uma cronologia da comunicação humana, como bem dizem esses autores. Ela objetiva oferecer uma “síntese ampla” de como foram ocorrendo as transições nas maneiras de o homem se comunicar. A Era dos Símbolos e dos Sinais foi provavelmente o primeiro momento significativo do desenvolvimento da capacidade do homem de se comunicar. Ela se deu muito antes dos primitivos que caminhavam erectus. Há dois milhões de anos, surgira o Homo habilis, um dos seus primitivos ancestrais. É a partir dele que diferenças entre técnicas de sobrevivência dos primeiros seres humanos e de outros primatas começaram a se acentuar. Ferramentas de pedra lascada e uso do fogo podem ser interpretados como os primeiros passos em direção ao desenvolvimento da cultura humana (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Nessa etapa, a comunicação entre os homens se dava de forma bem próxima a de outros mamíferos. O sistema de comunicação era intuitivo. Ele se formava por um número limitado de sons fisicamente capazes de serem produzidos – como rosnados, roncos e guinchos. Também incluía movimentos corporais, como o uso de gestos com mãos ou braços. Além disso, é interessante notar que o aparelho fonador desses homens era muito semelhante ao dos macacos e chimpanzés. Esse fato revela a incapacidade física desses hominídeos de falarem. Igualmente, o tempo para compreender a mensagem construída por meio de sons e gestos era muito maior, o que dificultaria o entendimento de relatos mais extensos e complicados. Ao longo da evolução da capacidade de aprendizagem do homem, os sinais e os símbolos foram se tornando mais elaborados. No entanto, a ausência de desenvolvimento da fala para propósitos interpessoais foi um grande limitador para o desenvolvimento cultural, o qual se deu de forma bastante lenta nesse período (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). 33Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições TC_U1_C02.indd 33 10/11/2017 15:21:08 Não confunda os sinais usados pelos Cro-Magnons com as línguas de sinais. Estas, ao contrário do que muitos imaginam, não são formadas por mímicas e gestos soltos, mas apresentam regras gramaticais próprias. Elas se estruturam por unidades mínimas – fonemas, morfemas, palavras e frases – que formam unidades mais complexas – os níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico. Além disso, as línguas de sinais possuem diferenças regionais, socioculturais, de faixa etária e gênero, ou seja, variam quanto ao uso e conforme o contexto (FELIPE; MONTEIRO, 2007). Igualmente, são dotadas de complexidade e expressividade da mesma forma que as línguas orais- -auditivas. São, portanto, sistemas linguísticos legítimos (IDALGO, 2008). Logo, o que diferencia uma língua de sinal das outras é a sua modalidade visual-espacial. Posteriormente, cerca de 1,6 milhão de anos depois, o Homo erectus apa- rece. Com ele, se nota um aumento da relação entre o cérebro e o corpo. Dessa cadeia ancestral, descenderam as pessoas do Neanderthal (Homo sapiens neanderthalensis). Estas duraram por volta de 35 mil anos e desapareceram misteriosamente. Elas foram sendo substituídas pelos Cro-Magnon (Homo sapiens sapiens). Além das ferramentas, já usadas pelos seus antepassados, os homens de Cro-Magnon faziam roupas, conservavam alimentos e eram socialmente organizados. Também domesticavam animais, usavam metais – sua utilização tem início aqui –, adotavam a agricultura e criavam comunidades fixas. A partir deles, teve início uma tradição artística com entalhes e pinturas nas cavernas. Isso é importante porque é a partir dos Cro-Magnons (Homo sapiens sapiens) que a Era da Fala e da Linguagem começa (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). A origem da linguagem tem sido um assunto de grande interesse e con- trovérsia entre os pesquisadores até os dias de hoje. Não há, a esse respeito, um consenso sobrequando se deu exatamente o nascimento da linguagem. Alguns arriscam que ela surgiu há 200 mil anos. Para os autores abordados aqui, citados anteriormente, a fala e a linguagem parecem ter surgido entre 35 e 40 mil anos atrás com os Cro-Magnons. Eles tinham uma estrutura craniana, assim como eram dotados de língua e laringe, exatamente como a do homem atual. Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições34 TC_U1_C02.indd 34 10/11/2017 15:21:08 O surgimento da fala levou inevitavelmente ao desenvolvimento da cultura oral. Igualmente, por meio do raciocínio com a linguagem, os Cro-Magnons puderam planejar e caçar de forma mais ordenada, se defender e explorar melhor as regiões para a caça que os homens de Neanderthal, uma vez que estes últimos permaneceram na Era dos Símbolos e dos Sinais (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Nesse momento, os Cro-Magnons aprenderam a lidar com as várias mu- danças climáticas que se sucederam e os impulsionaram ao nomadismo. Ao longo dos séculos, se fixaram no Crescente Fértil, desenvolveram o trabalho com a terra, aprenderam a criar animais e passaram a adorar deuses. Além disso, é marca dessa época o uso de metais, a tecelagem, a roda e a cerâmica. No entanto, ainda não sabiam escrever. De toda forma, símbolos diversos, palavras e números permitiram que os seres humanos passassem a classificar, sintetizar e especular, lembrando e comunicando mensagens mais extensas (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Figura 2. Os Cro-Magnons (Homo sapiens sapiens). Fonte: Cimmerian/Shutterstock.com. A transição da etapa anterior para a Era da Escrita se deu de forma bem mais rápida, por volta de 5 mil anos depois: “[...] a história da escrita é a passagem da representação pictórica para sistemas fonéticos, da representação de ideias 35Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições TC_U1_C02.indd 35 10/11/2017 15:21:08 complexas com imagens ou desenhos estilizados para a utilização de simples letras dando a entender determinados sons.” (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993, p. 30). As formas mais antigas de registrar informações recuperadas até os dias de hoje foram representações de animais e cenas de caças em pedras, isto é, representações pictóricas que passaram a ter significados de imagens padronizados. Ou seja, o primeiro passo para criar a escrita se deu com a padro- nização de significados de imagens. Afinal, se não houvesse uma compreensão comum e partilhada entre as representações, como as pessoas entenderiam o seu sentido? Isso se deu, contudo, durante a consolidação da agricultura, o que levou inevitavelmente à necessidade de se estabelecer limites e direitos nas propriedades de terra e nas atividades comerciais. Portanto, você não deve se surpreender com o fato de que a escrita tenha começado em regiões como a da Suméria – o atual Iraque – e a do Egito, locais em que se praticava a agri- cultura. São deles as famosas escritas pictográfica, por meio dos hieróglifos, e cuneiforme, respectivamente. Igualmente, após variações entre diversos povos, os gregos padronizaram e simplificaram o sistema de escrita, o qual foi ainda aperfeiçoado pelos romanos. É importante que você saiba que a escrita se desenvolveu de forma independente e simultânea em várias partes do mundo, como entre os chineses e os maias, os quais elaboraram uma escrita independente. Ademais, os livros passaram a ser comuns na Idade Média, porém eram elaborados pelos monges e escribas, além de mais restritos ao seu domínio, antes do surgimento da imprensa. Nesse momento, os escribas se tornaram uma classe privilegiada sob o controle da elite, bibliotecas foram abertas e as artes e ciências começaram a se desenvolver (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Posteriormente, surge a Era da Impressão. Em 1945, Johannes Guten- berg inventa a prensa impressora, na Alemanha, mais especificamente na cidade de Mainz. Pouco antes de Colombo chegar às Américas, o primeiro livro foi produzido por uma prensa que usava tipos móveis fundidos em metal. Igualmente, houve nessa etapa uma mudança significativa no de- senvolvimento e na “preservação” da cultura. Isso pois, antes disso, boa parte dos livros eram escritos em latim e a informação restrita aos padres, escribas, políticos e grupos de elite. Assim, a informação passou a ser mais acessível a todos. Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições36 TC_U1_C02.indd 36 10/11/2017 15:21:09 Igualmente, ocorria a produção de milhares de livros em papel. Estes se tornavam disponíveis para o grande público. Dessa forma, as pessoas passaram a ter mais interesse em aprender a ler. Uma modificação de destaque trazida pela prensa foi a possibilidade de reprodução de livros. Estes passaram a ser copiados mais rapidamente e com mais precisão. Além disso, três importantes pontos marcaram esse momento: a difusão da alfabetização, o surgimento do jornal de massa e a adoção, posteriormente, do jornal como um complexo cultural. No fim do século XIX, os novos veículos de massa, tais como jornais, livros e revistas, começaram a causar impactos na forma de o sujeito agir, interagir e pensar. Assim, tem início a próxima era. O início da Era da Comunicação de Massa se dá no começo do século XX, quando a imprensa de massa passa a ser amplamente aceita pela popula- ção. Nesse momento, surge o telégrafo em 1830 e, depois, o cinema, o rádio doméstico e a televisão; estes dois últimos em 1920 e 1940, respectivamente. A invenção e a adoção ampla do filme, do rádio e da televisão em diversos ambientes e cômodos das casas, se estendendo a populações maiores, au- mentaram a oportunidade de as pessoas se comunicarem e empregarem a linguagem. Isso implicou em formas distintas de se organizarem, produzirem conhecimento e cultura (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Você sabia que a fotografia, quando foi inventada, trouxe um impacto gigantesco ao desenvolvimento da comunicação de massa? Ela, contudo, muitas vezes é deixada de lado quando se discutem os meios de comunicação, seus desdobramentos e impactos na sociedade. Segundo Díaz Bordenave (1997), a foto permitiu a ilustração de livros, jornais e revistas, inspirou o cinema – antes, mudo, e, depois, sonoro – e se aliou à eletrônica, possibilitando a veiculação de imagens por meio da televisão. Tem-se registro de que em 1880 foi publicada pela primeira vez uma fotografia no jornal nova-iorquino Daily Graphic, intitulada Shantytown (FREUND, 1995). Ela trouxe impacto revolucionário na forma como os acontecimentos passariam a ser noticiados a partir de então. Assim, a introdução da fotografia modificou a visão das ditas massas, uma vez que ela abriu uma janela para o mundo (MARTINS, 2013). Para mais informações a respeito da relação entre a fotografia, a história e a sociedade, você pode ler a obra Fotografia e Sociedade, de Gisèle Freund. 37Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições TC_U1_C02.indd 37 10/11/2017 15:21:09 A Era dos Computadores e a atualidade das comunicações Começou, recentemente, a Era dos Computadores. Ninguém está seguro ainda quanto ao que essa era subentende para a comunicação (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Contudo, como você sabe, os computadores já trouxeram muitos impactos para a forma de as pessoas se comunicarem. Eles transformam e informatizam cada vez mais as práticas sociais diárias. É muito cedo para avaliar adequadamente os impactos culturais, organizacionais e culturais promovidos nessa etapa. Mas já se pode antecipar que os avanços tecnológicos atuais abrem as portas para se pensar como antigos comporta- mentos estão sendo moldados e quais estilos de vida passam a ser criados e estimulados. Isso sem falar, é claro, no surgimento de novas mídias e redes sociais – por exemplo, o Facebook e o Twitter. A evoluçãoe a acumulação cultural humanas não param de acontecer. Afinal, tal desenvolvimento prossegue com o desenrolar da história do sujeito. Desse modo, é pertinente questionar o seguinte: será que tratar do surgimento ou prolongamento de novas mídias é o mesmo que falar em “novas” formas de comunicação? Ao estudar as transições na capacidade do homem de se comunicar, você precisa entender que se fala, conforme defendem DeFleur e Ball-Rokeach (1993), muito mais de uma acumulação do processo comunicativo do que de um relato de períodos dispostos de forma separada e distinta. Ora, a história da comunicação humana tem sido muito mais uma história de combinação de sistemas do que da passagem de um para outro, não é mesmo? Essa reflexão é crucial para a leitura que se faz das etapas da comunicação. A origem da linguagem A linguagem é frequentemente associada a um conjunto de palavras faladas ou escritas. Estas são combinadas pelos falantes de uma língua de uma forma que lhes seja possível se comunicar por meio delas. No entanto, a linguagem não é só isso: ela é, de fato, muito mais do que o falado e o escrito. Você pode ainda considerar que ela é constituída significativamente pelo (i) não verbal, a exemplo dos gestos, (ii) por sons e murmúrios, como o balbuciar Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições38 TC_U1_C02.indd 38 10/11/2017 15:21:09 de um bebê, ou mesmo (iii) pela entonação dada ao conteúdo escrito ou falado. Além disso, se você parar para pensar sobre o que é a linguagem, observará que ela é dotada de certa organização linguística. Se não houvesse tal ordenação, que os falantes devem seguir, a compreensão se tornaria mais próxima do impossível. De acordo com Volóchinov/Bajtín e Vigotski, a linguagem não surgiu pela via sobrenatural, nem pela invenção consciente e meditada, como havia se pensado no século XVIII ([VOLÓCHINOV]; BAJTÍN; VIGOTSKI, 1993). Há, contudo, duas teorias que fizeram sucesso e que você precisa conhecer: (1) a teoria das onomatopeias e (2) a teoria das interjeições. De acordo com a primeira, o homem tentava produzir os sons dos animais ou os que acompanhavam os fenômenos da natureza. Nessa perspectiva, esses sons se converteram em palavras – embora o número delas fosse muito limitado – que designavam objetos. Na segunda, os sons emitidos pelos homens se relacionavam a sensações fortes que eles tinham sobre algum objeto. Esses sons, muitos em forma de exclamações involuntárias ou interjeições, passam a se constituir em signos fixos e significantes de objetos, se transformando em palavras. O problema dessas duas teorias, conforme discutem Volóchinov/Bajtín e Vigotski, é que elas são infunda- das, pois não explicam a natureza social da linguagem ([VOLÓCHINOV]; BAJTÍN; VIGOTSKI, 1993). No entanto, posteriormente, outras perspectivas teóricas que tomam a linguagem como um fenômeno social passam a surgir. Por volta de 1876, um caminho teórico é sugerido a partir dos estudos desenvolvidos por Engels (1876 apud [VOLÓCHINOV]; BAJTÍN; VIGOTSKI, 1993): por meio do domínio sobre a natureza, do desenvolvimento da mão de obra e do trabalho, o homem vai se tornando cada vez mais social. Em outras palavras, ao se descobrir novas necessidades e ao se organizar o trabalho como uma atividade coletiva e comum entre os membros da sociedade, surge a necessidade de um dizer algo ao outro. Já para Noiret (apud [VOLÓCHINOV]; BAJTÍN; VIGOTSKI, 1993), a linguagem nasce do trabalho primitivo e comum dos antepassados. Essas ideias tiveram respaldo pelos estudos de Marr (1926 apud [VOLÓCHINOV]; BAJTÍN; VIGOTSKI, 1993). Ele afirmou que a linguagem foi criada sob a base de um instinto de socialização. Esse instinto se baseava na organização e nas necessidades econômicas (teoria jafética). Ou seja, a linguagem havia nascido de um poderoso processo de luta contra a natureza, percorrendo o mesmo processo de desenvolvimento da cultura material, econômica e técnica. Além disso, antes de a linguagem se tornar articulada e fônica, ela era formada por gestos e mímica, se caracterizando como manual. 39Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições TC_U1_C02.indd 39 10/11/2017 15:21:09 É importante você perceber que quando o aparelho de fonação começou a se desen- volver, não estavam em jogo palavras ou signos, mas sons básicos que acompanhavam os rituais coletivos. Ademais, diante da necessidade do homem de se compreender, de se explicar e de dizer os fenômenos, o desenvolvimento da linguagem fônica vai permitindo que se alargue o universo de objetos que podem ser denotados pela linguagem ([VOLÓCHINOV]; BAJTÍN; VIGOTSKI, 1993). Assim, os primeiros homens da Idade da Pedra, por serem caçadores e coletores, usavam a linguagem das mãos. Os sons, quando emitidos, eram ainda inarticulados e expressavam gritos de emoção. Nessa época, a arte era associada à magia. Isso foi uma importante condição para o surgimento da linguagem fônica: os movimentos mágicos das mãos foram sendo seguidos por gritos também mágicos. Vão se desenvolvendo, então, os órgãos do aparelho de fonação. Os elementos fônicos fundamentais começam a ser elaborados. Você sabia que o rito de magia era associado ao desenvolvimento econômico e ao provimento das necessidades pela natureza? Na época do homem neolítico, magia e trabalho se confundiam como uma coisa só. Era por meio dos rituais de magia que o homem pedia pela chuva e pela colheita, por exemplo, e agradecia pelas preces atendidas. O ritual era, portanto, parte fundamental para a sobrevivência. Mais adiante, conforme afirmam Volóchinov/Bajtín e Vigotski (1993), têm início o desenvolvimento da caça dos animais domésticos e da agricultura. Com isso, surgem novos estágios de desenvolvimento linguístico: (1) o es- tágio totemístico e (2) o estágio cósmico. O primeiro se caracterizava pela divinização de animais e vegetais. O segundo, de céus e fenômenos celestes. A partir do desenvolvimento cultural, passa a haver a necessidade de os homens se unirem em grupos. Logo, o entrecruzamento linguístico ocorre com o dos grupos. Novos elementos linguísticos surgem e a bagagem lexical se enriquece. Como os sons eram ainda limitados, as palavras se abreviam e se reduzem, podendo servir como base para a origem de novas expressões. Etapas da evolução da comunicação humana: uma teoria das transições40 TC_U1_C02.indd 40 10/11/2017 15:21:09 Disso, advém a próxima fase do desenvolvimento da linguagem, a qual se liga à organização das palavras em frases, mas de forma a não modificar o sentido daquelas. A natureza social da linguagem A linguagem não é um elemento divino, nem é da natureza. É o produto da atividade humana coletiva que reflete tanto a estrutura socioeconômica como a política na sociedade . Há, desse modo, uma relação íntima da linguagem com a vida e a organização social. E, indo ainda mais adiante nessa discussão, é possível afirmar que foi devido à existência do outro, além de um eu, que a linguagem pôde surgir. Ou seja, foi pela necessidade de comunicação dos agrupamentos humanos da Idade da Pedra que a linguagem pôde nascer e se desenvolver. Com a ajuda da linguagem, o homem pôde criar a moral, o direito, a arte, a ciência e, ao mesmo tempo, a sua consciência. Logo, cada enunciado pronunciado, pensado ou até mesmo imaginado pressu- põe, para se realizar, a existência não só daquele que fala, mas também daquele que escuta. E aqui você deve considerar desde o simples “Choveu!” a orações mais complexas, como “A chuva abundante do mês de agosto ocasionou queda de barreiras, mortes e indivíduos desabrigados”. Desse modo, para existir um enunciado é preciso o outro, isto é, (co)enunciadores. Isso permite concluir que a linguagem é eminentemente social (VOLÓCHINOV, 2013). Assim, qualquer palavra simplesmente
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