Buscar

TERAPIA NUTRICIONAL EM UTI

Prévia do material em texto

TERAPIA NUTRICIONAL EM UTI
CAP. 5 AVALIAÇÃO DAS NECESSIDADES ENERGÉTICAS: MÉTODOS E LIMITAÇÕES
Os pacientes críticos possuem necessidades nutricionais complexas e precisam de terapia nutricional intensiva. Como parte da resposta metabólica ao trauma/sepse/doença aguda, o gasto energético basal pode estar aumentado, levando a um intenso catabolismo. Pode ocorrer hiperglicemia com resistência à insulina, perda progressiva de massa corpórea magra e lipólise acentuada, mudanças nos níveis de minerais, retenção de líquidos e redução da síntese de proteínas viscerais como a albumina. O impacto da combinação destas alterações metabólicas, imobilização e falta de suporte nutricional adequado pode levar à rápida e importante depleção da massa corporal magra e desnutrição, que pode ser ainda mais grave se coexistirem fatores como idade avançada, baixa condição socioeconômica e desnutrição preexistente.
O fornecimento de calorias de acordo com a condição clínica é fundamental para o controle metabólico adequado do paciente crítico. O gasto energético varia de acordo com o tipo de agressão (trauma, sepse, intervenção cirúrgica), grau de atividade do paciente (ventilação espontânea ou mecânica, sedação), estágio da doença e estado nutricional prévio do paciente.
A calorimetria indireta é um método não-invasivo que mede o calor liberado durante o processo oxidativo através dos valores do consumo de oxigênio (VO2) e produção de gás carbônico (VCO2). Embora seja considerado atualmente o “padrão ouro” de avaliação do gasto energético, apresenta limitações técnicas de aplicação, como custo elevado do equipamento, exigência de pessoal treinado para aferição com disponibilidade de tempo e necessidade de fração de oxigênio inspirado (FIO2) maior que 0,6, dentre outros. 
Os métodos mais comuns para determinação das necessidades energéticas são as equações preditivas, devido à facilidade de execução e custo zero. Existem atualmente cerca de 190 fórmulas publicadas na literatura para estimativa do gasto energético, que utilizam as variáveis: peso, altura, idade, sexo e superfície corporal. 
A fórmula mais amplamente utilizada é a equação de Harris-Benedict, desenvolvida em 1919, acrescida de fatores atividade e estresse. Porém, sua acurácia é limitada, pois a fórmula é derivada de predição para indivíduos saudáveis. Para a estimativa por equação, é preferível o uso do peso “atual” em pacientes eutróficos e desnutridos no lugar do peso desejável, e, em obesos, deve-se utilizar o peso ajustado para obesidade. 
Em pacientes hemodinamicamente estáveis em ventilação mecânica, o uso de 120% da taxa metabólica em repouso parece suprir adequadamente as suas necessidades. 
Outra medida para o cálculo do gasto energético é o método de Fick, que utiliza dados hemodinâmicos, como o débito cardíaco, a concentração de hemoglobina, as saturações venosa e arterial de oxigênio. Necessita ter inserido um cateter triluminal na artéria pulmonar. 
Além das fórmulas preditivas, o cálculo direto utilizando 25 kcal/kg/dia de peso usual parece se adequar à maioria dos pacientes.
 A European Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN) recomenda durante a fase aguda inicial, uma oferta de 20 a 25 kcal/kg/dia, e na fase de recuperação, 25 a 30 kcal/kg/dia. Em pacientes obesos, recomenda-se ofertar de 20 a 30 kcal/kg/dia, com base no peso ajustado para obesidade.
Carboidratos 
Trinta a 70% das calorias totais devem ser fornecidas na forma de carboidratos, na dose de 2 a 5 g/kg/dia8 . A oferta de glicose deve ser ajustada para evitar níveis de glicemia > 140 mg/dL, mas estudos estão sendo realizados para defi nir níveis ideais de glicemia para os pacientes críticos. Pode ser necessário o uso de insulina para manter os níveis de glicose próximos ao normal20. 
Lipídeos 
Quinze a 30% das calorias devem ser oferecidas na forma de lipídeos8 . A quantidade mínima a oferecer é de 1g/kg/dia, sem exceder a 1,5 g/kg/dia. Deve-se evitar o aporte excessivo de lipídeos, pois está relacionado a efeitos imunossupressivos, com aumento na incidência de infecções20. O balanceamento dos vários tipos de ácidos graxos também é importante, pois pode influenciar vias de síntese de eicosanóides. Atualmente são utilizados no suporte nutricional, triglicerídeos de cadeia longa (TCL) pertencentes ás séries n-3, n-6 e n-9, individualmente ou em combinação com triglicerídeos de cadeia média (TCM).
CAP. 6 – NECESSIDADES PROTEICAS
Quinze a 20% do total de calorias devem ser fornecidos como proteína ou aminoácido. Deve-se iniciar com aporte de 1 a 1,5 g/kg/dia. Este valor pode ser aumentado em situações de maior perda proteica (queimaduras, feridas abertas, enteropatias com perda de proteínas), devendo ser ajustado de acordo com controles periódicos de balanço nitrogenado e alterações na ureia plasmática, para promover retenção nitrogenada e síntese proteica. A dose proteica deve ser reduzida nos casos da perda de nitrogênio urinário exceder a 100 mg/dL ou o nível de amônia sanguínea se associar à encefalopatia clínica. Em pacientes obesos, recomenda-se aporte proteico de 1,5 a 2 g/kg/dia de peso ideal.
CAP. 13 – ESCOLHA DA FORMULA ENTERAL
Polimérica – os macronutrientes, em especial a ptn, apresentam-se na sua forma intacta (polipeptídio).
Oligomérica – os macronutrientes, em especial a ptn, apresentam-se na sua forma parcialmente hidrolisada (oligopeptideo).
Elementares – os macronutrientes, em especial a ptn, apresentam-se na sua forma totalmente hidrolisada (aminoácido). 
Recomenda-se iniciar a terapia nutricional com fórmulas com proteína intacta (polimérica).
Fórmulas à base de oligopeptídeos podem beneficiar pacientes com complicações gastrintestinais (síndrome do intestino curto, pancreatite, etc.). – Oligomérica.
Dentre as fórmulas remanescentes, algumas utilizam nutrientes poliméricos e são apropriadas para a maioria dos casos. Outras são compostas por dieta semielementar e devem ser preferidas para os pacientes com má absorção ou inanição em longo prazo. Em casos específicos com restrição hídrica, como na insuficiência renal ou respiratória aguda, podem se utilizar com sucesso fórmulas com elevada concentração calórica (1,5 a 2kcal/cc).
CAP. 14 – MONITORAÇÃO NA NUTRIÇÃO ENTERAL
a) Avaliação física (ver protocolo do Nutricionista);
b) Exame físico (incluindo sinais vitais e excesso ou deficiência de nutrientes);
c) Ingestão atual de alimentos e líquidos (oral, enteral e parenteral);
d) Volume urinário, perdas gastrointestinais, etc;
e) Variação do peso;
f) Dados laboratoriais (hemograma, glicemia, uréia, creatinina, Na, K, Ca, Mg, P, TGO, TGP, bilirrubinas, triglicérides, proteinograma completo, glicosúria);
g) Checar medicamentos utilizados, assim como interação fármaco-nutriente;
h) Checar tolerância gastrointestinal: frequência e consistência das fezes, presença de sangue nas fezes, dor ou distensão abdominal, vômitos, aspecto e quantidade do VRG e débito da ostomia.
A hiperglicemia é uma reação natural do organismo ao estresse metabólico, devido às alterações hormonais. Além disso, os cuidados ao paciente crítico aumentam a resposta hiperglicêmica, com o uso de corticosteróides, agentes adrenérgicos e suporte nutricional rico em glicose. Apesar de ser uma resposta normal do organismo, a redução dos níveis de glicemia melhora a evolução e diminuem o risco de complicações, especialmente infecciosas.
O controle glicêmico continua a ser um alvo obrigatório. Embora o alvo glicêmico definitivo na UTI ainda não tenha sido definido, aceita-se que o nível sérico de glicose não deve exceder 180mg/dL, enquanto a prevenção da hipoglicemia deve ser intensiva. Além disto, a grande variabilidade glicêmica tem sido associada a maior mortalidade e deve também ser evitada. Recentemente foi proposto o uso de sistemas computadorizados para dar suporte à tomada de decisão na UTI com relação à administração e à sintonia fina da insulina. Demonstrou-se que isto reduz a percentagem de níveis glicêmicos acima de 180 e abaixo de 60mg/dL, bemcomo a variabilidade glicêmica. Além disto, o tempo para obtenção da estabilidade é reduzido. Claramente o uso de sistemas computadorizados pode ser de grande ajuda nas condições da UTI, onde a complexidade é maior e mais frequente.
CAP. 15 – MANEJO DAS COMPLICAÇÕES RELACIONADAS COM A TNE
Complicações Gastrintestinais
Diarreia
Definida pela ocorrência de três ou mais evacuações líquidas ou amolecidas em um período de 24 horas; ou fezes líquidas ou amolecidas ao dia por dois dias consecutivos. Para controle da diarreia devem-se seguir os seguintes passos:
• A princípio, a NE não deve ser suspensa. Reduzir o volume da dieta para 100 ml por horário ou 30 ml/h nas próximas 24 horas.
• Adequar ou mudar a formulação de NE prescrita, usando fórmulas isotônicas ou hipertônicas diluídas;
• Adequar a quantidade e qualidade de fibras (solúvel + insolúvel) na dieta.
• Na melhora da diarreia, aumentar o volume da dieta até atingir o aporte calórico-protéico necessário.
• Caso as evacuações líquidas persistam, o médico deverá solicitar exames de fezes, objetivando identificar uma causa infecciosa ou inflamatória para a diarreia. Nesse momento, mantenha o volume de dieta diminuído e troque a formulação da dieta para semi-elementar ou elementar.
• Se, mesmo após a troca da formulação da dieta, a diarreia persistir, discutir com o médico responsável pelo paciente a suspensão da NE e a prescrição de Nutrição Parenteral.
b) Distensão abdominal, náuseas, refluxo esofágico, regurgitação e vômitos
 	Um episódio isolado de refluxo, regurgitação ou vômito não é indicação de suspensão total da NE. Deve ser feita uma pausa na administração da dieta do horário e pesquisar as possíveis causas relacionadas à NE como:
• Elevados volumes de dieta (superior a 350 ml): reduzir o volume da dieta pela metade e controlar a administração de água nos intervalos;
• Formulação da dieta: usar fórmulas isotônicas, sem lactose e normolipídicas (não exceder 35% do Valor Calórico Total);
• Administração rápida da dieta: rever gotejamento, ajustar ao fluxo lento e regular em bomba de infusão;
• Temperatura da dieta: a administração da dieta deverá ser feita à temperatura ambiente;
• Deslocamento da sonda: checar posicionamento e reposicionar a sonda após o ligamento de Treitz;
• Posicionamento inadequado do paciente: a cabeceira deverá estar elevada a um ângulo de 450.
Outras possíveis causas não relacionadas à NE:
• Uso de medicamentos;
• Tubos endotraqueais.
 A NE deverá ser interrompida antes de procedimentos como aspiração traqueal, banho e fisioterapia. Retornar a dieta imediatamente após término do procedimento.
c) Cólicas, empachamento e flatulências
• Usar fórmulas isotônicas, sem lactose e normolipídicas (não exceder 35% do Valor Calórico Total);
• Administrar a dieta em temperatura ambiente;
• Reduzir o volume da dieta pela metade;
• Rever o gotejamento da dieta e, se necessário, diminuir o fluxo de infusão.
d) Obstipação
Define-se, segundo os critérios de Roma II, pelo menos 2 das seguintes queixas:
• menos de 3 evacuações por semana;
• fezes endurecidas ou sensação de evacuar incompleta em pelo menos 25% das evacuações;
• dificuldade para evacuar em pelo menos 25% das evacuações;
• necessidade de manipulação digital para facilitar a saída de fezes.
• Em casos de constipação funcional (Critérios de Roma II), deve-se:
• Aumentar a hidratação por sonda e corrigir adequadamente a ingestão de fibra para 20 a 30g por dia ou mais, sendo a fibra insolúvel em quantidade superior a 10 g por dia;
• Em caso de uso de fórmulas com densidade calórica (DC) ≥ 1,5 kcal/ml, deve-se aumentar a hidratação do paciente pela sonda;
• Persistindo a constipação por mais de 3 dias consecutivos após a intervenção, comunicar o médico para que outras medidas sejam tomadas (administração de óleo mineral, uso de laxativos, estimulantes intestinais)
3.2.7.2 Complicações Mecânicas
a) Complicações relacionadas à sonda:
• Sangramento e perfuração da traqueia, do parênquima e do trato gastrointestinal;
• Migração ou retirada espontânea;
• Lesões isquêmicas da asa do nariz;
• Esofagite de refluxo como posterior estenose esofágica;
• Fístula traqueoesofágica;
• Erosões, ulcerações, infecção de ferida;
• Formação de abscesso nasofaríngeo, esofagiano, gástrico e duodenal;
• Otite média e/ou sinusite;
• Varizes esofágicas;
• Em ostomias: vazamentos, irritação cutânea, infecção e tamanho incorreto do estoma.
 As complicações podem ser minimizadas/reduzidas através de:
• Treinamento periódico com a equipe e adequada monitorização após a inserção da sonda;
• Uso de sondas maleáveis e de pequeno calibre;
• Instalação de sonda de gastrostomia e/ou jejunostomia quando houver previsão do uso prolongado da sonda;
• Troca da SNE, rotineiramente, entre as narinas em intervalos não superiores a 4 ou 6 semanas;
• Confirmação do posicionamento da sonda através de radiografia antes do início da alimentação ou quando a sonda deslocar;
• Não recolocar o fio guia em uma SNE ainda dentro do paciente;
• Em caso de ostomias: manutenção do local sempre limpo e seco, substituição ou remoção da sonda e uso de medicação apropriada;
b) Aspiração pulmonar
• Verificar periodicamente o VRG associado ao uso de fármacos procinéticos e manter a cabeceira da cama elevada (posição de decúbito elevado a 450).
c) Obstrução da sonda
• Enxaguar a sonda com água filtrada usando uma leve pressão e sucção com uma seringa de 20 a 30 ml.
Se não ocorrer a desobstrução imediata, utilizar o enxague da sonda com água morna.
IMUNONUTRIÇÃO
Existem diversas fórmulas imunomoduladoras no mercado, enriquecidas, especialmente, por nutrientes tais como glutamina, arginina, nucleotídeos, ácidos graxos ômega 3 e antioxidantes, recomendadas com o intuito de modular a resposta imune e inflamatória e reduzir a incidência, principalmente, de complicações infecciosas. 
Metanálises de estudos randomizados controlados usando fórmulas imunomoduladoras identificaram redução na incidência de infecções e tempo de permanência hospitalar, sendo estes efeitos mais evidentes em pacientes cirúrgicos do que em pacientes críticos.
Entretanto, o benefício do uso destas dietas em pacientes críticos permanece controverso, pois alguns estudos demonstraram um aumento de mortalidade com a sua utilização. Possivelmente, isso se deve ao fato de o aumento da oferta de arginina gerar uma excessiva produção de óxido nítrico.
Desta maneira, a Sociedade Canadense de Cuidados no Paciente Crítico (2003) não recomenda o uso de dietas suplementadas com arginina e outros nutrientes em pacientes críticos. A Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (2009) recomenda o uso de imunonutrientes em fórmulas enterais de pacientes críticos submetidos à cirurgias eletivas, com trauma, queimados, com câncer de cabeça e pescoço, em ventilação mecânica e portadores de sepse leve/moderada (APACHE < 15). Entretando, ressalta-se atenção para pacientes com sepse grave, em que seu uso não está indicado.6 Os benefícios clínicos das dietas imunomoduladoras são maiores quando se atinge pelo menos 50 a 65% das metas nutricionais.
A utilização de fórmulas nutricionais com característica anti-inflamatória contendo óleo de peixe (rico em ácido graxo ômega 3), óleo de borragem (rico em ácido gama-linolênico) e antioxidantes é recomendada na síndrome da angústia respiratória aguda e em lesão pulmonar aguda severa. Estudos demonstraram que a utilização de fórmulas contendo esses nutrientes em relação às fórmulas-padrão reduziram os dias em ventilação mecânica, o tempo de internação nas unidades intensivas, a incidência de falência de órgãos e a mortalidade.

Mais conteúdos dessa disciplina