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@) ACONSELHAMENTO DO Lura e TERAPIA DO Luro UM MANUAL PARA PROFISSIONAIS DA SAÚDE MENTAL QUARTA EDIÇÃO J. William Worden *** ~ ROCA ~~X'fo ta CAPÍTULO 1 ~2 Apego, Perda e Experiência de Luto Teoria do apego Antes que alguém possa compreender o impacto de uma perda e o comportamento humano associado com ela, deve entender o significado do apego. Existe uma vasta literatura psicológica e psiquiátrica acerca da natureza dos vínculos - o que são e como se desenvolvem. Uma figura central e pioneira nesse campo é o psiquiatra britânico John Bowlby. Ele devotou grande parte de sua carreira profissional à área de vínculos e perdas, e publicou inúmeros trabalhos e arti- gos a respeito dessas temáticas. A teoria do apego de Bowlby proporciona uma forma de conceituarmos a tendência do ser humano criar fortes laços afetivos com os outros, e para compreendermos a forte reação emocional ocasionada por ameaça ou rompi- mento desses vínculos. Para desenvolver sua teoria, Bowlby lança sua ampla rede e inclui dados da etologia, teoria do controle, psicologia cognitiva, neurofisiologia e biologia do desenvolvimento. Ele discordava daqueles que acreditavam que os laços de apego entre indivíduos desenvolviam-se apenas para atender aos impulsos biológicos, tais como a busca por alimento ou sexo. Citando o trabalho de Lorenz com animais e o de Harlow com jovens macacos, Bowlby (1977a) sinalizou o fato de que o apego ocorre na ausência do reforçamento dessas necessidades biogênicas. A tese de Bowlby (1977b) é que esses apegos surgem da necessidade de segurança, desenvolvem-se precoce- mente na vida, costumam ser dirigidos a alguns indivíduos específicos e tendem a resistir por grande parte do ciclo de vida. A formação do apego com pessoas significativas é considerada comportamento normal, não somente nas crianças, mas nos adultos também. Bowlby demonstrou j_ 2 • Apego, Perda e Experiência de Luto que o comportamento de apego tem valor de sobrevivência, mencionando a ocorrência desse comportamento na maioria das espécies mamíferas. Porém, ele considerava o comportamento de apego distinto dos comportamentos ali- mentares e sexuais. O comportamento de apego é mais bem explicado pelo animal jovem e pela criança jovem, que à medida que crescem, separam-se da figura primária de ape- go por crescentes períodos de tempo, buscando explorar um raio cada vez maior em seus ambientes. Entretanto, eles sempre retornam para a figura de apego, em busca de apoio e segurança. Quando a figura de apego desaparece ou é ameaçada, a resposta é uma ansiedade intensa e um forte protesto emocional. Bowlby suge- re que os pais fornecem a base segura de operação para os filhos explorarem. Esse relacionamento determina a capacidade da criança de construir vínculos afetivos posteriores em sua vida. Isso é similar ao conceito de Erik Erikson (1950) de con- fiança básica: por meio da boa parentalidade, o indivíduo se percebe tanto apto a se ajudar, quanto digno de ser ajudado, quando surgem dificuldades. Aberrações patológicas podem desenvolver-se nesse padrão. A parentalidade inadequada pode conduzir as pessoas a formarem tanto o apego ansioso, quanto o apego frágil, se não os dois (Winnicott, 1953). Vários estilos de apego são descritos no Capítulo 3. Se o objetivo do comportamento de apego é manter o vínculo afetivo, situações que colocam em risco esse vínculo dão origem a certas reações bastante específi- cas. Quanto maior o risco de perda, mais intensas e variadas serão essas reações. "Em certas circunstâncias, todas as formas mais poderosas de comportamentos de apego são ativadas - grude, choro e talvez coação raivosa ... Quando essas ações são bem-sucedidas, o vínculo é restaurado, as atividades cessam e o estado de estresse e angústia se alivia" (Bowlby, 1977a, p. 429). Se o perigo não desaparece, surgem, então, afastamento, apatia e desespero. Os animais demonstram seus comportamentos, assim como os seres humanos. Em The Expression of Emotions in Man andAnimals, escrito no final do século XIX, Charles Darwin (1872) descreveu as formas semelhantes com que a tristeza se manifesta nos animais, em relação às crianças e aos adultos humanos. O etologis- ta Konrad Lorenz (1963) descreveu o comportamento de luto na separação de um ganso de seu companheiro: A primeira resposta para o desaparecimento do parceiro consiste na tentativa ansiosa de encontrá-lo novamente. O ganso movimenta-se agitadamente dia e noite, voando grandes distâncias e visitando lugares em que o parceiro possa ser encontrado, pro- nunciando, todo o tempo, uma penetrante chamada trissilábica de longa distância ... As expedições de busca ampliam-se mais e mais e bastante frequentemente o próprio buscador se perde ou sucumbe em um acidente ... Todas as características objetivas observáveis do comportamento do ganso, ao perder seu parceiro, são brutalmente idênticas ao luto humano. (Lorenz, 1963, citado por Parkes, 2001, p. 44.) Existem muitos outros exemplos de luto no mundo animal. Há muitos anos, havia um interessante relatório sobre golfinhos no Zoológico de Montreal. Depois que um dos golfinhos morreu, sua companheira recusou-se a comer e os cuidadores tiveram a difícil, senão impossível, tarefa de manter o golfinho sobrevivente vivo. '° ..., 'i" 00 V. .). ~ '? o l;J "' V. ·~ 'i: :~ ;,~ ~ ·.1 ~J ~ ~ :";i ~ ;? ~ ~: ~ :~ ~~ (1 Apego, Perda e Experiência de Luto • 3 Não comendo, ela estava expressando manifestações de luto e depressão análogas ao comportamento humano de perda. O psiquiatra George Engel, durante grande debate no Hospital Geral de Mas- sachusetts, descreveu, nos mínimos detalhes, um caso de luto. Esse caso soou típico quanto aos tipos de reações que se verifica em uma pessoa que perdeu seu companheiro. Mais adiante, ao longo da palestra, após a leitura de longo relatório dessa perda, Engel revelou que estava descrevendo o comportamento de uma avestruz que havia perdido seu parceiro. Em função dos vários exemplos no mundo animal, Bowlby concluiu que há boas razões biológicas para que cada separação provoque respostas de forma automáti- ca e instintiva, com comportamento agressivo. Ele sugere, ainda, que a perda irrecuperável não é levada em conta e que no curso da evolução, um equipamento instintivo foi desenvolvido em torno do fato que as perdas são irreparáveis e as respostas comportamentais que fazem parte do processo de luto são uma engrena- gem para o restabelecimento da relação com o objeto perdido (Bowlby, 1980). Essa teoria biológica do luto tem influenciado muitos pensadores, incluindo o psiquiatra britânico Colin Murray Parkes (Parkes, 1972; Parkes e Stevenson-Hinde, 1982; Parkes e Weiss, 1983). Outros proeminentes teóricos do apego incluem Mary Ainsworth (1978) e Mary Maio (Main e Hesse, 1990). As respostas ao luto de animais demons- tram o quanto os processos biológicos primitivos estão em ação nos humanos. No entanto, existem características específicas do luto somente em seres humanos e essas reações normais de luto são descritas nêste capítulo. Há evidências que todos os seres humanos afligem-se com a perda de um ente querido, em algum grau. Os antropólogos que estudaram outras sociedades, suas culturas e suas reações à perda de um ente querido, assinalam que, inde- pendentemente da sociedade estudada, em qualquer parte do mundo, há uma tentativa, quase universal, para recuperar o objeto amado perdido e/ou existe a crença de além-morte, em que se possa reencontrar a pessoa amada. Nas socie- dades pré-letradas, entretanto, o luto complicado parece ser menos comum do que em sociedades civilizadas (Parkes, Laungani e Young, 1997;Rosenblatt, Walsh e Jackson, 1976). Luto é uma doença? George Engel (1961) levantou essa interessante questão em uma dissertação insti- gante, publicada em Psychosomatic Medicine. A tese de Engel é de que a perda da pessoa amada é tão psicologicamente traumática, quanto ser gravemente ferido ou queimado. Ele argumentou que o luto representa um afastamento do estado de saúde e bem-estar, da mesma forma como a cura é necessária no campo fisiológico para levar o corpo de volta ao equilíbrio homeostático, e é igualmente necessário um período para o enlutado retomar ao estado similar de equilíbrio psicológico. Assim, Engel considera o rocesso de luto semelhante ao processo de cicatrização. Como na cicatrização, todas as funções, ou quase todas, podem ser restaura as, mas também existem casos de disfunções e resolução inadequada. Assim como os termos "saudável" e "patológico" são aplicados a vários rumos do processo de cura 2 4 • Apego, Perda e Experiência de Luto fisiológica, Engel afirma que esses mesmos termos podem ser utilizados para o percurso do processo de luto. Ele define o luto como percurso que necessita de tempo para que possa ocorrer a restauração das funções. O quanto o comprome- timento funcional ocorre é questão de intensidade (Engel, 1961). Em vez de usar termos como "r~t,aura ão" e " refiro usar a palavra "adaptação": algumas pessoas fazem melhor adaptação à perda do que outras. o aprtu o 5, examinaremos o luto complicado, no qual os indivíduos não realizam adaptação adequada à perda. Antes de vislumbrar as características do luto normal, para fins de compreen- são comum neste livro, utilizo o termo "luto" para indicar a experiência de quem perdeu, por morte, uma pessoa amada. "Luto" é um termo que pode ser aplicado para outras perdas, mas este livro centraliza, principalmente, as perdas por morte. Luto normal O luto normal, assim como referido no luto não complicado, envolve uma ampla gama de sentimentos e comportamentos que são comuns após uma perdaI. Uma das primeiras tentativas para olhar as reações de luto normais de uma forma sis- temática foi realizada por Erich Lindemann (1944), quando ele era chefe da Psiquiatria no Hospital Geral de Massachusetts. Em Boston existem duas faculdades católicas muito conhecidas pela rivalidade no futebol. No outono de 1942, elas se reuniram para um de seus encontros tradi- cionais de sábado. Holy Cross derrotou a Faculdade de Boston, e após o jogo, muitas pessoas foram para o Coconut Grove, uma boate local, para comemorar. Durante a festança, um auxiliar de garçom acendeu um fósforo enquanto tentava trocar uma lâmpada e acidentalmente ateou fogo em uma palmeira decdrativa. Quase imedia- tamente, toda a boate, que estava acima de sua capacidade permitida, foi engolfada pelas labaredas. Cerca de 500 pessoa·s perderam suas vidas nessa tragédia. Posteriormente, Lindemann e seus colegas trabalharam com os membros das famílias que perderam entes queridos na tragédia e, a partir desses e outros dados, publicaram o clássico artigo: "A sintomatologia e o manejo do luto agudo" (1944). Das observações dos 101 pacientes recentemente enlutados, ele identificou padrões semelhantes e os descreveu como características patognômicas do luto normal ou agudo: · • Algum tipo de perturbação somática ou corporal. • Preocupação com a imagem da pessoa falecida. • . Culpa relacionada com o morto ou as circunstâncias da morte. • Reações hostis. • Inabilidade para desempenhar funções da mesma forma que anteriormen- te à perda. Além dessas cinco, ele descreveu uma sexta característica manifestada por muitos pacientes: eles pareciam desenvolver traços da pessoa falecida em seus próprios comportamentos. ~ ~j ·.'i " ;.; '.~ 0. ~ ~ t!\ !í 1, ~ li ~ r! ~: (~, ~ h f; N t ~ ~ Apego, Perda e Experiência de Luto • 5 Existem muitas limitações no estudo de Lindemann. Algumas delas foram assinaladas por Parkes (2001), o qual ressalta que Lindemann não apresentou resultados que comprovassem a relativa frequência dos sintomas descritos. Lin- demann também esqueceu de mencionar quantas entrevistas realizou com os pacientes e quanto tempo se passou entre as entrevistas e a data da perda. Entre- tanto, este permanece sendo um estudo importante e amplamente citado. O que tem de particular interesse para mim é que o luto que verificamos atualmente no Hospital Geral de Massachusetts mostra comportamentos muito similares àqueles descritos por Lindemann há mais de 60 anos. Em grande nú- mero de pessoas submetidas à reação de luto agudo, encontramos alguns ou a maior parte dos fenômenos descritos a seguir. Em função da lista de comporta- mentos de luto normal ser tão longa e variada, eu as coloquei em quatro categorias gerais: sentimentos, sensações físicas, cognições e comportamentos. Qualquer pessoa que aconselhar um enlutado deve estar familiarizada com a ampla gama de comportamentos inseridos na descrição do luto normal. Sentimentos Tristeza É o sentimento mais comum presente no enlutado e fazem-se necessários alguns comentários. Esse sentimento não se manifesta, necessariamente, pelo choro, mas ~ muitas vezes isso acontece. Parkes e We1ss (1983) coniecturaram que o choro e o ~ sinal que evoca reações de empatia e proteção dos outros e estabelece uma situa- ~ ção social em gue as regras normais de comportamento competitivo são :;!; suspensas. Alguns enlutados apresentam medo da tristeza, especialmente o medo ~ de sua intensidade (Taylor e Rachman, 1991). Não é incomum ouvir uma pessoa °' dizendo: "Eu perdi esse medo no funeral". Outras pessoas tentam bloquear a tristeza por meio de atividades excessivas, apenas para descobrir que a tristeza retorna à noite. Não se permitir vivenciar a tristeza, com ou sem lágrimas, pode conduzir a um luto complicado (ver Capítulo 5). Raiva :§... comumente vivenciada após uma perda. Esse pode ser um dos sentimentos mais confusos para o sobrevivente e como tal, está na raiz de muitos problemas no pro- cesso de luto. Uma mulher, cujo marido morreu de câncer, me disse: "Como eu posso estar com raiva? Ele não queria morrer." A verdade é que ela estava com raiva dele por ter morrido e a deixado. Se a raiva não é reconhecida adequadamente, pode resultar em luto complicado. A raiva pode derivar-se de duas origens: de um senso de frustração de que nada poderia ter sido feito para prevenir a morte e de uma espécie de experiência re- gressiva que ocorre depois da perda de uma pessoa próxima. Você pode ter tido esse tipo de experiência quando era uma criança bem pequena indo às compras com sua mãe. Você estava em uma loja de departamentos e repentinamente olhou em volta e ela havia desaparecido. Você sentiu pânico e ansiedade até ela retornar, 3 6 • Apego, Perda e Experiência de Luto entretanto, em vez de expressar reação amorosa, você perdeu o controle e chutou sua canela. Esse comportamento, o qual Bowlby percebia como parte de nossa herança genética, simboliza a mensagem: "Não me abandone novamente!" Diante da perda de qualquer pessoa importante, existe a tendência a regredir, a sentir desamparo e incapacidade de existir sem a pessoa e, dessa forma, viven- ciar a raiva que acompanha esses sentimentos de ansiedade. A raiva que o enlutado sente precisa ser identificada e apropriadamente dirigida à pessoa que morreu, de forma a realizar uma adaptação saudável. Todavia, com frequência, a pessoa pode lidar com isso de maneiras menos eficazes, uma das quais é o deslocamento ou o direcionamento a outra pessoa, muitas vezes a responsabili- zando pela morte ocorrida. A linha de raciocínio é que, se alguém pode ser culpado, então a pessoa é responsável e, por conseguinte, a perda poderiater sido evitada. As pessoas podem culpar os médicos, o diretor da funerária, os membros da família, um amigo insensível e, muitas vezes, a Deus. "Eu me sinto enganado, mas fico confuso por não saber por quem. Deus me deu algo tão valioso e depois me tirou. Isto é justo?" indagou uma viúva. /~ Uma das formas de raiva mal adaptativas de maior risco é a d~eslocar a raiva contra si mesmo. No caso de a raiva ser intensamente autorrefletida, ~ ficar triste e acabar desenvolvendo depressão grave ou comportamento suicida. Interpretação mais psicodinâmica dessa resposta de raiva autorrefletida foi dada por Melanie Klein (1940), ao referir que o "triunfo" sobre o morto faz com que a pessoa enlutada volte sua raiva contra si mesma ou dirija para o meio externo, em pessoas próximas. Culpa e autocensura Culpa e autocensura - por não ter sido bondoso o suficiente·, por não ter levado a pessoa ao hospital mais cedo e assim por diante - são experiências comuns dos sobreviventes. Em geraI, a culpa se manifesta em torno de algo que aconteceu ou ~ algo que foi negligenciado na época da morte, algo que poderia ter evitado a mor- ~ te. Na maioria das vezes, a cu! a é irracional e se atenua com um "teste de ±: realidade'.'. Existe, o VIamente, a possibilidade de a culpa ser real, em que a pessoa ~ fez algo, de fato, que ocasionou a morte. Nesses casos, são necessárias outras in- ~ tervenções, além do teste de realidade. "' Ansiedade A ansiedade da pessoa sobrevivente pode variar desde pequeno senso de insegu- rança até ataque de pânico intenso, e quanto mais intensa e persistente for a ansiedade, mais isto sugere reação anormal de luto. A ansiedade surge, sobretudo, de duas origens. Primeiro, o medo do sobrevivente de não conseguir se cuidar sozi- nho comentando, fre uentemente: "Eu não conseguirei sobreviver sem ele/ela". Segundo, a ansiedade associa-se com elevado senso e consciência da morte pes- soal-a consêiência da própria mortalidade fica intensificada pela morte de um ente querido (Worderi., 1976). Levada ao extremo, a ansiedade pode desencadear fobia. O renomado autor C. S. Lewis (1961) conhecia essa ansiedade e falou, após perder 1 ' . ·I 1 1 '5 Apego, Perda e Experiência de Luto • 7 sua esposa: "Nunca ninguém havia me dito que o luto se parece tanto com o medo. Não estou assustado, mas a sensação é parecida com o medo. A mesma agitação no estômago, a mesma inquietação, o bocejo. Eu fico engolindo isso" (p. 38). Solidão É um sentimento quase sempre expressado pelos sobreviventes, particularmente aqueles que perderam o cônjuge ou que tinham relação cotidiana muito próxima. Mesmo estando solitárias, muitas pessoas viúvas não sairão porque se sentem mais seguras em casa. "Eu me sinto tão sozinha, agora", comentou uma viúva que esteve casada durante 52 anos. "É como se o mundo tivesse acabado", exclamou ela, após dez meses da morte do seu marido. Stroebe, Stroebe, Abakoumlcin e Schut (1996) criaram distinção entre solidão emocional e solidão social. O apoio social pode ajudar na solidão social, mas não atenua a solidão emocional provo- cada por rompimento de vínculo. Esta última só pode ser remediada pela integração de um novo vínculo (Stroebe, Schut e Stroebe, 2005). Em algumas situa- ções, a necessidade de ser tocado está correlacionada com a solidão. Isto é especialmente verdadeiro em casos de luto conjugal (Van Baarsen, Van: Duijn, Smit, Snijders e Knipscheer, 2001). Fadiga Os pacientes de Lindemann relataram fadiga e é comum observarmos isto nos sobreviventes. Em alguns casos, isso pode aparecer como apatia ou indiferença. Nível elevado de fadiga pode tanto causar surpresa, quanto estresse à pessoa que costuma ser muito ativa. "Eu não consigo sair da cama de manhã", referiu uma viúva. "Eu estou negligenciando a casa porque me sinto cansada o tempo todo." A fadiga, normalmente, é autolimitada. Se não for, pode ser um sinal clínico de depressão. Desamparo Um dos fatores que torna o evento da morte tão estressante é o senso de desam- paro que ele pode produzir. A correlação próxima com a ansiedade é fortemente presente no estágio inicial da perda. As pessoas viúvas, em particular, sentem extremo desamparo. Uma viúva jovem com um filho de sete semanas disse: "tvfinha família veio morar comigo nos primeiros cinco meses. Eu tinha medo de enlou- quecer e não conseguir tomar conta do meu filho." Choque Dá-se, com maior frequência, no caso de morte abrupta. Alguém atende ao tele- fone e fica sabendo que uma pessoa amada ou um amigo faleceu. Mesmo quando a morte é esperada após a deterioração progressiva de uma doença, quando o telefonema finalmente chega, também pode provocar, na pessoa sobrevivente, experiência de choque. 4 8 • Apego, Perda e Experiência de Luto Saudade A saudade da pessoa que morreu é o que os britânicos chamam "definhamento" pela perda. Parkes (2001) observou que se trata de experiência comum dos sobre- viventes, particularmente entre as viúvas que ele estudou. A saudade é resposta normal à perda. Quando ela diminui, pode ser sinal de que o luto está caminhando para sua finalização. Quando não se aproxima de um fim, pode ser sinal clínico indicativo de luto traumático (Jacobs, 1999). Ver o Capítulo 5 para discussão acerca do luto traumático como um dos complicadores do luto e a localização da saudade nesse diagnóstico. Libertação Pode ser um sentimento positivo após morte. Eu trabalhei com uma mulher jovem cujo pai foi um verdadeiro ditador inflexível e grosseiro, por toda sua exístência. Após sua morte repentina de ataque cardíaco, ela passou a vivenciar sentimentos normais de luto, mas também expressava sentimentos de libertação porque não precisaria mais viver sob a tirania do pai. Primeiro, ela ficou desconfortável com esse sentimento, porém, mais tarde, pôde aceitar isso como resposta normal à sua mudança de vida. Alívio Muitas pessoas sentem alivio após a morte de um ente querido, sobretudo se esse sofreu com doença prolongada ou particularmente dolorosa. "Saber que acabou seu sofrimento, tanto físico quanto mental, ajuda mais o meu enfrentamento", disse uma viúva idosa. O alívio pode aparecer também, quando a morte envolve uma pessoa com a qual o enlutado sempre teve relacionamento especialmente conflituoso. Al- gumas vezes, o alívio é a reação expressada após suicídio que se concretizou. Entretanto, em geral, esse sentimento de alívio gera certo grau de culpa. Torpor É importante mencionar que algumas pessoas apresentam ausência de emoções. Após uma perda, elas se sentem entorpecidas. Novamente, esse entorpecimento é muitas vezes vivenciado cedo no processo de luto, em geral logo após a pessoa tomar conhecimento da morte. Isso provavelmente acontece porque são tantos sentimentos para lidar, que permitir que todos se tornem conscientes seria esma- gador, então a pessoa se anestesia como forma de proteção contra a inundação de emoções. Falando sobre torpor, Parkes e Weiss (1983) referiram: "Nós não encon- tramos evidências que seja uma reação não saudável. O bloqueio das sensações, como defesa contra o que possa causar dor insuportável, pode ser algo totalmen- te 'normal"' (p. 55). Ao revisar essa lista, lembre que cada um desses itens representa sentimentos de luto normal e não há nada de patológico em nenhum deles. No entanto, emo- ções, que persistem por tempo muito prolongado e com intensidade grande, podem predizer reação de luto complicado. Isso será discutido no Capítulo 5. ~ ~ r. t ~ ~ .. Apego, Perda e Experiência de Luto • 9 Sensações físicas Uma das questões interessantes nas publicações de Lindemann é que ele descre- ve, não apenas os sentimentos experimentados pelas pessoas, mas também as sensações físicasassociadas com as reações agudas de luto. Essas sensações ha- bitualmente são esquecidas, porém representam papel significativo no processo do luto. A lista, a seguir, apresenta as sensações mais comumente relatadas pelas pessoas~aconselhamento para o luto: ,. ~azio no estômago. / • Aperto no peito. ;,;.., • Aperto na garganta. ' .~ • Hipersensibilidade a rur~1os. ;â • Senso de despersonalizabão: "Eu ando pelas ruas e nada parece real, inclu- i~ sive eu." ; ~ • Falta de ar, dificuldade ef:n respirar. \~ • Fraqueza muscular. '. • Falta de energia. \ • Secura na bo~a. · \ . - - . "'-.. Mwtas vezes, a preo paçao c.om essas sensaçoes físicas faz com que a pessoa pro~ médico um checkup. Os médicos precisam investigar mortes e perdas. ------~ Cognições Existem muitos padrões diferentes de pensamento que marcam a experiência de luto. Alguns pensamentos são comuns nos estágios iniciais do luto e normalmente desaparecem após curto tempo. Mas, algumas vezes, esses pensamentos persistem e desencadeiam sentimentos que podem conduzir à depressão ou à ansiedade. Descrença "Isto não aconteceu. Deve haver algum engano. Não posso acreditar que isso aconteceu. Não quero acreditar que isto aconteceu." Estes são, muitas vezes, os primeiros pensamentos que surgem após a notícia de uma morte, especialmente se a morte foi repentina. Uma jovem viúva me falou: "Eu continuo esperando que alguém me acorde e me diga que estou sonhando". Outra disse: "A passagem de meu marido me causou um choque, apesar dele estar doente há algum tempo_ Você nunca está totalmente preparado para isso." Confusão Muitas pessoas, recentemente enlutadas, referem que seus pensamentos estão confusos, não conseguem ordenar o pensamento, têm dificuldade de concentra- ção ou esquecem coisas. Uma ocasião, saí de uma reunião social em Boston e '°. , peguei um táxi para casa. Falei ao motorista onde queria ir e me sentei, enquanto 5 10 • Apego, Perda e Experiência de Luto ele seguia o caminho. Um tempo depois, ele perguntou novamente onde eu que- ria ir, pensei que ele deveria ser um motorista inexperiente e não conhecia a cidade, mas ele comentou comigo que tinha muitas coisas na sua cabeça. Logo depois, ele perguntou mais uma vez e desculpou-se, dizendo sentir-se muito con- fuso. Isso aconteceu mais vezes e, por fim, decidi que não doeria perguntar a ele o que tinha em sua cabeça. Ele, então, me contou que seu filho havia morrido em um acidente de trânsito na semana anterior. Preocupação As preocupações podem ser pensamentos obsessivos acerca da pessoa morta e costumam incluir ideias obsessivas de como recuperá-la. Em alguns casos, as preocupações tomam a forma de pensamentos intrusivos ou imagens da pessoa \O falecida sofrendo ou no momento de sua morte. Em nosso Estudo de Harvard ~ sobre Luto Infantil, os pais sobreviventes, que apresentavam maiores graus de '.t: ideias intrusivas, foram os que perderam o cônjuge inesperadamente, com o qual ~ mantinham relação altamente conflituosa (Worden, 1996). A ruminação é outra ~ forma de preocupação. As pessoas que lidam de forma ruminativa, pensam insis- .:.. tente e repetitivamente sobre quão mal se sentem e nas circunstâncias que provocaram seus sentimentos (Nolen-Hoeksema, 2001). Sensação de presença Essa é a contrapartida cognitiva da experiência de saudade. O enlutado pode acredi- tar que a pessoa falecida ainda está presente no tempo e no espaço. Isto é especialmente verdadeiro no peáodo logo após a morte. Em nosso Estudo sobre Crianças Enlutadas, 81 % das crianças sentiam-se observadas pelo progenitor falecido quatro meses após sua morte e essa experiência continuou para muitas dessas crian- ças (66%) dois anos depois do faleciníento. Alguns acham essa sensação de presença confortante, enquanto outros não acham e se amedrontam com ela (Worden, 1996). Alucinações Tanto as alucinações visuais quanto as auditivas estão inclusas na lista de com- portamentos normais, caracterizando-se por experiência frequente das pessoas enlutadas. Em geral, são experiências ilusórias transitórias, que quase sempre ocorrem poucas semanas após a perda e que não representam, necessariamente, o desenvolvimento posterior de um luto mais dificil ou complicado. Apesar de ser desconcertante para alguns, muitos acreditam que essa experiência possa ajudar. Com o recente interesse em misticismo e espiritualidade, é interessante especular se realmente essas experiências são de alucinação ou talvez se caracterizem por outro tipo de fenômeno metafísico. Há óbvia interface entre pensamento e sentimento e o interesse atual na psi- cologia cognitiva e na terapia cognitiva enfatiza isso. Aaron Becket al. (1979), da Universidade da Pensilvânia, observaram que a experiência de depressão muitas vezes é desencadeada por padrões de pensamentos depressivos. No enlutado, 1 ~ ~ ~ ~ 1, " ~ " .~ ~ 1 ~ 1 Apego, Perda e Experiência de Luto • 11 determinados pensamentos passarão por sua cabeça, tais como: "Eu não posso viver sem ela", ou "Nunca encontrarei o amor novamente". Esses pensamentos podem provocar sentimentos de tristeza e/ ou ansiedade muito intensos, embora sejam normais. Comportamentos Existem alguns comportamentos específicos que costumam ser associados com as reações normais de luto. Esses podem variar desde distúrbios de sono e apetite, até falta de atenção e retraimento social. Os comportamentos, descritos a seguir, são habitualmente relatados após uma perda, em geral se ajustando sozinhos ao longo do tempo. Distúrbios do sono Não é incomum que as pessoas que estejam nos estágios iniciais do luto vivenciem distúrbios do sono. Esses podem incluir dificuldades para adormecer ou despertar muito cedo de manhã. Os distúrbios do sono, algumas vezes, exigem intervenções médicas, mas no luto normal, geralmente se corrigem sozinhos. No Estudo de Harvard sobre Luto Infantil, um quinto das crianças apresentou algum tipo de distúrbio do sono nos primeiros quatro meses após a morte de um dos pais. Sem nenhuma intervenção de um especialista, esse número diminuiu para nível não significativamente diferente dos colegas pareados não enlutados um e dois anos posteriores à morte (Worden, 1996). Após a perda repentina da esposa, Bill passou a acordar às cinco da manhã todos os dias, tomado de intensa tristeza e pensando, várias vezes, nas circuns- tâncias da morte e como essa poderia ter sido prevenida, incluindo o que poderia ter sido feito diferente. Isso acontecia manhã após manhã e passou a lhe causar problemas, pois não conseguia mais desempenhar adequadamente, suas funções profissionais. Após cerca de seis semanas, isso passou a melhorar, até desaparecer totalmente. Isso não é uma experiência incomum. Entretanto, se os distúrbios do sono persistem, pode indicar transtorno depressivo mais sério, que deve ser in- vestigado. Os distúrbios do sono podem, por vezes, simbolizar alguns temores, incluindo o medo de sonhar, de estar na cama sozinho ou de não acordar. Após a morte de seu marido, uma mulher resolveu seu medo de dormir sozinha, colocan- do seu cachorro na cama. O som da respiração do cachorro a confortava e isto se manteve por quase um ano, até que ela conseguiu dormir sozinha. Distúrbios de apetite ) Animais enlutados exibem distúrbios de apetite, o que é muito comum em situa- i"'. ' ções de luto em seres humanos. Contudo, os distúrbios de apetite podem se manifestar tanto no comer excessivo quanto na perda de apetite; este último é um comportamento de luto descrito com maior frequência. Podem ocorrer mudanças significativas no peso como resultado das mudanças nos padrões alimentares. e 12 • Apego, Perda e Experiência de Luto Ausência de pensamento Os recém-enlutadospodem pegar-se agindo de forma distraída ou fazendo coisas que possam lhe causar danos ou inconvenientes. Uma cliente estava preocupada porque em três ocasiões diferentes ela atravessou a cidade em seu carro e depois de terminar seu expediente de trabalho, esqueceu que tinha ido de carro e voltou para casa com transporte coletivo. Esse comportamento aconteceu após perda significativa e se ajustou sozinho com o tempo. Isolamento social Não é incomum que a pessoa que teve de lidar com uma perda queira isolar-se das outras pessoas. Assim como nos outros comportamentos descritos, é um fe- nômeno em geral de curta duração e que se ajusta com o tempo. Atendi uma mulher jovem logo após a morte de sua mãe. Essa mulher solteira era uma pessoa muito sociável, que adorava ir a festas. Por váríos meses depois da morte da mãe, ela recusou todos os convites porque pareciam dissonantes com o que ela estava sentindo no estágio inicial de seu luto. Isto pode parecer óbvio e apropriado ao leitor, mas essa mulher acreditava que seu isolamento era anormal. Algumas pes- soas se isolam de amigos que se mostram muito solícitos: "Meus amigos insistiam tanto que eu passei a evitá-los. Quantas vezes você pode escutar: Sinto muito?" O isolamento social pode incluir ainda, a perda do interesse no mundo externo, tal como ler jornais ou assistir televisão. Sonhos com o morto É muito comum sonhar com a pessoa morta, tanto sonhos comuns, quanto sonhos perturbadores ou pesadelos. Frequentemente, esses sonhos servem a vários pro- pósitos e podem fornecer algumas'pistas diagnósticas, tais como a etapa em que a pessoa se situa no curso do processo de luto. Por exemplo, por muitos anos após a morte de sua mãe, Esther sofreu com intensa culpa pelas circunstâncias relacionadas com a morte. A culpa era expressa por baixa autoestima e recriminação pessoal, e estava associada com considerável ansiedade. Em uma de suas visitas diárias à mãe, Esther saiu para tomar um café e comer alguma coisa. Enquanto ela estava ausente, sua mãe morreu. Esther ficou cheia de remorso, e apesar de termos usado a técnica usual de teste de realidade na terapia, sua culpa ainda persistiu. Enquanto estava em terapia, ela teve um sonho com sua mãe. Nesse sonho, ela se via tentando ajudar sua mãe a descer um caminho escorregadio para que ela não caísse. Mas sua mãe caiu e Esther não pôde fazer nada, em seu sonho, para salvá-la. Era impos- sível. Esse sonho foi um ponto decisivo em sua terapia, pois ela se permitiu aceitar que nada que tivesse feito impediria a morte de sua mãe. Esse importan- te insight lhe permitiu perder a culpa que vinha carregando por vários anos. Algumas formas de utilizar os sonhos em aconselhamento e terapia do luto serão abordadas no Capítulo 6. ~ ~; ~:< ~ r~ ;! g ~ •' ~~ !~ 1 Apego, Perda e Experiência de Luto • 13 Evitação de lembranças Algumas pessoas evitarão lugares ou coisas que provoquem sentimentos doloro- sos da perda. Elas podem evitar o lugar onde a pessoa morreu, o cemitério ou os objetos que as lembrem do ente querido perdido. Uma mulher de meia-idade buscou aconselhamento do luto quando seu marido morreu após uma série de ataques coronarianos, deixando-a com dois filhos adolescentes. Por um período, ,,, ela guardou todas as fotos do marido no armário, junto com outras coisas que o ~ lembravam. Isso, obviamente, era apenas uma solução temporária, e na medida 6 em que ela se encaminhou para a finalização do luto, pôde retirar os itens que ~ gostaria de conviver. ~. O descarte rápido de todas as coisas associadas com o morto, doando ou dis- s; pondo de várias formas possíveis, chegando ao ponto de se livrar rapidamente do !'> corpo -pode acarretar reações de luto complicado. Isto é um comportamento não saudável comum, que é quase sempre indicativo de relacionamento altamente ambivalente com a pessoa falecida. Relações ambivalentes são um dos mediado- res do luto descritos no Capítulo 3. Procurar e chamar Tanto Bowlby quanto Parkes descreveram, em seus estudos, o comportamento de procura. O chamar está relacionado com essa conduta de busca. Com frequência, alguém pode clamar pelo nome do ente querido: "John, John, John, por favor, vol- te para mim." Quando isto não é feito verbalmente, pode acontecer internamente. Suspiro É um comportamento muito observado entre os enlutados. É muito semelhante à sensação física de falta de ar. Colegas do Hospital Geral de Massachusetts testa- ram a respiração em um pequeno grupo de pais enlutados e descobriram que os níveis de oxigênio e gás carbônico deles foram similares aos encontrados em pa- cientes depressivos (Jellinek, Goldenheim e Jenike, 1985). Hiperatividade e agitação Uma quantidade de viúvas, em nosso Estudo do Luto em Harvard, apresentou hiperatividade e agitação após a morte de seus maridos. A mulher mencionada anteriormente, cujo marido a deixou com dois filhos adolescentes, não aguentava ficar dentro de casa. Ela costumava entrar em seu carro e dirigir pela cidade ten- t1ando achar algum senso de alívio para sua inquietude. Outra viúva conseguia 'ficar em casa durante o dia porque se ocupava, mas à noite, ela fugia. Choro Há interessantes especulações de que as lágrimas podem ter valioso potencial de cura. O estresse provoca desequilíbrios químicos no organismo e alguns pesqui- sadores acreditam que as lágrimas removem substâncias tóxicas, ajudando no 'i- 14 • Apego, Perda e Experiência de Luto restabelecimento da homeostase. Eles deduziram, hipoteticamente, que o conteú- do quimico das lágrimas provocadas por estresse emocional é diferente daquele secretado por irritação do olho. Estão sendo feitos testes para identificar qual o tipo de catecolamina (substância química produzida pelo cérebro que altera o humor) está nas lágrimas de emoção (Frey, 1980). As lágrimas aliviam o estresse emocional, mas como fazem isso ainda é uma questão em aberto. São necessárias mais pesquisas futuras acerca dos efeitos deletérios do choro reprimido, se é que existem esses fatores. Visita a locais ou carregar objetos que lembrem a pessoa morta Esse é o oposto do comportamento de tentar evitar lembranças da pessoa morta. Muitas vezes, subjacente a esse comportamento, há o medo de perder as memórias sobre a pessoa falecida. "Por duas semanas eu carreguei a foto dele comigo todo o tempo, por medo de esquecer seu rosto", referiu-me uma viúva. Valorização de objetos que pertenciam ao morto Uma jovem mulher entrou no closet de sua mãe morta há pouco tempo e levou consigo várias roupas dela para casa. Elas eram do mesmo tamanho e mesmo que possa parecer que ela estivesse sendo econômica, o fato era que a filha não se sentia confortável se não estivesse vestindo algo que tivesse pertencido à sua mãe. Ela usou essas roupas por muitos meses. Na medida em que seu luto progrediu, ela foi achan- :g do cada vez menos necessário vestir as roupas.de sua mãe. Por fim, ela doou a ~ maioria das roupas para uma instituição de caridade. '.i'..'. A razão de delinear essas características do luto normal em tantos detalhes é ~ para demonstrar a ampla variedade de comportamentos e experiências associadas !d com as perdas. Obviamente, nem todos esses comportamentos serão vivenciados v. por todas as pessoas. No entanto, é importante que os conselheiros do luto conhe- çam a ampla gama de comportamentos que abrange o luto normal, para evitar a patologização dos comportamentos que devam ser considerados normais. Tal compreensão também permitirá, aos conselheiros, dar maior segurança para a pessoa que vivencia cada comportamento como perturbador, em particular no caso de uma primeira perda significativa. Entretanto, se essas experiências persis- tem no decorrer do processo deluto, podem ser indicativas de um luto mais complicado (Demi e Miles, 1987). Luto e depressão Muitos comportamentos do luto normal podem ser similares às manifestações de depressão. Para abordar isso, temos de identificar as semelhanças e as diferenças entre luto e depressão. Freud (1917-1957) descreveu essa questão em seu artigo "Luto e Melancolia". Ele tentou mostrar que depressão ou melancolia, como ele denominava, é uma forma patológica de pesar e é muito parecida com o processo (normal) de luto, ~ ~ ~ ~· ~ ·, Apego, Perda e Experiência de Luto • 15 exceto se tiver certas características próprias, ou seja, impulsos de raiva dirigidos à pessoa amada de forma ambivalente, que são voltados para seu próprio mundo interno. É verdadeiro que o luto se parece muito com a depressão e também é real que o processo de luto pode desencadear o surgimento de depressão. Gerald K1er- man (1977), um proeminente pesquisador no campo da depressão, acreditava que muitas depressões eram precipitadas por perdas, tanto logo após a perda quanto um tempo depois, quando o paciente revive essa perda. A depressão também pode servir como defesa contra o pesar. Se a raiva é dirigida para si mesmo e desviada da pessoa morta, pode dificultar que o sobrevivente lide com os sentimentos am- bivalentes em relação à pessoa morta (Dorpat, 1973). As diferenças principais entre luto e depressão são: enquanto na depressão, assim como no luto, você pode encontrar sintomas clássicos de distúrbios de sono, apetite e intensa tristeza, na reação de luto, não há perda de autoestima comu- mente encontrada na maior parte das depressões clínicas. Assim, a pessoa que teve uma perda, não apresenta menos atenção consigo mesma em função de sua perda, ou se isso acontece, tende a ser apenas por breve período. E se o sobrevi- vente sente culpa, é comum que essa culpa esteja relacionada com algum aspecto específico da perda, mais do que um senso global de culpabilização. Uma seção do Manual Diagnóstico e Estatístico IV-TR da Associação America- na de Psiquiatria (2000) sugere: Como parte da reação à sua perda, alguns indivíduos enlutados apresentam sintomas característicos de um Episódio Depressivo Maior (p. ex., sentimentos de tristeza e sintomas associados, tais como insônia, apetite reduzido e perda de peso). O indivíduo enlutado geralmente considera o humor deprimido "normal", embora a pessoa possa procurar ajuda profissional para aliviar os sintomas associados, como insônia ou anorexia. (p. 299) Mesmo que luto e depressão tenham características subjetivas e objetivas si- milares, podem manifestar condições distintas. Depressão se justapõe ao luto, mas não é a mesma coisa (Robinson e Fleming, 1992; Wakefield, 2007; Worden e Sil- verman, 1993; Zisook e Kendler, 2007). Freud acreditava que no luto, o mundo parece pobre e vazio, ao passo que na depressão, a pessoa se sente pobre e vazia. Essas diferenças de estilos cognitivos foram identificadas por Becket aL (1979) e ipor outros terapeutas cognitivos que sugeriram que os deprimidos têm avaliações ,negativas sobre si mesmos, o mundo e o futuro. Ainda que essas avaliações nega- i>"' tivas possam existir no enlutado, elas tendem a ser mais transitórias. Todavia, existem alguns indivíduos enlutados que desenvolvem episódios de depressão maior após uma perda (Zisook e Shuchter, 1993). O Manual de Diagnós- tico Mental (4 ed.), daAPA, concorda com essa distinção: os sintomas associados com a depressão, diferentemente do luto, são culpas acerca de atitudes do sobre- vivente tomadas ou não no período da morte, pensamentos de morte que não sejam a sensação de que estaria melhor se estivesse morto ou que deveria ter morrido junto com o ente perdido, preocupação mórbida com desvalia, retardo psicomo- tor marcado, prejuízo funcional intenso e prolongado e experiências alucinatórias (isso não inclui escutar a voz ou transitoriamente ver a ima·gem da pessoa morta). ô 16 • Apego, Perda e Experiência de Luto Se surgem episódios de depressão maior durante o processo de luto, isso pode indicar um tipo de luto complicado - luto exagerado (ver Capítulo 5). Em Yale, Jacobs et al. (1987, 1989, 1990) interessaram-se pela depressão dentro do contexto do luto e referiram: "Embora a maioria das depressões no processo de luto seja passageira e não exija atenção profissional, há observação crescente de que alguns tipos de depressão, sobretudo aquelas que perduram no primeiro ano do luto, são clinicamente significativas" (1987, p. 501). Eles usaram medicamentos antidepressivos para tratar pacientes graves, cuja depressão persistia por muito tempo no curso do luto e que não se resolvia espontaneamente, nem tampouco respondia às intervenções interpessoais. Muitas vezes eram pessoas com história anterior de depressão ou algum outro transtorno mental. Eles identificaram melho- ras nos distúrbios de sono e apetite, bem como no humor e nas cognições. Esses resultados trazem à luz uma dimensão biológica para a depressão. Uma das funções do conselheiro que tem contato com a pessoa durante o luto agudo é avaliar quais pacientes podem estar apresentando depressão maior, uti- lizando padrão atual de critérios diagnósticos. Ao identificar isso, os pacientes devem ser encaminhados para avaliação médica e possivelmente precisarão de antidepressivos. Na medida em que a depressão começa a melhorar com a medi- cação, o foco do tratamento muda para os conflitos do vínculo que estão subjacentes. Esses conflitos não podem ser resolvidos somente com medicamen- tos (Miller et al., 1994). Se o luto é considerado uma experiência após a perda, então o processo deve incluir os ajustes adaptativos necessários a essa perda. Nos próximos dois capítulos, examinaremos, em detalhes, o processo de luto.· NOTA 1. Estou utilizando o termo normal tanto no sentido clílli.co quanto estatístico. Clínica define o que os clínico;; denominam comportamento de luto normal, enquanto estatística refere-se à frequência com que cada comportamento é identificado em população enlutada randomizada. Quanto mais frequente for o comportamento, mais será definido como normal. REFERÊNCIAS Ainsworth, M., Blehai, M., Waters, E., & Wall, S. (1978). Pattems of attachment. Hilldale, NJ: Erlbaum. American PsychiatricAssociation. (2000). Diagnostic and statistical manual of mental disor- ders (4th ed.). Washington, DC: Author. Beck, A. T., et al. (1979), Cognitive therapy of depression. NewYork: Guilford Press. Bowlby, J. (1977 a). The making and breaking of affectional bonds: 1. An etiology and psycho- pathology in the light ofattachment theory. Britishfoumal of Psychiatry, 130, 201-210. Bowlby, J. (1977b). The making and breaking of affectional bonds: II. Some principies of psychotherapy. Britishfournal of Psychiatry, 130, 421-431. Bowlby, J. (1980). Attachment and loss: Vol. 3. 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Após seu primeiro livro, Sobre a Morte e o Morrer (1969), muitas pessoas esperavam que quem morresse passasse pelos estágios rigidamente na mesma ordem que foram listados. E algumas pessoas fica- vam desapontadas se o paciente pulasse um dos estágios. Os estágios do morrer da autora também são utilizados para descrever o processo do luto, com essas mesmas limitações (Maciejewsk:i, Zhang, Block e Prigerson, 2007). Fases. Um enfoque alternativo para os estágios é o con- ceito de fases usado por Parkes, Bowlby, Sanders e outros. Parkes define quatro fases do processo de luto. A fase 1 é o período de torpor que se dá logo após o momento da morte. Esse torpor, que é vivenciado pela maioria dos sobreviventes, ajuda a negar a realidade da perda, pelo menos por curto período. Então a pessoa passa para a fase II, a fase da sau- dade, na qual a pessoa enlutada anseia para que a pessoa morta retorne, tendendo a negar o caráter permanente da .lo 20 • Compreendendo o Processo do Luto perda. A raiva desempenha importante parte dessa fase. Na fase III, a fase de desorganização e desespero, o indivíduo enlutado acha difícil exercer suas funções no ambiente. Por fim, o enlutado está apto a ingressar na fase rv, a fase de reor- ganização, em que ele retoma sua vida novamente (Parkes, 1972, 2001. 2006). Bowlby (1980), cujo trabalho e interesse alinham-se com os de Parkes, reforçou a teoria das fases e referiu que o enlutado deve ultrapassar uma série similar de fases antes que o luto finalmente se resolva. Assim como nos estágios, há sobre- posições entre as diversas fases e elas quase nunca são distintas. Sanders (1989, 1999) utilizou a ideia das fases para descrever o processo de luto e identificou cinco delas: (1) choque; (2) consciência da perda; (3) conservação -retirada; (4) elaboração; e (5) reparação. Tarefas. Embora eu não discorde de Bowlby, Parkes e Sanders e suas teorias das fases, acredito que o conceito de tarefas do luto, que apresento neste livro, oferece outra válida compreensão do processo do luto e é muito mais útil para a clínica. O conceito defase implica certa passividade, algo que o enlutado deve ultrapassar. O conceito de tarefa, por outro lado, é muito mais consoante com o conceito de Freud do trabalho do luto e significa que o enlutado precisa agir ati- vamente e que pode fazer alguma coisa. Além disso, essa teoria caracteriza que o processo de luto pode ser influenciado por intervenções externas. Em outras pa- lavras, o enlutado pode perceber as fases como algo que deve simplesmente ultrapassar, enquanto o modelo de tarefas pode dar a ele algum senso de poder e esperança de que existe algo que pode fazer ativamente para se adaptar à morte de seu ente querido. Certamente, ambos os modelos descritos podem ser validados. O sofrimento no luto é algo que leva tempo; a frase tão comum: "O tempo cura'' torna-se verda- deira. Também há verdade na ideia de que o luto cria tarefas que precisam ser cumpridas, e ainda que isso possa parecer esmagador para a pessoa no momento do sofrimento do luto agudo, pode, com a facilitação de um conselheiro, oferecer a esperança que algo pode ser feito'e que há um caminho para isso. Este pode ser um poderoso antídoto para sentimentos de desamparo vivenciados pela maioria dos enlutados. Podemos considerar que todo o crescimento e desenvolvimento humano são influenciados por diversas tarefas. Isso é mais visível no crescimento e desenvolvi- mento da criança. De acordo com Robert Havinghurst (1953), renomado psicólogo do desenvolvimento, existem certas tarefas do desenvolvimento (físico, social e emocional) que ocorrem ao longo do crescimento infantil. Se a criança não com- pleta uma tarefa particular em nível mínimo, a adaptação da criança estará prejudicada quando tentar completar tarefas similares em níveis superiores. Da mesma forma, o luto - adaptação à perda - pode ser visualizado como en- volvendo as quatro tarefas básicas, descritas a seguir. É essencial que a pessoa enlutada resolva as questões dessas tarefas para se adaptar à perda. Os indivíduos enlutados fazem adaptações à perda de um ente querido de maneiras diversificadas. Alguns fazem uma adaptação melhor, outros pior. Embora as tarefas não necessitem acontecer em uma ordem específica, há sugestão de ordenamento em suas defini- ções. Por exemplo, você não pode lidar com o impacto emocional de uma perda até que primeiro aceite o fato de que a perda aconteceu e que ela é irreversível, pelo "' ..., 'l" 00 Vl ~ N '? o '-" N V. r. q !: ~; f ~ ~ ·~ i· i:. ~ E 1 ! i"' Compreendendo o Processo do Luto • 21 menos nesta vida. Na medida em que o luto é um processo e não um estado, as tarefas que se seguem exigem esforço, ainda que nem todas as perdas por morte desafiem essas tarefas do mesmo modo. O luto é um processo cognitivo que en- volve confrontação e reestruturação do pensamento acerca da pessoa morta, da experiência da perda e do mundo modificado, no qual agora, o enlutado precisa viver (Stroebe, 1992). Alguns denominam isso de trabalho do luto. Tarefas do luto Tarefa I: aceitar a realidade da perda Quando alguém morre, mesmo que a morte seja esperada, sempre existe sensação de que isso não aconteceu. A primeira tarefa do luto é encarar a realidade que a pessoa está morta, que se foi e não voltará mais. Parte da aceitação dessa realida- de é passar a acreditar que o reencontro é impossível, pelo menos nesta vida. Os comportamentos estudados, os quais Bowlbye Parkes escreveram extensamente, relacionam-se direto com a execução dessa tarefa. Muitas pessoas que passaram por uma perda se percebem chamando a pessoa perdida e/ou algumas vezes tendem a confundir a identidade de outras pessoas em seu ambiente. Elas podem estar andando pela rua e vislumbrar alguém que lembre a pessoa morta e então ter de se lembrar: "Não, não é o meu amigo, ele está realmente morto". Joan Didion (2005) teve essa experiência após a morte de seu marido e escreveu sobre isto em seu livro: O Ano do Pensamento Mágico. O oposto da aceitação da realidade da perda é a descrença por meio de uma / espécie de negação. Algumas pessoas recusam-se a acreditar que a morte é real e ficam estancadas nessa primeira tarefa do processo de luto. A negação pode ser praticada em diversos níveis e apresentar-se de muitas formas, porém mais co- mumente envolve tanto os fatos da perda e o significado dela, quanto sua irreversibilidade (Dorpat, 1973). A negação dos fatos da perda pode variar em grau desde leve distorção até completo delirio. Exemplos bizarros de delírios de negação aparecem em casos raros nos quais o enlutado mantém o corpo do morto na casa por vários dias antes de notificar a morte. Gardiner e Pritchard (1977) descreveram seis casos desse comportamento incomum e eu acompanhei dois deles. As pessoas mencionadas eram claramente psicóticas ou excêntricas e solitárias. O que é mais provável que aconteça é que a pessoa faça o que Geoffrey Gorer (1965) denomina "mumificação", que representa apossar-se do morto em condição "mumificada'' pronta para ser usada quando a pessoa morta ressuscitar. Exemplo clássico disso é o caso da Rainha Victoria, que após a morte de seu consorte, Prín- cipe Albert, passou a colocar as roupas e o aparelho de barbear dele à sua vista diariamente e muitas vezes andava pelo palácio conversando com ele. Pais que perdem um filho costumam manter o quarto como era antes da morte. Isto não é incomum em periodo inicial, mas se toma negação se permanece por muitos anos. Exemplo de distorção em vez de delírio seria a pessoa ver o morto incorporado em um de seus filhos. Esse pensamento distorcido pode amortecer a intensidade da perda, mas raramente é satisfatório e impede a aceitação da realidade da morte. J..l 22 • Compreendendo o Processo do Luto Outra forma da pessoa se proteger da realidade é negar o significado da perda. Desse modo, a perda pode ser percebida com menos significância do que real- mente tem. É habitual ouvirmos afirmações, tais como: "Ele não era um bom pai", "Nós não éramos muito próximos" ou "Eu não o perdi". Algumas pessoas desfazem- -se, logo, de roupas e outros itens pessoais que lembrem o morto. A remoção de todas as lembranças da pessoa morta é considerada o oposto da mumificação e minimiza a perda. É como se a pessoa sobrevivente protegesse a si mesma pela ausência de qualquer artefato que a coloque frente a frente com a realidade da perda. Esse fenômeno não é raro após morte traumática. Uma mulher que atendi havia perdido seu marido repentinamente depois que ele deu entrada no hospital em condição leve, mas teve uma parada e morreu. Ela mal podia esperar que a primavera chegasse para as pegadas dele na neve desaparecerem. Esse compor- tamento não é comum e, com frequência, deriva de relacionamento conflituoso com a pessoa morta (ver Procedimentos para a Terapia do Luto no Capítulo 6 para informações adicionais acerca do luto em relações conflituosas). Existe, ainda, outra forma de negar o significado pleno da perda, praticando o "esquecimento seletivo". Por exemplo, Gary perdeu seu pai aos 12 anos de ida- de. Ao longo dos anos, ele bloqueou toda a existência do seu pai - até mesmo sua imagem visual - de sua cabeça. Quando ele veio à psicoterapia pela primeira vez, como um estudante universitário, ele não conseguia nem mesmo trazer a memó- ria do rosto de seu pai à sua mente. Após começar a progredir na terapia, não só conseguia lembrar como seu pai se parecia, como também pôde sentir sua pre- sença quando recebeu premiações em sua cerimônia de graduação. Algumas pessoas impedem a conclusão da tarefa I negando que a morte é ir- reversível. Bom exemplo disso foi ilustrado na história levada ao ar pelo Programa de 1V 60 Minutos, há alguns anos. Ele falava de uma dona de casa de meia-idadeque havia perdido sua mãe e sua filha de 12 anos de idade em: um incêndio na casa. Nos primeiros dois anos, ela passava os dias falando em voz alta para si mesma: "Eu não quero vocês mortas, Eu não quero vocês mortas, Eu não terei vocês mor- tas"! Parte de sua terapia exigia que ela enfrentasse o fato que elas estavam mortas e nunca retornariam. Outra estratégia usada para negar o caráter definitivo da morte envolve a reli- gião espírita. A esperança de um encontro com a pessoa morta é um sentimento normal, em especial nos primeiros dias e semanas após a perda. Entretanto, a esperança crônica para esse encontro não é normal. Parkes (2001) referiu: O espiritismo afirma ajudar pessoas enlutadas na procura pela pessoa morta, e sete dos indivíduos enlutados inchúdos nos meus diversos estudos, referiram visita a sessões espíritas ou a templos espíritas. Suas reações foram mistas - alguns sentiram que ob- tiveram algum tipo de contato com a pessoa morta e alguns ficaram assustados com . isto. No geral, essas pessoas não ficaram satisfeitas com a experiência e nenhuma delas se tornou participante regular de reuniões espíritas. (p. 55-56) Um artigo interessante sobre a história e o retrato atual do espiritismo foi publicado recentemente nos Estados Unidos e na Inglaterra. O autor entrevistou alguns participantes de reuniões espíritas. Embora muitos ínicialmente partici- ·1. ~ ~ ~~ 'i ~~ ~~ ~ m 1~) ~ ti ~ r.' ~ 'J " 1 ! Compreendendo o Processo do Luto • 23 param na tentativa de descobrir se seu entre querido estava em paz ou para ouvir palavras acalentadoras, a maioria dos entrevistados continuou a participar dos encontros espíritas porque gostaram dos valores e da camaradagem encontrados no grupo (Wallis, 2001). Chegar à aceitação da realidade da perda leva tempo, pois implica não apenas em aceitação intelectual, mas também emocional. Muitos conselheiros menos experientes não reconhecem essas questões e focalizam demais na mera aceitação intelectual da perda, negligenciando a aceitação emocional. A pessoa em luto pode estar consciente, intelectualmente, do caráter definitivo da morte muito antes que as emoções permitam plena aceitação da informação como verdadeira. Uma mulher que participou de um de meus grupos de enlutados acordava todas as manhãs e se aproximava do lado da cama do marido morto para verificar se ele estava lá. Ela sabia que ele não estaria lá, mas havia a esperança de que talvez estivesse, embora ele tivesse morrido há seis meses. É fácil acreditar que o ente querido ainda está ausente em uma viagem ou que retornou ao hospital novamente. Uma enfermeira, cuja mãe idosa foi hospitaliza- da para cirurgia de ponte de safena, viu sua mãe incapacitada com tubos e outras parafernálias medicamentosas. Após a morte de sua mãe, ela continuou acredi- tando, por muitos meses, que sua mãe ainda estava no hospital sendo preparada para a cirurgia e acreditava ser esse o motivo para a mãe não ter feito contato em seu aniversário. Ela falaria isso para os outros, quando questionada sobre a sua mãe. Uma mulher, cujo filho foi morto em um acidente, recusou-se a acreditar ~) que ele estava morto, preferindo pensar que ele estava na Europa, onde ele havia ~- 8 ficado no ano anterior. § A realidade atinge duramente quando uma pessoa pega o telefone para com- J. partilhar alguma experiência e se dá conta que a pessoa amada não está mais no ~ outro lado da linha. Pode levar muitos meses para que um pai enlutado possa "' dizer: "Meu filho está morto e nunca mais o terei de volta". Ele pode ver crianças brincando nas ruas ou avistar um ônibus escolar e dizer a eles: "Como eu poderia ter esquecido que meu filho está morto"? As crenças e as descrenças alternam enquanto a pessoa está lutando com essa tarefa. Krupp, Genovese e Krupp (1986) abordaram isso bem, ao escrever: Em alguns momentos, os enlutados parecem estar sob influência da realidade e comportam-se como se aceitassem totalmente que a pessoa morta se foi; em outros momentos, agem irracionalmente, sob a influência da fantasia de um encontro even- tual. A raiva dirigida para o objeto amado perdido, ao self, a outros que acredita terem causado a morte, e até mesmo aos que apóiam de forma benevolente e que lembram o enlutado da realidade da perda, é uma característica onipresente. (p. 345) Outra forma de descrença é o queAveryWeisman (1972) chamou "meio conhe- cimento". É um termo emprestado da filosofia existencial, meio conhecimento é saber e não saber ao mesmo tempo. Você pode encontrar esse fenômeno em alguns pacientes com doença terminal, que tanto sabem quanto não sabem que morrerão. Da mesma forma, no luto, o enlutado pode acreditar e não acreditar, exatamente ao mesmo tempo. :!:::l, 24 • Compreendendo o Processo do Luto Embora a realização dessa primeira tarefa do luto leve um tempo, os rituais tradicionais, tais como o funeral, ajudam muito os enlutados a direcionarem-se para a aceitação. Aqueles que não comparecem ao enterro podem necessitar de formas externas para validar a realidade da morte. A irrealidade é particularmente difícil no caso de morte súbita, sobretudo se o sobrevivente não viu o corpo da pessoa falecida. Em nosso Estudo de Harvard sobre Luto Infantil, encontramos intensa relação entre a perda repentina do cônjuge e os sonhos do cônjuge sobre- vivente nos primeiros meses após a morte. Pode ser que no sonho a pessoa falecida esteja viva, não simplesmente como realização de um desejo, mas como forma da mente validar a realidade da morte, com o nítido contraste que ocorre quando a pessoa desperta de um sonho como este (Worden, 1996). Tarefa II: processar a dor do luto O termo alemão Schmerz é apropriado para falar de sofrimento, pois essa definição geral inclui a dor física literal que muitas pessoas sentem e o sofrimento emocio- nal e comportamental relacionado com a perda. É necessário reconhecer e trabalhar esse sofrimento ou ele pode manifestar-se por meio de sintomas físicos ou alguma forma de comportamento anômalo. Parkes (1972) afirmou isto, ao re- ferir: "Se é necessário ao enlutado passar pelo sofrimento do luto para ter a resolução deste, qualquer coisa que continuamente permita que a pessoa evite ou suprima a dor pode prolongar o curso do luto" (p. 173). Nem todas as pessoas vivenciam a mesma intensidade de sofrimento, nem sentem da mesma forma, mas é quase impossível perder alguém, com quem se tem forte vínculo, sem sofrer em algum nível. Os recém-enlutados geralmente estão despreparados para lidar com a força bruta e a natureza das emoções sub- sequentes à perda (Rubin, 1990), O tipo de sofrimento e sua intensidade são mediados por alguns fatores descrJtos no Capítulo 3. Por outro lado, pesquisas recentes acerca de estilos de apego indicam que existem alguns indivíduos que não vivenciam muito sofrimento, ou até nenhum, após uma morte. Razão para isso é que eles não se permitem vincular com ninguém e apresentam estilo de apego de esquiva e rejeição (Bonanno, 2004). Pode haver sutil interação entre a sociedade e o enlutado, o que torna a tarefa II mais difícil. A sociedade pode ser desagradável com os sentimentos do enlutado e, portanto, pode passar a mensagem sutil: "Você não precisa se afligir - você está apenas sentindo pena de si mesmo". Trivialidades como: "Você é jovem e pode ter outro filho", ''.A vida é para ser vivida e ele não gostaria que você se sentisse assim" -são frequentemente expressas pelas pessoas, na tentativa de ajudar. Tais comen- tários reforçam as defesas do próprio enlutado, resultando em negação da necessidade de viver o luto, manifestadas como: "Eu não deveria me sentir dessa forma" ou "Eu não preciso sofrer" (Pincus, 197 4). Geoffrey Gorer (1965) reconheceuisto e postulou: "Dar lugar ao luto é estigmatizado como mórbido, doentio e des- moralizante. A ação considerada adequada a um amigo é a de distrair o enlutado de seu processo de luto" (p. 130). ·A ausência dessa segunda tarefa de processamento da dor resulta no não sen- tir. As pessoas podem encurtar a tarefa II de várias formas; a mais óbvia é suprimir "' _, 00 Oo V. ... N b w N V, i;· r' 1; ·ki r.; li ~. rt ~ ' - t' ~ ~ fü ~ i ~ 1 1 ~ 1 li"' Compreendendo o Processo do Luto • 25 os sentimentos e negar a dor que acompanha. Algumas vezes, as pessoas bloqueiam o processo, evitando pensamentos dolorosos. Elas usam procedimentos para in- terromper os pensamentos, de modo a manterem-se afastadas de sentimentos disfóricos, associados com a perda. Alguns controlam isto estimulando apenas pensamentos prazerosos acerca da pessoa morta, o que os protege do desconfor- to de pensamentos desagradáveis. Idealizar o morto, evitar lembranças do morto e utilizar álcool ou drogas são algumas formas, também, que a pessoa pode utili- zar para não lidar com as questões da tarefa II. Alguns indivíduos que não querem vivenciar a experiência de sofrimento do luto tentam encontrar solução geográfica. Eles viajam de um lugar a outro tentan- do encontrar algum alívio para suas emoções, em vez de permitirem-se processar o sofrimento -senti-lo e saber que um dia passará. Uma jovem mulher minimizava sua dor acreditando que seu irmão estava fora das trevas e em um lugar melhor, após seu suicídio. Isto pode ser verdadeiro, mas a mantinha distante de seus sentimentos de intensa raiva por ele tê-la deixado. No tratamento, quando ela se permitiu sentir raiva pela primeira vez, comentou: "Estou com raiva desse comportamento, não dele!" Por fim, usando a cadeira vazia, ela pôde admitir a raiva que sentia dele. ) Existem alguns casos em que a pessoa reage de forma eufórica a uma mor- te, mas isto geralmente está associado com forte recusa para acreditar que a morte realmente aconteceu. Com frequência, isto é acompanhado de vívida sen- sação da continuidade da presença da pessoa morta. Em geral, essas reações eufóricas são extremamente tênues e de curta duração (Parkes, 1972). John Bowlby (1980) afirmou que "Mais cedo ou mais tarde, alguns desses indi- víduos que evitam a consciência plena do luto vão esmorecer - geralmente, com alguma forma de depressão" (p. 158). Um dos objetivos do aconselhamento do luto é ajudar as pessoas nessa difícil segunda tarefa para que elas não carreguem o so- frimento consigo para o resto de suas vidas. Se a tarefa II não é direcionada adequadamente, poderá ser necessária urna terapia mais tarde, podendo ser mais difícil para a pessoa voltar no tempo e trabalhar com a dor que foi evitada por ela. Muito frequentemente, acaba sendo experiência mais complexa e difícil do que enfrentá-la no período da perda. Além disso, outro complicador pode ser um siste- ma de suporte social deficiente, que teria sido mais disponível na época da perda. Tendemos a pensar no sofrimento do luto em termos de tristeza e disforia. E de fato, grande parte da dor do pesar apresenta-se dessa forma. Entretanto, existem outras emoções associadas com as perdas e precisam ser processadas. Ansiedade, raiva, culpa, depressão e solidão também são sentimentos comuns que podem ser experimentados pelos enlutados. Algumas formas para trabalhar com esses sen- timentos no aconselhamento podem ser encontradas no Capítulo 4. Tarefa III: ajustar-se a um mundo sem a pessoa morta São três as áreas de ajustamento que precisam ser enfrentadas após a perda, por morte, de um ente querido. Existem os ajustes externos, ou a forma corno a mor- te afeta o funcionamento habitual no contexto geral; os ajustes internos, ou como .J:? 26 • Compreendendo o Processo do Luto a morte afeta o senso de si mesmo da pessoa; e os ajustes espirituais, ou como a morte influencia crenças, valores e suposições da pessoa sobre o mundo. Passa- remos a examinar cada um deles, separadamente. Ajustes externos O ajustamento a um novo ambiente sem a pessoa morta tem distintos significados para diferentes pessoas, dependendo de como era o relacionamento com o morto e os diversos papéis que este desempenhava. Leva um considerável período para muitas viúvas descobrirem o que é viver sem seus maridos. Normalmente, essa percepção começa a surgir por volta de três a quatro meses após a perda e inclui deparar-se com o fato de ter de viver sozinha, criar sozinha os filhos, encarar uma casa vazia e manejar, por conta própria, as finanças. Parkes (1972) aborda impor- tante questão, quando postula: Em qualquer luto, quase nunca fica bem claro o que foi perdido exatamente. A perda de um marido, por exemplo, pode ou não significar a perda de um parceiro sexual, uma companhia, um contador, um jardineiro, um cuidador de bebê, um ouvinte, um aque- cedor de cama e assim por diante, dependendo dos papéis particulares que eram de- sempenhados, habitualmente, por este marido. (p. 7) O sobrevivente, na maioria das vezes, não está consciente de todos os papéis desempenhados pela pessoa que morreu, até que passe um tempo de sua perda. Muitos sobreviventes ressentem-se de ter de desenvolver novas habilidades e adquirir funções que eram anteriormente desempenhadas por seus parceiros. Exemplo disto é Margot, uma mãe jovem, cujo marido morreu. Ele era o tipo de pessoa muito eficiente, que se encarregava das situações e fazia a maioria das coisas para ela. Depois da morte dele, um dos filhos passou a ter problemas na escola, necessitando encontros com o orientador. Anteriormente, seu marido teria feito contato com a escola e manejado tudo, mas após a morte dele, Margot foi forçada a desenvolver essa habilidade. Embora ela tenha desenvolvido isto de forma relutante e ressentida, se deu conta que gostou de ter sido capaz de controlar a situação competentemente e que nunca teria acompanhado a situ- ação se o marido ainda estivesse vivo. A estratégia de enfrentamento para redefinir a perda, de tal forma que reverta em benefício para o sobrevivente é, quase sempre, parte da conclusão exitosa da tarefa III. Dar sentido à perda e encontrar ganhos com ela são duas dimensões do significado atribuído após uma perda, e isto certamente está associado com a questão de encontrar bene- fícios, a partir da morte. Teoria atual que tem sido defendida por Neimeyer (1999) e muitos outros é a necessidade de buscar um sentido após uma perda. A busca de um sentido é um processo relevante para o luto, que tende a desafiar as crenças acerca de si mesmo, dos outros e do mundo. A morte pode destruir o propósito central de vida de uma pessoa, e é fundamental descobrir e inventar novos significados diante da perda (Attig, 1996). jl ,. 1 '; !; !li ~ ~ ·~ ~ ~ li Compreendendo o Processo do Luto • 27 Ajustes internos Os enlutados não apenas precisam ajustar-se à perda de papéis anteriormente desempenhados pela pessoa que morreu, mas a morte também os desafia a ajus- tar seu próprio senso de self. Não estamos falando simplesmente de se visualizar como viúvo ou pai enlutado, porém, mais fundamentalmente, como a morte afe- ta a definição do self, a autoestima e o senso de autoeficácia. Alguns estudos postulam que para as mulheres que definem sua identidade por meio de seus relacionamentos e cuidado com os outros, o luto representa não apenas a perda de alguém significante, mas também o senso da perda do próprio self (Zaiger, 1985-1986). Um dos objetivos do processo de luto para essas mulheres é o de sentir-se como um "indivíduo" em vez da metade de urna díade. Por um ano, uma ;z viúva que atendi circulava por sua casa dizendo:
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