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Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 2 SUMÁRIO 1. SUJEITOS E OBJETOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO.............................................................. 3 2. DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR: REVISÃO CONTRATUAL E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ......................................................................................................................................... 16 3. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: POR VÍCIO E POR FATO ......... 21 4. DA DECADÊNCIA E DA PRESCRIÇÃO .................................................................................. 35 5. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................... 40 6. DAS PRÁTICAS COMERCIAIS .............................................................................................. 41 7. DA PROTEÇÃO CONTRATUAL ............................................................................................ 52 8. DA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO .......................................................................... 62 9. A TUTELA PROVISÓRIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO ..................................................... 65 Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 3 1. SUJEITOS E OBJETOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO Segundo Claudia Lima Marques, o direito privado brasileiro divide-se em um direito geral, o direito civil, e dois direitos especiais, o direito comercial ou empresarial, voltado para as relações entre empresas; e o direito do consumidor, voltado para a proteção da parte mais frágil. Compreender as diferenças e saber identificar quando uma relação é de consumo é primordial para o estudo do Direito do Consumidor e para o êxito no Exame de Ordem. Especialmente para a elaboração da peça processual, é imprescindível a identificação inicial do direito a ser aplicado: consumidor ou civil. Assim, o grande desafio do intérprete e aplicador do CDC, como Código que regula uma relação jurídica entre privados, é saber diferenciar e saber “ver” quem é comerciante, quem é civil, quem é consumidor, quem é fornecedor, quem faz parte da cadeia de produção e distribuição e quem retira o bem do mercado como destinatário final, quem é equiparado a este, seja porque é uma coletividade que intervém na relação, porque é vítima de um acidente de consumo ou porque foi quem criou o risco no mercado. No caso do CDC é este exercício, de definir quem é o sujeito ou quem são os sujeitos da relação contratual e extracontratual, que vai definir o campo de aplicação desta lei, isto é, a que relação ela se aplica. Como vimos, o diferente no CDC é seu campo de aplicação subjetivo (consumidor e fornecedor), seu campo de aplicação ratione personae, uma vez que materialmente ele se aplica em princípio a todas as relações contratuais e extracontratuais (campo de aplicação ratione materiare) entre consumidores e fornecedores. (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2014, p. 95). Dessa forma, a identificação dos sujeitos de uma relação de consumo é extremamente importante para distinguir o tipo de relação e identificar o direito que deverá ser aplicado. Para identificar essa importância observe a situação problema do XVIII Exame de Ordem Unificado (questão 4) que tratava do caso de um atleta atropelado por um ônibus: a solução da questão pressupunha a compreensão de tratar-se de um acidente de consumo (art. 17 do CDC). 01 Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 4 1.1 Conceito de consumidor O conceito básico de consumidor é definido no art. 2º, caput, e complementado pelo seu parágrafo único e pelos artigos 17 e 29. Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Dessa forma, sobre o conceito de consumidor, pode-se concluir que: Não é definido apenas sob a ótica individual, mas também enquanto categoria (direito transindividual); Não é apenas o contratante, mas a vítima de acidentes (onde não há contrato entre as partes) e de práticas abusivas (realizadas antes da contratação); Não é apenas o que adquire, mas o que utiliza os produtos ou serviços; Pode ser pessoa física ou jurídica; Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 5 A principal característica para conceituação de consumidor é ser “destinatário final”. No entanto, o legislador deixou ao intérprete a tarefa de esclarecer o sentido da expressão. Para tanto, surgiram algumas teorias. Para a corrente finalista, o conceito de consumidor está ligado à destinação econômica dada ao produto ou serviço, sendo consumidor somente o destinatário final fático e econômico, ou seja, aquela pessoa não profissional que adquire um produto ou serviço para si ou sua família, que realmente encerra o ciclo do produto, inclusive econômico, pois não vai utilizá-lo para produzir outro produto ou para prestar outro serviço. Para esta corrente, se alguém adquire ou utiliza produto ou serviço para continuar a produzir, para fazer uso profissional, não se enquadraria no conceito de consumidor, pois não é destinatário final econômico desse bem. Já para os adeptos da teoria maximalista, não importa se a pessoa física, jurídica ou profissional adquiriu o produto ou serviço para consumo próprio ou com a finalidade de obter lucro. Como lembra Miragem (2013), “a interpretação maximalista considera consumidor o destinatário fático do produto ou serviço, ainda que não o seja necessariamente seu destinatário econômico”. Em meio às duas correntes, uma terceira via se desenvolveu nos tribunais: a interpretação finalista aprofundada ou mitigada, dando relevância ao fator vulnerabilidade. Nesse sentido o consumidor pode ser pessoa física ou jurídica, desde que seja destinatário final fático e econômico ou, caso faça uso profissional (seja destinatário final fático, mas não destinatário final econômico), que enfrente essa relação em situação de vulnerabilidade. É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis, envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área dos serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade, como o hotel que compra gás. Isso porque o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o da vulnerabilidade.(BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2014, p. 103). Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 6 Hoje, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, se encontra consolidada no sentido de que a conceituação de consumidor deve ser feita mediante a utilização da teoria finalista mitigada, conforme segue: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 2. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é possível a aplicação mitigada da teoria finalista na relação entre pessoas jurídicas, para autorizar a incidência do CDC. Precedentes. 3. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 4. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido. (AgInt no AREsp 1072663 / MA, julgado em 05/12/2017). Essa vulnerabilidade, esclarece Bruno Miragem, não se restringe apenas a hipótese econômica, mas especialmente na fragilidade técnica quando, “por exemplo, pessoa jurídica que pretenda a equiparação demonstre que não era especialista e não conhecia as informações técnicas relativas ao produto ou serviço contratado, assim como que tais conhecimentos não lhe eram exigíveis” (MIRAGEM, 2012, p. 135). Importante! Observe, contudo, que a aplicação da teoria finalista de forma mitigada é uma exceção. Julgados mais recentes do STJ têm restringido bastante a sua utilização. Para a sua aplicação no exame de ordem o enunciado deverá deixar bem clara a vulnerabilidade. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO CARACTERIZADA. ACÓRDÃO RECORRIDO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. VULNERABILIDADE. RECONHECIMENTO. SÚMULA N. 7/STJ. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. POSSIBILIDADE. PACTUAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1. O posicionamento adotado no acórdão recorrido coincide com a orientação desta Corte Superior, a saber: "o Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 7 consumo (teoria finalista ou subjetiva)" (AgRg no AREsp n. 557.718/SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/5/2016, DJe 10/6/2016). 2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos e interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas n. 5 e 7 do STJ). 3. O reconhecimento da situação de vulnerabilidade, a fim de se Aplicar o CDC, exigiria reexame de questões fáticas. 4. No caso concreto, o Tribunal de origem, a partir do exame dos elementos de prova e da interpretação das cláusulas contratuais, concluiu pela existência de cláusula prevendo a capitalização mensal dos juros. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1218885 / MG, julgado em 07/06/2018) Além da aplicação da teoria finalista mitigada, com vistas à equiparação do profissional ou da pessoa jurídica a consumidor, os artigos 17 e 29 do CDC também tratam de situações de equiparação. O artigo 17 refere-se a todas as vítimas de fato do produto ou serviço e o artigo 29 às pessoas expostas às práticas comerciais. Em relação às vítimas de acidentes de consumo, foi efetuado o seguinte questionamento no XVII Exame de Ordem: ENUNCIADO: O famoso atleta José da Silva, campeão pan-americano da prova de 200 m no atletismo, inscreveu-se para a Copa Rio de Atletismo – RJ, 2015. O torneio previa, como premiação aos campeões de cada modalidade, a soma de R$ 20.000,00. Todos os especialistas no esporte estimavam a chance de vitória de José superior a 80%. Na semana que antecedeu a competição, o atleta, domiciliado no estado de Minas Gerais, viajou para a cidade do Rio de Janeiro para treinamento e reconhecimento dos locais de prova. Na véspera do evento esportivo, José sofreu um grave acidente, tendo sido atropelado por um ônibus executivo da sociedade empresária D Ltda., com sede em São Paulo. Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 8 O serviço de transporte executivo é explorado pela sociedade empresária D Ltda. de forma habitual, organizada profissionalmente e remunerada. Restou evidente que o acidente ocorreu devido à distração do condutor do ônibus. Em virtude do ocorrido, José não pôde competir no aludido torneio. O atleta precisou de atendimento médico-hospitalar de emergência, tendo realizado duas cirurgias e usado medicamentos. No processo de reabilitação, fez fisioterapia para recuperar a amplitude de movimento das pernas e dos quadris. Sobre a situação descrita, responda aos itens a seguir. A) Que legislação deve ser aplicada ao caso e como deverá responder a sociedade empresária D Ltda.? Quais os danos sofridos por José? (Valor: 0,85) B) Qual o prazo para o ajuizamento da demanda reparatória? É possível fixar a competência do juízo em Minas Gerais? (Valor: 0,40) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. GABARITO COMENTADO: A1) Trata-se de uma relação de consumo, na qual José se qualifica juridicamente como consumidor por equiparação, vítima de acidente de consumo, conforme o Art. 17 do CDC. A sociedade empresária D Ltda. enquadra-se na condição de fornecedora de serviços conforme o Art. 3º, § 2º, do CDC. Assim, deve-se aplicar o CDC e a responsabilidade civil será objetiva, nos termos do Art. 14 do CDC, bem como no Art.37, § 6º, da Constituição da República, por tratar-se de prestadora de serviço público. A2) Quanto aos danos suportados pelo corredor, verifica-se a ocorrência da perda de uma chance. Trata-se da frustração da probabilidade de obter o prêmio da Copa Rio de Atletismo. A situação revela que a chance se revestia das características jurídicas de séria e real, e, assim, deverá ser reparada. Além da perda da chance, deverão ser indenizados os danos morais pela violação da integridade física e os danos emergentes decorrentes dos tratamentos médicos (Art. 402 do CC). Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 9 B) O prazo prescricional será de cinco anos, como prevê o Art. 27 do CDC. O regime de consumo autoriza o ajuizamento da ação no domicílio do autor, conforme previsto no Art. 101, I, do CDC. Portanto, José poderá optar pela demanda, em Minas Gerais. DISTRIBUIÇÃO DA PONTUAÇÃO ITEM PONTUAÇÃO A1) Aplica-se o CDC (0,10) e a responsabilidade civil será objetiva (0,10), pois José é consumidor por equiparação (0,15), conforme determinam o Art. 14 do CDC, ou art. 37, § 6º, da CRFB. (0,10) Obs.:a mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 0,00 /0,10 /0,15/0,20 / 0,25/ 0,30/0,35/0,45 A2) Além da perda da chance (0,10), deverão ser compensados os danos morais pela violação da integridade física (0,10) e indenizados os danos emergentes decorrentes dos tratamentos médicos (0,10), de acordo com o Art. 402 ou Art. 949, ambos do CC (0,10). Obs.: a mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 0,00/0,10/0,20/ 0,30/0,40 B1) O prazo aplicável é de cinco anos (0,10) conforme Art. 27 do CDC (0,10) Obs.: a mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 0,00/0,10/0,20 B2) O consumidor terá a faculdade de demanda em seu domicílio, no caso, Minas Gerais (0,10) conforme possibilita o Art. 101, I, do CDC (0,10) Obs.: a mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 0,00/0,10/0,20 Ainda em relação a equiparação a consumidor de todas as vítimas do evento, o STJ, no REsp 1268743-RJ, a aplicou no caso de um atropelamento fatal em rodovia sob concessão: RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ATROPELAMENTO FATAL. TRAVESSIA NA FAIXA DE PEDESTRE. RODOVIA SOB CONCESSÃO. CONSUMIDORA POR EQUIPARAÇÃO. CONCESSIONÁRIA RODOVIÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS USUÁRIOS E NÃO USUÁRIOS DO SERVIÇO. ART. 37, § 6°, CF. VIA EM MANUTENÇÃO. FALTA DE ILUMINAÇÃO E SINALIZAÇÃO PRECÁRIA. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INOCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDOS. (julgado fevereiro de 2014). Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 10 1.2 Conceito de fornecedor Conforme já mencionado, os conceitos de consumidor e de fornecedor são interdependentes, pois só haverá relação de consumo com a presença dos dois sujeitos. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Percebe-se que o conceito é amplo e que o legislador não criou requisitos relacionados à natureza jurídica ou situação fiscal e administrativa do fornecedor. O caput do artigo 3º esclarece que fornecedor é gênero, do qual são espécies aqueles que desenvolvem as atividades listadas no artigo (produção, montagem, importação, comercialização...). O elemento definidor do conceito é “desenvolver atividade”. Desenvolver uma atividade, conforme definições doutrinárias, está relacionado a habitualidade e ao profissionalismo, mas de maneira ampla e não limitada a uma formação profissional específica. Assim, uma concessionária de veículos que decide vender um computador da loja para substituí-lo por um mais moderno, não se transforma em fornecedora de computadores, pois essa não é a sua atividade. Já o conceito de fornecedor de serviços, conforme o parágrafo 2º do art. 3º, tem outro elemento além do desenvolvimento de atividade: a remuneração. Saliente-se que o legislador optou pela expressão “remunerados” ao invés de “onerosos”, que são aqueles que se contrapõem aos “gratuitos”, assim, a remuneração indireta não afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Alguns serviços que são prestados sem remuneração direta do consumidor, mas lucrativos, ou seja, remunerados de outra forma, Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 11 sofrem a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Neste sentido a seguinte decisão: CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA. 1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo mediante remuneração, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos. 4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02. 5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo. 7. A iniciativa do provedor de conteúdo de manter em site que hospeda rede social virtual um canal para denúncias é louvável e condiz com a postura esperada na prestação desse tipo de serviço - de manter meios que possibilitem a identificação de cada usuário (e de eventuais abusos por ele praticado) - mas a mera disponibilização da ferramenta não é suficiente. É crucial que haja a efetiva adoção de providências tendentes a apurar e resolver as reclamações formuladas, mantendo o denunciante informado das medidas tomadas, sob pena de se criar apenas uma falsa sensação de segurança e controle. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1308830 / RS, julgado em maio de 2012). Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 12 A aplicabilidade do CDC também não é afastada somente pelo fato de o contrato ser disciplinado por lei específica. Neste sentido a seguinte decisão sobre planos de saúde: RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCREDENCIAMENTO DE CLÍNICA MÉDICA. COMUNICAÇÃO PRÉVIA AO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. PREJUÍZO AO USUÁRIO. SUSPENSÃO REPENTINA DE TRATAMENTOQUIMIOTERÁPICO. SITUAÇÃO TRAUMÁTICA E AFLITIVA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. 1. Ação ordinária que busca a condenação da operadora de plano de saúde por danos morais, visto que deixou de comunicar previamente a consumidora acerca do descredenciamento da clínica médica de oncologia onde recebia tratamento, o que ocasionou a suspensão repentina da quimioterapia. 2. Apesar de os planos e seguros privados de assistência à saúde serem regidos pela Lei nº 9.656/1998, as operadoras da área que prestam serviços remunerados à população enquadram-se no conceito de fornecedor, existindo, pois, relação de consumo, devendo ser aplicadas também, nesses tipos contratuais, as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ambos instrumentos normativos incidem conjuntamente, sobretudo porque esses contratos, de longa duração, lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida. São essenciais, portanto, tanto na formação quanto na execução da avença, a boa-fé entre as partes e o cumprimento dos deveres de informação, de cooperação e de lealdade (arts. 6º, III, e 46 do CDC). 3. O legislador, atento às inter-relações que existem entre as fontes do direito, incluiu, dentre os dispositivos da Lei de Planos de Saúde, norma específica sobre o dever da operadora de informar o consumidor quanto ao descredenciamento de entidades hospitalares (art. 17, § 1º, da Lei nº 9.656/1998). 4. É facultada à operadora de plano de saúde substituir qualquer entidade hospitalar cujos serviços e produtos foram contratados, referenciados ou credenciados desde que o faça por outro equivalente e comunique, com trinta dias de antecedência, os consumidores e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). 5. O termo "entidade hospitalar" inscrito no art. 17, § 1º, da Lei nº 9.656/1998, à luz dos princípios consumeristas, deve ser entendido como gênero, a englobar também clínicas médicas, laboratórios, médicos e demais serviços conveniados. De fato, o usuário de plano de saúde tem o direito de ser informado acerca da modificação da rede conveniada (rol de credenciados), pois somente com a transparência poderá buscar o atendimento e o tratamento que melhor lhe satisfaz, segundo as possibilidades oferecidas. 6. O descumprimento do dever de informação (descredenciamento da clínica médica de oncologia sem prévia comunicação) somado à situação traumática e aflitiva suportada pelo consumidor (interrupção repentina do tratamento quimioterápico com reflexos no estado de saúde), capaz de comprometer a sua integridade psíquica, ultrapassa o mero dissabor, sendo evidente o dano moral, que deverá ser compensado pela operadora de plano de saúde. 7. Recurso especial não provido. (REsp 1349385 / PR) Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 13 Por fim, o legislador esclareceu que serviço é a atividade fornecida no mercado de consumo. A expressão “mercado de consumo” traz uma ideia de relação mercantilizada e acaba por afastar a incidência do CDC a algumas relações que decorrem de políticas públicas, como financiamento estudantil (REsp 1526984 / SP, 2015) ou imobiliário (SFH). Em relação ao financiamento habitacional, os julgados mais recentes ressaltam que: “no que toca à adoção das normas do Código de Defesa do Consumidor, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de serem aplicáveis aos contratos do SFH, desde que não vinculados ao FCVS e posteriores à entrada em vigor da Lei 8.078/90“ (AgRg no REsp 1216391 / RJ, 2015). O mesmo argumento também afasta, segundo o STJ, a aplicabilidade do CDC à prestação de serviços advocatícios, por força do art. 133 do CF, que atribuiu ao advogado um munus público, ou seja, que ao postular em nome do cidadão o advogado não exerce apenas uma profissão, mas uma atividade essencial, indispensável à administração da justiça (AgInt no AREsp 895899 / SP, 2016). A ausência de lucratividade e o sistema fechado (serviço não disponibilizado no mercado de consumo) também foi o fundamento de alteração no entendimento do STJ sobre a aplicação do CDC aos planos de saúde, conforme súmula 608: 1.3 Objeto da relação jurídica de consumo Segundo o parágrafo 1º, produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial. Dessa forma, prevendo expressamente a caracterização do produto também como bem imaterial, tornou a norma plenamente aplicável também às relações estabelecidas pela internet. O conceito de serviço, como dito, inclui o elemento remuneração. Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 14 Ainda sobre o objeto das relações de consumo, resta avaliar a aplicação do CDC à prestação de serviços públicos. O legislador fez referência aos serviços públicos em diversos dispositivo: art. 3º, caput; 4º, VII; 6º, X e 22. Todavia, não são todos os serviços públicos que se subordinam às normas de proteção do consumidor. A distinção dos serviços a que se aplica o regime do CDC e aqueles que se subordinam exclusivamente ao regime de direito administrativo é realizada, em nosso direito, por Adalberto Pasqualotto, em estudo de referência sobre o tema. Observa então, Pasqualotto, que a aplicação do CDC não prescinde da distinção entre os serviços públicos uti singuli e uti universi. Serviços públicos uti singuli são aqueles prestados e fruídos individualmente e, por isso, de uso mensurável, os quais são remunerados diretamente por quem deles se aproveita, em geral por intermédio de tarifa (e. g. serviços de energia elétrica, água). Já os serviços uti universi, prestados de modo difuso para toda a coletividade, não são passíveis de mensuração, sendo custeados por intermédio de impostos pagos pelos contribuintes (relação de direito tributário). (MIRAGEM, 2012, p. 150) Neste sentido a seguinte decisão do STJ: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR. ERRO MÉDICO. MORTE DE PACIENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULTATIVA. 1. Os recorridos ajuizaram ação de ressarcimento por danos materiais e morais contra o Estado do Rio de Janeiro, em razão de suposto erro médico cometido no Hospital da Polícia Militar. 2. Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. (REsp 1187456 / RJ, 2010). O STJ, na edição 74 do “Jurisprudência em Tese” registrou que a “a relação entre concessionária de serviço público e o usuário final para o fornecimento de serviços públicos essenciais é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC”. Posteriormente editou a súmula 601: Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 15 Relação entre CDC e CDU: Em 26 de junho de 2017 foi publicada a Lei nº 13.460 que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. A referida Lei menciona que seu objeto são os direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública. Mais especificamente aos prestados pela administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º, §1º), o que não afasta a aplicação do CDC e das normas regulamentadoras (§2º). Também determinaque a lei seja aplicada subsidiariamente aos serviços públicos prestados por particular. Assim, resta esclarecido que havendo relação de consumo, faz- se aplicável o Código de Defesa do Consumidor tanto em relação aos serviços públicos prestados diretamente pela Administração Pública, quanto nos casos de serviços públicos prestados por concessão ou permissão, como já dispunha o art. 7º da Lei 8.987/95. O diálogo entre estas leis é incontestável, pois ambas asseguram direitos aos consumidores-usuários (art.7º do CDC). Ou seja, a confluência dos preceitos contidos no art. 22, da Lei 8.078/90, no art. 7º, da Lei 8.987/95 e no art. 1º, § 2º, II, da Lei 13.460/17 elimina quaisquer dúvidas que possam haver ou ter havido, no tocante à existência de um círculo protetivo dos consumidores quando da prestação de serviços públicos no Brasil. (REVERBEL e MAFFINI, 2017). Em relação aos serviços locatícios, o STJ fixou a atese segundo a qual “o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios regidos pela Lei n. 8.245/91 (jurisprudência em Teses, edição 53/2016). E que não o incide o Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas estabelecidas entre condomínio e condôminos.” (68/2016). Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 16 2. DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR: REVISÃO CONTRATUAL E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA O artigo 6º dispõe sobre os direitos básicos do consumidor. Na sua maioria, esses direitos são regulados posteriormente em artigos específicos, como os direitos à proteção da vida, saúde e segurança e proteção contra a publicidade enganosa e abusiva; outros, contudo, são disciplinados no próprio artigo 6º, como o direito a modificação e revisão dos contratos e o direito à inversão do ônus da prova. CAPÍTULO III Dos Direitos Básicos do Consumidor Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. 2.1 Modificação e revisão das cláusulas contratuais O direito à revisão e/ou modificação das cláusulas contratuais decorre do direito ao equilíbrio contratual. Conforme Bruno Miragem (2012, p. 171), “o direito subjetivo do consumidor ao equilíbrio contratual constitui efeito da 02 Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 17 principiologia do direito do consumidor, muito especialmente dos princípios da boa-fé, da vulnerabilidade e, especialmente, do próprio princípio do equilíbrio”. O Inciso V menciona a possibilidade de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Assim, pode o consumidor, diante de alguma abusividade (art. 51), buscar a nulidade de determinada cláusula e também pode buscar a revisão e modificação de cláusulas que, desde a contratação, violem o equilíbrio do contrato. Enquanto que pelo direito civil a revisão do desequilíbrio existente desde a celebração do contrato só pode se dar mediante a demonstração de um vício de consentimento, para o direito do consumidor basta demonstrar a desproporção (injustiça), sem necessidade de invalidação de todo o negócio jurídico. Busca-se, em regra, a adequação do contrato aos limites legais. Já quanto à revisão por fato superveniente que torne a obrigação excessivamente onerosa, também há diferenças em relação a disciplina do Código Civil. Segundo o art. 317 do diploma civil, o fato superveniente deve ser imprevisível, já o CDC não faz referência à imprevisibilidade. A norma do art. 6º do CDC avança em relação ao Código Civil (arts. 478-480 – Da resolução por onerosidade excessiva), ao não exigir que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível. Apenas exige a quebra da base objetiva do negócio, a quebra do seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência entre prestações, o desaparecimento do fim essencial do contrato. Em outras palavras, o elemento autorizador da ação modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual, que agora apresenta a mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário, irresistível, fato que podia ser previsto e não foi. O CDC, também não exige, para promover revisão, que haja “extrema vantagem para a outra” parte contratual, como faz o Código Civil (art. 478). (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2014, p. 81). No XVII Exame da Ordem Unificado foi questionado sobre a possibilidade de um consumidor buscar a revisão de um contrato de financiamento de veículo com alienação fiduciária, em razão de, alguns meses após a realização do negócio, entender que a obrigação assumida lhe era excessivamente onerosa. As alternativas versavam, além da possibilidade de revisão de contrato, sobre a aplicabilidade do CDC aos contratos de Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 18 financiamento com alienação fiduciária e sobre a necessidade de propositura de ação independente para exibição de documentos. A jurisprudência anterior à vigência do novo CPC disciplina a matéria da seguinte forma: A jurisprudência deste Tribunal Superior, inclusive firmada em recurso especial representativo de controvérsia, é no sentido de ser descabida a multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível (Súmula nº 372/STJ). Quando houver descumprimento injustificado da determinação judicial, em se tratando de ação cautelar de exibição, o magistrado poderá ordenar a busca e apreensão do documento ou, nas hipóteses de exibição incidental de documento, sendo disponível o direito, poderá aplicar a presunção de veracidade (art. 359 do CPC), a qual será relativa. (AgRg no REsp 1491088/SP).Assim, a resposta correta é que “a questão comporta aplicação do CDC, e a ação revisional pode ser proposta independentemente de medida cautelar preparatória de exibição de documentos, já que o pleito de exibição do contrato poderá ser formulado incidentalmente e nos próprios autos”. Outra questão do Exame de Ordem sobre o direito básico de revisar contratos: Analisando o artigo 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, que prescreve: “São direitos básicos do consumidor: V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, assinale a alternativa correta. a) Não traduz a relativização do princípio contratual da autonomia da vontade das partes. b) Almeja, em análise sistemática, precipuamente, a resolução do contrato firmado entre consumidor e fornecedor. c) Admite a incidência da cláusula rebus sic stantibus. d) Exige a imprevisibilidade do fato superveniente. 2.2 Inversão judicial do ônus da prova Ter o ônus de provar significa suportar o risco pela falta de prova de um fato pertinente (o risco é o resultado da ação). A inversão do ônus da prova pode decorrer da lei (ope legis), como na responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC), ou por determinação judicial (ope judicis) como no caso do art. 6º, VIII. A norma (no caso da inversão judicial) autoriza o julgador a inverter o ônus da prova em favor do consumidor em duas hipóteses: quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 19 Ora, na estrutura das relações de consumo, o domínio do conhecimento sobre o produto ou o serviço, ou ainda sobre o processo de produção e fornecimento dos mesmos no mercado de consumo é do fornecedor. Da mesma forma, não se pode desconhecer que a defesa judicial de interesses exige do titular da pretensão a disposição de recursos financeiros e técnicos para uma adequada demonstração da pertinência e procedência do seu interesse. (MIRAGEM, 2012, p. 183). Impõe-se assim a compreensão dos conceitos de hipossuficiência e verossimilhança. Os doutrinadores esclarecem que, apesar da semelhança, não se pode confundir os significados de vulnerabilidade e hipossuficiência. Conforme visto, todos os consumidores são presumidamente vulneráveis, nos termos do art. 4º. Já a hipossuficiência relaciona-se com a ausência de condições de provar sua pretensão. “Já a verossimilhança se estabelece a partir de um critério de probabilidade, segundo os argumentos trazidos ao conhecimento do juiz, de que uma dada situação relatada tenha se dado de modo igual ou bastante semelhante ao conteúdo do relato” (MIRAGEM, 2012, p. 187). A regra geral da distribuição do ônus da prova (estática) está prevista no art. 373 do Novo Código de Processo Civil: Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A inversão judicial do ônus da prova deve ocorrer preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura da oportunidade para apresentação de provas. PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. EXAME ANTERIOR À PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES DO STJ. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a decisão que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante o saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior - garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Precedentes: (julgado em 30/09/2014) Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 20 Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a definição sobre a distribuição do ônus da prova deve ocorrer em decisão de saneamento (Art. 357, CPC). Ressalte-se que a inversão do ônus da prova pode ocorrer também nas ações civis públicas. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABUSIVIDADE NA COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. TUTELA DE DIREITOS E DE SEUS TITULARES, E NÃO PROPRIAMENTE DAS PARTES DA AÇÃO. 1. Trata-se, na origem, de ação civil pública movida pelo recorrido em face da recorrente em que se discute abusividade na comercialização de combustíveis. Houve, em primeiro grau, inversão do ônus da prova a favor do Ministério Público, considerando a natureza consumerista da demanda. Esta conclusão foi mantida no agravo de instrumento interposto no Tribunal de Justiça. 2. Nas razões recursais, sustenta a recorrente ter havido violação aos arts. 535 do Código de Processo Civil (CPC), ao argumento de que o acórdão recorrido é omisso, e 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois o Ministério Público não é hipossuficiente a fim de que lhe se permita a inversão do ônus da prova. Quanto a este último ponto, aduz, ainda, haver dissídio jurisprudencial a ser sanado. 3. Em primeiro lugar, é de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes. 4. Em segundo lugar, pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual o Ministério Público, no âmbito de ação consumerista, faz jus à inversão do ônus da prova, a considerar que o mecanismo previsto no art. 6º, inc. VIII, do CDC busca concretizar a melhor tutela processual possível dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e de seus titulares - na espécie, os consumidores -, independentemente daqueles que figurem como autores ou réus na ação. Precedentes. 5. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 125.3672/RS) Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 21 3. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: POR VÍCIO E POR FATO A responsabilidade civil é uma das áreas do direito que melhor reflete as transformações sociais, políticas e econômicas do último século. Considerando que vivenciamos um modelo econômico fundamentado no acesso crescente aos bens de consumo, não surpreende a afirmação de que a responsabilidade civil decorrente das relações de consumo assumiu extrema importância na sociedade contemporânea. Inicialmente fundamentada na teoria da culpa, a responsabilidade civil hoje volta seus olhos para a vítima. O Direito preocupa-se com o dano sofrido pela vítima: o resultado ou objeto. O Ministro Herman Benjamin, com muita perspicácia, elaborou uma teoria que define com precisão os fundamentos da responsabilidade civil nas relações de consumo: a teoria da qualidade. Segundo o Ministro, o Código de Defesa do Consumidor, ao dividir odever de responder em duas órbitas distintas, inseriu nas relações de consumo o inafastável dever de qualidade dos produtos e serviços oferecidos no mercado. No direito do consumidor é possível enxergar duas órbitas distintas – embora não absolutamente excludentes – de preocupações. A primeira centraliza suas atenções na garantia da incolumidade físico-psíquica do consumidor, protegendo sua saúde e segurança, ou seja, preservando sua vida e integridade contra os acidentes de consumo provocados pelos riscos de produtos e serviços. Esta órbita, pela natureza do bem jurídico tutelado, ganha destaque em relação a segunda. A segunda esfera de inquietação, diversamente, busca regrar a incolumidade econômica do consumidor em face dos incidentes (e não acidentes!) de consumo capazes de atingir seu patrimônio. Não obstante em termos éticos a proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor seja prioritária, são os ataques a sua incolumidade econômica que mais aparecem no seu relacionamento com o fornecedor. Em outras palavras: enquanto a primeira órbita afeta o corpo do consumidor, a outra atinge seu bolso. Todavia, mesmo quando a atividade do fornecedor provoca danos a incolumidade físico-psíquica do consumidor, reflexamente está atingindo igualmente sua 03 Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 22 incolumidade econômica, ocasionado diminuição de seu patrimônio. Portanto, na identificação do tipo de esfera – e do regime jurídico – atacada pela atividade do fornecedor, não deve o intérprete buscar um traço exclusivo e sim preponderante. (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2007, p. 100/101) Desta forma, conclui o autor que o dever de qualidade se subdivide em qualidade segurança (responsabilidade pelos fatos ou acidentes) e qualidade adequação (responsabilidade pelos vícios). O primeiro assunto é tratado no CDC nos artigos 12 ao 17 e o segundo nos artigos 18 ao 24. 3.1 Da responsabilidade por fato do produto ou serviço Tema recorrente nas provas de segunda fase de Direito Civil é a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. Também chamada de responsabilidade pelos acidentes de consumo (falha no dever de segurança), é aquela decorrente dos danos provocados por produtos ou serviços (aqueles que extrapolam o valor do próprio serviço ou produto). Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 23 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Art. 15. (Vetado). Art. 16. (Vetado). Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Conforme o parágrafo 1º do artigo 12, o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera. “O dano é pressuposto inafastável da responsabilidade civil. Não há que se falar em responsabilidade civil sem dano – o que pode qualificar-se como patrimonial ou moral” (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2014, p. 169). Os fornecedores responsáveis são aqueles mencionados no artigo. O comerciante só será responsabilizado (por fato do produto) nas hipóteses do artigo 13. A responsabilidade dos fornecedores é objetiva, exceto a dos profissionais liberais, conforme art. 14, §4º, que determina que quanto a estes a responsabilização se dará mediante a verificação de culpa. Sobre a responsabilidade por fato do produto, a seguinte questão do Exame de Ordem: Determinado consumidor, ao mastigar uma fatia de pão com geleia, encontrou um elemento rígido, o que lhe causou intenso desconforto e a quebra parcial de um dos dentes. Em razão do fato, ingressou com medida judicial em face do mercado que vendeu a geleia, a fim de ser reparado. No curso do processo, a perícia constatou que o elemento encontrado era uma pequena porção de açúcar cristalizado, não oferecendo risco à saúde do autor. Diante desta narrativa, assinale a afirmativa correta. Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 24 A) O fabricante e o fornecedor do serviço devem ser excluídos de responsabilidade, visto que o material não ofereceu qualquer risco à integridade física do consumidor, não merecendo reparação. B) O elemento rígido não característico do produto, ainda que não o tornasse impróprio para o consumo, violou padrões de segurança, já que houve dano comprovado pelo consumidor. C) A responsabilidade do fornecedor depende de apuração de culpa e, portanto, não tendo o comerciante agido de modo a causar voluntariamente o evento, não deve responder pelo resultado. D) O comerciante não deve ser condenado e sequer caberia qualquer medida contra o fabricante, posto que não há fato ou vício do produto, motivo pelo qual não deve ser responsabilizado pelo alegado defeito. Os artigos 12, 13 e 14 já foram objeto de questionamento em situações problemas na prova da segunda fase. Em relação à responsabilidade civil dos prestadores de serviço, importa ressaltar que é solidáriaentre todos os envolvidos na cadeia de fornecimento e que a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Já em relação à responsabilidade dos fornecedores de produto (artigos 12 e 13), o CDC imputa ao fabricante, independentemente de sua culpa, a responsabilidade pelo fato do produto defeituoso, e não ao fornecedor direto (comerciante). Segundo o artigo 13, o comerciante será igualmente responsável nas situações previstas em seus incisos: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Os doutrinadores divergem sobre a natureza da responsabilidade civil do comerciante, se solidária ou subsidiária. Diz-se subsidiária nas situações previstas nos inciso I e II, porque a responsabilidade do comerciante decorre da impossibilidade de identificação do fabricante (responsável original). Já nas situações do inciso III (alimentos perecíveis) mostra-se mais coerente entender pela solidariedade: Internamente, na cadeia de produção o CDC estipula, em seu art. 13, parágrafo único, a responsabilidade pelo ressarcimento do dano novamente ligada ao defeito do produto, mas desta vez responderá cada fornecedor na medida de sua “participação”, isto é, se o defeito pode ou não ser a ele imputado subjetivamente. Assim, se o defeito foi na fabricação do iogurte, no tipo de micro-organismo utilizado, o comerciante pode até ser responsabilizado pelos danos causados à saúde de seus clientes e suas famílias, pois está mais próximo e se presume que tenha falhado na conservação do produto perecível; mas, se o defeito do produto foi causado pelo fabricante, terá o comerciante direito de regresso. Se o defeito que deu origem ao Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 25 evento danoso foi causado totalmente pelo fabricante, terá direito de regresso integral. (MARQUES, 2016, p. 1434) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INGESTÃO DE PRODUTO IMPRÓPRIO PARA O CONSUMO. FATO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO COMERCIANTE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. SÚMULA Nº 54/STJ. 1. No que se refere à alegação da recorrente de que os danos suportados pelo autor da demanda seriam advindos de culpa exclusiva da vítima pelo evento danoso, rever o que decidido no recurso especial requer nova incursão fático-probatória, procedimento inviável, a teor da Súmula nº 7/STJ. 2. Consoante a jurisprudência desta Corte, a eventual configuração da culpa do comerciante de produto impróprio para o consumo não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da ingestão da mercadoria estragada em desfavor do seu fabricante. 3. Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso (Súmula nº 54/STJ). 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 265586 / SP, 25/09/2014). Sobre a solidariedade do art. 13, III, veja a conclusão de Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2017): O Código, assim, traz dois tipos de solidariedade legal: uma para os cocausadores do dano e outra em que nem todos os coobrigados são causadores (diretos) do dano. É nesta última hipótese que se encaixa a responsabilização do fabricante, apesar do verdadeiro causador (direto) do prejuízo ser o comerciante que, v.g., deixou de conservar adequadamente o produto (art. 13, III). Para aqueles casos em que os coobrigados são todos cocausadores do dano, o Código tem norma geral, já no limiar do seu texto, que impõe o princípio da solidariedade ex lege. Segundo o art. 7.º, parágrafo único, “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”, tratamento este que é repetido no art. 25, § 1.º. É interessante observar que este art. 7.º vai além do próprio Código, uma vez que cuida de “danos previstos nas normas de consumo” (grifos nossos). E, como se sabe, o Código não é o único repertório de normas de proteção ao consumidor. Há, ao seu lado, entre outras, a legislação sanitária, a de alimentos, a de medicamentos, todas traçando normas de consumo. Em relação às excludentes de responsabilidade civil (artigo 12, §3º e 14, §3) pacificou-se o entendimento de que se trata de inversão legal do ônus da prova. A Segunda Seção deste Tribunal, no julgamento do REsp 802.832/MG, rel. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 21/09/2011, pacificou a jurisprudência desta Corte no sentido de que em demanda Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 26 que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço (arts. 12 e 14 do CDC), a inversão do ônus da prova decorre da lei” (AgRg no AREsp 402.107/RJ, rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., 26.11.2013, DJe 09.12.2013). Ainda quanto à responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14) importa mencionar o dever de segurança inerente a prestação de alguns serviços. Em relação ao furto de veículos em shopping centers, supermercados e outros estabelecimentos que contam com estacionamento, a jurisprudência é hoje pacífica no sentido da existência do dever de cuidado, de segurança, e de vigilância (súmula 130 do STJ). Também objetiva é a responsabilidade civil das instituições financeiras por fraudes e delitos praticados por terceiros. Não cabe a alegação de caso fortuito pois o dever de segurança é inerente à atividade, o que configuraria fortuito interno. O entendimento de que atos fraudulentos não eximem o fornecedor de responsabilidade (não configura culpa exclusiva de terceiro) também é aplicado a outros fornecedores que não os de serviços bancários, como lojas e prestadoras de serviços de telefonia, por exemplo. Não apenas furtos em estacionamentos e fraudes geram responsabilidade objetiva da instituição financeira. O STJ tem decidido, especialmente a partir de 2013, que o banco responde objetivamente pelos danos sofridos por consumidores em decorrência de furtos e roubos dentro do estabelecimento bancário. O STJ tem reconhecido amplamente a responsabilidade objetiva dos bancos pelos assaltos ocorridos no interior de suas agências, em razão do risco inerente à atividade bancária. Além Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 27 disso, já se reconheceu, também, a responsabilidade da instituição financeira por assalto acontecido nas dependências de estacionamento oferecido aos seus clientes exatamente com o escopo de mais segurança. Não há, contudo, como responsabilizar a instituição financeira na hipótese em que o assalto tenha ocorrido fora das dependências da agência bancária, em via pública, sem que tenha havido qualquer falha na segurança interna da agência bancária que propiciasse a atuação dos criminosos após a efetivação do saque, tendo em vista a inexistência de vício na prestação de serviços por parte da instituição financeira. Além do mais, se o ilícito ocorre em via pública, é do Estado, e não da instituição financeira, o dever de garantir a segurança dos cidadãos e de evitar a atuação dos criminosos. Precedente citado: REsp 402.870-SP, DJ 14/2/2005. REsp1.284.962-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/12/2012. Conforme já mencionado, o artigo 17 (vítimas dos acidentes de consumo são consumidores por equiparação) foi objeto de questionamento no XVII EO. Sobre o mesmo tema, menciona Cláudia Lima Marques (2016, p. 1413) o interessante caso que ocorreu em Pernambuco, “em que o desabamento de prédio (acidente de consumo) abalou prédios vizinhos e as vítimas-vizinhos entraram com ações como “consumidoras”, com base no art. 17 do CDC”. No XXI EO (caso em que a vítima de 13 anos sofre danos em decorrência do superaquecimento de TV comprada por sua mãe), o padrão de resposta da peça profissional estabeleceu que “quanto ao primeiro ponto, deve- se sustentar a existência de relação de consumo entre a autora da ação, vítima de acidente de consumo, e a ré, fabricante do produto defeituoso que lhe causou dano moral e estético”. Nesse caso, a despeito de não ter participado, como parte, da relação contratual de compra e venda do produto, a autora é qualificada como consumidora, pois, nas hipóteses de responsabilidade pelo fato do produto, “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento” (Art. 17 do CDC).” A menor também se enquadra no conceito de consumidora em razão de ser a usuária do produto (art. 2º). Ainda sobre a insegurança dos produtos, muito antes da Resolução da Anvisa (RDC 26/2015) o dever de informação no rótulo já era reconhecido pela jurisprudência: “É fundamental assegurar os direitos de informação e segurança ao consumidor celíaco, que está adstrito à dieta isente de glúten, sob pena de graves riscos à sáude, o que, em última análise, tangencia a Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 28 garantia de uma vida digna (REsp 1479616/GO, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. 03.03.2015, DJe 16.04.2015).” Por fim, importa registrar a ainda polêmica reparação dos danos decorrentes da compra de alimentos contaminados. No informativo “Jurisprudência em Teses” o STJ menciona dois entendimentos divergentes em relação ao tema: 2) A simples aquisição do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de corpo estranho, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo, não revela o sofrimento capaz de ensejar indenização por danos morais. (Informativo de Jurisprudência n. 0553, publicado em 11 de fevereiro de 2015.) 3) A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. (Informativo de Jurisprudência n. 0537, publicado em 10 de abril de 2014.) Mais recentemente, conforme Informativo de Jurisprudência 616, de 2018, “o simples "levar à boca" do alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão”. Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 29 3.2 Da responsabilidade por vício do produto ou serviço A responsabilidade pelos vícios dos produtos ou serviços refere-se ao seu adequado funcionamento e a sua adequação aos fins aos quais se destinam. Nada mais natural e justo que os produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo tenham qualidade, atendam à sua finalidade própria e, consequentemente, às necessidades e expectativas dos consumidores. O Código de Defesa do Consumidor determina que, independentemente da garantia oferecida pelo fornecedor (garantia de fábrica), os produtos e serviços devem ser adequados aos fins a que se destinam, ou seja, devem funcionar bem, atender às legítimas expectativas do consumidor (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2014, p. 199). O caput do artigo esclarece a existência de quatro modalidades de vícios: a) aqueles que tornam o produto impróprio ao consumo; b) aqueles que tornam o produto inadequado ao consumo; c) aqueles que lhe diminuam o valor e d) aqueles em desconformidade com o que foi informado sobre eles. Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor. § 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial. § 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo. Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 30 § 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. § 6° São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. Percebe-se, assim, que o fornecedor, em regra, tem até 30 dias para sanar o vício do produto. Não terá este prazo, contudo, nas hipóteses do parágrafo 3º do art. 18, conforme questão (EO) que segue: Dulce, cinquenta e oito anos de idade, fumante há três décadas, foi diagnosticada como portadora de enfisema pulmonar. Trata-se de uma doença pulmonar obstrutiva crônica caracterizada pela dilatação excessiva dos alvéolos pulmonares, que causa a perda da capacidade respiratória e uma consequente oxigenação insuficiente. Em razão do avançado estágio da doença, foi prescrito como essencial o tratamento de suplementação de oxigênio. Para tanto, Joana, filha de Dulce, adquiriu para sua mãe um aparelho respiratório na loja Saúdee Bem-Estar. Porém, com uma semana de uso, o produto parou de funcionar. Joana procurou imediatamente a loja para substituição do aparelho, oportunidade na qual foi informada pela gerente que deveria aguardar o prazo legal de trinta dias para conserto do produto pelo fabricante. Com base no caso narrado, em relação ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assinale a afirmativa correta. A) Está correta a orientação da vendedora. Joana deverá aguardar o prazo legal de trinta dias para conserto e, caso não seja sanado o vício, exigir a substituição do produto, a devolução do dinheiro corrigido monetariamente ou o abatimento proporcional do preço. B) Joana não é consumidora destinatária final do produto, logo tem apenas direito ao conserto do produto durável no prazo de noventa dias, mas não à devolução da quantia paga. C) Joana não precisa aguardar o prazo legal de trinta dias para conserto, pois tem direito de exigir a substituição imediata do produto, em razão de sua essencialidade. D) Na impossibilidade de substituição do produto por outro da mesma espécie, Joana poderá optar por um modelo diverso, sem direito à restituição de eventual diferença de preço, e, se este for de valor maior, não será devida por Joana qualquer complementação. Assim, ao contrário do que normalmente o consumidor imagina, exceto nas situações do parágrafo 3º, o vício não lhe dará o direito à substituição imediata do produto. Conforme dispõe a parte final do caput e o parágrafo primeiro, o fornecedor tem o direito de sanar os vícios, substituindo as partes viciadas, no prazo de até 30 dias. Não sendo o vício sanado, poderá o Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 31 consumidor fazer uso das alternativas do parágrafo 1º. Neste sentido, a seguinte questão do Exame de Ordem: Ao instalar um novo aparelho de televisão no quarto de seu filho, o consumidor verifica que a tecla de volume do controle remoto não está funcionando bem. Em contato com a loja onde adquiriu o produto, é encaminhado à autorizada. O que esse consumidor pode exigir com base na lei, nesse momento, do comerciante? a) A imediata substituição do produto por outro novo. b) O dinheiro de volta. c) O conserto do produto no prazo máximo de 30 dias. d) Um produto idêntico emprestado enquanto durar o conserto. O art. 19 trata dos vícios de quantidade. Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - o abatimento proporcional do preço; II - complementação do peso ou medida; III - a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. § 1° Aplica-se a este artigo o disposto no § 4° do artigo anterior. § 2° O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais. O art. 20 trata dos vícios na prestação de serviços. Diferentemente do art. 18, ao fornecedor de serviços a lei não concedeu prazo para que o vício seja sanado. Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 32 do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor. Uma questão do Exame de Ordem mesclou os temas “vício na prestação de serviços” e “validade e forma do orçamento”. Hugo colidiu com seu veículo e necessitou de reparos na lataria e na pintura. Para tanto, procurou, por indicação de um amigo, os serviços da Oficina Mecânica M, oportunidade na qual lhe foi ofertado orçamento escrito, válido por15 (quinze) dias, com o valor da mão de obra e dos materiais a serem utilizados na realização do conserto do automóvel. Hugo, na certeza da boa indicação, contratou pela primeira vez com a Oficina. Considerando as regras do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assinale a afirmativa correta. A) Segundo a lei do consumidor, o orçamento tem prazo de validade obrigatório de 10 (dez) dias, contados do seu recebimento pelo consumidor Hugo. Logo, no caso, somente durante esse período a Oficina Mecânica M estará vinculada ao valor orçado. B) Uma vez aprovado o orçamento pelo consumidor, os contraentes estarão vinculados, sendo correto afirmar que Hugo não responderá por quaisquer ônus ou acréscimos no valor dos materiais orçados; contudo, ele poderá vir a responder pela necessidade de contratação de terceiros não previstos no orçamento prévio. C) Se o serviço de pintura contratado por Hugo apresentar vícios de qualidade, é correto afirmar que ele terá tríplice opção, à sua escolha, de exigir da oficina mecânica: a reexecução do serviço sem custo adicional; a devolução de eventual quantia já paga, corrigida monetariamente, ou o abatimento do preço de forma proporcional. D) A lei consumerista considera prática abusiva a execução de serviços sem a prévia elaboração de orçamento, o que pode ser feito por qualquer meio, oral ou escrito, exigindo se, para sua validade, o consentimento expresso ou tácito do consumidor. Ainda sobre vícios, O STJ, no Informativo de Jurisprudência 544/2014, registrou atese de que “é cabível indenização por dano moral quando o Curso preparatório 2ª Fase Civil Professora Veridiana Maria Rehbein 33 consumidor de veículo zero-quilômetro necessita retornar à concessionária por diversas vezes para reparo de defeitos apresentados no veículo”. E que “A constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da concessionária e do fabricante” (505/2012). 3.3 Da responsabilidade solidária Assim como no Código Civil, os coautores respondem solidariamente pelos danos. Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem
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