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FILOSOFIA POLÍTICA AULA 3 Prof. Antonio Charles Santiago Almeida 2 CONVERSA INICIAL Oi, seja bem-vindo(a) à terceira aula de Filosofia Política. Nosso objetivo, nesta aula, é trabalhar conceitos de política na História da Filosofia Moderna, especialmente os conceitos de contratualismo, de natureza política e condição política. Para tanto, vamos: Facilitar a compreensão do Estado a partir de sua transformação dentro da história. Tratar de autores que fazem, diretamente, oposição a concepção de homem naturalmente político, advinda de Aristóteles. Debater sobre a relação que existe entre a natureza política e a condição política, sobretudo, especialmente no que toca ao contratualismo moderno. Compreender, a partir de Kant, a noção de emancipação humana e política no sentido filosófico. O período considerado moderno é, justamente, um período de grandes transformações. É nesse momento que se tem a renovação no mundo das artes, da cultura, da religião, da economia e, também da política. Tem-se, nesse período, uma nova compreensão, sobretudo, de Estado, Estado Moderno. É muito comum a compreensão desse conceito a partir do espaço grego antigo, mas, como sabemos, a compreensão grega, no período antigo, estava muito mais ligada à cidade do que propriamente ao conceito de Estado. Desse modo, trataremos o conceito de Estado à luz de uma compreensão moderna, quer dizer, uma compreensão que será pautada em autores como Maquiavel, Hobbes e Rousseau e, por fim, uma compreensão do esclarecimento segundo Kant. No entorno dessa compreensão de política moderna, Skinner (2009) diz que a grande contribuição para a política moderna foi, justamente, a ressignificação para o conceito de virtude, pois desse conceito se pode não só pensar a política, mas a sua prática. E, de Maquiavel, se tem uma outra compreensão de virtude, quer dizer, esse autor ressignifica o conceito com a intenção de pensar a política como conflito, disputa. É desse modo que pretendemos trabalhar essa aula: compreender o debate em torno do Estado moderno à luz de alguns autores. 3 Nesse sentido, solicito de você, meu caro aluno, que perceba como que a concepção de política é modificada quando se compara o espaço grego antigo, já observado por nós, com o espaço moderno que esboçaremos aqui. CONTEXTUALIZANDO Há novas formas de se pensar a política a partir da concepção de modernidade, mais precisamente, do período moderno. O moderno é, de algum modo, uma drástica oposição ao período medieval. E pode, em algum momento, relacionar-se com o espaço grego antigo, sobretudo, com relação às artes. Mas, no que toca à política, a concepção é bastante divergente. Você já sabe, meu caro aluno, que no período medieval, a filosofia se valia como instrumento para validação da fé. Por isso, pode se dizer que a filosofia política dos gregos estava, de algum modo, presente no pensamento Patrístico e Escolástico – é claro que de forma subordinada, quer dizer, servindo de base para sustentação de um pensamento religioso e político. Se no período moderno se tem, no mundo da arte, um estreitamento com o mundo grego, já na política se tem um distanciamento, pois o que se discute nesse período é justamente uma compreensão de política dissociada do axioma aristotélico, o homem como animal político. Nesse sentido, a política é centrada no que se pode denominar de realismo político, da compreensão da política como um campo de disputa para o consenso e não como um campo natural de consenso. Perceba que a política será pensada como organização da vida pública, mas não de forma natural, pensada por Aristóteles, e sim como disputa para o asseguramento do consenso e, para além disso, a política será pensada com vistas aos contratos e somente esses poderão assegurar o Estado como ordenador da vida pública. Assim, sugiro a você que assista ao filme Mercador de Veneza e, posteriormente, redija um texto discutindo sobre o papel do Estado. Para tanto, foque no debate que é apresentado ao final do filme, o que compete ao Estado, ou seja, sua função do asseguramento contratual. Confira o trailer! https://www.youtube.com/watch?v=lvPaI0VLxeU TEMA 1 - CONCEPÇÕES DE ESTADO MODERNO Para Norberto Bobbio, na obra Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política (2012, p. 65), “é fora de discussão que a palavra Estado 4 se impôs através da difusão e pelo prestígio do Príncipe de Maquiavel”. Todavia, a discussão de Estado não é exclusiva de Maquiavel, pelo contrário, existem outros autores que fazem discussões em torno desse conceito. Poderíamos pensar, inclusive, em Lutero, pois este autor, na obra Autoridade secular, faz uma discussão muito parecida com a de Maquiavel. Basta observar a noção de dois reinos em Lutero para se perceber que existem um reino civil, ou seja, que precisa de administração secular, entendida como administração civil; e também um reino celeste, o governo de Deus. Nas palavras de Châtelet (2000, p. 42), na obra História das Ideias Políticas, “meu reino não é desse mundo: tomando a palavra de Cristo ao pé da letra, Lutero de certo modo deixa o campo livre para a onipotência do Estado no mundo terreno; confere-lhe o monopólio da decisão e da repressão”. Observe que existe um entendimento de que o Estado, em Lutero, tem função de organização da vida coletiva, e que, por isso, pode fazer uso da decisão e da repressão, isto é, o uso legitimo e legal da violência para a organização do espaço público. Todavia, como bem disse Norberto Bobbio, o prestígio de Maquiavel, na obra O Príncipe, faz com que esse autor seja reconhecido como o pai desse Estado Moderno. Entretanto, devemos admitir que a concepção de Estado, em Maquiavel, é justamente uma concepção de gestão, quer dizer, organização do espaço público, mas não no sentido natural, antes disso, no sentido político. Ainda de Acordo com Norberto Bobbio (2012, pg. 66), “certo, com o autor do Príncipe o termo Estado vai pouco a pouco substituindo, embora através de um longo percurso, os termos tradicionais com que fora designada até então a máxima organização de um grupo de indivíduos sobre um território em virtude de um poder de comando (...)”. Tem-se, meu caro aluno, nesta discussão, a identificação da mudança de perspectiva do conceito de Estado, justamente com Maquiavel. Desse modo, você pode perceber que o debate em torno dessa temática é espinhoso, pois se reconhece que outros autores trataram da temática, mas é, segundo Bobbio, com esse autor que se tem a substituição de perceptiva conceitual de Estado. Para clarificar o nosso entendimento, vale uma conceituação de Estado à luz de Norberto Bobbio (2012, p. 73): “O estado, entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da formação de comunidades mais 5 amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razões de sobrevivência interna (o sustento) e externa (a defesa).” Essa definição de Bobbio corresponde a um debate que se caracteriza como tese de que o Estado é contínuo e descontinuo, ou seja, existem historiadores que falam do Estado como continuidade, isto é, nasce na Grécia Antiga e se prolonga com melhoramento cotidiano e os que defendem que o Estado nasce na era moderna, tese que se caracteriza como Estado descontínuo, onde não há uma continuidade histórica, mas com data de nascimento na era moderna. A resposta é justamente o conceito de indivíduo,para os que defendem a tese de que o Estado nasce na era da modernidade e faz a defesa de que o mesmo é fruto de um período moderno e que acrescenta elementos que não estavam disponíveis para o mundo antigo, nas palavras de Bobbio (2012, p. 68), fazendo uma referência aos que defendem a tese de um Estado descontínuo, “o que é que o adjetivo moderno acrescenta ao significado já rico de Estado que já não esteja no substantivo que de fato os antigos não conhecem?”. Vamos pensar, nesse momento de transição do período medieval para o moderno, e perceber como o Estado se configura, do ponto de vista político. Shakespeare, na obra Ricardo II, para além da tragédia, faz um diagnóstico de que o Estado moderno não depende, como no passado, da legitimidade divina, pois ela não existe. Basta observar como as crenças de Ricardo II são ridicularizadas, onde as pedras tomariam partido a seu favor, pois o seu governo era legitimo, isto é, diz a peça, se os soldados abandonam o rei as pedras farão a defesa do rei, uma vez que o rei é uma extensão da vontade de Deus. Nessa peça, pode se perceber como Shakespeare apresenta o conceito de Estado, mais precisamente como o Estado é conquistado e como deve ser assegurado, a partir da ruptura com o pensamento religioso. E mesmo que a peça tenha caráter lírico, não se pode negar que a pessoa de Bolingbroke, quem usurpa o poder de Ricardo II, corresponde ao novo modo de se fazer política, o desligamento do mundo espiritual e a construção de um mundo material, isto é, o governo que se faz na urgência, uma interpretação do Estado como forma de independência das forças religiosas. Outro importante texto de Shakespeare é, sem dúvida, O Mercador de Veneza, onde tem-se o debate em torno do Estado, no sentido de 6 independência, sentido de impessoalidade e, acima de tudo, na configuração do que se entende por justiça a partir da formalização de um contrato, contrato público. Entenda o contrato denominado de público, firmado entre António e Shylock. E o judeu requisita do Estado que o contrato seja assegurado, isto é, executado. E a discussão de Shakespeare é, dentre outras coisas, articular uma discussão em torno do Estado como o administrador da justiça, da ordem e da vida pública. Por isso, o papel do Estado é, semelhante ao que pensa Maquiavel, gestão da vida pública. Não pretendemos ampliar a discussão em torno de valiosos autores que pensam, nesse Período Moderno, o que se denomina de Estado, mas sim chamar a sua atenção para um debate em torno da continuidade e da descontinuidade do Estado. Desse modo, sugerimos que, quando possível, faça uma leitura das peças de Shakespeare aqui apontadas, e, para além disso, observe, do ponto de vista político-filosófico, como a noção de Estado, enquanto organização da vida pública, é tematizado. Também, sugerimos que faça uma leitura de autores como Jean Bodin, quem, mesmo admirando Maquiavel, faz severas críticas ao florentino e teme a imoralidade política que, segundo ele, advém de O Príncipe. Não deixe de ler A Utopia, de Thomas More. Esse autor persegue o ideal platônico e faz uma crítica a sociedade da época e propõe um Estado ideal em contraposição aos poderes políticos de seu tempo. TEMA 2 - CRÍTICAS AO PENSAMENTO ARISTOTÉLICO – O ANIMAL POLÍTICO Já sabemos que o pensamento aristotélico, do ponto de vista da política, ultrapassou os limites de seu tempo e perdurou durante toda a Idade Média, sobretudo a compreensão do homem como animal político. Mas, no período que se denomina de moderno, é um momento de transição, de ruptura e de renovação dos discursos em torno das artes e também da compreensão da nova política. E no sentido político, sobretudo ao que corresponde às relações de poder entre os homens, tem-se, na pessoa de Maquiavel, novas formas não só de se observar a política, mas de se fazer política. E já dissemos que, com Maquiavel, o Estado, do ponto de vista do conceito e de sua função, ganha contornos. Basta dizer que, para Maquiavel, ética e política estão, na gestão do Estado, dissociados. 7 A sentença maquiaveliana pressupõe que, na atividade política, existem interesses e, por isso, o poder é alvo de disputa. Desse modo, não há relações de eticidade na briga pelo poder, mas, pelo contrário, deve haver relações de astúcia e força, uma vez que os homens tendem à maldade. Veja que, para esse autor, os homens sofrem muito mais com a perda da propriedade do que com a perda do pai, uma vez que o homem é prisioneiro da propriedade. Aconselho que você faça uma leitura cuidadosa desse texto e observe como Maquiavel esboça a política, isto é, constrói um caminho de entendimento de política como disputa. Maquiavel expressa o homem como ele é na sua natureza, e não como deve ou deveria ser segundo a proposta ideal de Aristóteles. Decerto que determinadas expressões contidas em O Príncipe causam reflexões das mais variadas, sobretudo, no sentido pejorativo e imoral. Não é sem razão que a expressão “maquiavélico” existe, ou seja, ultrapassou os limites de seu tempo e chegou aos dias de hoje no sentido pejorativo, imoral e indecente. Mas a questão aqui apresentada é no sentido de debater o conceito de animal político advindo da tradição aristotélica, pois, para Maquiavel, a natureza do homem não é política, uma vez que nem todos os homens tendem para política, mas somente os verdadeiros homens, ou ainda, os grandes homens. Alguns pontos devem ser observados com a leitura desse autor: a) A concepção de Estado. O que se tem é, justamente, um aconselhamento no sentido de gestão desse Estado; b) A dissociação da política com a ética, mas o entendimento de uma ética cristã, valorativa – por isso, segundo Maquiavel, não existe ética no jogo político. Mas, veja, a concepção de ética deve ser tomada, nesse contexto em que Maquiavel escreve no sentido cristão, correspondência com o perdão, com a benevolência e com o amor. A política é um jogo de poder e de disputa e que se o governante tiver que se valer dos instrumentos que dispõem para o asseguramento do poder, inclusive da violência, isso deve ser feito, assegura o autor de O Príncipe. 8 c) Há uma preocupação com a vida pública, isto é, Maquiavel não escreve para um sujeito que pensa a sua fortuna, mas, antes disso, escreve para um príncipe e pensa numa república, na coletividade, na vida pública. De posse dos pontos elencados é que se deve pensar que a expressão maquiavélica, no sentido pejorativo, não deve corresponder a Maquiavel no sentido político, pois esse autor não tinha a pretensão de promover a imoralidade política, mas, uma vez compreendendo o jogo político, fazer aconselhamento para o príncipe governar para o povo, para a ordenação da vida pública, mais precisamente para sua Itália. Outro autor de significância no que corresponde à crítica ao pensamento aristotélico é, sem dúvida, Thomas Hobbes. Este autor inglês faz uma leitura bastante negativa do pensamento aristotélico e chega a dizer que o homem não é de natureza política, pelo contrário, não gosta de política e só faz política por extrema necessidade e interesse pessoal. Hobbes chega a dizer que o homem é o lobo do próprio homem. Para os historiadores Reale e Antiseri (1990, p. 497), na obra História da Filosofia: “pois Hobbes contesta vivamente a proposição aristotélica e a comparação. Para ele, cada homem é profundamente diferente dos outros homens e, portanto, deles separado (é um átomo de egoísmo)”. O debate moderno, mais precisamente da sociedade moderna, no que toca a política, se faz na compreensãoda disputa, quer dizer, a política é pensada como disputa e, por isso, não há uma natureza política, desenhada por Aristóteles, não, os homens estão disputando e, por isso, a política está para a ciência, isto é, para os que sabem disputar e usam de inteligência para o asseguramento do poder e de seus interesses. Desse modo, a noção de animal político é, na sociedade moderna, superada, quer dizer, não faz sentido pensar a política a partir de uma relação de natureza, onde os homens estão amavelmente dispostos à realização, na coletividade de sua existência. No entendimento de Hobbes, faz-se premente a existência de um contrato forte, o Estado, para gestão das relações públicas, pois, do contrário, haverá barbárie, uma vez que os homens vão utilizar de artifícios e de belicosidade para satisfazer, na esfera pública, os interesses particulares. Assim, meu caro aluno, observe que os autores aqui apresentados fazem um bom debate em torno do conceito de animal político e articulam severas críticas ao pensamento aristotélico, do homem como animal político. A 9 compreensão, na sociedade moderna, engendra, no sentido de política, uma visão do que é a política, e não do que deve ser a política, e a compreensão dessa política, no sentido real é, para os autores Maquiavel e Hobbes, um jogo de interesses no sentido de sobrevivência da vida coletiva, bem como dos interesses pessoais no sentido de existência humana e da propriedade privada. TEMA 3 - NATUREZA POLÍTICA X CONDIÇÃO POLÍTICA Natureza política. Essa discussão, apresentada por Aristóteles é, de algum modo, bastante idealista e, por isso que, já apresentado anteriormente, sofre, no período moderno, críticas de autores como Maquiavel e Hobbes. Mas, a discussão em torno da natureza humana não deixou de acontecer na sociedade moderna, quer dizer, mesmo havendo críticas ao pensamento aristotélico à noção de natureza, no sentido de humanidade, ganhou força para se pensar a relação social e política. O próprio Hobbes, crítico de Aristóteles, havia dito que o homem tem uma natureza, não política, é claro, mas com inclinações para o egoísmo. Nas palavras de Hobbes (1973, p. 78), na obra O Leviatã, encontramos: “de modo que na natureza do homem encontramos três causais principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória”. Veja que, com a citação apresentada, podemos perceber que, para esse autor, existe sim uma natureza, mas que não é política, e que, por isso, deve ser conduzida, ou seja, deve ser domesticada. A natureza humana é pensada, no período moderno, como algo decisivo para a vida em sociedade. As pessoas têm uma natureza e, por isso, a natureza deve ser considerada quando se pensar a sociedade e sua função de ordenação da vida pública. Nesse caso especifico de Hobbes, a natureza deve ser controlada com o contrato e com a força de amparo ao contrato, a figura do Leviatã, o deus mortal. Na sequência do texto, Hobbes (1978, p. 79) faz a seguinte afirmação: “com isso se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama de guerra; e uma guerra que é de todos contra todos”. A natureza tem inclinações para a competição, guerra de todos contra todos, mas, com a combinação de um contrato, ordenado por todos, e assegurado por um deus mortal, pode se garantir uma vida social, pois o medo 10 faz com que os homens obedeçam ao contrato, uma vez que a vida, fora do contrato, é incerta, pois se encontra numa condição de guerra permanente. Pois bem, outro autor que trabalha com a concepção de natureza é o filósofo Rousseau, que faz oposição radical ao pensamento de Hobbes, pois, para este autor, ao contrário de Hobbes, a natureza não tem inclinações para a maldade, mas para o que é bom. Desse modo, tem-se, na pessoa de Rousseau, a natureza como aquela que pode redimir o homem de sua condição de maldade, pois não é de sua natureza que tende para a maldade, mas a sociedade é que faz do homem um sujeito mau. Essa expressão, dita dessa forma, parece contraditória, pois, veja, se o homem é bom e a sociedade é ruim e a mesma é fruto das mãos humanas, significa dizer que o homem não pode ser tão bom assim, pois, no entendimento do próprio Rousseau, o que é bom não pode gerar a maldade, uma leitura que advém, é claro de Platão. Mas a resposta é, para esse autor, simples, muito simples. Basta observar que a maldade não é intrínseca aos homens, ela nasce, dentre outras coisas, com a propriedade privada, nasce com a racionalidade e com o deslocamento entre homem e natureza. Aconselho que você faça uma leitura da obra Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades (entre os homens) – sobretudo dos primeiros livros dessa obra. Nela, existe um detalhamento dessa questão apresentada: a natureza do homem. http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/desigualdade.pdf De posse dessa primeira leitura, indico que faça a leitura da obra O Contrato Social, também desse autor. http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf Caso tenha disposição para fazer a leitura de toda a obra, tanto a primeira quanto a segunda, aqui apresentadas, será de grande importância para sua formação. Caso não possa, nesse momento, fazer a leitura do texto completo, recomendo que faça do primeiro livro de cada obra, pois com essa leitura você compreenderá o que estamos discutindo desse ponto, a defesa de uma natureza boa, mas que se corrompe com a descoberta da propriedade privada e do desligamento do homem de sua condição de natureza. 11 Observando o debate que até o momento foi efetivado, você deve perceber como, nesse período moderno, a discussão ficou limitada à questão da natureza, isto é, para construir ou reconstruir uma sociedade se fazia premente levar em consideração a natureza do homem, pois dela resulta as relações sociais e políticas. Independentemente se há concordância com o filósofo Hobbes ou com o filósofo Rousseau, a discussão centra na natureza e dela se deduz a sociedade. Se a sociedade é ruim, significa que, no entendimento hobbesiano, temos dois problemas: 1. Ou estamos num estado de natureza, onde os homens estão numa guerra de todos contra todos; 2. Ou não fomos suficientemente capazes de efetivar o contrato e estabelecer o nosso leviatã, o deus mortal. Já no entendimento de Rousseau, caso seja ruim a sociedade, temos por obrigação de efetivar um contrato social, que se reconfigura na dinâmica do cotidiano, onde os homens devem se esforçar e muito para o asseguramento da cidadania, isto é, ouvir o que há de mais natural em cada homem, sua condição de bondade. Não adentraremos nessa questão, mas faça você uma leitura desse contrato social de Rousseau e perceba como que esse autor estabelece a questão aqui apresentada. Bom, de posse dessa ligeira apresentação, compete perguntar: o problema da maldade é de natureza ou de condição? O homem tem uma natureza com inclinações para a maldade/bondade, ou tem uma condição que lhe impulsiona para essa maldade/bondade? Fácil de resolver o problema da sociedade, caso se queira acreditar numa natureza humana, pois, dessa afirmação se conclui uma série de coisas, das quais se podem inferir: se a sociedade está ruim, é culpa da natureza humana, que traz consigo a maldade e, por isso, não há como evitar a barbárie. Mas, caso seja pensado uma condição, condição que se constitui no cotidiano com educação, com formação humana, conscientização política, ou anegação de tudo isso se pode chegar a um debate mais apurado, quer dizer, compreender que o problema político não se reduz a uma natureza humana, mas a uma condição humana que é, no cotidiano, construída. 12 TEMA 4 - EMANCIPAÇÃO E POLÍTICA EM KANT Emanuel Kant, pensador alemão, faz um diagnóstico de política quando, dentre outros textos, propõe-se a discutir o que é o esclarecimento. Mas, para que o homem possa fazer uso desse conceito de esclarecimento, no sentido kantiano, é preciso compreender o caminho percorrido por este autor, isto é, fazer uso dos conceitos tipológicos de homem que se encontra nesse texto Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento? Kant, no texto citado, fala de duas categorias de homem, homem-menor e homem-maior. O homem-menor é justamente o que não consegue fazer uso dessa condição de esclarecimento e, por isso, vive tutelado por alguém. Já o homem-maior, é o que consegue fazer uso dessa condição de racionalidade, o esclarecimento. Por esclarecimento Kant (2005, p. 63) faz a seguinte observação: esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento. Veja que, para Kant, existe uma menoridade, mas esta é uma condição, e não uma natureza, quer dizer, para esse autor, não existe uma natureza política, mas uma condição política e que essa condição é de escolha, ele, o homem escolhe se quer ser um homem-menor ou se quer ser um homem-maior. Desse modo, pode se perceber que, segundo Kant, existe uma cultura que determina a condição desse homem, ou seja, uma circunstância política. Desse modo, pode se perceber que existe uma tipologia de homem que se define a partir de suas escolhas. E quando, na citação apresentada, o autor fala de uma falta de coragem, ele quer, justamente, chamar a tenção para a circunstância, o lugar em que o sujeito se encontra e como esse sujeito se locomove nesse lugar. Por isso, diz Kant, “tenha coragem de fazer uso de seu próprio entendimento”. Meu caro aluno, perceba como esse autor rompe drasticamente com a perspectiva de natureza política e como o mesmo propõe uma alternativa de política a partir da condição, a condição de fazer uso desse esclarecimento, que representa a maturidade política, para além disso, a capacidade de não só compreender a realidade, mas de transformá-la. 13 Devemos observar que, para esse autor, a condição não pressupõe formação, mas escolha, ou seja, não se trata de saber se o sujeito pode ou não fazer uso desse entendimento, mas se ele tem ou não coragem de fazer uso, uma vez que a questão é pensada pelo prisma da vontade, vontade política. Nas palavras de Kant (2005, p. 64), “a preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazem se em permanecer por toda sua vida menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor”. Pensemos nesse texto como uma provocação política, pois o autor parte do princípio de que os homens já têm consciência de sua maioridade, mais ainda assim aspiram a menoridade, quer dizer, querem o estado de menoridade, pois neste não há desafio, não há singularidade, não há risco de autenticidade, pois a menoridade tem seus tutores e, por isso, nas palavras de Kant, “Assim, são poucos os que conseguiram, pelo exercitar de seu próprio espírito, libertar-se dessa minoridade tendo ao mesmo tempo um andar seguro”. Para Kant, no texto aqui observado, existe a possibilidade de emancipação dos homens, pois a condição de menoridade não é de natureza, mas o filósofo alerta que essa é uma tarefa difícil, uma vez que a condição de menoridade é bastante agradável e acomoda os espíritos de seu tempo. Mas, diz o autor, a maioridade é condição de salvamento da humanidade. Essa expressão kantiana é retomada por autores como Ortega y Gasset, Theodor Adorno e outros pensadores. Decerto que esse texto, ainda que curto, serve de base para grandes debates. Basta dizer que, dele, Ortega y Gasset escreve sobre a tipologia de homem que se denomina de homem-massa e de homem-minoria. Também, Theodor Adorno, juntamente com Max Horkheimer, escrevem uma obra que se intitula Dialética do Esclarecimento, para, dentre outras coisas, refletir sobre o caráter negativo do esclarecimento. Mas não adentraremos nesse debate, apenas sugerimos que, quando possível, faça uma leitura dos conceitos de homem-massa e homem-minoria de Ortega y Gasset, apresentados na obra A Rebelião das Massas. E que, podendo, faça uma leitura da obra Dialética do Esclarecimento para observar o que se considera positivo e o que se considera negativo em torno do que se denomina de esclarecimento. 14 A discussão em torno desse tópico, emancipação política, no pensamento de Kant, serve para pensarmos como a razão, usada no sentido público, pode nos ajudar a garantir a emancipação política, pois o propósito do texto é, dentre outras coisas, falar da emancipação política, quer dizer, com o advento do iluminismo pode se pensar que o homem pode assumir sua condição de maioridade e disso libertar-se das tutorias. E mais, aventar para uma sociedade esclarecida. Assim, emancipação corresponde à condição política do sujeito que não aceita a condução de sua vida, vida política, por tutores, mas, que, pelo contrário, uma vez fazendo uso desse direito, maioridade, faz uso da razão e conduz o seu próprio destino, pois, nas palavras de Kant (2005, p. 65) “Esse Esclarecimento não exige todavia nada mais do que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de todas as liberdades, isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios”. SÍNTESE Chegamos ao final de mais uma aula. Fizemos um passeio em torno da história moderna e localizamos alguns debates como o nascimento do Estado, a defesa de contratos políticos, a relação entre natureza e condição política e, por fim, tratamos do conceito de emancipação, ainda que sumariamente. Podemos destacar outros elementos nesse período que se denomina de Período Moderno, pois é um período bastante longo e também muito rico, seja do ponto de vista da arte, seja da pintura, seja da filosofia, enfim, seja da política. Mas, priorizamos tais temáticas e alguns dos autores para pensarmos com você um debate político-filosófico. Desse modo, aconselhamos que observe a indicação de leitura aqui apresentada, como também a indicação de filmes como O Mercador de Veneza. Sugiro, para compreensão dos conceitos de homem-massa e homem-minoria, que leia a dissertação de mestrado que se intitula Conceitos políticos, de Ortega y Gasset, que se encontra indicada na bibliografia. Até a próxima aula! 15 REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1996. ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Conceito de Iluminismo. São Paulo: Nova Cultural, 1975. ALMEIDA, Antonio C. S. Os conceitos Políticos em Ortega y Gasset. 108 f. Dissertação (mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. 2009. ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2002. BOBBIO, Norberto. Estado, Governoe Sociedade: Para uma Teoria Geral da Política, São Paulo: Paz e Terra, 2012. CHÂTELET, François. História das Ideias Políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. HOBBES, Thomas. O leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1973. RIBEIRO, Renato J. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra seu tempo. São Paulo: UFMG, 1999. KANT, Immanuel Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento? In: Textos Seletos. Petrópolis: Vozes, 2005. MAQUIAVEL. Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio: “discorsi”. Brasília: UnB, 2000. MAQUIAVEL, O Príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1978. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Vol. 2. São Paulo: Paulus, 1990. ROUSSEAU, Jean-Jaques. Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens. Nova Cultural, 1978. ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. São Paulo: Nova Cultural, 1978. SKINNER, Quentin. As fundações do Pensamento Moderno. São Paulo: Companhia das letras, 2009.
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