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3 HISTÓRIAS MODERNAS NOVAS FORMAS DE SE PENSAR A POLÍTICA

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FILOSOFIA POLÍTICA 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Antonio Charles Santiago Almeida 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Oi, seja bem-vindo(a) à terceira aula de Filosofia Política. Nosso objetivo, 
nesta aula, é trabalhar conceitos de política na História da Filosofia Moderna, 
especialmente os conceitos de contratualismo, de natureza política e condição 
política. Para tanto, vamos: 
 Facilitar a compreensão do Estado a partir de sua transformação 
dentro da história. 
 Tratar de autores que fazem, diretamente, oposição a concepção de 
homem naturalmente político, advinda de Aristóteles. 
 Debater sobre a relação que existe entre a natureza política e a 
condição política, sobretudo, especialmente no que toca ao 
contratualismo moderno. 
 Compreender, a partir de Kant, a noção de emancipação humana e 
política no sentido filosófico. 
 
O período considerado moderno é, justamente, um período de grandes 
transformações. É nesse momento que se tem a renovação no mundo das artes, 
da cultura, da religião, da economia e, também da política. Tem-se, nesse 
período, uma nova compreensão, sobretudo, de Estado, Estado Moderno. 
É muito comum a compreensão desse conceito a partir do espaço grego 
antigo, mas, como sabemos, a compreensão grega, no período antigo, estava 
muito mais ligada à cidade do que propriamente ao conceito de Estado. Desse 
modo, trataremos o conceito de Estado à luz de uma compreensão moderna, 
quer dizer, uma compreensão que será pautada em autores como Maquiavel, 
Hobbes e Rousseau e, por fim, uma compreensão do esclarecimento segundo 
Kant. 
No entorno dessa compreensão de política moderna, Skinner (2009) diz 
que a grande contribuição para a política moderna foi, justamente, a 
ressignificação para o conceito de virtude, pois desse conceito se pode não só 
pensar a política, mas a sua prática. E, de Maquiavel, se tem uma outra 
compreensão de virtude, quer dizer, esse autor ressignifica o conceito com a 
intenção de pensar a política como conflito, disputa. É desse modo que 
pretendemos trabalhar essa aula: compreender o debate em torno do Estado 
moderno à luz de alguns autores. 
 
 
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Nesse sentido, solicito de você, meu caro aluno, que perceba como que 
a concepção de política é modificada quando se compara o espaço grego antigo, 
já observado por nós, com o espaço moderno que esboçaremos aqui. 
 
CONTEXTUALIZANDO 
Há novas formas de se pensar a política a partir da concepção de 
modernidade, mais precisamente, do período moderno. O moderno é, de algum 
modo, uma drástica oposição ao período medieval. E pode, em algum momento, 
relacionar-se com o espaço grego antigo, sobretudo, com relação às artes. Mas, 
no que toca à política, a concepção é bastante divergente. 
Você já sabe, meu caro aluno, que no período medieval, a filosofia se valia 
como instrumento para validação da fé. Por isso, pode se dizer que a filosofia 
política dos gregos estava, de algum modo, presente no pensamento Patrístico 
e Escolástico – é claro que de forma subordinada, quer dizer, servindo de base 
para sustentação de um pensamento religioso e político. 
Se no período moderno se tem, no mundo da arte, um estreitamento com 
o mundo grego, já na política se tem um distanciamento, pois o que se discute 
nesse período é justamente uma compreensão de política dissociada do axioma 
aristotélico, o homem como animal político. 
Nesse sentido, a política é centrada no que se pode denominar de 
realismo político, da compreensão da política como um campo de disputa para 
o consenso e não como um campo natural de consenso. Perceba que a política 
será pensada como organização da vida pública, mas não de forma natural, 
pensada por Aristóteles, e sim como disputa para o asseguramento do consenso 
e, para além disso, a política será pensada com vistas aos contratos e somente 
esses poderão assegurar o Estado como ordenador da vida pública. 
Assim, sugiro a você que assista ao filme Mercador de Veneza e, 
posteriormente, redija um texto discutindo sobre o papel do Estado. Para tanto, 
foque no debate que é apresentado ao final do filme, o que compete ao Estado, 
ou seja, sua função do asseguramento contratual. Confira o trailer! 
https://www.youtube.com/watch?v=lvPaI0VLxeU 
 
TEMA 1 - CONCEPÇÕES DE ESTADO MODERNO 
Para Norberto Bobbio, na obra Estado, Governo e Sociedade: para uma 
teoria geral da política (2012, p. 65), “é fora de discussão que a palavra Estado 
 
 
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se impôs através da difusão e pelo prestígio do Príncipe de Maquiavel”. Todavia, 
a discussão de Estado não é exclusiva de Maquiavel, pelo contrário, existem 
outros autores que fazem discussões em torno desse conceito. Poderíamos 
pensar, inclusive, em Lutero, pois este autor, na obra Autoridade secular, faz 
uma discussão muito parecida com a de Maquiavel. Basta observar a noção de 
dois reinos em Lutero para se perceber que existem um reino civil, ou seja, que 
precisa de administração secular, entendida como administração civil; e também 
um reino celeste, o governo de Deus. 
Nas palavras de Châtelet (2000, p. 42), na obra História das Ideias 
Políticas, “meu reino não é desse mundo: tomando a palavra de Cristo ao pé da 
letra, Lutero de certo modo deixa o campo livre para a onipotência do Estado no 
mundo terreno; confere-lhe o monopólio da decisão e da repressão”. Observe 
que existe um entendimento de que o Estado, em Lutero, tem função de 
organização da vida coletiva, e que, por isso, pode fazer uso da decisão e da 
repressão, isto é, o uso legitimo e legal da violência para a organização do 
espaço público. Todavia, como bem disse Norberto Bobbio, o prestígio de 
Maquiavel, na obra O Príncipe, faz com que esse autor seja reconhecido como 
o pai desse Estado Moderno. 
Entretanto, devemos admitir que a concepção de Estado, em Maquiavel, 
é justamente uma concepção de gestão, quer dizer, organização do espaço 
público, mas não no sentido natural, antes disso, no sentido político. Ainda de 
Acordo com Norberto Bobbio (2012, pg. 66), “certo, com o autor do Príncipe o 
termo Estado vai pouco a pouco substituindo, embora através de um longo 
percurso, os termos tradicionais com que fora designada até então a máxima 
organização de um grupo de indivíduos sobre um território em virtude de um 
poder de comando (...)”. 
Tem-se, meu caro aluno, nesta discussão, a identificação da mudança de 
perspectiva do conceito de Estado, justamente com Maquiavel. Desse modo, 
você pode perceber que o debate em torno dessa temática é espinhoso, pois se 
reconhece que outros autores trataram da temática, mas é, segundo Bobbio, 
com esse autor que se tem a substituição de perceptiva conceitual de Estado. 
Para clarificar o nosso entendimento, vale uma conceituação de Estado à 
luz de Norberto Bobbio (2012, p. 73): “O estado, entendido como ordenamento 
político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva 
fundada sobre os laços de parentesco e da formação de comunidades mais 
 
 
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amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razões de 
sobrevivência interna (o sustento) e externa (a defesa).” 
Essa definição de Bobbio corresponde a um debate que se caracteriza 
como tese de que o Estado é contínuo e descontinuo, ou seja, existem 
historiadores que falam do Estado como continuidade, isto é, nasce na Grécia 
Antiga e se prolonga com melhoramento cotidiano e os que defendem que o 
Estado nasce na era moderna, tese que se caracteriza como Estado 
descontínuo, onde não há uma continuidade histórica, mas com data de 
nascimento na era moderna. 
A resposta é justamente o conceito de indivíduo,para os que defendem a 
tese de que o Estado nasce na era da modernidade e faz a defesa de que o 
mesmo é fruto de um período moderno e que acrescenta elementos que não 
estavam disponíveis para o mundo antigo, nas palavras de Bobbio (2012, p. 68), 
fazendo uma referência aos que defendem a tese de um Estado descontínuo, “o 
que é que o adjetivo moderno acrescenta ao significado já rico de Estado que já 
não esteja no substantivo que de fato os antigos não conhecem?”. 
Vamos pensar, nesse momento de transição do período medieval para o 
moderno, e perceber como o Estado se configura, do ponto de vista político. 
Shakespeare, na obra Ricardo II, para além da tragédia, faz um diagnóstico de 
que o Estado moderno não depende, como no passado, da legitimidade divina, 
pois ela não existe. 
Basta observar como as crenças de Ricardo II são ridicularizadas, onde 
as pedras tomariam partido a seu favor, pois o seu governo era legitimo, isto é, 
diz a peça, se os soldados abandonam o rei as pedras farão a defesa do rei, uma 
vez que o rei é uma extensão da vontade de Deus. Nessa peça, pode se 
perceber como Shakespeare apresenta o conceito de Estado, mais 
precisamente como o Estado é conquistado e como deve ser assegurado, a 
partir da ruptura com o pensamento religioso. E mesmo que a peça tenha caráter 
lírico, não se pode negar que a pessoa de Bolingbroke, quem usurpa o poder de 
Ricardo II, corresponde ao novo modo de se fazer política, o desligamento do 
mundo espiritual e a construção de um mundo material, isto é, o governo que se 
faz na urgência, uma interpretação do Estado como forma de independência das 
forças religiosas. 
Outro importante texto de Shakespeare é, sem dúvida, O Mercador de 
Veneza, onde tem-se o debate em torno do Estado, no sentido de 
 
 
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independência, sentido de impessoalidade e, acima de tudo, na configuração do 
que se entende por justiça a partir da formalização de um contrato, contrato 
público. Entenda o contrato denominado de público, firmado entre António e 
Shylock. E o judeu requisita do Estado que o contrato seja assegurado, isto é, 
executado. 
E a discussão de Shakespeare é, dentre outras coisas, articular uma 
discussão em torno do Estado como o administrador da justiça, da ordem e da 
vida pública. Por isso, o papel do Estado é, semelhante ao que pensa Maquiavel, 
gestão da vida pública. Não pretendemos ampliar a discussão em torno de 
valiosos autores que pensam, nesse Período Moderno, o que se denomina de 
Estado, mas sim chamar a sua atenção para um debate em torno da 
continuidade e da descontinuidade do Estado. 
Desse modo, sugerimos que, quando possível, faça uma leitura das peças 
de Shakespeare aqui apontadas, e, para além disso, observe, do ponto de vista 
político-filosófico, como a noção de Estado, enquanto organização da vida 
pública, é tematizado. 
Também, sugerimos que faça uma leitura de autores como Jean Bodin, 
quem, mesmo admirando Maquiavel, faz severas críticas ao florentino e teme a 
imoralidade política que, segundo ele, advém de O Príncipe. Não deixe de ler A 
Utopia, de Thomas More. Esse autor persegue o ideal platônico e faz uma crítica 
a sociedade da época e propõe um Estado ideal em contraposição aos poderes 
políticos de seu tempo. 
 
TEMA 2 - CRÍTICAS AO PENSAMENTO ARISTOTÉLICO – O ANIMAL POLÍTICO 
Já sabemos que o pensamento aristotélico, do ponto de vista da política, 
ultrapassou os limites de seu tempo e perdurou durante toda a Idade Média, 
sobretudo a compreensão do homem como animal político. Mas, no período que 
se denomina de moderno, é um momento de transição, de ruptura e de 
renovação dos discursos em torno das artes e também da compreensão da nova 
política. E no sentido político, sobretudo ao que corresponde às relações de 
poder entre os homens, tem-se, na pessoa de Maquiavel, novas formas não só 
de se observar a política, mas de se fazer política. 
E já dissemos que, com Maquiavel, o Estado, do ponto de vista do 
conceito e de sua função, ganha contornos. Basta dizer que, para Maquiavel, 
ética e política estão, na gestão do Estado, dissociados. 
 
 
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A sentença maquiaveliana pressupõe que, na atividade política, existem 
interesses e, por isso, o poder é alvo de disputa. Desse modo, não há relações 
de eticidade na briga pelo poder, mas, pelo contrário, deve haver relações de 
astúcia e força, uma vez que os homens tendem à maldade. 
Veja que, para esse autor, os homens sofrem muito mais com a perda da 
propriedade do que com a perda do pai, uma vez que o homem é prisioneiro da 
propriedade. 
Aconselho que você faça uma leitura cuidadosa desse texto e observe 
como Maquiavel esboça a política, isto é, constrói um caminho de entendimento 
de política como disputa. Maquiavel expressa o homem como ele é na sua 
natureza, e não como deve ou deveria ser segundo a proposta ideal de 
Aristóteles. 
Decerto que determinadas expressões contidas em O Príncipe causam 
reflexões das mais variadas, sobretudo, no sentido pejorativo e imoral. Não é 
sem razão que a expressão “maquiavélico” existe, ou seja, ultrapassou os limites 
de seu tempo e chegou aos dias de hoje no sentido pejorativo, imoral e 
indecente. Mas a questão aqui apresentada é no sentido de debater o conceito 
de animal político advindo da tradição aristotélica, pois, para Maquiavel, a 
natureza do homem não é política, uma vez que nem todos os homens tendem 
para política, mas somente os verdadeiros homens, ou ainda, os grandes 
homens. 
Alguns pontos devem ser observados com a leitura desse autor: 
a) A concepção de Estado. O que se tem é, justamente, um 
aconselhamento no sentido de gestão desse Estado; 
b) A dissociação da política com a ética, mas o entendimento de uma ética 
cristã, valorativa – por isso, segundo Maquiavel, não existe ética no jogo político. 
Mas, veja, a concepção de ética deve ser tomada, nesse contexto em que 
Maquiavel escreve no sentido cristão, correspondência com o perdão, com a 
benevolência e com o amor. 
 
A política é um jogo de poder e de disputa e que se o governante tiver que 
se valer dos instrumentos que dispõem para o asseguramento do poder, 
inclusive da violência, isso deve ser feito, assegura o autor de O Príncipe. 
 
 
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c) Há uma preocupação com a vida pública, isto é, Maquiavel não escreve 
para um sujeito que pensa a sua fortuna, mas, antes disso, escreve para um 
príncipe e pensa numa república, na coletividade, na vida pública. 
De posse dos pontos elencados é que se deve pensar que a expressão 
maquiavélica, no sentido pejorativo, não deve corresponder a Maquiavel no 
sentido político, pois esse autor não tinha a pretensão de promover a imoralidade 
política, mas, uma vez compreendendo o jogo político, fazer aconselhamento 
para o príncipe governar para o povo, para a ordenação da vida pública, mais 
precisamente para sua Itália. 
Outro autor de significância no que corresponde à crítica ao pensamento 
aristotélico é, sem dúvida, Thomas Hobbes. Este autor inglês faz uma leitura 
bastante negativa do pensamento aristotélico e chega a dizer que o homem não 
é de natureza política, pelo contrário, não gosta de política e só faz política por 
extrema necessidade e interesse pessoal. Hobbes chega a dizer que o homem 
é o lobo do próprio homem. Para os historiadores Reale e Antiseri (1990, p. 497), 
na obra História da Filosofia: “pois Hobbes contesta vivamente a proposição 
aristotélica e a comparação. Para ele, cada homem é profundamente diferente 
dos outros homens e, portanto, deles separado (é um átomo de egoísmo)”. 
O debate moderno, mais precisamente da sociedade moderna, no que 
toca a política, se faz na compreensãoda disputa, quer dizer, a política é 
pensada como disputa e, por isso, não há uma natureza política, desenhada por 
Aristóteles, não, os homens estão disputando e, por isso, a política está para a 
ciência, isto é, para os que sabem disputar e usam de inteligência para o 
asseguramento do poder e de seus interesses. 
Desse modo, a noção de animal político é, na sociedade moderna, 
superada, quer dizer, não faz sentido pensar a política a partir de uma relação 
de natureza, onde os homens estão amavelmente dispostos à realização, na 
coletividade de sua existência. No entendimento de Hobbes, faz-se premente a 
existência de um contrato forte, o Estado, para gestão das relações públicas, 
pois, do contrário, haverá barbárie, uma vez que os homens vão utilizar de 
artifícios e de belicosidade para satisfazer, na esfera pública, os interesses 
particulares. 
Assim, meu caro aluno, observe que os autores aqui apresentados fazem 
um bom debate em torno do conceito de animal político e articulam severas 
críticas ao pensamento aristotélico, do homem como animal político. A 
 
 
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compreensão, na sociedade moderna, engendra, no sentido de política, uma 
visão do que é a política, e não do que deve ser a política, e a compreensão 
dessa política, no sentido real é, para os autores Maquiavel e Hobbes, um jogo 
de interesses no sentido de sobrevivência da vida coletiva, bem como dos 
interesses pessoais no sentido de existência humana e da propriedade privada. 
 
TEMA 3 - NATUREZA POLÍTICA X CONDIÇÃO POLÍTICA 
Natureza política. Essa discussão, apresentada por Aristóteles é, de 
algum modo, bastante idealista e, por isso que, já apresentado anteriormente, 
sofre, no período moderno, críticas de autores como Maquiavel e Hobbes. 
Mas, a discussão em torno da natureza humana não deixou de acontecer 
na sociedade moderna, quer dizer, mesmo havendo críticas ao pensamento 
aristotélico à noção de natureza, no sentido de humanidade, ganhou força para 
se pensar a relação social e política. O próprio Hobbes, crítico de Aristóteles, 
havia dito que o homem tem uma natureza, não política, é claro, mas com 
inclinações para o egoísmo. Nas palavras de Hobbes (1973, p. 78), na obra O 
Leviatã, encontramos: “de modo que na natureza do homem encontramos três 
causais principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a 
desconfiança; e terceiro, a glória”. 
Veja que, com a citação apresentada, podemos perceber que, para esse 
autor, existe sim uma natureza, mas que não é política, e que, por isso, deve ser 
conduzida, ou seja, deve ser domesticada. A natureza humana é pensada, no 
período moderno, como algo decisivo para a vida em sociedade. As pessoas têm 
uma natureza e, por isso, a natureza deve ser considerada quando se pensar a 
sociedade e sua função de ordenação da vida pública. Nesse caso especifico de 
Hobbes, a natureza deve ser controlada com o contrato e com a força de amparo 
ao contrato, a figura do Leviatã, o deus mortal. 
Na sequência do texto, Hobbes (1978, p. 79) faz a seguinte afirmação: 
“com isso se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem 
sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se 
encontram naquela condição a que se chama de guerra; e uma guerra que é de 
todos contra todos”. A natureza tem inclinações para a competição, guerra de 
todos contra todos, mas, com a combinação de um contrato, ordenado por todos, 
e assegurado por um deus mortal, pode se garantir uma vida social, pois o medo 
 
 
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faz com que os homens obedeçam ao contrato, uma vez que a vida, fora do 
contrato, é incerta, pois se encontra numa condição de guerra permanente. 
Pois bem, outro autor que trabalha com a concepção de natureza é o 
filósofo Rousseau, que faz oposição radical ao pensamento de Hobbes, pois, 
para este autor, ao contrário de Hobbes, a natureza não tem inclinações para a 
maldade, mas para o que é bom. 
Desse modo, tem-se, na pessoa de Rousseau, a natureza como aquela 
que pode redimir o homem de sua condição de maldade, pois não é de sua 
natureza que tende para a maldade, mas a sociedade é que faz do homem um 
sujeito mau. 
Essa expressão, dita dessa forma, parece contraditória, pois, veja, se o 
homem é bom e a sociedade é ruim e a mesma é fruto das mãos humanas, 
significa dizer que o homem não pode ser tão bom assim, pois, no entendimento 
do próprio Rousseau, o que é bom não pode gerar a maldade, uma leitura que 
advém, é claro de Platão. Mas a resposta é, para esse autor, simples, muito 
simples. Basta observar que a maldade não é intrínseca aos homens, ela nasce, 
dentre outras coisas, com a propriedade privada, nasce com a racionalidade e 
com o deslocamento entre homem e natureza. 
Aconselho que você faça uma leitura da obra Discurso sobre a origem 
e os fundamentos das desigualdades (entre os homens) – sobretudo dos 
primeiros livros dessa obra. Nela, existe um detalhamento dessa questão 
apresentada: a natureza do homem. 
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/desigualdade.pdf 
De posse dessa primeira leitura, indico que faça a leitura da obra O 
Contrato Social, também desse autor. 
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf 
 
Caso tenha disposição para fazer a leitura de toda a obra, tanto a primeira 
quanto a segunda, aqui apresentadas, será de grande importância para sua 
formação. Caso não possa, nesse momento, fazer a leitura do texto completo, 
recomendo que faça do primeiro livro de cada obra, pois com essa leitura você 
compreenderá o que estamos discutindo desse ponto, a defesa de uma natureza 
boa, mas que se corrompe com a descoberta da propriedade privada e do 
desligamento do homem de sua condição de natureza. 
 
 
 
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Observando o debate que até o momento foi efetivado, você deve 
perceber como, nesse período moderno, a discussão ficou limitada à questão da 
natureza, isto é, para construir ou reconstruir uma sociedade se fazia premente 
levar em consideração a natureza do homem, pois dela resulta as relações 
sociais e políticas. 
Independentemente se há concordância com o filósofo Hobbes ou com o 
filósofo Rousseau, a discussão centra na natureza e dela se deduz a sociedade. 
Se a sociedade é ruim, significa que, no entendimento hobbesiano, temos dois 
problemas: 
1. Ou estamos num estado de natureza, onde os homens estão 
numa guerra de todos contra todos; 
2. Ou não fomos suficientemente capazes de efetivar o 
contrato e estabelecer o nosso leviatã, o deus mortal. 
 
Já no entendimento de Rousseau, caso seja ruim a sociedade, temos por 
obrigação de efetivar um contrato social, que se reconfigura na dinâmica do 
cotidiano, onde os homens devem se esforçar e muito para o asseguramento da 
cidadania, isto é, ouvir o que há de mais natural em cada homem, sua condição 
de bondade. Não adentraremos nessa questão, mas faça você uma leitura desse 
contrato social de Rousseau e perceba como que esse autor estabelece a 
questão aqui apresentada. 
Bom, de posse dessa ligeira apresentação, compete perguntar: o 
problema da maldade é de natureza ou de condição? O homem tem uma 
natureza com inclinações para a maldade/bondade, ou tem uma condição que 
lhe impulsiona para essa maldade/bondade? Fácil de resolver o problema da 
sociedade, caso se queira acreditar numa natureza humana, pois, dessa 
afirmação se conclui uma série de coisas, das quais se podem inferir: se a 
sociedade está ruim, é culpa da natureza humana, que traz consigo a maldade 
e, por isso, não há como evitar a barbárie. 
Mas, caso seja pensado uma condição, condição que se constitui no 
cotidiano com educação, com formação humana, conscientização política, ou anegação de tudo isso se pode chegar a um debate mais apurado, quer dizer, 
compreender que o problema político não se reduz a uma natureza humana, mas 
a uma condição humana que é, no cotidiano, construída. 
 
 
 
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TEMA 4 - EMANCIPAÇÃO E POLÍTICA EM KANT 
Emanuel Kant, pensador alemão, faz um diagnóstico de política quando, 
dentre outros textos, propõe-se a discutir o que é o esclarecimento. Mas, para 
que o homem possa fazer uso desse conceito de esclarecimento, no sentido 
kantiano, é preciso compreender o caminho percorrido por este autor, isto é, 
fazer uso dos conceitos tipológicos de homem que se encontra nesse texto 
Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento? 
Kant, no texto citado, fala de duas categorias de homem, homem-menor 
e homem-maior. O homem-menor é justamente o que não consegue fazer uso 
dessa condição de esclarecimento e, por isso, vive tutelado por alguém. Já o 
homem-maior, é o que consegue fazer uso dessa condição de racionalidade, o 
esclarecimento. 
Por esclarecimento Kant (2005, p. 63) faz a seguinte observação: 
esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele 
próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu 
entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio 
culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta 
de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si 
mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer 
uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento. 
 
Veja que, para Kant, existe uma menoridade, mas esta é uma condição, 
e não uma natureza, quer dizer, para esse autor, não existe uma natureza 
política, mas uma condição política e que essa condição é de escolha, ele, o 
homem escolhe se quer ser um homem-menor ou se quer ser um homem-maior. 
Desse modo, pode se perceber que, segundo Kant, existe uma cultura que 
determina a condição desse homem, ou seja, uma circunstância política. Desse 
modo, pode se perceber que existe uma tipologia de homem que se define a 
partir de suas escolhas. E quando, na citação apresentada, o autor fala de uma 
falta de coragem, ele quer, justamente, chamar a tenção para a circunstância, o 
lugar em que o sujeito se encontra e como esse sujeito se locomove nesse lugar. 
Por isso, diz Kant, “tenha coragem de fazer uso de seu próprio entendimento”. 
Meu caro aluno, perceba como esse autor rompe drasticamente com a 
perspectiva de natureza política e como o mesmo propõe uma alternativa de 
política a partir da condição, a condição de fazer uso desse esclarecimento, que 
representa a maturidade política, para além disso, a capacidade de não só 
compreender a realidade, mas de transformá-la. 
 
 
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Devemos observar que, para esse autor, a condição não pressupõe 
formação, mas escolha, ou seja, não se trata de saber se o sujeito pode ou não 
fazer uso desse entendimento, mas se ele tem ou não coragem de fazer uso, 
uma vez que a questão é pensada pelo prisma da vontade, vontade política. 
Nas palavras de Kant (2005, p. 64), “a preguiça e a covardia são as 
causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela 
natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazem se em 
permanecer por toda sua vida menores; e é por isso que é tão fácil a outros 
instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor”. 
Pensemos nesse texto como uma provocação política, pois o autor parte 
do princípio de que os homens já têm consciência de sua maioridade, mais ainda 
assim aspiram a menoridade, quer dizer, querem o estado de menoridade, pois 
neste não há desafio, não há singularidade, não há risco de autenticidade, pois 
a menoridade tem seus tutores e, por isso, nas palavras de Kant, “Assim, são 
poucos os que conseguiram, pelo exercitar de seu próprio espírito, libertar-se 
dessa minoridade tendo ao mesmo tempo um andar seguro”. 
Para Kant, no texto aqui observado, existe a possibilidade de 
emancipação dos homens, pois a condição de menoridade não é de natureza, 
mas o filósofo alerta que essa é uma tarefa difícil, uma vez que a condição de 
menoridade é bastante agradável e acomoda os espíritos de seu tempo. Mas, 
diz o autor, a maioridade é condição de salvamento da humanidade. Essa 
expressão kantiana é retomada por autores como Ortega y Gasset, Theodor 
Adorno e outros pensadores. 
Decerto que esse texto, ainda que curto, serve de base para grandes 
debates. Basta dizer que, dele, Ortega y Gasset escreve sobre a tipologia de 
homem que se denomina de homem-massa e de homem-minoria. Também, 
Theodor Adorno, juntamente com Max Horkheimer, escrevem uma obra que se 
intitula Dialética do Esclarecimento, para, dentre outras coisas, refletir sobre o 
caráter negativo do esclarecimento. Mas não adentraremos nesse debate, 
apenas sugerimos que, quando possível, faça uma leitura dos conceitos de 
homem-massa e homem-minoria de Ortega y Gasset, apresentados na obra A 
Rebelião das Massas. E que, podendo, faça uma leitura da obra Dialética do 
Esclarecimento para observar o que se considera positivo e o que se considera 
negativo em torno do que se denomina de esclarecimento. 
 
 
 
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A discussão em torno desse tópico, emancipação política, no pensamento 
de Kant, serve para pensarmos como a razão, usada no sentido público, pode 
nos ajudar a garantir a emancipação política, pois o propósito do texto é, dentre 
outras coisas, falar da emancipação política, quer dizer, com o advento do 
iluminismo pode se pensar que o homem pode assumir sua condição de 
maioridade e disso libertar-se das tutorias. E mais, aventar para uma sociedade 
esclarecida. 
Assim, emancipação corresponde à condição política do sujeito que não 
aceita a condução de sua vida, vida política, por tutores, mas, que, pelo contrário, 
uma vez fazendo uso desse direito, maioridade, faz uso da razão e conduz o seu 
próprio destino, pois, nas palavras de Kant (2005, p. 65) “Esse Esclarecimento 
não exige todavia nada mais do que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de 
todas as liberdades, isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os 
domínios”. 
 
SÍNTESE 
Chegamos ao final de mais uma aula. Fizemos um passeio em torno da 
história moderna e localizamos alguns debates como o nascimento do Estado, a 
defesa de contratos políticos, a relação entre natureza e condição política e, por 
fim, tratamos do conceito de emancipação, ainda que sumariamente. 
Podemos destacar outros elementos nesse período que se denomina de 
Período Moderno, pois é um período bastante longo e também muito rico, seja 
do ponto de vista da arte, seja da pintura, seja da filosofia, enfim, seja da política. 
Mas, priorizamos tais temáticas e alguns dos autores para pensarmos 
com você um debate político-filosófico. Desse modo, aconselhamos que observe 
a indicação de leitura aqui apresentada, como também a indicação de filmes 
como O Mercador de Veneza. Sugiro, para compreensão dos conceitos de 
homem-massa e homem-minoria, que leia a dissertação de mestrado que se 
intitula Conceitos políticos, de Ortega y Gasset, que se encontra indicada na 
bibliografia. 
Até a próxima aula! 
 
 
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REFERÊNCIAS 
ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do 
Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1996. 
 ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Conceito de Iluminismo. 
São Paulo: Nova Cultural, 1975. 
ALMEIDA, Antonio C. S. Os conceitos Políticos em Ortega y Gasset. 
108 f. Dissertação (mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo – PUC-SP. 2009. 
ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 
BOBBIO, Norberto. Estado, Governoe Sociedade: Para uma Teoria 
Geral da Política, São Paulo: Paz e Terra, 2012. 
CHÂTELET, François. História das Ideias Políticas. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar Editor, 2000. 
HOBBES, Thomas. O leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1973. 
RIBEIRO, Renato J. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra seu 
tempo. São Paulo: UFMG, 1999. 
KANT, Immanuel Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento? In: Textos 
Seletos. Petrópolis: Vozes, 2005. 
MAQUIAVEL. Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio: 
“discorsi”. Brasília: UnB, 2000. 
MAQUIAVEL, O Príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1978. 
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Vol. 2. São 
Paulo: Paulus, 1990. 
ROUSSEAU, Jean-Jaques. Discurso Sobre a Origem da Desigualdade 
Entre os Homens. Nova Cultural, 1978. 
ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. São Paulo: Nova Cultural, 
1978. 
SKINNER, Quentin. As fundações do Pensamento Moderno. São 
Paulo: Companhia das letras, 2009.

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