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DESENVOLVIMENTO DO SISIEMA IMUNITÁRIO NO SER HUMANO


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REVISÕES & ENSAIOS
DESENVOLVIMENTO DO SISIEMA IMUNITÁRIO NO SER HUMANO
MAGDA MARIA S. CARNEIRO-SAMPAIO 1
A maior susceptibilidade das crianças de baixa idade às in-
fecções constitui um sério problema no dia-a-dia do pediatra. A
imaturidade do sistema imunitário parece desempenhar o papel
mais importante na explicação da maior incidência, morbidade
e mortalidade por infecção nesta faixa etária. Os mecanismos
pelos quais o feto e o recém-nascido humanos adquirem resis-
tência às infecções constituem uma área de grande significado
biológico e médico. O conhecimento mais profundo da ontogenia
e da interação destes processos oferece ao clínico a possibili-
dade de abordar mais correta e racionalmente estes pacientes,
assim como deverá contribuir para novas perspectivas terapêu-
ticas 'nesta área.
O desenvolvimento imunitário deve ser visto como uma sé-
rie de respostas celulares adaptativas a um ambiente potencial-
mente hostil. Inicia-se precocemente na vida intra-uterina, so-
frendo uma maior aceleração somente após o nascimento, quan-
do a estimulação antigênica do novo ambiente se torna mais
intensa. Os conceitos nesta área vêm-se aperfeiçoando a cada
dia. Atualmente, não mais se aceita que o recém-nascido seja
um ser imunologicamente nulo como se pensava até há cerca
de duas décadas, embora se saiba que é imaturo, em vários as-
pectos da resposta imune.
Para dar uma forma didática, a resposta imune será assim
abordada.
Resposta Específica
Sistema das Células T
Sistema das Células B
Resposta Não Específica
Fagocitos
Polimorfonucleares
Mononucleares
Complemento
Interferon
Instituto da Criança do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Unidade de
Imunopatologia.
f Chefe da Unidade
Aceito para publicação em 13 de mar-
ço de 1981
Sistema das Células T A denominação de células T ou linfócitos T reflete o papel
essencial do timo no desenvolvimento da chamada imunidade
mediada por células. O timo, o primeiro órgão linfóide a se de-
senvolver, origina-se da terceira bolsa branquial (que também dá
origem às paratireóides) por volta da 6.a semana de gestação.
Em torno da 9.a semana, o timo começa a ser infiltrado por lin-
fócitos e se diferencia num córtex denso contendo grande nú-
mero de linfócitos e numa parte central, menos densa, onde pre-
dominam elementos epiteliais6. Experimentos em animais mos-
tram que os linfócitos que vão povoar o timo se derivam de cé-
lulas mesenquimais primitivas, encontradas inicialmente no saco
vitelino e posteriormente no fígado e medula óssea, que vão dar
origem, por volta da 3.a semana, às células precursoras das
linhagens eritrocítica, megariocítica, granulocítica, linfocítica e
monocítica30634. Estas "stem cells", em torno da 6.a semana,
migrariam para o parênquima hepático em desenvolvimento e
daí alcançando o timo, provavelmente sob a influência dos ele-
mentos epiteliais tímicos, que secretariam fatores hormonais,
estas células indiferenciadas evoluiriam até alcançarem as ca-
racterísticas do que se convencionou chamar linfócitos T. Ao
contrário de outros órgãos linfóides, observa-se intensa linfo-
poiese no timo, na vida intra-uterina, aparentemente independen-
te de estimulação antigênica 1'83e34.
A imunidade mediada por células T parece se desenvolver
muito cedo. Um trabalho com 13 fetos de idade entre 11 e 19
semanas demonstrou até 65% dos linfócitos tímicos formando
rosáceas com eritrocitos de carneiro. Em feto de 15 a 26 sema-
nas, esta porcentagem chegou até 96%: usando a mesma técni-
ca33, August & cols, encontraram na 12.a semana de gestação
linfócitos tímicos capazes de responder a PHA (fitohemagluti-
ning), achado muito semelhante aos de outros autores4»26 e 34.
Duas a quatro semanas depois, linfócitos responsivos ao citado
mitógeno já são detectados no baço4. A competência para res-
ponder a estímulos alogênicos, demonstrada através de cultura
mista de linfócitos unidirecional, foi observada em dois fetos de
15 e 16,5 semanas e em fígado fetal com 7,5 semanas por Stites
& cois.35. Antígenos do sistema HL-A também são detectados
cedo na vida intra-uterina devendo ser responsáveis pela esti-
mulação de anticorpos citotóxicos, encontrados em grande parte
nas mulheres grávidas \ O desenvolvimento precoce da imuni-
dade celular deve ser de grande valia na defesa do feto contra
leucocitos imunocompetentes maternos que podem alcançar a
circulação fetal e seria de esperar que montassem uma reação
de enxerto versus hospedei ro24-33e35.
Portanto, ao nascimento, a criança deve possuir uma res-
posta imune por células T já bem desenvolvida. Culturas de lin-
fócitos de cordão umbilical com PHA mostram respostas equiva-
lentes adultos normais38. Nas culturas não estimuladas, obser-
vam-se taxas elevadas de proliferação espontânea, o que dificul-
ta um pouco a interpretação dos resultados anteriores25. A res-
posta dos linfócitos de cordão a células alogênicas é comparável
à de adultos 24e3B. Granberg & cois, encontraram em vários re-
cém-nascidos o mecanismo de linfólise mediada por células, nor-
mal, tendo marcado células alogênicas com Cr 51. A porcen-
tagem de linfócitos T circulantes é mais baixa no lactente, de
acordo com a observação de vários autores25. No entanto, em
valores absolutos, o número de linfócítos formadores de rosa-
ceas com hematías de carneiro é normal já no período neonatal
em virtude da linfocitose própria desta idade 12. Avaliando-se a
imunidade celular através de testes cutâneos tardios, encontra-
se uma acentuada depressão nesta faixa etária25 e 2Ó. Este acha-
do levou durante muito tempo, quando esta técnica era utilizada
quase que exclusivamente, ao conceito errôneo de que o recém-
nascido era imunoincompetente sob o ponto de vista de células T.
Com o advento das técnicas In vitro este conceito se modificou
e hoje se atribui à imaturidade de elementos da resposta infla-
matoria a deficiência da hipersensibilidade cutânea tardia do
neonato25.
Sistema das Células B Células precursoras de linfócitos B contendo IgM no cito-
plasma têm sido demonstradas em fígados fetais de 7,5 semanas
de gestação, enquanto células com imunoglobulinas na super-
fície não têm sido encontradas antes das 9,5 semanas 15-21 e31.
Neste estádio precoce do desenvolvimento^ encontra-se IgM e
também algumas células contendo IgG na membrana, observan-
do-se IgA somente um pouco mais tarde, em torno de 11,5 se-
manas de gestação. Em virtude da escassez de linfócitos B em
fetos muito jovens, não é ainda possível assegurar a seqüência
ontogénica de aparecimento das imunoglobulinas. Parece que a
IgM é a primeira a surgir, seguida da IgG e IgA34.
O aparecimento de linfócitos B coincide aproximadamente
com o início da linfopoiese tímica. Embora as células B apareçam
cedo, os plasmócitos são raros, o que deve refletir a síntese ex-
tremamente baixa de anticorpos na vida intra-uterina. Provavel-
mente, esta etapa inicial de maturação das células B é indepen-
dente de antígeno ou estimulada por antígenos de "natureza uni-
versal" 21 e34. O estágio posterior de maturação, onde há síntese
importante de imunoglobulinas, deve necessitar de estimulação
antigênica, ocorrendo principalmente no período pós-natal, po-
dendo sofrer uma certa antecipação no caso de uma infecção
intra-uterina.
Examinando-se linfócitos de cordão umbilical quanto às imu-
noglobulinas da membrana, demonstra-se que cerca de 10% por-
tam IgM, 8% IgG (predominantemente lgG2) e cerca de 2%, apre-
sentam IgA34. Chama a atenção a elevada percentagem de linfóci-
tos exibindo IgD na membrana, quando se compara com adultos
normais, embora não se encontre habitualmente IgD livre no soro
do recém-nascido humano20630. A IgD parece constituir um re-
ceptor de membrana, e recentemente tem sido reconhecida com
o receptor das células sensíveis a antígenos T-dependentes7.
Lawton & Cooper sugerem que um possívelpapel da IgD na
superfície celular se relacione com a indução de tolerância em
linfócitos B imaturos21.
Existe muito pouca informação a respeito da extensão da
diversidade clonal das células B, no recém-nato humano. Por
analogia com os estudos em camundongos, é provável que o re-
pertório está quase, senão completamente, desenvolvido nesta
fase21.
Provavelmente, para compensar a baixa produção de anti-
corpos durante a vida intra-uterina, existe passagem transpla-
centária de IgG materna a partir da 15.a semana de gestação
1,6,24,25,26631 parece tratar-se de um mecanismo ativo, ligado a
características especiais do fragmento Fe da IgG. Estudos mais
recentes mostram que a lgG1, lgG3 e IgG4 passam preferencial-
mente em relação à lgG2 ]. As outras classes de imunoglobulinas
não atravessam a barreira placentería. Se por um lado este fato
é desventajoso, sendo o déficit de IgM responsável, pelo menos
em parte, pelas graves infecções por enterobactérias do recém-
nascido, por outro lado é benéfico, pois torna o feto livre de rea-
ginas, isoemaglutininas, leucoaglutininas, entre outros anticorpos
potencialmente lesivos.
No cordão umbilical da criança nascida a termo, os níveis
de IgG são equivalentes aos do adulto normal (um pouco mais
baixos em prematuros muito jovens), sendo a quase totalidade
desta IgG de origem materna. A IgM completamente sintetizada
pelo feto se encontra em valores baixos, sugerindo uma infecção
congênita níveis acima de 20 mg%. Traços de IgA e IgE podem
ser detectados. Quanto à especificidade dos anticorpos do san-
gue do cordão, existem bons títulos de anticorpos antivirais (sa-
rampo, rubéola, caxumba, poliomielite), antitoxinas, (diftérica, te-
tánica, eritogênica), baixos títulos de anticorpos contra 6, per-
tussis e H. influenza, e normalmente não se detectam anticorpos
contra os antígenos somáticos (O) das enterobactérias 6.
O desenvolvimento dos níveis das várias classes de imuno-
globulinas está sumarizado na figura 1. O neonato sintetiza pre-
dominantemente IgM, cujos níveis equivalentes aos do adulto
normal são alcançados prococemente, já no final do primeiro
ano de vida. Observa-se na criança muito jovem um prolongado
intervalo entre o início de produção de IgM e IgG. Enquanto o
adulto começa a produzir IgG de 5 a 15 dias após a imunização,
o recém-nascido requer de 20 a 30 dias, permanecendo esta
característica nos 6 primeiros meses de vida24. O baço parece
ser um local importante de síntese de anticorpos nos primeiros
tempos de vida, assumindo os linfonodos seu papel mais poste-
riormente ó.
A produção de IgG pela criança começa a se fazer de uma
maneira eficaz, à medida que vai sendo ca tá bol iza da a de origem
materna. Entre os 3 e 7 meses de vida, o lactente passa pela
chamada fase de hipogamaglobulinemia fisiológica, como se
pode observar na figura 1. As diversas subclasses de IgG alcan-
çam concentrações séricas de adulto em velocidades diferentes:
lgG1 e lgG4 pelos 8 anos, lgG3 pelos 10 anos e lgG2 somente
pelos 12 anos31.
Ugazio & cois, detectando imunoglobulinas de membrana
por imunofluorescência, e Fleisher & cois, fazendo rosáceas corn
EAC (eritrocito de carneiro, anticorpo e complemento), observa-
ram valores absolutos e percentuais de linfócitos B mais eleva-
dos nas crianças até 6 e 18 meses, respectivamente12 e 37.
Quanto ao desenvolvimento dos anticorpos das secreções,
as informações disponíveis ainda são escassas. A peça secreto-
ria, sintetizada pelas células epiteliais, já pode ser detectada
livre nas secreções do recém-nascido, muito antes do apareci-
mento das imunoglobulinas secretorias28. No entanto, o desen-
volvimento da IgA das secreções parece se fazer de uma ma-
neira muito mais rápida que a IgA sérica. No segundo semestre
de vida, detectam-se anticorpos em praticamente todas as se-
creções, inclusive ooproantfcorpos24. Certamente para suprir
esta deficiência de Imunidade a nível das mucosas, principal-
mente no trato digestivo, intensamente colonizado no período
neonatal por enterobactérias (às quais o recém-nascido é muito
susceptível petas baixas concentrações de IgM e de componen-
tes do Sistema Complemento), a natureza desenvolveu uma es-
pécie de "suplemento ¡munitário", que é o colostro e o leite
maternos. Q leite humano e principalmente o colostro são ex-
tremamente ricos em fatores de defesa, sendo conhecido de
longa data que as crianças amamentadas ao seio apresentam
uma menor incidência de infecções, particularmente de gastro-
enterocolltes *•**•*•* (Ver quadro I). Os níveis de IgA no co-
lostro chegam a alcançar 1,2 a 1,5g%, concentrações estas muito
superiores às encontradas em outras secreções28. Quanto à es-
pecificidade, detectam-se, no colostro, anticorpos contra vírus
(poliovírus, ECHO, coxsachie, rotavírus, adenovírus, entre ou-
tros), contra antígenos bacterianos, sendo os títulos de anticor-
pos antienterobactérias, muito mais elevadas que no soro da
mãe e estão contidos principalmente na fração IgA 24e28. As
imunoglobulinas do leite e do colostro praticamente não são ab-
sorvidas, sendo sua ação a nível da mucosa digestiva basica-
mente. Acredita-se que existe uma ligação muito importante
entre o sistema linfóide do intestino e a glândula mamaria, ha-
vendo evidências de que ocorra uma migração das células imu-
nocompetentes do GALT ("gut associated lymphoid tissue") e
provavelmente também do SALT ("bronchial associated lymphoid
tissue") para a glândula mamaria em fase de lactação24>28e29.
Goldblum & cois, imunizaram mulheres grávidas com E. Coll 083
por via oral e posteriormente encontraram no colostro linfócitos
produzindo anticorpos específicos contra este serótipo de E. C oi i,
utilizando a técnica de "plaque-forming cells"13. Quanto às célu-
las, predominam fagocitos mononucleares, encontrando-se ainda
outras células da resposta imune, cuja função a nível desta se-
creção ainda não está bem estabelecida.
Fagocitos
Polimorfonucleares
A granulocitopoese torna-se evidente já durante o segundo
mês de gestação, antes do aparecimento dos linfócitos27. Por-
tanto, embora os granulócitos sejam células tardias na filogenia,
são muito precoces na ontogenia humana.
Os polimorfonucleares (PMN) do recém-nascido parecem
apresentar um certo grau de deficiência funcional, não se sa-
bendo, no entanto, o quanto isto contribui para a maior suscepti-
bilidade destas crianças às infecções.
No que se refere à atividade quimiotática, os PMN do neo-
nato mostram uma deficiência consistente na resposta a estí-
mulos gerados pela incubação de S. aureus, E. coli e complexos
antígeno-anticorpo, com um pool de soros frescos de adultos2Ó.
Os estudos sobre a capacidade fagocítica destas células
mostram resultados muito interessantes. Em presença de soro
de adulto em concentração superior a 10%, os PMN do recém-
nascido apresentam atividade fagocitária comparável aos PMN
de adultos para microrganismos como E. coli, S. aureus, S. pyo-
genes, D. pneumonias. Quando a concentração do soro é redu-
zida, a capacidade fagocítica cai24'25626. É provável que sob
condições de stress, os PMN do recém-nascido possam ser
menos efetivos na fagocitose.
Miller, utilizando uma metodologia muito engenhosa, tem
demonstrado uma redução na deformidade dos PMN do recém-
nascido humano. Seriam, portanto, células mais rígidas e este
achado deve explicar a redução da capacidade quimiotática e
bactericida26827.
Os resultados dos vários trabalhos sobre a capacidade bac-
tericida do PMN do neonato são contraditórios, ora demonstran-
do uma atividade normal, ora uma atividade deprimida. Tem sido
observada uma baixa atividade bactericida destes fagocitos em
septicemias, aspiração meconial, hiperbilirrubinemia, insuficiên-
cia respiratória (revisão em 26).
Fagocitos
Mononucleares
Os fagocitos mononucleares desempenham um papel funda-
mental tanto nos mecanismos aferentes como nos mecanismoseferentes da resposta imune. Trata-se de um importante sistema
de defesa contra microorganismos intracelulares, atua na remo-
ção de células lesadas ou mortas, está envolvido no processa-
mento antigênico, na apresentação do antígeno para os linfóci-
tos e ainda interage com células linfóides na expressão das
reações imunes mediadas por células 35.
As células do sistema monócito-macrófago são derivadas
da mesma célula primitiva que dá origem às linhagens vermelha,
granulocítica, linfocítica e megacariocítica 10. No feto humano,
os monócitos podem ser inicialmente detectados no baço, em
torno do 4.° — 5.° mês de gestação30. Durante a vida intra-uterina,
os macrófagos devem desempenhar papel importante na reab-
sorção tissular, associada ao desenvolvimento embrionário2.
Experimentos em animais de várias espécies indicam que
estas células podem ser um fator limitante importante na expres-
são de alguns tipos de respostas imunológicas na idade precoce.
No ser humano, também existem indicações, na sua maioria indi-
retas, da imaturidade do sistema monócito-macrófago nos pri-
meiros meses de vida.
Silverstein, imunizando fetos de carneiro, demonstrou uma
certa hierarquia na resposta a antígeno, isto é, os antígenos
testados induziam a síntese de anticorpos de uma forma seqüen-
cial (na ref. 32, o autor cita seus experimentos anteriores já
publicados). Assim, anticorpos contra o bacteriófago eram pro-
duzidos em idade mais precoce do que contra a ferritina e oval-
bumina. Inicialmente estes achados foram interpretados como
decorrentes da geração sucessiva, ordenada de células produ-
toras de anticorpos. Havia entretanto uma hipótese alternativa
envolvendo imaturidade das células encarregadas de processar
o antígeno.
Blaese, posteriormente, trabalhando com ratos recém-nasci-
dos, observou que também estes animais desenvolviam a capa-
cidade de responder a diferentes antígenos em diferentes perío-
dos da vida8. No entanto, injetando o antígeno junto com macró-
fagos peritoneais de ratos adultos singênicos, havia síntese de
anticorpos numa fase anterior àquele em que o recém-nascido
habitualmente respondia ao antígeno em questão. Obteve ainda
resultados semelhantes, ativando os macrófagos do recém-nas-
cido com endotoxinas, vacina antipertussis, BCG, alumensílica
e poliA-poliU. Para comprovar que eram realmente os neonatos
que formavam os anticorpos, estes foram irradiados antes da
imunização e da transferência de células e nenhuma resposta
foi observada. Argyris, trabalhando com camundongos C3H/He,
chegou a resultados muito próximos aos de Blaese3. Estes
resultados sugerem que o retardo no aparecimento da resposta
humoral de recém-nascidos não é conseqüente à falta de células
sintetizadoras de anticorpos, mas provavelmente à imaturidade
de células encarregadas de reconhecer e processar o antígeno,
na forma de macrófagos maduros ou ativados9.
No que se refere ao ser humano, sabe-se, por exemplo, que
o mesmo não consegue montar uma resposta humoral para
várias vacinas, quando aplicadas no período neonatal, passando
a fazê-lo após algum tempo. Para certos antígenos, se pensa que
esteja havendo interferência de anticorpos recebidos da mãe,
mas em relação a outros, como a vacina antipertussis, em que a
passagem transplacentária é desprezível, torna-se necessário en-
contrar outra explicação. No recém-nascido, não se consegue
uma boa resposta ao antígeno somático O de salmonelar obten-
do-se produção de anticorpos, nesta idade, para o antígeno fla-
glelar (H). A capacidade de formar anticorpos contra o antígeno
O aparece somente entre o 03 e 09 meses de vida24. A explicação
para estes achados ainda não é clara, podendo, no entanto, ser
levantada a idéia de imaturidade macrofágtca, por analogia com
outras espécies.
Ratos "Lewis" recém-nascidos são particularmente susceptí-
veis às infecções fatais pela L monocytogenes. Blaese conseguiu
aumentar a resistência destes animais ao mlcrorganismo, injetan-
do-lhes macrófagos de adultos 18, Hirsch & cois, demonstraram
que macrófagos de camundongos CBA adultos protegiam recém-
nascidos singênicos contra a infecção pelo vírus H. àimplex, ao
qual os animais jovens são particularmente susceptíveis 1Ó. Nos
recém-nascidos humanos, as infecções por L monocytogenes, H.
simples e T. gondil são bastante graves, assumindo quase sem-
pre formas septicêmicas, o que não se observa em idades mais
tardias. Na resistência a estes microrganismos, os fagocitos mo-
nonucleares parecem desempenhar um papel fundamental e sua
relativa imaturidade pode explicar a maior susceptibilidade a es-
tes agentes infecciosos.
Fireman & cols, estudaram recém-nascidos de 01 e 02 dias de
mães PPD positivas e negativas (citado em 24). Testaram in vivo
(reação intradérmica tardia) e In vitro (estimulação blastogê-
nica), a reatividade destas crianças ao PPD, não encontrando
qualquer positividade por nenhum dos métodos. Leucocitos ou
fator de transferência de mães PPD positivas e negativas foram
dados às crianças e se observou que recém-nascidos que haviam
recebido leucocitos ou fator de transferência de mães PPD posi-
tivas, mostravam reatividade in vitro, porém nenhum fez reação
cutânea positiva, Estas observações levam a pensar que a res-
posta dos linfócitos T ao PPD preceda o desenvolvimento das
reações cutâneas tardias, que deixariam de se expressar por
fatores ligados à reação inflamatoria mespecífica, devendo ser.
salientada a importância do macrófago neste aspecto. Estas
idéias são corroboradas pelos estudos na pele de recém-nasci-
dos humanos, usando a técnica da janela de Roebuck, onde se
demonstra que a infiltração da área inflamada, por fagocitos mo-
nonucleares, é lenta e pouco intensa6.
A capacidade quimiotática de monócitos de recém-nascidos
tem sido avaliada com resultados conflitantes. Tem sido descrito
que estas células nos neonatos se movem menosí ativamente do
que as de crianças maiores e adultos6 e 20. Kretscnmer & cois, es-
tudaram o movimento de monócitos de cordão umbilical em res-
posta a linfocinas geradas por linfócitos de cordão e de adultos 19.
Os monócitos de recém-nascidos mostraram um movimento de-
ficiente quando estimulados por linfocinas derivadas do cordão,
e normal na presença de linfocinas de adultos. Os monócitos
de adultos mostraram resultados comparáveis nos dois tipos de
experimentos. Os autores sugerem que possa haver um fator
inibítório da quimiotaxia no sangue de cordão. Outros autores
encontraram uma resposta quimiotática normal por parte dos
/nonócitos de neonatos26.
No que se refere à capacidade bactericida destes fagocitos,
Kretschmer & cois., encontram valores normais no período neo-
natal w. Bellanti & cois, relatam atividade bactericida deficiente
dos monócitos destas crianças6.
Complemento A capacidade de sintetizar componentes do sistema com-
plemento aparece muito cedo na vida intra-uterina14'17'18625. A
fração C3 tem sido dectada em fetos com 5,5 semanas de gesta-
ção, muito antes de se dectar imunoglobulinas25. Kohíer demons-
trou produção de C5 na 8.a semana de vida intra-uterina e, após
a 11 .a semana, C4 e C5 estão presentes em vários tecidos 17.
Pouco ou nenhuma passagem de componentes do comple-
mento parece ocorrer no ser humano26. Isto tem sido demons-
trado pela síntese de componentes do complemento em tecidos
fetais isolados, pela discordância materno-fetal, quando existe
pleomorfismo genético (C3 e C3PA) e pelo encontro de compo-
nentes específicos do complemento em fetos e recém-nascidos
de mães geneticamente deficientes naquela fração.
Em recém-nascidos a termo, a atividade hemolítica total do
complemento alcança níveis de aproximadamente 50% dos níveis
maternos26. Os valores de C1q, C3, C4, C5 têm sido encontra-
dos como mais baixos em sangue de cordão umbilical do que
em adultos normais }.
Esta deficiência do sistema complemento deve contribuir de
alguma forma paraos defeitos de opsonização apresentados pelo
recém-nascido. É provável que isto juntamente com os baixos
níveis de IgM circulantes sejam, pelo menos em parte, respon-
sáveis pela maior incidência das infecções por gram-negativos
nesta faixa etária. Os níveis mais baixos do complemento tam-
bém poderiam acarretar a geração de menor atividade quimiotá-
tica. O papel do sistema complemento In útero ainda não está
bem definido.
Interferon No ser humano, tem sido detectada a síntese do interferon
já na vida intra-uterina. Em experimentos ¡n vitro se consegue
demonstrar produção deste fator de defesa por células de fetos
acima de 18 semanas, quando expostos ao vírus da rubéola \ A
quantidade de interferon produzida ¡n vitro por linfócito perma-
nece constante, não variando com a idade gestacional. As dife-
renças na quantidade de interferon por unidade de sangue, de
acordo com a idade, refletem mudanças fisiológicas no número
de linfócitos. Sendo o interferon um fator importante na resis-
tência a vírus, é lógico se especular uma relação causai entre
sua síntese fetal antes e após o primeiro trimestre de gestação
e a modificação da susceptibilidade às infecções virais pelo hu-
mano nos vários estágios do seu desenvolvimento.
A produção de interferon pelo sangue do cordão umbilical
é equivalente aos valores de adulto26.
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Endereço para correspondência:
Instituto da Criança
Hospital das Clínicas
Av. Dr. Enéías de Carvalho Aguiar, s/n
São Paulo — SP — CEP 05403
Brasil