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UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 Unidade I: Processos Históricos da Educação em Saúde Organização: Profa: Francelia Sales Tema: Bases, Fundamentos Históricos e Teorias. Objetivos de Aprendizagem: ✓Identificar e conceituar Educação, Saúde e Educação em Saúde; ✓Descrever as diferenças das nomenclaturas: educação em saúde, educação na saúde e educação para saúde; ✓Descrever o processo de implantação da educação em saúde no Brasil; ✓Identificar os primeiros objetivos da educação em saúde; ✓Conhecer as Políticas se Saúde do Brasil (1500-2016) e as Políticas públicas da Educação em Saúde; ✓Identificar os dois eventos internacionais que influenciaram na educação em saúde. 1 Núcleos conceituais Inicialmente vamos refletir sobre educação, saúde e educação em saúde, vejamos o que certos autores falaram sobre o assunto. 1.1 Educação1 O conceito de educação sofreu influência do nativismo e do empirismo. O primeiro era entendido como o desenvolvimento das potencialidades interiores do homem, cabendo ao educador apenas exteriorizálas, e o segundo era o conhecimento que o homem adquiria através da experiência (MARTINS, 2004, p. 13). Na visão dos pedagogos modernos, o processo educacional não reside apenas nas escolas, pois ela não é a única responsável pela educação. A educação tem uma dimensão maior do que propriamente ensinar e instruir, o que significa dizer que o processo educacional não se esgota com as etapas previstas na legislação. A Educação, em sentido amplo, representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, no sentido estrito, representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades. Foram os gregos os precursores da filosofia, no sentido de descobrir que o pensamento racional pode averiguar a razão de ser das coisas. De fato, foi com eles que surgiu a filosofia, ao utilizar a razão para descobrir o fim último das coisas e solucionar todos os problemas existentes naquela época. A educação, para Aristóteles2, deve levar o homem a alcançar sua plena realização, mas isso só se torna possível se ele desenvolver suas faculdades físicas, morais e intelectuais. O sumo bem é alcançar a felicidade. Ele foi considerado o pedagogo da família. Entende que a ação educativa dos pais seria inteiramente insubstituível. Para o filósofo, a virtude intelectual se adquire pela instrução e a virtude moral, pelos bons hábitos, daí ser virtuoso o homem que tem o hábito da virtude. Na idade moderna, Francis Bacon3 acreditava que o homem só poderia compreender e entender as situações que ocorrem na realidade se tivesse uma idéia bem clara a respeito dos fatos. Foi ele um dos primeiros a ver que o método científico poderia dar ao homem poder sobre a natureza, portanto, que o avanço da ciência poderia ser usado para promover em escala inimaginável o progresso e a prosperidade humana. Nessa mesma época, o filósofo John Locke4 acreditava que a educação é parte do direito à vida, pois só assim poderão ser formados seres conscientes, livres e senhores de si mesmos. Jean Jacques Rousseau5 formulou, na época, os princípios educacionais que permanecem até nossos dias. Ele afirmava que a verdadeira finalidade da educação era ensinar a criança a viver e a aprender a exercer a liberdade. 1 Adaptado a partir de VIANNA, Carlos Eduardo Souza. Evolução histórica do conceito de Educação e os objetivos constitucionais da educação brasileira. janus, lorena, ano 3, n. 4, 2 semestre de 2006. 2 Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) filósofo grego, discípulo de Platão. 3 Francis Bacon (1561-1626) filósofo inglês dos séculos XVI e XVII. 4 John Locke (1632-1704) filósofo inglês, principal representante do empirismo, teoria que afirmava que o conhecimento era determinado pela experiência, tanto de origem externa, nas sensações, quanto interna, a partir das reflexões. Sua teoria política deixou grande contribuição ao desenvolvimento do liberalismo (conjunto de princípios e teorias políticas, que apresenta como ponto principal a defesa da liberdade política e econômica). 1 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 Para Immanuel Kant6, a educação deve cultivar a moral, despertando para que o homem tome consciência de que ela deve estar presente em todas as ações de sua vida, em todo o seu desenvolvimento, em todo o ser, e por efeito, deitando raízes sobre o direito, que não subsiste sem a moral (MUNIZ, 2002, p. 38). Não devemos também esquecer a forte contribuição de Jean Piaget7 e Paulo Freire8 para a Educação. Para Jean Piaget, a educação deve possibilitar à criança um desenvolvimento amplo e dinâmico desde o período sensório-motor até o operatório abstrato. Os principais objetivos da educação são: a formação de homens criativos, inventivos e descobridores, de pessoas críticas e ativas, na busca constante da construção da autonomia9. Para Freire, educar é construir, é libertar o homem do determinismo, passando a reconhecer o papel da História e a questão da identidade cultural, tanto em sua dimensão individual, como na prática pedagógica proposta. A concepção de educação de Paulo Freire percebe o homem como ser autônomo. Esta autonomia está presente na definição de vocação antológica de “ser mais” que está associada com a capacidade de transformar o mundo (ZACHARIAS, 2007). A educação, fundamentada na Constituição Federal, e amparada por princípios que buscam uma sociedade mais justa, é direito de todos, dever do Estado e da família, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (artigo 205 da Constituição Federal). O artigo 205 da Constituição Federal (BRASIL, 2007a) dispõe que: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Sustenta Silva (2000, p. 314-315) que o artigo 205 da Constituição Federal estabelece três objetivos básicos da educação: [...] pleno desenvolvimento da pessoa, preparo da pessoa para o exercício da cidadania e qualificação da pessoa para o trabalho. Os objetivos constitucionais da educação relacionam-se com os fundamentos do Estado brasileiro, estabelecido no artigo 1º da Constituição Federal: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Na seara jurídica, a Educação é um direito social fundamental, estritamente ligada aos fundamentos da República Federativa do Brasil. O ordenamento jurídico brasileiro traz uma gama de normas e princípios relativos à Educação. Os fundamentos principais encontram-se evidentemente assegurados na Constituição Federal, estabelecendo como dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade, promover e incentivar a educação, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 5 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) um importante filósofo, teórico político e escritor suíço. Suas ideias influenciaram a Revolução Francesa (1789). É considerado um dos principais filósofos do iluminismo (movimento global, ou seja, filosófico, político, social, econômico e cultural, que defendia o uso da razão como o melhor caminho para se alcançar a liberdade, a autonomia e a emancipação). 6 Immanuel Kant (1724 - 1804) filósofo alemão, considerado um dos maiores da história e dos mais influentes no ocidente. É famoso sobretudo pela elaboração do denominado idealismo transcendental: todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não vêm da experiência) para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma impossíveis de determinar. 7 Jean William Fritz Piaget(1896-1980) epistemólogo e suíço biólogo que dedicou a vida a submeter à observação científica rigorosa o processo de aquisição de conhecimento pelo ser humano, particularmente a criança. É considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. 8 Paulo Reglus Neves Freire, educador, pedagogo e filósofo brasileiro, considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica. 9 Para Piaget a autonomia não está relacionada com isolamento (capacidade de aprender sozinho). Ser autônomo significa estar apto a cooperativamente construir o sistema de regras morais e operatórias necessárias à manutenção de relações permeadas pelo respeito mútuo. - Zacharias, Vera Lúcia Câmara F., Fonte: www.centrorefeducacional.com.br. 2 Tratar do direito à educação, sobretudo, em um país como o Brasil, de grandes desigualdades sociais e econômicas, é o mesmo que cuidar da exclusão social. UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 Desta forma, a Educação ocupa um papel importante no âmbito jurídico. Entretanto, é necessário que o direito tenha também um olhar atento para educação, com o fim de resguardar os princípios e objetivos consagrados na Lei maior. Assim, para obter caminhos sólidos e efetivos, capazes de transformar o homem, é indispensável que Estado, família e sociedade estejam empenhados na promoção precípua da educação. Nessas condições, considerando-se que o perfeito equilíbrio social depende de uma educação de qualidade, é essencial que ela seja percebida, não apenas como o acesso ao conhecimento, mas, sobretudo, como instrumento fundamental na transformação e no desenvolvimento do homem, permitindo-lhe uma formação cidadã e humana. 1.1.1 A educação e o ser humano10 Kant afirma que “o homem é o único animal que precisa ser educado”. Pois bem: por que o homem é o único animal que precisa ser educado? Isso nos indica que o HOMEM não se define como tal no próprio ato de seu nascimento. Logo, ninguém nasce HOMEM, isto é, ser humano. O animal homem, ao nascer, precisa, desde então, ser educado para poder se transformar, se recriar como SER HUMANO. O Ser Humano é portador de uma natureza em tudo distinta dos outros seres naturais. Se esse animal homem, a partir do seu nascimento, não receber a Educação, ele não se tornará SER HUMANO. Por isso se diz que Educar é formar o ser humano. Esse animal homem precisa ser educado, isto é, há necessidade de que haja uma ação externa a ele. Ninguém se autoeduca e, por isso, a educação, isto é, a formação humana resulta de um ato intencional de outro que transforma a matéria-prima em um novo ser. Neste sentido é que se diz que “uma geração mais velha educa a geração mais nova”. Educar significa acionar, através de uma ação externa, os mecanismos internos do educando para que ele seja capaz de utilizar plenamente sua capacidade humana, que é de natureza intelectual e racional, para promover o seu próprio autodesenvolvimento como sujeito livre e independente daqueles que o estão gerando como ser humano. Deve-se educar o indivíduo para que, a partir de certo momento, ele adquira a capacidade de autoconduzir o seu próprio processo formativo. Isto é, desenvolver a ação de sentido inverso: de dentro pra fora. E, diferentemente de outros animais, para o homem, ser formado significa fazer do ser nascente algo diferente do que é. Fazer-se dele um projeto, uma intenção de futuro, dar-lhe uma vida para além da simples sobrevivência, pois sua vida deverá ser plena de outras condições e possibilidades determinadas por sua vontade e capacidade. O ser humano não é um ser previamente determinado, mas um ser de vontade. Deve, pois, ser educado para rejeitar o que lhe é dado no nascimento, como natureza, para se tornar algo novo num mundo igualmente novo: uma vida inserida no mundo da cultura. Uma cultura que não é fixa nem imutável. Por isso a educação é uma totalidade, porque ela diz respeito a todos os modos de ser próprios do ser humano. Ele precisa adquirir um novo modo de olhar o mundo, de percebê-lo, de se relacionar com ele, de se reconhecer, de afirmar sua própria identidade. Como relata Chiavenato (2006), desde seu nascimento até a morte, o ser humano vive em constante interação com seu meio ambiente, recebendo e exercendo influências em suas relações com ele. Por isso que educação é toda influência que o ser humano recebe do ambiente social durante a sua existência, no sentido de se adaptar a normas e valores sociais vigentes e aceitos. O ser humano, todavia, recebe essas influências, assimila-as de acordo com suas inclinações e predisposições, enriquecem ou modificam seu comportamento dentro de seus próprios padrões pessoais. 10 LIMA, Joaquim Francisco de. Fundamentos de Educação em Saúde. Montes Claros: Unimontes, 2011. Educação: “catequização, ensino, instrução, criação. “Educar significa acionar, através de uma ação externa, os mecanismos internos do educando para que ele seja capaz de utilizar plenamente sua capacidade humana, que é de natureza intelectual e racional, para promover o seu próprio autodesenvolvimento como sujeito livre e independente daqueles que o estão gerando como ser humano”. 3 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 Segundo ele, Chiavenato (2006), a educação pode ser institucionalizada e exercida de modo organizado e sistemático, como as escolas e igrejas, obedecendo a um plano pré-estabelecido, como também pode ser desenvolvida de modo difuso, desorganizado e assistemático, como no lar e nos grupos sociais aos quais o indivíduo pertence, sem obedecer a qualquer plano pré-estabelecido. A educação é o preparo para a vida e pela vida. Pode-se falar em vários tipos de educação: social, religiosa, cultural, política, moral, profissional etc. 1.2 Saúde Ainda que não seja uma realidade, o conceito de saúde declarado pela Organização Mundial de 4 Saúde – OMS -, em 1948, simboliza um compromisso. Saúde não é estática; sua própria compreensão possui certo grau de subjetividade, uma vez que os indivíduos e a sociedade acreditam ter mais ou menos saúde conforme o momento. Já foram feitas diversas tentativas para se construir um conceito mais dinâmico de saúde, que não seja entendida apenas como um complemento da doença, mas como a construção permanente de cada sujeito e comunidade, tomando consciência e ampliando suas potencialidades para defender a vida. Nenhum ser humano (ou população) será totalmente saudável ou totalmente doente. Viverá condições de saúde/doença no decorrer de sua existência, em conformidade com suas potencialidades e condições de vida. Precisa-se romper com a ideia de que a saúde do sujeito é determinada unicamente por ele, inclusive pela genética, ou pelas condições que a sociedade ou o poder público lhe oferecem. A Medicina e a Biologia – ciência em que se baseia a maior parte das práticas médicas – foram, por muito tempo, as principais, talvez as únicas referências para a definição de conceitos de saúde, ou seja, para a criação das ideias em torno das quais podemos dizer: o que é ter e o que é não ter saúde, o que é e o que não é uma vida saudável. Resulta disso, ainda nos dias de hoje, um entendimento de que ter saúde é não estar fisicamente doente, e não ter saúde é estar doente. Por ser muito simples e por ter sido criada a partir da área de maior poder e prestígio dentre aquelas que se dedicam a lidar com questões de saúde – a Medicina –, esse conceito ganhou grande aceitação. Daí, perguntamos: Ele é simples ou é apenas reduzido? A nosso ver, quando dizemos que um conceito é simples, estamos fazendo um elogio. Isto porque, para ser considerado simples, ele deve ser de fácil entendimento e, ao mesmo tempo, oferecer uma explicaçãocorreta e profunda de uma situação. No nosso caso, se aceitássemos que saúde é apenas a ausência de doença, estaríamos aceitando também que, para ter saúde, basta não ter doença. A partir daí, provavelmente acharemos que, para solucionar os problemas de saúde, precisaríamos apenas curar as doenças e talvez nossas necessidades seriam assim, reduzidas a médicos, hospitais e remédios. Mas a vida real nos mostra – a mim, a você e a todos os profissionais envolvidos com as discussões sobre saúde – que a coisa vai muito além. A experiência nos faz perceber que tal conceito de saúde é reduzido, pois levanta tão somente uma parte dos problemas de saúde e das ações necessárias e soluções possíveis para resolvê-los. Contudo, muitos de nós, já sabemos que muitos dos problemas de saúde que a população enfrenta têm sua origem em questões ambientais como o saneamento. Isto quer dizer que, na prática, já pensamos na saúde de modo ampliado. A tentativa de ultrapassar o conceito reduzido de saúde obteve sucesso no campo da saúde pública. Diversas formas de pensar a saúde mostram-nos que não existe a saúde totalmente separada da doença, e sim um processo de saúde-doença. Aprendemos que situações de doença podem fazer parte da vida, em função do modo como os seres humanos relacionam- se entre si e com a natureza. Mas aprendemos mais do que isso. Saúde: ‘É o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença” (OMS). A saúde, portanto, é algo que se constrói durante toda a vida, nas relações sociais e culturais. A educação, por sua vez, é apontada como um dos fatores mais significativos para a promoção da saúde. “Saúde é a resultante das condições de habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde”. UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 Hoje, acreditamos que a saúde é uma conquista, não apenas de cada indivíduo na sua vida particular, mas dos sujeitos sociais que têm a capacidade de lutar coletivamente para transformar a si mesmo e ao mundo e, assim, poderem alcançar a qualidade de vida que favoreça a saúde de todos (FONSECA, et.. al, 2004). Quando falamos de qualidade de vida, pretendendo relacionar essa ideia à de saúde, estamos apenas reforçando o conceito presente na VIII Conferência Nacional de Saúde (1986). Temos, aqui, portanto, um conceito ampliado, pois nos faz ver a saúde como algo a mais que a ausência de doença, o que nos compromete com a ideia de que uma situação de vida saudável não se resolve somente com a garantia do acesso aos serviços de saúde – o que também é fundamental – mas, sobretudo, com condições dignas de vida que, em conjunto, podem nos proporcionar essa situação. Segundo os autores Barcelos e Iñguez apud Lima (2011), a saúde é muito mais do que não ter uma doença e pode ser considerada como um estado que, no nível individual, pressupõe a sensação de bem- estar. No nível coletivo, populacional, a saúde e a doença, ou melhor, a saúde e os problemas de saúde são construídos socialmente, mediante processos. Os fatores gerais que participam desses processos são de várias origens e todos atuam em uma teia: a biologia humana, o ambiente, o comportamento e o sistema de serviços de saúde. A exposição às situações que prejudicam a saúde não é, em geral, escolha dos indivíduos nem das famílias, mas o resultado da falta de opções para evitar ou eliminar as situações de vulnerabilidade, do desconhecimento e, em algumas ocasiões, a exposição pode ser acidental (BARCELOS; ROJAS apud LIMA, 2011). A situação de saúde é produzida nos meios biológico, físico, social e cultural. E isso deve ser levado em consideração para se tentar transformar a situação de saúde de um indivíduo ou comunidade. • Meios biológicos que interferem nas situações de saúde/doença: idade, sexo, características pessoais genéticas, tempo de exposição aos vírus, ás bactérias, aos insetos transmissores de doenças. • Meios físicos: condições de saneamento, ocupação e moradia, fontes de água para consumo, qualidade dos alimentos, dentre outros. • Meio socioeconômico e cultural: renda, acesso à educação formal, lazer, hábitos, liberdade e, claro, acesso aos serviços de promoção e recuperação da saúde. Para que essa transformação aconteça, a interseção entre educação e saúde torna-se fundamental. Seu aprimoramento é um grande desafio para os profissionais, atores e interlocutores dessas duas áreas. 1.3 Educação em Saúde11 Para a Fundação Nacional de Saúde (BRASIL, 2007b), a educação em saúde é um processo sistemático, contínuo e permanente que objetiva a formação e o desenvolvimento da consciência crítica do cidadão, estimulando a busca de soluções coletivas para os problemas vivenciados e a sua participação real no exercício do controle social. Participação é tomar parte de; assumir o que é seu de direito; é ser sujeito e ator; é assumir o controle social. Segundo João Bosco Pinto, 1984, “a participação real é a que se identifica com as reivindicações da população para assumir parte das decisões sociais”. Segundo essa mesma fundação, a finalidade da ação de educação em saúde é a transformação. Esta ação, como área do conhecimento, contribui de forma decisiva para a consolidação dos princípios e diretrizes do SUS. A sua clientela é composta de profissionais de saúde, grupos sociais e população em geral, respeitando as suas formas de organização (BRASIL, 2007b). A educação em saúde ocorre nas relações que se estabelecem entre os profissionais de saúde e saneamento e destes com os serviços na sua organização, gestão participativa e escolha dos melhores caminhos a percorrer, que suscitem a maior participação da comunidade, a definição de suas necessidades e das formas de atuar dentro do próprio serviço, na democratização do atendimento e da informação à comunidade e aos seus grupos sociais; e dela, a comunidade, com os serviços, quando de posse da informação e no exercício da participação, influi nas mudanças necessárias à promoção da saúde coletiva e exerce o controle social sobre o sistema. Freire (1921) já afirmava a necessidade de que educadores e educandos se posicionassem criticamente ao vivenciarem a educação, separando as posturas ingênuas ou astutas, negando, de uma vez por todas, a pretensa neutralidade da educação. 11 Adaptado de: AMÂNCIO FILHO, Antenor. Dilemas e desafios da Formação Profissional em Saúde. Interface - Comunic, Saúde, Educ, v. 8, n.15, p.375-80, Rio de Janeiro. mar/ago 2004 e LIMA, Joaquim Francisco de. Fundamentos de Educação em Saúde. Montes Claros: Unimontes, 2011 5 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 O MS define educação em saúde como: Processo educativo de construção de conhecimentos em saúde que visa à apropriação temática pela população [...]. Conjunto de práticas do setor que contribui para aumentar a autonomia das pessoas no seu cuidado e no debate com os profissionais e os gestores a fim de alcançar uma atenção de saúde de acordo com suas necessidades (BRASIL, 2006). As práticas de educação em saúde envolvem três segmentos de atores prioritários: os profissionais de saúde que valorizem a prevenção e a promoção tanto quanto as práticas curativas; os gestores que apoiem esses profissionais; e a população que necessita construir seus conhecimentos e aumentar sua autonomia nos cuidados, individual e coletivamente. Embora a definição do MS apresente elementos que pressupõem essa interação entre os três segmentos das estratégias utilizadas para o desenvolvimento desse processo, ainda existe grande distância entre retórica e prática. A educação em saúde como processo político pedagógico requer o desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo,permitindo desvelar a realidade e propor ações transformadoras que levem o indivíduo à sua autonomia e emancipação como sujeito histórico e social, capaz de propor e opinar nas decisões de saúde para cuidar de si, de sua família e de sua coletividade.12. A temática deve envolver a compreensão de projetos de sociedades e visões de mundo que se atualizam nas formas de conceber e organizar os discursos e as práticas educativas no campo da saúde (MOROSINI; FONSECA e PEREIRA, 2009). As práticas de educação em saúde são inerentes ao trabalho em saúde, mas muitas vezes estão relegadas a um segundo plano no planejamento e organização dos serviços, na execução das ações de cuidado e na própria gestão. 1.4 Educação na Saúde13 Educação na saúde, de acordo com o glossário eletrônico da BVS (BRASIL, 2009), consiste na produção e sistematização de conhecimentos relativos à formação e ao desenvolvimento para a atuação em saúde, envolvendo práticas de ensino, diretrizes didáticas e orientação curricular. Para Feuerwerker (2007) Educação na Saúde é um campo de produção de conhecimento, necessariamente inter/transdisciplinar, em que os entrelaçamentos entre filosofia, ciência, técnicas, tecnologias e práticas sociais se apresentam de maneira específica. Educação na saúde é um campo de saberes e de práticas sociais em pleno processo de constituição/construção. Há tensões e disputas na definição de suas temáticas centrais e na maneira de abordá-las. Há tensões e disputas nos movimentos “antropofágicos”, de combinação de referências que muitas iniciativas de mudança operam na prática. É um campo a ser trabalhado do ponto de vista da produção de conhecimento e das práticas sociais. Essa é uma tarefa para todas as profissões da saúde. Mais: é uma tarefa para todos os campos de saber entrecruzados com a saúde e com a educação na produção do compromisso ético-político que norteia o movimento da reforma sanitária brasileira (FEUERWERKE, 2007). Os cenários de atuação dos profissionais da saúde são os mais diversos e com o rápido e constante desenvolvimento de novas tecnologias. Além de exigências diárias envolvendo inteligência emocional e relações interpessoais se faz necessário que haja algo para além da graduação, que possa tornar os profissionais sempre aptos a atuarem de maneira a garantir a integralidade do cuidado, a segurança deles próprios como trabalhadores e dos usuários e a resolubilidade do sistema. Nesse contexto o traço original da educação deste século é a colocação do indivíduo nos contextos social, político e ético-ideológico. A educação no século XX tornou-se permanente e social e as idéias universalmente difundidas entre elas é a de que não há idade para se educar, de que a educação estende- se pela vida e ela não é neutra, mas engajada (GADOTTI, 2000). Para tanto, há duas modalidades de educação no trabalho em saúde: a educação continuada e a educação permanente. A educação continuada envolve as atividades de ensino após a graduação, possui duração definida e utiliza metodologia tradicional, tais como as pós-graduações, enquanto a educação permanente 12 MACHADO et al (2007). 13 FALKENBERG et al. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúdecoletiva Ciência & Saúde Coletiva, vol. 19, núm. 3, marzo-, 2014, pp. 847-852 6 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 estrutura-se a partir de dois elementos: as necessidades do processo de trabalho e o processo crítico como inclusivo ao trabalho14. Para o Glossário eletrônico da BVS (BRASIL, 2009), educação continuada, consiste no processo de aquisição sequencial e acumulativa de informações técnico-científicas pelo trabalhador, por meio de escolarização formal, de vivências, de experiências laborais e de participação no âmbito institucional ou fora dele. A educação continuada caracteriza-se por alternativas educacionais mais centradas no desenvolvimento de grupos profissionais, seja por meio de cursos de caráter seriado, seja por meio de publicações específicas em determinado campo (BACKES; SCHMIDT e NIETSCHE, 2003). Já a educação permanente consiste em ações educativas embasadas na problematização do processo de trabalho em saúde e que tenham como objetivo a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho, tomando como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações, a reorganização da gestão setorial e a ampliação dos laços da formação com o exercício do controle social em saúde (BRASIL, 2009). O desafio da educação permanente é estimular o desenvolvimento da consciência nos profissionais sobre o seu contexto, pela sua responsabilidade em seu processo permanente de capacitação. 5. Educação para a Saúde Para Rozemberg et al (2004) grande parte da história da educação em saúde pode ser contada através de inúmeras ações voltadas para mudanças no corpo dos indivíduos. As campanhas antitabagistas ou para o uso de preservativos são exemplos bastante conhecidos. Por conta dessa longa história – e também da aceitação que o conceito de saúde vinculado apenas à ausência de doença teve –, é comum a compreensão de um tipo de educação que aqui chamaremos de educação para a saúde. Para o autor a educação para a saúde privilegia as informações sobre o auto-cuidado e acredita firmemente que a saúde é uma questão apenas biológica. [...] o processo educacional, em geral, deve apontar para objetivos que se constroem e se estendem no tempo. Não é raro que as transformações em saúde, baseadas na educação, demandem um tempo prolongado para acontecer, sobretudo porque a educação não transforma diretamente; ela busca, através do compartilhamento de seus conhecimentos, percepções, conceitos éticos e criar as condições para que os atores sociais produzam as transformações que nos permitam viver melhor [...] O desafio é o de desconstruir os preconceitos que amarram as nossas práticas, experimentarmos o inusitado, inventando junto com a população novos modos de sentir, de conhecer o mundo, de driblar as adversidades e de enfrentá-las quando possível (FIOCRUZ/ENSPEJV/PRRROFORMAR, 2004). Ou ainda: É a soma de todas as experiências que influenciam favoravelmente hábitos, atitudes e conhecimentos relacionados ao indivíduo e a saúde da comunidade. [...] um processo que objetiva capacitar indivíduos e/ou grupos para assumirem ou ajudarem na melhoria das condições de saúde da população. 6. Interrelações entre a educação e a saúde15 Os setores da educação e da saúde, como parte do setor terciário da economia, integram o conjunto daquelas atividades denominadas serviços de consumo coletivo e sofrem, portanto, os mesmos impactos do processo de ajuste macroestrutural a que o setor industrial vem sendo submetido nas duas últimas décadas: redução de custos, privatizações e terceirizações. No Brasil, de uma maneira geral, as instituições públicas de ambos os setores apresentam um quadro de dificuldades e de carências, com conseqüente retraimento e esvaziamento de suas ações, ocasionado por seguidos impactos de leis, de programas, de projetos referenciados em discursos de universalização do acesso, de melhoria da 14 AMÂNCIO FILHO, Antenor. Dilemas e desafios da Formação Profissional em Saúde. Interface - Comunic, Saúde, Educ, v. 8, n.15, p.375-80, Rio de Janeiro. mar/ago 2004 15 AMÂNCIO FILHO, Antenor. Dilemas e desafios da Formação Profissional em Saúde. Interface - Comunic, Saúde, Educ, v. 8, n.15, p.375-80, Rio de Janeiro. mar/ago 2004 7 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 qualidade dos serviços, de modernização de suas práticas, mas descolados da realidade para a qual vêm sendo formulados. O trabalho em saúde se caracteriza pelas incertezas decorrentes da indeterminação das demandas, pela descontinuidade e pela disponibilidade para atender a todosos casos, inclusive aqueles excepcionais. Ele guarda algumas especificidades que o impedem de seguir uma lógica rígida, como a racionalidade dos critérios da produção material, sendo difícil sua normalização técnica e a avaliação de sua produtividade. Na saúde, o denominado Movimento da Reforma Sanitária, que adquiriu impulso e dimensão nacional a partir da metade da década de 1980, procurava interpor-se a decisões/razões de ordem governamental, atuando para explicitar e disseminar a percepção da saúde não como contraposição à doença, mas como resultante de uma totalidade da qual é integrante e na qual interferem múltiplas dimensões do real, incluindo as esferas biológica, histórica, sociológica e tecnológica e, simultaneamente, apontando caminhos para superar uma tradicional característica dos organismos públicos, a do cumprimento acrítico a determinações das instâncias que os subordinam - muitas delas fundadas na expectativa de obtenção de resultados imediatos ou de curtíssimo prazo - e, ainda, procurando romper com a renitente inadequação entre formulações teóricas e a rebeldia do cotidiano. Mudança estratégica firmada por esse movimento dizia respeito à urgente melhoria dos processos de formação dos profissionais da saúde, com ênfase para os de nível médio, tendo em vista a importância da formação, qualificação, treinamento e atualização de pessoas para atuar não apenas em nível de gerência, mas, principalmente, para ocupar posições nos segundo, terceiro, quarto escalões da hierarquia funcional, porque é sobre esse contingente que recai enorme parcela de responsabilidade em sustentar e garantir, técnica e politicamente, a permanência do sistema de saúde. Todavia, decorridos tantos anos e acumuladas inúmeras intenções de aproximar as áreas da educação e da saúde, [...] a formação dos trabalhadores da saúde não se orienta pela leitura das necessidades sociais em saúde. É conduzida sem debate com os organismos de gestão e de participação social do SUS, resultando em autonomização do Ministério da Educação, das Universidades e das Sociedades de Especialistas nas decisões relativas às quantidades e características políticas e técnicas dos profissionais de saúde a serem formados (BRASIL, 2001, p.42-43). Nas formas legais vigentes, é atribuição do setor educacional aprovar, ministrar e reconhecer habilitações. No entanto, a educação vem formando profissionais para atuar na saúde sem que exista um diagnóstico preciso em relação às necessidades desse setor, o que ocasiona um descompasso entre as ações educacionais e as necessidades dos serviços de saúde, descompasso que obriga o setor saúde a assumir a responsabilidade e a intensificar iniciativas para preparar seus quadros nos próprios locais de trabalho, em particular os de nível médio, seja pela via do ensino supletivo, seja por meio de reciclagens e de treinamentos informais, na medida da incorporação desses profissionais à rede prestadora de serviços. Mesmo reconhecendo os esforços que vêm sendo efetivados nos últimos anos no tocante à formação de recursos humanos para a saúde, sob o argumento de consolidar o modelo do Sistema Único de Saúde, de uma maneira geral a formação dos trabalhadores desse setor permanece centrada na doença, “fundamentada no paradigma biologicista, tendo como unidade de ação e de reflexão o indivíduo, considerado em sua dimensão anátomo-clínica” (UFRJ/NESC, 2003, p.6), podendo ser observada a ausência ou a insuficiência de conteúdos que possibilitem (re)configurar a saúde como “a resultante das condições de alimentação, habitação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, acesso e posse da terra e acesso e acesso a serviços de saúde” (BRASIL, 1986, p.382), e que inclui, também, a assistência social, a educação, o saneamento. É visível a dificuldade de aplicação prática, por exemplo, de conceitos como o da promoção da saúde, intimamente relacionado à compreensão de que a saúde é dependente dos resultados de outros setores da ação governamental, dificuldade que, para ser vencida, requer o entendimento, a aceitação e a defesa do conceito ampliado de saúde, conforme expressado acima. Desse modo, para intervir na realidade, é necessário que os setores da educação e da saúde estabeleçam uma estreita e permanente parceria interinstitucional, objetivando desenvolver ações conjuntas e articuladas para a elaboração e a construção de uma proposta educacional que conjugue os conhecimentos produzidos e acumulados pelas duas áreas. Sendo esse o sentido, é preciso que a proposta compartilhada se insira “em um projeto mais amplo de sociedade, de história humana e de ação política” (FRIGOTTO, 1988, p.8), estabelecendo uma dinâmica que contemple a direcionalidade e as conseqüências, para o conjunto da sociedade, da incorporação e da aplicação de novas tecnologias. 8 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 2 Educação em Saúde: Evolução Histórica A educação em saúde é parte da saúde pública, portanto, quando estudamos esta disciplina devemos levar em consideração cada época e suas tendências dentro da medicina e ou dos serviços públicos de saúde. Antes de fazer qualquer juízo de valor é bom conhecer cada período, desde o higienista aos dias atuais. Pois a educação em saúde é dirigida para atuar sobre o conhecimento das pessoas, para que elas desenvolvam senso crítico e capacidade de intervenção sobre suas vidas e da coletividade, bem como sobre o ambiente com o qual interagem, criando condições para a melhor qualidade de vida. Para entendermos melhor a educação em saúde, tendo como pressupostos os escritos e Lima (2011) vamos conhecer a evolução da sua história como disciplina de ensino e serviços, pois, como qualquer um de nós ou de qualquer lugar, a educação em saúde tem a sua história. Segundo Nelly Martins Ferreira Candeias, do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo -, em 1922, os serviços estaduais de saúde pública passaram a desenvolver atividades inovadoras em decorrência da atuação de GERALDO HORÁCIO DE PAULA SOUZA (Médico Sanitarista), diretor do Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina de São Paulo. Ele também era responsável pela direção geral do Serviço de Saúde Pública do Estado. Motivo pelo qual passou a se empenhar no estudo da organização do órgão que dirigia para, em 1925, propor a reestruturação global dessa repartição estadual. Suas ideias podem ser assim resumidas: ✓ a desinfecção terminal, símbolo de antiquada tendência, deveria desaparecer com todo o seu obsoleto material, por ser desnecessária e por não se fundamentar em nenhuma medida científica; ✓ a ação sanitária local deveria realizar-se mediante um único órgão local de saúde pública, o centro de saúde, criado, pela primeira vez, no Brasil e na América Latina; ✓ o centro de saúde não deveria ser visto como um órgão estático à espera apenas de doentes ou de suspeitos interessados em procurá-lo. Esperava-se que sua ação fosse dinâmica, indo à procura de todos os membros da coletividade, sãos, suspeitos ou doentes; ✓ a política sanitária não poderia ficar a gosto dos antigos dirigentes de saúde pública, deveria ser colocada em situação secundária, sendo utilizada como medicação excepcional. A população deveria assimilar os preceitos necessários de higiene individual através da educação sanitária. A reforma do Código Sanitário, decorrente do Decreto 3.876, de 11 de julho de 1925, aprovado e submetido à modificação pela Lei 2121, de 30 de dezembro desse mesmo ano, deu origem a um auxiliar, de nível médio, explícito nas referidas formulações. Entre outras inovações, propôs a criação da Inspetoria de Educação Sanitária e de Centros de Saúde, e a inclusão de Curso de Educação Sanitária no Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina de São Paulo. Nem todos viram com bons olhos a proposta de inclusão do novo auxiliar no sistemade atendimento à saúde. Ao contrário, muitos a consideraram como “fantasia teórica”. De acordo com o Decreto 3.876, cabia à Inspetoria de Educação Sanitária “promover a formação da consciência sanitária da população em geral”. A expressão fora infeliz, pois, por ‘’consciência sanitária”, se compreendia, na época, a disseminação de conhecimentos na área da saúde, a que se denominava, também, de “educação higiênica”. De acordo com Paula Souza, a educação sanitária deveria se desenvolver com toda a generalidade possível e pelos processos mais práticos, de modo a impressionar e convencer os educandos a implantar hábitos de higiene. Dirigia-se ao indivíduo, isoladamente, ou a grupos, se conviesse, sendo desenvolvida nos Centros de Saúde, em visitas domiciliares, em estabelecimentos escolares, hospitalares e fabris, entre outros. Além da inadequada utilização, da expressão “consciência sanitária”, algumas das apreciações a respeito do papel da educação em saúde da época eram, de fato, questionáveis, pois os custosos aparelhamentos sempre formados de Higiene Pública, mantidos pelos governos, consumindo verbas consideráveis sem proveito apreciável, as inovações e arremedos introduzidos sem critérios e as adaptações forçadas que não levaram em conta o meio e os hábitos do nosso povo serviram, entretanto, para demonstrar que, sem a consciência sanitária, nada se podia conseguir em matéria de higiene. Para Nelly Martins, Paula Souza foi um realizador hábil, não um teórico distanciado da realidade. Contudo, nos termos referidos por alguns, parecia-se sugerir, às vezes, que grandes contingentes da população em nosso país pudessem tomar decisões, “com um pouco de boa vontade”, sem explicitar que, de fato, os riscos mais importantes não são auto-impostos, porém, sociais e ambientais. 9 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 2.1 A implantação da Educação em Saúde Você pode estar se perguntando: de onde veio essa ideia de formar educadores em saúde? Pois bem, a ideia foi do próprio Geraldo Horácio de Paula Souza, copiada dos Estados Unidos, onde ele permanecera por dois anos (1918-1920), fazendo o seu curso de doutoramento. Naquele país, a educação em saúde na escola reporta-se ao ano de 1840, quando Horace Mann (1796-1859) líder de um movimento ligado à educação em saúde, passou a se manifestar sobre a importância de disseminar conhecimentos oriundos das áreas de fisiologia e de higiene, recomendando a instrução em saúde. A proposta prendia-se, portanto, apenas ao nível cognitivo; a instrução em saúde foi, de fato, a partir de uma perspectiva histórica, o primeiro objetivo da educação em saúde. A literatura mostra que, no período de 1850 a 1900, muitos dos esforços em nível nacional, estadual e local visavam a estimular a educação em saúde na escola. Profissionalmente treinados, os educadores de saúde na escola surgiram, precisamente, no referido período, tendo seu preparo se realizado em escolas normais. Anos depois, como seria de se esperar, as universidades passaram a oferecer cursos de graduação e de pós-graduação nessa área. O primeiro curso de Educação em Saúde realizou-se em 1921-22, na Faculdade de Saúde Pública associada à Universidade Harvard (EUA) — MIT (Massachusetts Institute of Technology). Como consta no artigo da Lei 212116, o curso, de nível médio, dirigia-se a professores primários, regentes de classe. O objetivo expresso era ministrar conhecimentos teóricos e práticos de higiene para que esses professores os introduzissem, posteriormente, nos recém-criados Centros de Saúde e em escolas públicas, a partir de uma proposta eminentemente profilática17. Outros passos na direção de programas de educação em saúde no país foram dados por Carlos Sá e Cesar Leal Ferreira que, em 1924, criaram, no Município de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, o primeiro Pelotão de Saúde em uma escola estadual. No ano seguinte, Antonio Carneiro Leão, Diretor de Instrução Pública, mandou adotar o mesmo modelo nas escolas primárias do antigo Distrito Federal. Conforme relatado anteriormente, em 1925, Horácio de Paula Souza cria a Inspetoria de Educação Sanitária e os Centros de Saúde do estado de São Paulo, com a finalidade de “promover a formação da consciência sanitária da população e dos serviços de profilaxia geral e específica”. Surge, pela primeira vez, o título de educador sanitário, preparado pelo Instituto de Higiene do Estado, cuja responsabilidade principal era a divulgação de noções de higiene para alunos das escolas primárias estaduais. Na mesma época, era criada, em Pernambuco, por Amaury Medeiros, a Inspetoria de Educação Sanitária do Departamento de Saúde e Assistência. A fundação do Ministério da Educação e Saúde – MES -, (MES – está referindo à sigla de Ministério da Educação e Saúde e não mês do ano) na década seguinte, cristalizou, na saúde, a centralização administrativa advinda do processo revolucionário de 1930, o que acabou gerando, além do sufocamento de todas as iniciativas estaduais, a concentração das atividades sanitárias nas cidades, notadamente nas capitais. 16 Lei que aprova o Decreto de n.º 3.876, de 11 julho de 1925, que reorganizou o serviço sanitário e repartições dependentes 17 Medidas preventivas, formas de combater ou controlar doenças. No contexto acima, desenvolver, nos centros de saúde e escolas públicas, a educação higiênica, para evitar possíveis doenças. 10 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 2.2 Serviços de Educação em Saúde Com a reestruturação do Departamento Nacional de Saúde, do MES, foi transformado o “Serviço de Propaganda e Educação Sanitária” em “Serviço Nacional de Educação Sanitária”, com o objetivo de “formar na coletividade brasileira uma consciência familiarizada com problemas de saúde”. No âmbito dos estados, foram criadas réplicas dos serviços federais, nos respectivos órgãos de saúde pública. O Ministério da Educação e Saúde, reunindo essas duas funções paralelas, tinha condições de proporcionar aos administradores as oportunidades de conjugá-las e, consequentemente, prover um campo educacional extraordinário para o propósito de tornar a vida saudável. Como nos informa Brito Bastos, em seu relatório de 1969, “essa oportunidade, porém, não foi explorada na prática. Os Serviços de Educação Sanitária, quando muito, limitavam suas atividades à publicação de folhetos, livros, catálogos e cartazes; distribuíam na imprensa do país pequenas notas e artigos sobre assuntos de saúde; editavam periódicos sobre saúde; promoviam concursos de saúde e lançavam mãos dos recursos audiovisuais para difundir os conceitos fundamentais da saúde e da doença. Os esforços se concentravam, dessa forma, na propaganda sanitária e, neste setor, já bastante reduzido, dava-se preferência às formas escritas, visuais, de propaganda, sem considerar o grande número de analfabetos no país, que era de 60%, em 1940. Esses analfabetos se concentravam, como era de se esperar, nas baixas camadas das populações urbanas e no campo”. A primeira grande transformação de mentalidade nas atividades da educação sanitária ocorreu em 1942, com a criação do Serviço Especial de Saúde Pública - SESP. Desde seu começo, o SESP reconheceu a educação sanitária como atividade básica de seus planos de trabalho, atribuindo aos diversos profissionais, técnicos e auxiliares de saúde a responsabilidade das tarefas educativas junto a grupos de gestantes, mães, adolescentes e à comunidade em geral. Foi o SESP quem começou a preparar as professoras da rede pública de ensino como agentes educacionais da saúde. Esse exemplo de expandir essas ações para além dos limites dos órgãos de saúde logo foi seguido pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais – DNERu. Um bom exemplo dos trabalhos da Educação em Saúde nessa época foi a experiência da participação dos professoresrurais no controle do barbeiro (transmissor da Doença de Chagas) no município de Bambuí/MG., em 1974. “Bambuí está livre da presença do barbeiro, graças ao trabalho das professoras, cujo êxito pode ser atribuído ao processo de capacitação das mesmas, onde se procurou levar em conta suas experiências e vivências, reconhecendo sua autonomia, seus pontos de vista e sugestões. Em suma, houve o respeito à capacidade de grupo dos professores e da comunidade” (João Carlos Pinto Dias). 11 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 O Ministério da Educação e Saúde, ao se consolidarem em duas instituições autônomas, poderia ter propiciado o fortalecimento da área de Educação Sanitária/Educação em Saúde, mas isto só vai ocorrer alguns anos depois, quando acontece a segunda transformação com a reformulação da estrutura do Serviço Nacional de Educação Sanitária e a integração das atividades de educação no planejamento das ações dos demais órgãos do Ministério da Saúde. Essas mudanças foram reflexo, também, de dois eventos internacionais. A 12ª Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra (1958), reafirmou o conceito “que a educação sanitária abrange a soma de todas aquelas experiências que modificam ou exercem influência nas atitudes ou condutas de um indivíduo com respeito à saúde e dos processos expostos necessários para alcançar estas modificações”. Na 5ª Conferência de Saúde e Educação Sanitária, realizada em Filadélfia, em 1962, o diretor geral da Organização Mundial de Saúde assinalou que “os serviços de educação sanitária estão chamados a desempenhar um papel de primeiríssima importância para saltar o abismo que continua existindo entre descobrimentos científicos da medicina e sua aplicação na vida diária de indivíduos, famílias, escolas e distintos grupos da coletividade”. Nas diversas reorganizações administrativas do Ministério da Saúde entre 1964 e 1980, devem ser assinaladas a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM (pela fusão do DNERu com a CEM, Campanha de Erradicação da Malária), da Fundação SESP e, já em fins da década de 1970, da Divisão Nacional de Educação em Saúde da Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde. É importante ressaltar que, mais do que uma mudança terminológica, de educação sanitária para educação em saúde, tentava-se uma nova transformação conceitual. Todas essas mudanças, entretanto, não contribuíram para o principal, que seria a introdução do componente de educação nos programas de saúde desenvolvidos pelo Ministério e pelas Secretarias Estaduais de Saúde (as Secretarias Municipais só realizavam atividades de assistência, quando o faziam). A terceira transformação começa a acontecer, no entanto, ainda em meados da década de 1970, quando da implantação dos primeiros sistemas nacionais de informações de saúde, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (1976) e o Cadastro de Estabelecimentos de Saúde (1979). No processo de implantação desses sistemas, os veículos de comunicação de massa foram chamados para colaborar na divulgação da importância de se contar com dados confiáveis sobre esses temas e dos prazos de implementação dos sistemas. Aproveitava-se uma medida administrativa para informar à população as condições de saúde e da rede de atendimento. Utilizou-se, também, pela primeira vez e de forma bastante tímida, a propaganda (ou marketing) subliminar, com o preenchimento de atestado de óbito em uma novela de televisão. Essa “terceira onda” da educação em saúde se explicita em 1989, ao se incorporar ao Projeto Nordeste II o financiamento, pelo Banco Mundial, de US$ 20 milhões para as ações de IEC - Informação, Educação e Comunicação. Ao mesmo tempo em que se fazia evidente que os métodos e meios de educação em saúde tradicionalmente utilizados não mais demonstravam eficiência, aprofundava-se o fosso do desentendimento entre seus defensores e aqueles que propugnavam a adoção da transmissão do conhecimento através dos modernos meios e técnicas de comunicação de massa. Surge, aí, o Programa de Controle das Doenças Endêmicas do Nordeste – PCDEN -, do Ministério da Saúde, que restringiu a área da educação em saúde a um serviço na Fundação Nacional de Saúde que, mesmo sem estrutura administrativa adequada e talvez sem pessoal técnico especializado, procurou desempenhar os componentes educação em saúde e mobilização comunitária nos Programas de Controle 12 da Leshmaniose Visceral (calazar), doença de Chagas e da esquistossomose. Os profissionais de saúde que atuavam na Educação em Saúde ampliaram as ações educativas para os programas de controle da malária, da febre amarela, da dengue, da tracoma, da peste bubônica e do bócio endêmico. Por mais que os programas do MS deixaram de contar com setor especializado para suporte de suas atividades, a população das áreas endêmicas receberam importantes insumos onde conheceram, entenderam e modificaram sua condição de saúde. O exemplo disso foi a redução da transmissão vetorial da doença de Chagas. Em 1999, houve a descentralização, para os estados e municípios, das ações e serviços da Fundação Nacional de Saúde, no que se referia à Vigilância Epidemiológica, cabendo, a essa instituição, uma nova missão: Em 1996, as atividades de educação em saúde se voltaram para os demais projetos e programas do Ministério da Saúde, como o projeto Saúde na Escola, integrado à TV Escola do MEC, que entrou em execução em 20 de agosto de 1997, compondo semanalmente a grade de programação de 50.000 escolas do ensino fundamental. Outro passo importante dado pela administração do MS foi a definição, em 1998, de uma Diretoria de Programas para a área, o que naturalmente ampliou a abrangência da proposta, fazendo-a evoluir de um Projeto Saúde na Escola para um Programa de Educação em Saúde. UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 [...] realizar ações de saneamento ambiental em todos os municípios brasileiros e de atenção integral à saúde indígena, promovendo a saúde pública e a inclusão social, com excelência de gestão, em consonância com o SUS e com as novas metas do milênio [...]. A partir do ano 2000, a educação em saúde, nessa instituição, fica como parte integrante dos processos de projetos de saneamento ambiental, “Projeto de Educação em Saúde e Mobilização Social – PESMS -”, que é financiado com recursos municipais como contrapartida e de execução direta da FUNASA, nas comunidades quilombolas, extrativistas, ribeirinhos, assentados (INCRA) e comunidades indígenas. Foram várias experiências bem sucedidas por todo o país, com realizações de Oficinas de Educação em Saúde e Mobilização Social e suas ações de continuidade. Exemplo: comunidade quilombola de Buriti do Meio, em São Francisco/MG, Rio das Rãs, em Bom Jesus da Lapa/BA, Serra do Talhado em Santa Luzia/PB; aldeias indígenas de Caatinguinha e Peruaçu - Xakriabá e Vila Nova – Maxakali, em MG. Importante destacar que com a implementação da estratégia de Saúde da Família (na década de 90), que, no contexto da política de saúde brasileira tem contribuído para a construção e consolidação do SUS. Dentre os diversos espaços dos serviços de saúde, destacam-se os de atenção primária como um contexto privilegiado para desenvolvimento de práticas educativas em saúde. Isso devido à particularidade desses serviços, caracterizados pela maior proximidade com a população e pela ênfase nas ações preventivas e promocionais. Dentre as funções dos trabalhadores de saúde da atenção primária, destacam- se: prestar atenção preventiva, curativa e reabilitadora, ser comunicador e educador em saúde. O programa de educação em saúde, hoje, é abrangente a toda a atenção primária à saúde e às vigilâncias (ambiental, epidemiológica e sanitária), em todos os estados e em todos os municípios brasileiros. Diante do exposto é possível dizerque a educação em saúde é parte da saúde pública e, consequentemente, da Medicina; cada época reflete as tendências dessa área e acaba produzindo suas concepções, por isso, não podemos criticar o período higienista e da educação sanitária sem analisar as políticas de saúde e as suas tendências. Considerar a educação em saúde como disciplina de ação significa dizer que o trabalho é dirigido para atuar sobre o conhecimento das pessoas, para que elas desenvolvam juízo crítico e capacidade de intervenção sobre suas vidas e sobre o ambiente com o qual interagem e, assim, criarem condições para se apropriarem de sua própria existência. As atividades educativas voltadas para os projetos e programas têm o objetivo de estabelecer o espaço de atuação entre a esperança do indivíduo e os projetos governamentais. Deve considerar a pessoa como ser vivente, com alma, com ideias, com sentimentos e desejos, como gente. E deve aproximar as tecnologias do homem comum e a ação governamental do cidadão que, por sua vez, exerce o controle social dessas ações e serviços. A educação em saúde trabalha numa perspectiva de que a transmissão do conhecimento técnico- científico não pode ser ato de favor dos detentores do poder e do conhecimento. As pessoas devem ter acesso fácil, oportuno e compreensível, a dados e informações de qualidade sobre sua saúde (desde o prontuário médico ou ficha clínica) e sobre as condições de vida de sua comunidade, cidade, município, estado e país, além de participar das sugestões, do planejamento e do controle. 2.3 História da Saúde Pública no Brasil: linha do tempo18 Para que possamos analisar a realidade hoje existente, no que se refere às Políticas Públicas da Educação em Saúde, é necessário conhecermos os determinantes históricos envolvidos neste processo, pois, assim, como nós somos frutos do nosso passado e da nossa história, o setor saúde também sofreu influências de todo o contexto político-social pelo qual o Brasil passou ao longo do tempo. Nesse sentido, assista atentamente ao vídeo: “Política Públicas de Saúde no Brasil: Um século de Luta pelo direito à saúde19 e acompanhe a explanação dialogada do resumo da história da Saúde Pública no Brasil (1500-2016). 18 Resumo organizado por Francélia Sales (Pedagoga; Especialista em: Educação Comunitária em Saúde; Psicopedagoga; Gestão Pedagógica para as ETSUS; Gestão de Pessoas; Gestão em Saúde) para o Manual 1 do Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará. 19 Documentário, YouTubeBR – Vídeos. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=mASmxCU0nIE>.. 13 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 RESUMO: ✓Os conceitos de educação em saúde e educação na saúde, apesar de suas distinções apresentam conexões que devem ser alvo de reflexão por parte dos atuais e futuros profissionais de saúde. ✓Na educação em saúde deve ser enfatizada a educação popular em saúde, que valoriza os saberes, o conhecimento prévio da população e não somente o conhecimento científico. Na educação na saúde deve ser enfatizada a educação permanente em saúde, de maneira a buscar nas lacunas de conhecimento dos profissionais, ações direcionadas a qualificação dos processos de trabalho em saúde considerando as especificidades locais e as necessidades do trabalho real. ✓A educação em saúde surge a partir do empenho, da atuação de Geraldo Horácio de Paula Souza, diretor do Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina de São Paulo, e que ele mesmo trouxe a ideia dos EUA (Estados Unidos da América), em 1920. ✓No período de 1850 a 1900, muitos dos esforços em nível nacional, estadual e local visavam a estimular a educação em saúde na escola, onde deu origem ao profissional auxiliar, de nível médio, e depois, o educador sanitário. ✓Desde o seu começo, a FSESP reconheceu a educação sanitária como atividade básica de seus planos de trabalho, atribuindo aos diversos profissionais, técnicos e auxiliares de saúde a responsabilidade das tarefas educativas junto a grupos de gestantes, mães, adolescentes e à comunidade em geral. Foi o SESP quem primeiro preparou as professoras da rede pública de ensino como agentes educacionais da saúde. ✓Foi entre 1964 e 1980 que sinalizaram e criaram a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM, pela fusão do DNERu, CEM, (Campanha de Erradicação da Malária), da Fundação SESP e, já em fins da década de 1970, da Divisão Nacional de Educação em Saúde da Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde.Havendo, aí, a mudança terminológica, de educação sanitária para educação em saúde. Em 1996, as atividades de educação em saúde se voltaram para os demais projetos e programas do Ministério da Saúde, como o projeto Saúde na Escola, integrado à TV Escola do MEC. ✓A partir do ano 2000, a educação em saúde, na FUNASA, fica como parte integrante dos processos de projetos de saneamento ambiental, “Projeto de Educação em Saúde e Mobilização Social – PESMS”, e, desde a década de 1990, faz parte das ações da estratégia de Saúde da Família que, no contexto da política de saúde brasileira, tem contribuído para a construção e consolidação do SUS. Importante destacar: Mudança terminológica, de educação sanitária para educação em saúde20 A mudança de nomenclatura de educação sanitária para educação em saúde diz respeito a mudanças nos paradigmas vigentes na prática educativa da época. A educação sanitária baseava-se na concepção de que o indivíduo tinha que aprender a cuidar de sua saúde, vista como ausência de doença. A educação era entendida como um repasse de conhecimentos de saúde, seguindo a educação tradicional e a educação “bancária”. O objetivo da educação em saúde, por sua vez, não é o de informar para a saúde, mas de transformar saberes existentes. A prática educativa, nesta perspectiva, visa ao desenvolvimento da autonomia e da responsabilidade dos indivíduos no cuidado com a saúde, porém, não mais pela imposição de um saber técnico-científico detido pelo profissional de saúde, mas sim pelo desenvolvimento da compreensão da situação de saúde. Objetiva-se, ainda, que essas práticas educativas sejam emancipatórias. A estratégia valorizada por este modelo é a comunicação dialógica, que visa à construção de um saber sobre o processo saúde-doença-cuidado que capacite os indivíduos a decidirem quais as estratégias mais apropriadas para promover, manter e recuperar sua saúde e a da comunidade. 20 Fonte: Revista Baiana de Saúde Pública v.33, n.4, p.618-627. out./dez. 2009. 14 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA: EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 Atividades de Fixação 1: 1. De acordo com o decreto 3.876, o que cabia à Inspetoria de Educação Sanitária? 2. O primeiro curso de Educação Sanitária foi oferecido aos professores primários e regentes de classe das escolas públicas. Qual foi o objetivo? 3. O que gerou a centralização administrativa advinda do processo revolucionário de 1930? 4. Sabemos que educação em saúde é mudança de atitude, é transformação. Baseando-se no texto, quando isso ocorre? 5. A educação sanitária/educação em saúde foi reafirmada em dois eventos internacionais; cite-os. 6. Descrever a diferenças das nomenclaturas educação sanitária e educação em saúde. 7. Qual o objetivo da educação em saúde no Serviço de Propaganda e Educação Sanitária? 8. Qual o significado de educação? 9. Por que Chiavenato (2006) relata que a educação ocorre desde o seu nascimento até a morte? 10.Então, para você, o que é ter saúde? 11. Como você viu anteriormente, a situação de saúde é produzida nos meios biológico, físico, social e cultural. Em seu bairro, o que você acredita que tem maior peso na geração de saúde/doença e por quê? 12. A partir dos conceitos de educação e saúde apresentados, construa o seu conceito de saúde e de educação em saúde. 15 UNIDADE FORTALEZA DISCIPLINA:EDUCAÇÃO EM SAÚDE DOCENTE: SÂMYA LÔBO 2018.1 REFERÊNCIAS: AMÂNCIO FILHO, Antenor. Dilemas e desafios da Formação Profissional em Saúde. 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