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AN02FREV001/REV 4.0 232 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE O SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 233 CURSO DE O SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL MÓDULO IV Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 234 MÓDULO IV 12 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: INTRODUÇÃO Em nosso dia a dia estamos rodeados de informações. Seja por meio de jornais, revistas, rádio, televisão, enfim, qualquer meio de comunicação. Ou por intermédio da expressão de nossas opiniões sobre qualquer tema do cotidiano. Desde a hora que vamos ao trabalho até a hora que retornamos em casa, a comunicação é o que torna possível as relações com as pessoas, define a maneira de nos posicionarmos no mundo e de conviver em sociedade. A comunicação pode ser percebida de muitos modos, e cada modo determina um entendimento da relação entre pessoas, no contexto institucional e social. Os diferentes modos implicam diferentes formas de intervir na realidade. Neste Módulo, vamos tratar de um aspecto específico da comunicação, aquele que está presente nas “relações entre as instituições de saúde” (e suas políticas, seus processos e práticas) e “a população”, ou mais especificamente, a comunicação entre o setor saúde e o usuário. Vamos chamar esse conjunto de coisas – instituições, políticas, processos, práticas – “campo da comunicação em saúde”. Evidentemente, será impossível a abordagem do tema em todas as suas dimensões por conta do curto espaço deste curso. Porém, serão enfatizados os aspectos mais importantes deste campo de estudo. AN02FREV001/REV 4.0 235 13 O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE Esse item abordará o tema da educação em saúde em seu contexto histórico mundial, enfatizando a realidade brasileira de surgimento das ações deste campo da saúde. Em um recente trabalho publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (2007), é realizado uma periodização da educação em saúde. Esta se inicia no ano de 1949, quando o presidente americano Henry Truman lançou um plano voltado para os países do chamado Terceiro Mundo – o “Ponto 4”, no qual as técnicas de comunicação eram consideradas fundamentais na luta contra os desequilíbrios sociais que, segundo seus mentores, favoreciam a implantação do comunismo internacional. No seu discurso, ele usou, pela primeira vez na linguagem internacional, o termo “desenvolvimento”, para designar o seu contrário, o “subdesenvolvimento”. Tem início, então, um longo período em que “comunicação” passa a ser palavra de ordem e palavra-chave para os países subdesenvolvidos: a comunicação era vista como fator necessário e suficiente para o desenvolvimento. A ideia dominante era a de que o subdesenvolvimento era produto da falta de informação da população sobre os hábitos mais corretos. A crença geral era de que, para superá-lo, bastaria disseminar informação adequada sobre procedimentos que deveriam ser adotados pela população. Ou seja, percebia-se uma relação direta de causa e consequência entre comunicação e o progresso dos países. Essa abordagem casava admiravelmente com os modelos da saúde, com sua preocupação em eliminar, pela educação, os hábitos pouco saudáveis da população. Ambos analisavam a realidade como resultante do modo de agir das pessoas e tributavam aos indivíduos a responsabilidade pela resolução dos problemas. Às instituições públicas cabia educar, informar, enfim, comunicar. A associação comunicação/desenvolvimento produziu um modo de pensar e agir na intervenção social muito bem aceita e incorporada pelas instituições. AN02FREV001/REV 4.0 236 No campo da saúde, a perspectiva da “comunicação e desenvolvimento” conquistou hegemonia e passou a orientar as análises, os planejamentos e as ações referentes à implantação de políticas públicas, tanto mais quanto correspondia à orientação desenvolvimentista dos governos da época. Nos governos militares (de 1964 ao início da década de 1980) foi agregado o componente segurança nacional. O raciocínio era muito simples: pessoas não têm conhecimentos suficientes e hábitos desejáveis; a falta de uns e outros instauram uma situação de carência e favorece a disseminação de ideologias que ameaçam a segurança nacional; com informação adequada, as pessoas desenvolvem uma atitude favorável ao progresso, adotam os hábitos recomendados e mantêm-se “ideologicamente saudáveis”. A perspectiva desenvolvimentista traz subjacentes modos de conceber os polos da relação comunicativa – emissor e receptor – e a função da comunicação. O próximo quadro, segundo Fiocruz (2007), apresenta alguns desses modos: FONTE: Arquivo Pessoal do Autor. AN02FREV001/REV 4.0 237 Ainda segundo Fiocruz (2007), ao final da década de 1950 e início da década de 1960, ocorreu um movimento de abrangência nacional que envolveu muitos campos de atividade e possibilitou a emergência de críticas a esse modo de pensar e fazer comunicação voltada para o desenvolvimento. Ele representava tudo àquilo que não se queria mais: vinha de fora, não respeitava a história e os contextos locais, não permitia o desenvolvimento de um saber crítico. Surgiram, então, algumas alternativas teóricas e metodológicas, entre as quais se destacou a proposta dialógica de Paulo Freire. Falando resumidamente das perspectivas de Paulo Freire, o educador colocava em relevo que a população também possuía conhecimentos pertinentes ao seu próprio desenvolvimento. Mas, em que pese ter se disseminado bastante como discurso, tal abordagem nunca conseguiu se sobrepuser, ou mesmo ombrear, na prática, ao modo desenvolvimentista de pensar e fazer comunicação. As causas são diversas, entre elas, a dificuldade de desenvolver estratégias possíveis de serem absorvidas pelas instituições, a ideologização de suas premissas e o fato de não ter conseguido libertar-se inteiramente da influência do modelo binformacional. Conservando, portanto, suas características de linearidade (só considera uma dimensão), bipolaridade (só leva em conta dois polos da relação) e apagamento da polifonia social (existência, nos espaços sociais, de muitas vozes que representam vários interesses e percepções do mundo). Depois desse breve tempo de questionamento, provocado pelos movimentos de esquerda, os anos 70 trouxeram de volta as ideias mestras da “comunicação e desenvolvimento”. São anos de expansão do parque industrial das telecomunicações e do fortalecimento dos projetos de teleducação. Com a investida capitalista no país, na saúde ganhava força o modelo médico-assistencial e privatista, que só interessava às empresas privadas de serviços e fabricantes de insumos de saúde. É também neste período que ocorre uma importante transformação no campo da saúde: foram criadas, nos ministérios e instituições governamentais, coordenadorias de comunicação social, que passaram a cuidar unicamente das assessorias de imprensa e que não tinham funções educativas. A educação ficou restrita às áreas técnicas. A informação, por sua vez, ganhou uma nova face, por meio dos serviços de informação voltados para a AN02FREV001/REV 4.0 238 segurança nacional. Assim, informação e comunicação foram separadas e ambas apartadas das atividades de educação. Findo o regime autoritário, a separação permaneceu, ainformação voltando a ter acentuada outra face, mais antiga, de apoio às áreas de planejamento e avaliação (informação para gestão). Nos modelos da saúde, o que prevalecia era ainda o velho sanitarismo higienista e campanhista. Por outro lado, as áreas de planejamento e administração, com base nas estatísticas, reforçavam ainda mais o discurso desenvolvimentista, ao tentar ajustar comportamentos tidos como “desviantes” ao padrão desejado. Como relata Fiocruz (apud PITTA): para uma maior eficácia dessas estratégias, os inquéritos sanitários passam a incluir questionários para levantamento de ‘crendices e superstições’, conhecimentos sobre transmissão de doenças, costumes, identificação de lideranças locais, veículos de comunicação existentes, igrejas e escolas. A partir daí, estratégias de persuasão passam a ser utilizadas com o objetivo de ‘substituir o espírito de relutância’ dos indivíduos em ‘aceitar cumprir as providências recomendadas pelas autoridades sanitárias’, conforme o ideário da tradicional educação sanitária. Fiocruz (2007) assinala para a tentativa de se combater o conhecimento popular pela comunicação. No mesmo período, foi introduzida uma nova abordagem, que primava pela preocupação com as lideranças locais. Na década de 1950, pesquisadores americanos (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet), interessados em descobrir como se produzia a decisão de voto, apontaram a existência de mediadores entre a comunicação dos meios e seus destinatários, que eles chamaram de “líderes de opinião”. Apoiados nessa ideia, Lazarsfeld e outro pesquisador, Elihu Katz, desenvolveram uma teoria chamada de “comunicação em duas etapas”, que a partir dos anos 70 influenciou fortemente a prática educativa e comunicativa na saúde: os mediadores, chamados de monitores, multiplicadores e outras denominações, receberam a missão de garantir um melhor ajuste de códigos entre as fontes e os destinatários das mensagens. Ou seja, os mediadores eram vistos como “tradutores” do saber técnico-científico para uma linguagem mais popular, facilitando a transmissão do conhecimento. Os principais elementos da proposta de Lazarsfeld e Katz poderiam ser desenhados conforme menciona Fiocruz (2007): AN02FREV001/REV 4.0 239 FONTE: Arquivo Pessoal do Autor. O modelo trazia também outra novidade, que era o reconhecimento de que as pessoas pertencem a grupos sociais e que estes grupos têm suas próprias dinâmicas. Não há dúvida que ele representa um avanço em relação ao modelo informacional, que falava de uma transferência direta entre emissor e receptor sem levar em consideração nenhum aspecto contextual, a não ser o código reconhecível. No entanto, para que seu benefício seja maior, é preciso que o mediador não seja visto como uma “correia de transmissão”, ou como “tradutor”, que apenas reproduz o que lhe repassam em outra linguagem. O mediador é um elo a mais na rede de comunicação que permeia e move as ações de saúde. Assim como os demais, ele pensa, sente, sabe, elabora estratégias, imprime seus próprios sentidos no conteúdo que recebe para repassar (FIOCRUZ, 2007). Podemos utilizar como exemplo o agente comunitário de saúde, que é um mediador, segundo este modelo. Ele é um dos elos na ampla e dinâmica rede de comunicação sobre saúde. Um elo qualificado, sem dúvida, na medida em que é preparado para seu trabalho. Mas não podemos afirmar que ele seja uma “antena AN02FREV001/REV 4.0 240 repetidora”, pois emite suas opiniões e possui o seu conhecimento empírico sobre saúde e a realidade em que trabalha e vive. O modo desenvolvimentista de pensar e de fazer a comunicação é extremamente resistente às mudanças que se processam nos campos da comunicação e da saúde. Na prática cotidiana dos trabalhadores da saúde, estes reproduzem o paradigma sem perceberem, porque é próprio das ideias hegemônicas parecerem naturais, ocultando seu caráter de construção histórica, que corresponde a interesses específicos (FIOCRUZ, 2007). No âmbito das políticas de comunicação na saúde, é o modelo que aparece, por exemplo, na concentração dos recursos apenas em campanhas que tentam persuadir a população a adotar procedimentos corretos no combate a doenças (dengue, AIDS, hanseníase, etc.). Mas, os anos 80 e 90 foram tempos de reformas estruturais no sistema nacional de saúde, e surgiram novos discursos sobre a saúde e a comunicação em saúde. Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII CNS), considerada um marco no processo de democratização da saúde, trouxe o discurso hoje bem divulgado do direito e do acesso à informação como indicador de democratização. No campo da comunicação, começou a aparecer um conjunto de ideias produzidas na América Latina que dava realce às práticas cotidianas dos indivíduos como importantes na constituição dos sentidos sociais, aspecto teórico que também é muito relevante na formação dos agentes comunitários de saúde (FIOCRUZ, 2007). As conferências nacionais de saúde foram, desde então, espaços de consolidação da importância da comunicação em saúde e da sua área de abrangência. A X Conferência Nacional de Saúde, em 1996, teve, como um dos temas mobilizadores, a associação da comunicação e da informação com o controle social, no contexto da democratização da saúde. A XI Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2000, ratificou essa associação e consolidou a fórmula Informação, Educação e Comunicação (IEC), que havia sido proposta desde a IX Conferência Nacional de Saúde. Seu relatório final inclui recomendações quanto à: democratização das informações, com ênfase na constituição de uma Rede Pública Nacional de Comunicação em Saúde, e no uso de diferentes meios comunicativos como fator de democratização; produção, organização e uso das informações, com AN02FREV001/REV 4.0 241 ênfase na criação de instrumentos (sistema de vigilância epidemiológica, rede nacional de informações, comissões de informação em saúde nos conselhos, comitês de ética e segurança das informações e outros comitês, bancos de dados etc.); transparência da gestão, incluindo a produção de informações de forma apropriável pelos membros dos conselhos; controle social, com recomendações sobre a criação de comissões de IEC (com recursos para contratação de assessoria), de veículos de comunicação próprios e de informatização dos conselhos (FIOCRUZ, 2007). O relatório trata ainda da comunicação com o Ministério Público e o Legislativo, da comunicação pública quanto ao acesso e qualidade dos serviços de saúde (incluindo campanhas de divulgação do SUS), de programas específicos (incluindo medidas contra a propaganda de medicamentos na mídia). E, finalmente, de estratégias de divulgação, incluindo materiais informativos, programas de televisão, educação em saúde por meio do rádio e reconhecimento das rádios comunitárias (FIOCRUZ, 2007). A XII Conferência Nacional de Saúde incluiu entre seus eixos organizadores a comunicação e a informação, e ratificou as indicações da XI, acentuando a Rede Pública Nacional de Comunicação (FIOCRUZ, 2007). 13.1 CONSTRUINDO A EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO BRASIL De acordo com Brasil (2006), os primeiros passos na direção de programas de educação em saúde no país foram dados por Carlos Sá e Cesar Leal Ferreira, que em 1924 criaram no Município de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro, o primeiro Pelotão de Saúde, em uma escola estadual. No ano seguinte, Antônio Carneiro Leão, Diretor de Instrução Pública, mandou adotar o mesmo modelo nas escolas primárias do antigo Distrito Federal. No ano de 1925, Horácio de Paula Souza cria a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde do Estado de São Paulo, com a finalidade de “promover a formação da consciência sanitária da população e dos serviços de profilaxia geral e específica”. Surge pela primeira vez o títulode educador sanitário, AN02FREV001/REV 4.0 242 preparado pelo Instituto de Higiene do Estado, cuja responsabilidade principal era a divulgação de noções de higiene para alunos das escolas primárias estaduais. Na mesma época era criada em Pernambuco, por Amaury Medeiros, a Inspetoria de Educação Sanitária do Departamento de Saúde e Assistência. Brasil (2006) afirma que a fundação do Ministério da Educação e Saúde – MES, na década seguinte cristalizou, na saúde, a centralização administrativa advinda do processo revolucionário de 1930, o que acabou gerando, além do sufocamento de todas as iniciativas estaduais, a concentração das atividades sanitárias nas cidades, notadamente nas capitais, rarefazendo essas ações no interland brasileiro. Além disso, houve a reestruturação do Departamento Nacional de Saúde, do MES, sendo transformado o "Serviço de Propaganda e Educação Sanitária" em "Serviço Nacional de Educação Sanitária", com o objetivo de "formar na coletividade brasileira uma consciência familiarizada com problemas de saúde". No âmbito dos estados foram criadas réplicas dos serviços federais, nos respectivos órgãos de saúde pública. O Ministério da Educação e Saúde, reunindo estas duas funções paralelas, tinha condições de proporcionar aos administradores as oportunidades de conjugá- las e, consequentemente, prover um campo educacional extraordinário para o propósito de tornar a vida saudável. Como nos informa Brasil (apud BASTOS), em seu completíssimo relatório de 1969, “essa oportunidade, porém, não foi explorada na prática”. Os Serviços de Educação Sanitária, quando muito, limitavam suas atividades à publicação de folhetos, livros, catálogos e cartazes; distribuíam na imprensa do país pequenas notas e artigos sobre assuntos de saúde; editavam periódicos sobre saúde; promoviam concursos de saúde e lançavam mãos dos recursos audiovisuais para difundir os conceitos fundamentais da saúde e da doença. Brasil (2006) afirma ainda que os esforços se concentravam na propaganda sanitária e, neste setor, já bastante reduzido, dava-se preferência às formas escritas, visuais, de propaganda, sem considerar o grande número de analfabetos no país, que era de 60%, em 1940. “Esses analfabetos se concentravam como era de se esperar, nas baixas camadas das populações urbanas e no campo”. AN02FREV001/REV 4.0 243 A primeira grande transformação de mentalidade nas atividades da educação sanitária ocorreu em 1942, com a criação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Desde seu começo, o SESP reconheceu a educação sanitária como atividade básica de seus planos de trabalho, atribuindo aos diversos profissionais, técnicos e auxiliares de saúde, a responsabilidade das tarefas educativas, junto a grupos de gestantes, mães, adolescentes e à comunidade em geral. Foi o SESP quem começou a preparar as professoras da rede pública de ensino como agentes educacionais da saúde. Esse exemplo, de expandir essas ações para além dos limites dos órgãos de saúde, logo foi seguido pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais – DNERu, e pelo Departamento Nacional da Criança (BRASIL, 2006). A clivagem do Ministério da Educação e Saúde, em duas instituições autônomas, poderia ter propiciado o fortalecimento da área de Educação Sanitária. Mas isto só vai ocorrer alguns anos depois, primeiro com Ruth Marcondes e posteriormente com Brito Bastos, quando acontece a segunda transformação, com a reformulação da estrutura do Serviço Nacional de Educação Sanitária e a integração das atividades de educação no planejamento das ações dos demais órgãos do Ministério da Saúde. Brasil (2006) relata que estas mudanças foram reflexos, também, de dois eventos internacionais. A 12ª Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra (1958) que reafirmou o conceito “que a educação sanitária abrange a soma de todas aquelas experiências que modificam ou exercem influência nas atitudes ou condutas de um indivíduo com respeito à saúde e dos processos expostos necessários para alcançar estas modificações”. Na 5ª Conferência de Saúde e Educação Sanitária, realizada na Filadélfia, em 1962, o Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde assinalou que “os serviços de educação sanitária estão chamados a desempenhar um papel de primeiríssima importância para saltar o abismo que continua existindo. Este abismo encontra-se nos descobrimentos científicos da medicina e sua aplicação na vida diária de indivíduos, famílias, escolas e distintos grupos da coletividade”. Nas diversas reorganizações administrativas do Ministério da Saúde, ocorridas entre 1964 e 1980, devem ser assinaladas a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM (pela fusão do DNERu com a CEM, AN02FREV001/REV 4.0 244 Campanha de Erradicação da Malária), da Fundação SESP e, já em fins da década de 70, da Divisão Nacional de Educação em Saúde da Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde. É importante ressaltar que mais do que uma mudança terminológica, de educação sanitária para educação em saúde, tentava-se uma nova transformação conceitual. Todas estas mudanças, entretanto, não contribuíram para o principal, que seria a introdução do componente de educação nos programas de saúde desenvolvidos pelo Ministério e pelas Secretarias Estaduais de Saúde (as Municipais só realizavam atividades de assistência, quando o faziam) (BRASIL, 2006). Esse fato ocorreu devido ao vício antigo da centralização velada ou explícita, tanto nas atividades dos programas ditos verticais quanto nas práticas de planejamento e coordenação elaboradas e dirigidas pelo nível central, sem que os executores das ações finalísticas delas participassem. A terceira transformação começa a acontecer, no entanto, ainda em meados da década de 70, quando da implantação dos primeiros sistemas nacionais de informações de saúde, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (1976) e o Cadastro de Estabelecimentos de Saúde (1979). No processo de implantação desses sistemas, os veículos de comunicação de massa foram chamados a colaborar na divulgação da importância de se contar com dados confiáveis sobre estes temas e dos prazos de implementação dos sistemas. Aproveitava-se uma medida administrativa para informar à população as condições de saúde e da rede de atendimento. Utilizou-se, também, pela primeira vez e de forma bastante tímida, a propaganda (ou marketing) subliminar, com o preenchimento de atestado de óbito em uma novela de televisão (BRASIL, 2006). Mas esta “terceira onda” da educação em saúde se explicita em 1989, quando se incorpora 20 milhões de dólares, para as ações de IEC - Informação, Educação e Comunicação ao Projeto Nordeste II, pelo Banco Mundial. Ao mesmo tempo em que se fazia evidente que os métodos e meios de educação em saúde tradicionalmente utilizados não mais demonstravam eficiência, aprofundava-se o fosso do desentendimento entre seus defensores e aqueles que propugnavam a adoção da transmissão do conhecimento por meio dos modernos meios e técnicas de comunicação de massa. AN02FREV001/REV 4.0 245 Brasil (2006) assinala que dessas discussões entre os partidários da ação direta da educação em saúde – a que privilegia a influência do contato humano e considera a outra apenas propaganda, com os partidários da ação indireta – que se utiliza em grande escala dos meios de comunicação de massa, todos perderam. O Ministério da Saúde porque restringiu a área da educação a um serviço na Fundação Nacional de Saúde, sem estrutura administrativa, sem programa e sem pessoal técnico. Os programas do MS porque deixaram de contar com setor especializado para suporte de suas atividades. E a população porque deixou de receber importantes insumos para conhecer, entender e modificar sua condição de saúde. Mas, é apenas em 1996, com muito ânimo, ainda que sem muitacoordenação e consequência, que as atividades de educação em saúde voltaram a receber alguma atenção por parte dos dirigentes do Ministério. Podemos citar como exemplo o projeto Saúde na Escola, integrado a TV Escola do MEC e em execução desde 20 de agosto de 1997, compondo semanalmente a grade de programação de 50 mil escolas do ensino fundamental. Outro passo importante dado pelo Ministério da Saúde foi a definição, em 1998, de uma Diretoria de Programas para a área, o que naturalmente amplia a abrangência da proposta, fazendo-a evoluir de um Projeto Saúde na Escola para um Programa de Educação em Saúde (BRASIL, 2006). 13.2 AS BASES CONCEITUAIS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE De acordo com Brasil (2006), para o estudo das ações de educação em saúde, é importante o estabelecimento de duas tópicas conceituais. Ele relata que a primeira é chamada de Tópica Conceitual, que são as funções de técnica, método e meio de veiculação que conformam os instrumentos de ação. Já a Tópica Epistemológica é a tríade formada pela ciência (por meio do rigor científico), educação e comunicação, que fornecem as diretivas de ação. É importante saber que considerar a educação em saúde como disciplina de ação significa dizer que o trabalho será dirigido para atuar sobre o conhecimento das AN02FREV001/REV 4.0 246 pessoas, para que elas desenvolvam juízo crítico e capacidade de intervenção sobre suas vidas e sobre o ambiente com o qual interagem e, assim, criarem condições para se apropriarem de sua própria existência. Portanto, o estabelecimento do espaço de atuação entre a esperança do indivíduo e os projetos governamentais significa, primordialmente, considerar a pessoa como ser vivente, com alma, com ideias, com sentimentos e desejos, como gente, enfim. Representa, ainda, aproximar as conquistas técnicas e científicas do homem comum e a ação governamental do cidadão. E, além disso, a transmissão do conhecimento técnico-científico não pode ser considerada como uma benesse assistencial ou ato de favor dos detentores, tanto do poder como do conhecimento. As pessoas devem ter acesso fácil, oportuno e compreensível a dados e informações de qualidade sobre sua saúde (desde o prontuário médico ou ficha clínica) e sobre as condições de vida de sua comunidade, cidade, município, estado e país. Outro fator importante é que os dados e informações devem ser claros, sem conter ambiguidade, precisos e fidedignos, e serem transmitidos de maneira adequada, por meio de sistemas visuais e auditivos que mobilizem a atenção e motivem sua utilização. E para concluir, deve-se ficar absolutamente claro que assim como o indivíduo tem direito à informação, o cidadão tem o dever de se informar. As ações de educação em saúde devem contribuir, decisivamente, para transformar o dever do estado (em relação ao disposto na Constituição) em estado de dever, que é função de todos, indivíduos, instituições, coletividades e governos. 13.2.1 A técnica de aplicação da educação em saúde: a epidemiologia, rigor científico e informação Ainda segundo a publicação de Brasil (2006), a teoria da informação não trabalha com significações, mas com elementos totalmente previsíveis dentro de um código. Assim, se pode dosar uma determinada mensagem entre um determinado produto e um determinado público. Já no ano de 1958, Abraham Moles assinala que AN02FREV001/REV 4.0 247 para a mensagem ser eficiente deve ser redundante, ou seja, deve dispor-se a mensagem de tal modo que favoreça a maior coincidência possível entre o que ela oferece e o nível de aspiração do público ao qual se dirige. O emprego da teoria da informação na educação sanitária, que é instrumental por excelência, pela possibilidade de ajustar e dosar a mensagem a ser produzida à capacidade de decodificação de seus usuários, têm se resumido às práticas de aperfeiçoamento da mentalidade passiva, consumidora, seja de bens e serviços, seja de imagens e modelos. A mensagem é dirigida, pois não alimenta no receptor a capacidade de crítica e de escolha, além de que, em situações de normalidade social, o indivíduo prefere receber mensagens que ratifiquem suas crenças anteriores. Desse modo, o rigor científico que preside a técnica, deve se apoiar na epidemiologia, já como ferramenta do conhecimento das ciências da saúde, para instrumentar a informação a ser trabalhada. Como se sabe, o objetivo geral da epidemiologia é o de concorrer para reduzir os problemas de saúde na população e suas principais aplicações podem ser colocadas em três grandes grupos: descrever a situação de saúde da população, investigar os fatores determinantes da situação de saúde e orientar e avaliar o impacto das ações para alterar a situação de saúde. De tal modo, pode-se afirmar que a informação de saúde a ser transmitida à população deve estar alicerçada em bases epidemiológicas sólidas e critérios técnicos consistentes, que esclareçam sobre os riscos e as doenças prevalentes ou que seja objeto da ação sanitária dos indivíduos, de instituições privadas ou do poder público; sobre as formas de evitar ou lidar com estas patologias; sobre as condições ambientais relacionadas ou não a esses agravos; sobre as atividades desenvolvidas pelos órgãos de saúde, públicos ou privados e sobre a monitoração e avaliação, continuadas, das condições de saúde e das ações em curso. Brasil (2006). AN02FREV001/REV 4.0 248 13.2.2 O método utilizado na aplicação da educação em saúde De acordo com a definição de Platão para a educação, esta “consiste em dar ao corpo e à alma toda a perfeição de que são capazes”. Já para outro filósofo, Kant, a educação significa “o desenvolvimento, no indivíduo, de toda a perfeição de que é capaz”. Portanto, a partir dessas definições, Brasil (2006) conclui que o ideal da educação é a perfeita realização da natureza humana. Sendo esta um fenômeno que tem o seu princípio e o seu fim voltados para a pessoa humana, a educação só pode ser verdadeiramente compreendida e analisada sob enfoques que definem o próprio ser humano, em particular o biopsicológico e o sociológico. Com isso, vamos estudar, de acordo com Brasil (2006), estes dois enfoques da educação: Do ponto de vista biopsicológico: a educação tem por objetivo levar o indivíduo a realizar suas possibilidades intrínsecas, com vistas à formação e ao desenvolvimento de sua personalidade; Sociologicamente, a educação é um processo que tem por fim conservar e transmitir cultura, atuando como importante instrumento e técnica social. Em termos gerais, em relação às necessidades individuais a educação visa segundo Brasil (2006): 1) Desenvolvimento harmônico do corpo e do espírito; 2) Desenvolvimento emocional; 3) Formação do espírito crítico; 4) Desenvolvimento da capacidade criativa; 5) Desenvolvimento do espírito de iniciativa; 6) Formação estética; 7) Formação ética; 8) Formação moral; 9) Desenvolvimento das peculiaridades de cada educando; e AN02FREV001/REV 4.0 249 10) Assimilação dos valores e técnicas fundamentais da cultura a que pertence o educando. No plano das necessidades sociais, os objetivos da educação são: 1) Conservação e transmissão cultural; 2) Desenvolvimento do senso de responsabilidade social do educando; 3) Instrumentalização do educando para que participe conscientemente das transformações e do progresso social; 4) Formação política para o pleno exercício da cidadania; 5) Formação econômica; 6) Formação para as parcerias e solidariedade; e 7) Integração social. De acordo com Brasil (2006), como a educação é um processo representado por toda e qualquer influência sofrida pelo indivíduo, capaz de modificar-lhe o comportamento, distinguem-se dois tipos de educação pelos quais essas influências são exercidas e sentidas peloeducando: a heteroeducação: é quando as influências incidem sobre o indivíduo independentemente de sua vontade. É aquele em que não há a participação deliberada e intencional do próprio sujeito da educação, embora ele seja levado inconscientemente a participar do processo; autoeducação: na autoeducação, ao contrário, existe a participação intencional do educando em procurar influências capazes de lhe modificar o comportamento e submeter-se a elas. Mesmo considerando que a heteroeducação tem um papel objetivo importantíssimo, a aspiração, em termos conceituais, do trabalho a ser desenvolvido na área de educação em saúde está voltada para a autoeducação, pois exprime a tomada de consciência por parte do indivíduo acerca da importância do processo educativo para sua formação e desenvolvimento. E para finalizar este item sobre o componente metodológico (a educação), devem ser referidas as funções educativas, que podem ser representadas por cinco atividades, e que estarão integralmente contidas nas ações de educação em saúde, segundo Brasil (2006): AN02FREV001/REV 4.0 250 a) Estimulativa, que busca atrair o indivíduo para participar do processo educativo; b) Exercitativa, condição para aquisição e formação de hábitos, assim como para a assimilação, construção e reconstrução de experiências; c) Orientadora, que enfoca os aspectos de liberdade, autoridade, autonomia e independência; d) Didática, que se responsabiliza pela transmissão e veiculação dos conhecimentos; e) Terapêutica, que permite retificar os eventuais descaminhos do processo educativo. 13.3 AS AÇÕES DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE A atenção universal, equânime e integral à saúde traz implícita, em sua concepção básica, um significado muito mais profundo que a simples reorganização e manutenção da rede de serviços de saúde. A melhoria qualitativa dos serviços ofertados, a democratização do conhecimento, a utilização de recursos humanos não especializados e de tecnologia simplificada, e a participação da população na definição dos problemas de saúde e das prioridades e estratégias a serem implementadas, são ideias norteadoras da filosofia sanitária brasileira implementada a partir da Constituição Federal de 1988. É neste universo que se inserem as ações de educação em saúde, que se pretende sejam frutos do conhecimento aqui relatado e do aprendizado das experiências, de forma a serem evitados os erros, já cometidos (Inteligência é quando aprendemos com os próprios erros. Sabedoria é quando aprendemos, também, com os erros dos outros). Até o momento foram identificadas dez áreas de trabalho no campo da educação em saúde, são elas: Saúde na Escola; Educação em Saúde para o Trabalhador; Canal Futura - TV do Conhecimento; AN02FREV001/REV 4.0 251 Movimentos Comunitários; Humanização do Atendimento; DST/AIDS; PACS e PSF; Telemedicina; Comunicação Social, para atividade de suporte aos programas e atividades dos órgãos técnicos do Ministério da Saúde e da política de saúde. Portanto, esses são os instrumentos de educação em saúde utilizados pelo Ministério da Saúde. A seguir, serão descritos dois desses projetos, o Saúde na Escola e o Canal Futura. 13.3.1 O Programa Saúde na Escola Esse projeto pretende disseminar informações de saúde entre os alunos da rede pública de ensino, por meio da capacitação de professores do ensino fundamental, em todo o território nacional, para o desenvolvimento de ações de promoção à saúde de crianças e adolescentes, com vistas à formação de hábitos saudáveis de vida, à adoção de comportamentos de baixo risco à saúde. E, além disso, pretende contribuir para formação e desenvolvimento do espírito crítico, desenvolvimento da capacidade criativa e para a assimilação dos valores e técnicas fundamentais da cultura a que pertence o educando. No plano das necessidades sociais, os objetivos da educação em saúde podem ser sumarizados em: desenvolvimento do senso de responsabilidade social; instrumentalização do educando para que participe conscientemente das transformações e do progresso social; formação política para o pleno exercício da cidadania; formação para as parcerias e solidariedade e integração social. Algumas estatísticas do Ministério da Educação apontam a escola, depois do “locus familiar”, como local privilegiado para o desenvolvimento de ações de informação e educação em saúde, objetivando o desenvolvimento de estilos de vida saudáveis, condutas de baixo risco e a compreensão de que saúde não é só ausência de doenças, mas o resultado de condições adequadas de saneamento, AN02FREV001/REV 4.0 252 habitação, educação, geração de renda, alimentação, segurança, cultura, lazer, dentre outros. Diante disso, o Ministério da Saúde por meio da ex-SPES (Secretaria de Projetos Especiais de Saúde), propôs desenvolver uma parceria com o MEC para veicular conteúdos básicos na área de saúde aos professores e alunos por meio da TV Escola. O primeiro programa levado ao ar, em 20 de agosto de 1997, foi um dos episódios da série “De bem com a vida”, produzido pela Coordenação Nacional de DST/AIDS, da Secretaria de Políticas de Saúde. Desde então, o Saúde na Escola já faz parte da grade de programação da TV Escola. Na implantação do Canal, cada escola pública com mais de 100 alunos recebeu um kit, composto por uma antena parabólica para sintonizar o canal e um videocassete. Assim, o educador pode gravar os programas e exibi-los em sala de aula ou usá-los para uso próprio, enriquecendo o conhecimento e sua prática pedagógica. Sua programação exibe, durante 24 horas diárias, séries e documentários estrangeiros, produções da própria da TV Escola, e é dividida em faixas: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Salto Para o Futuro e Escola Aberta. Existe ainda, em horário especial, uma faixa destinada a cursos para a formação continuada de educadores, em que são oferecidos cursos de aperfeiçoamento das línguas inglesa, espanhola e francesa. Hoje, a TV Escola atinge 400 mil professores em 21 mil escolas públicas do país (INEP, 2006). Os objetivos principais deste projeto, segundo Brasil (2006) são: 1) Identificar, dentro da realidade epidemiológica brasileira, os comportamentos de risco e aspectos relevantes a serem considerados na promoção e proteção à saúde, com vistas a definições dos temas dos programas a serem veiculados por meio da TV Escola, do MEC; 2) Promover a elaboração de material videográfico e impresso sobre os temas previamente selecionados, observando o rigor científico de seus conteúdos e os recursos pedagógicos adequados à população alvo; 3) Promover em articulação com o MEC, a divulgação, distribuição e veiculação do material por meio da TV Escola; AN02FREV001/REV 4.0 253 4) Articulação com as secretarias estaduais e municipais, de saúde e de educação, para definição conjunta de estratégias e ações adequadas para sensibilização e mobilização dos professores e profissionais de saúde na otimização do uso do material; 5) Identificar novos meios e recursos técnico-pedagógicos para implementação do Projeto; 6) Instituir sistema de acompanhamento e avaliação continuada do Projeto com vistas ao seu aperfeiçoamento; 7) Avaliação do impacto e da apreensão, a ser realizada pela Secretaria de Políticas de Saúde. As metas alcançadas pela Saúde na Escola, na veiculação durante três anos, são: a) Capacitação de 900.000 professores de ensino fundamental, para o desenvolvimento de ações de promoção à saúde das crianças e adolescentes (27 milhões) das 50 mil escolas públicas, alcançadas pela TV Escola; b) Produção de 156 programas videográficos de 15 minutos, correspondendo a três anos do Projeto; c) Produção de seis Manuais de Professores relativos as 156 programas videográficos, em um totalde 200 mil exemplares de cada Manual (1 x 50.000 escolas x 4 exemplares em média para cada escola), totalizando 1 milhão e 200 mil exemplares. A partir da grade de programação traçada pelo MEC, cabe ao Ministério da Saúde, segundo Brasil (2006): 1) Estabelecer critérios gerais para o desenvolvimento dos temas e formato do material videográfico e impresso; 2) Promover a elaboração e execução de 52 programas para cada exercício escolar anual, de acordo com os temas selecionados; 3) Elaborar, imprimir e distribuir uma publicação semestral com material de apoio didático dirigido ao professor; 4) Veicular um espaço de 15 minutos semanais, programas versando sobre temas específicos de promoção à saúde, baseados em dados epidemiológicos que justifiquem a importância de sua abordagem; AN02FREV001/REV 4.0 254 5) Promover o aperfeiçoamento do Projeto como resultado do acompanhamento e avaliação continuada dos Programas (conteúdo, formato e resultados). 13.3.2 O Canal Futura O canal Futura é uma iniciativa das Organizações Globo, totalmente voltada para a cultura e a educação. Esse canal é supervisionado pela Fundação Roberto Marinho e operado pela Globosat, tendo entrado no ar em 31 de julho de 1997. São 24 horas de programação, transmitidas por meio de cabos, parabólicas e DTH (miniparabólicas), para todo país, para ser reproduzida, gravada e utilizada nas escolas, empresas, entidades comunitárias e residências. Para garantir a multiplicação e utilização dos programas, o Futura destina um terço de seu orçamento a ações de mobilização junto a prefeituras municipais, associações comunitárias, sindicatos, cooperativas, escolas e entidades diversas. O público potencial do Futura são os estudantes do ensino fundamental e médio, os professores, os trabalhadores e os estudantes de cursos profissionalizantes, além dos telespectadores que assistem TV por meio de parabólicas ou assinaturas. Os parceiros da Fundação Roberto Marinho no Futura são: Turner Broadcasting System, Fundação Bradesco, Grupo Votorantim, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP, Confederação Nacional da Indústria - CNI, Confederação Nacional do Transporte - CNT, Rede Brasil Sul de Comunicações, Instituto Ayrton Senna/Compaq, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro - FIRJAN, Banco Itaú e Fundação Odebrecht. Esse canal tem entre seus objetivos a difusão dos conhecimentos de saúde, por meio do programa Viva Legal, de forma ampla e em linguagem acessível à população em geral. Segundo Brasil (2006), os objetivos do Viva Legal são: promover a saúde pública; colocar ao alcance de jovens e adultos cursos completos de condicionamento físico, alimentação balanceada, prevenção de acidentes e primeiros socorros; difundir noções de higiene pessoal e coletiva; apresentar AN02FREV001/REV 4.0 255 alternativas ao uso de medicamentos químicos para doenças de baixa gravidade; estimular a prática de esportes e atividades físicas; divulgar e multiplicar experiências bem-sucedidas de saúde no trabalho e contribuir para a melhoria das condições de vida dos brasileiros. Ainda segundo Brasil (2006), a Fundação Roberto Marinho, responsável pela produção do Viva Legal, o programa, sem descuidar do rigor necessário à transmissão de informações importantes para a saúde da população, tem uma linguagem jovem e descontraída, buscando, em todos os assuntos, a alegria da saúde e nunca a tristeza da doença. As informações têm seu rigor e coerência garantidos por consultores recrutados entre os mais renomados especialistas e centros de pesquisa do Brasil, que serão os responsáveis também pela modulação dos cursos veiculados pelo programa. O papel do Ministério da Saúde, ao participar deste projeto, o primeiro de TV educativa, exclusivamente financiado e gerido pela iniciativa privada, seria de garantir a chancela do governo para os conteúdos de saúde. Além da associação da marca "Ministério da Saúde – Governo Federal" a programas de promoção e prevenção de saúde, o Ministério lucraria com a produção de programas com alto padrão de qualidade e apelo popular, que poderiam ser difundidos por meio de outras instituições não cobertas pelo Futura, como hospitais e clínicas, e em outros projetos como os de Mobilização Comunitária e Saúde do Trabalhador. 13.4 A EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE: DEFINIÇÃO Segundo um dos maiores estudiosos deste campo de conhecimento, Eymard Mourão Vasconcelos, define-se Educação Popular como um modo especial de conduzir o processo educativo que tem uma perspectiva: a apuração, a organização e o aprofundamento do sentir, pensar e agir das diversas categorias de sujeitos e grupos oprimidos da sociedade, bem como de seus parceiros e aliados. Nela, a apuração, o aprofundamento e a organização do sentir, pensar e agir é parte central da construção de uma sociedade solidária e justa, por meio da superação das estruturas sociais que reproduzem a injustiça e a exclusão, em que as pessoas AN02FREV001/REV 4.0 256 não serão encaradas mais como mercadorias que se compra ou rejeita. O autor sintetiza de forma brilhante como é o processo de educação popular consistindo a formação de pessoas mais sabidas e mais fortes, para uma melhor retribuição a sua contribuição econômica, política e cultural mais sabidas e fortes para serem tranquilas, sadias e felizes, e para terem uma convivência construtiva e preservadora com os seres humanos e o meio ambiente. De outro modo, a prática educativa que se contrapõe à prática da Educação Popular é a de formação de pessoas e trabalhadores submissos, dilacerados, sem autoestima, sem altivez, inseguros e sem esperança. É a que prepara pessoas para explorar e dominar outras pessoas e a natureza em geral. É a prática educativa que ajuda os atuais detentores do poder político, econômico e cultural a serem mais espertos e sabidos nas suas relações de exploração e dominação (MOURÃO, 2004). É preciso ficar atento porque alguns teóricos, equivocadamente, chamam de Educação Popular a qualquer atuação educativa de órgãos governamentais ou civis, junto aos pobres, nos campos da alfabetização, habitação, saúde, transporte, segurança, organização comunitária etc., mesmo que esta educação tenha a perspectiva de entorpecê-los e acomodá-los. Nesse caso, na verdade, trata-se de uma educação antipopular ousada, por se realizar no próprio espaço físico do povo, contra os seus interesses. A palavra popular, presente no conceito de Educação Popular, refere-se, portanto, não ao público do processo educativo, mas a sua perspectiva política: estar a serviço da realização de todos os interesses dos oprimidos desta sociedade, na maioria das vezes pertencentes às classes populares, bem como de seus parceiros, aliados e amigos. Há também teóricos que só consideram Educação Popular a prática educativa que acontece fora do espaço formal e institucional. É, entretanto, possível fazer Educação Popular nos espaços institucionais, sejam governamentais ou empresariais. É possível também fazer educação antipopular em espaços populares alternativos (MOURÃO, 2004). A Educação Popular, para formar pessoas mais sabidas e criar relações sociais mais justas, exige um modo específico de conduzir as ações educativas. Uma das exigências é deixar claro para os educandos, os objetivos de cada ato educativo, para que eles, conhecendo sua intencionalidade mais geral, possam ser AN02FREV001/REV 4.0 257 críticos e se situar diante de cada um de seus passos (MOURÃO, 2004). Nesse processo de Educação Popular é importante levar em consideração – para aprofundar em um processo de intercâmbio de saberes, os conhecimentos, experiências, expectativas, inquietações, sonhos, ritmos, interesses e direitos das pessoas com que se esteja convivendo. Nesse sentido, é fundamental considerarmarcas tão profundas como as de gênero, geração, etnia e religião. Não é também coerente quem impõe objetivos, conteúdos, palavras de ordem e verdades. Nesse ponto, a Educação Popular rompe com a tradição da educação política das esquerdas que investe principalmente na difusão para as massas, das verdades da vanguarda iluminada, que teria conseguido superar a ideologia burguesa que alienaria a maioria dos trabalhadores (MOURÃO, 2004). Todas as técnicas e dinâmicas que facilitam a aprendizagem são metodologias de Educação Popular, se ajudarem os educandos a apurarem o que precisam e o que querem que seja aprofundado. Ou ainda, se os auxiliarem a tomar gosto em se posicionar e lutar por seus interesses em todas as situações que lhes digam respeito. Nesse sentido, a Educação Popular se preocupa menos com a discussão das técnicas educativas e mais com o significado político para o grupo a que se destina. Educação Popular não é veneração da cultura popular. Modos de sentir, pensar e agir interagem permanentemente com outros modos diferentes de sentir, pensar e agir. Mourão (2004) salienta que na formação de pessoas mais sabidas, devem ser criadas oportunidades de intercâmbio de culturas. E as pessoas mudarão quando desejarem mudar e quando tiverem condições objetivas e subjetivas de optar por outro jeito de viver. Certamente não pretende formar pessoas mais sabidas quem tenta impor uma cultura pretensamente superior. O autor afirma que é muito conservador quem, desejando preservar um modo popular idealizado de viver, deseja parar o mundo, privando as pessoas e grupos do contato com outras pessoas e grupos portadores de marcas biológicas e culturais diferentes e, por isso, enriquecedoras. Ao educador popular caberá o investimento na criação de espaços de elaboração das perplexidades e angústias advindas do contato intercultural, denunciando situações em que a diferença de poder entre os grupos e pessoas envolvidas transforme as trocas culturais em imposição. AN02FREV001/REV 4.0 258 Educação Popular é, portanto, um modo comprometido e participativo de conduzir o trabalho educativo orientado pela perspectiva de realização de todos os direitos do povo, ou seja, dos excluídos e dos que vivem ou viverão do trabalho, bem como dos seus parceiros e aliados. Nela investem os que creem na força transformadora das palavras e dos gestos, não só na vida dos indivíduos, mas na organização global da sociedade (MOURÃO, 2004). 13.4.1 O processo de construção da Educação Popular Segundo Mourão (2002), até o final do século XIX, a saúde das classes populares não mereceu nenhuma ação significativa do Estado e da elite econômica. Foi para combater as epidemias de varíola, peste e febre amarela nos grandes centros urbanos que, no final do século XIX e início do século XX, se estruturaram as primeiras intervenções ampliadas do Estado voltadas para a saúde da população. Essas epidemias estavam trazendo grandes transtornos para a exportação de café. Aconteceram, então, as primeiras práticas sistemáticas de educação em saúde. Em um contexto político de forte domínio das oligarquias rurais e de uma extrema debilidade dos atores populares, cuja maioria havia recentemente saído da escravidão, a educação em saúde naquelas campanhas urbanas de saúde pública era ainda breve e marginal porque, para as autoridades, o povo era incapaz de maiores entendimentos. Predominava a imposição de normas e medidas de saneamento consideradas científicas pelos técnicos e burocratas. Por isso, foi preciso que a enorme expansão urbana do início do século criasse nas grandes cidades uma classe média mais independente das oligarquias rurais para que surgissem propostas menos autoritárias de intervenção na saúde popular. Intelectuais passam a contestar a crença, até então dominante, de que a salvação nacional passava pela europeização e branqueamento da população por meio da imigração estrangeira e imposição de novos padrões de comportamento. Estudos sobre as condições de vida e saúde da população rural, produzidos por médicos tropicalistas do Instituto Oswaldo Cruz tiveram uma grande repercussão política. Monteiro Lobato, expressando um clamor emergente nas grandes cidades, AN02FREV001/REV 4.0 259 assume em 1918 a bandeira de luta: “Sanear é a grande questão nacional” (MOURÃO, 2004). O problema brasileiro não estava na raça, mas nas doenças que tornavam a população preguiçosa e sem iniciativa. As ações médicas e a educação assumem então uma importância central no debate político nacional. Apesar do relutante apoio do aparelho estatal, ainda dominado pelas oligarquias rurais, surgem várias campanhas e serviços voltados para o saneamento dos sertões, no final da Primeira República. Este auge político da educação em saúde voltada para o controle das endemias estava, no entanto, marcado pela ausência do ator popular como elemento ativo (MOURÃO apud COSTA, 1986). Suas práticas eram normativas: os técnicos tinham um saber científico que devia ser incorporado e implementado pela população ignorante. Se já não se via mais o povo como culpado pela situação de subdesenvolvimento, ele continuava, porém, sendo visto como vítima incapaz de iniciativas criativas, enquanto não melhorasse sua situação de saúde pela implementação das medidas proclamadas. A partir de 1930, a ação estatal no setor saúde se concentra na construção de um sistema previdenciário destinado aos trabalhadores mais organizados politicamente, em que as ações de caráter coletivo são esvaziadas em favor da expansão da assistência médica individual. Ações educativas em saúde ficam restritas a programas e serviços destinados a populações a margem do jogo político central, continuando a priorizar o combate das doenças infecciosas e parasitárias. Torna-se evidente outra característica das práticas de educação em saúde no Brasil: são implementadas como uma forma de substituir e justificar a não organização de serviços de saúde bem estruturados (MOURÃO, 2002). Em algumas situações conjunturais específicas, estes programas e serviços se expandem. É o caso da crise na produção mundial de borracha e manganês durante a 2ª Guerra Mundial, que torna militarmente estratégico para os países aliados o incentivo de sua extração no Brasil. Com esta finalidade, se organiza sob o comando de militares norte-americanos, o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) na região amazônica e no vale do Rio Doce. Esses serviços significaram a vinda para o Brasil de novas tecnologias de medicina preventiva e formas de gerenciamento institucional. Para a educação em saúde se introduziram novas técnicas de difusão de informação e convencimento onde, no entanto, a população AN02FREV001/REV 4.0 260 continuava a ser vista como passiva e incapaz de iniciativas próprias (MOURÃO, 2002). O governo militar, imposto pela revolução de 1964, criou contraditoriamente condições para a emergência de uma série de experiências de educação em saúde que significaram uma ruptura com o padrão acima descrito. Nesta época, a política de saúde se volta para a expansão de serviços médicos privados, principalmente hospitais, em que as ações educativas não tinham espaço significativo. A “tranquilidade” social (ou a “paz dos sepulcros”) imposta pela repressão política e militar possibilitou que o regime voltasse suas atenções para a expansão da economia diminuindo os gastos com as políticas sociais. Com os partidos e sindicatos esvaziados, a população vai aos poucos buscando novas formas de resistência. A Igreja Católica, que conseguira se preservar da repressão política, apoia este movimento, possibilitando o engajamento de intelectuais das mais diversas áreas. O método da educação popular, sistematizado por Paulo Freire, se constitui como norteador da relação entre intelectuais e classes populares.Muitos profissionais de saúde, insatisfeitos com as práticas mercantilizadas e rotinizadas dos serviços de saúde, se engajam neste processo. Nos subterrâneos da vida política e institucional vão se tecendo novas formas de organização da vida social. Estas experiências possibilitam que intelectuais tenham acesso e comecem a conhecer a dinâmica de luta e resistência das classes populares. No vazio do descaso do Estado com os problemas populares, vão se configurando iniciativas de busca de soluções técnicas construídas a partir do diálogo entre o saber popular e saber acadêmico (MOURÃO, 2002). De acordo com o autor, o setor saúde é exemplar neste processo. Surge uma série de serviços de saúde com grande controle pelas organizações populares locais em conexão com os técnicos nelas engajados. Inicialmente surgem descolados das instituições oficiais, mas, com o processo de abertura política, passam a criar vínculos e a buscar difundir sua lógica para outros serviços. A experiência ocorrida na zona leste da cidade de São Paulo é o exemplo mais conhecido, mas o MOPS – Movimento Popular de Saúde – chegou a aglutinar centenas delas nos diversos estados. AN02FREV001/REV 4.0 261 O autor ainda afirma que as práticas de educação popular nos anos 70 ficaram muito marcadas pelo contexto de sectarismo trazido pela ditadura militar, se centrando na dimensão da luta política em detrimento de dimensões mais subjetivas, muito presentes nos escritos de Paulo Freire. Revendo algumas experiências ocorridas, se percebe que apesar de insistirem em partir do saber prévio do educando popular – na medida em que buscava a construção de uma consciência proletária, cujas características já estavam previamente delineadas pelo pensamento socialista ortodoxo –, elas acabavam por se tornarem uma educação homogeneizadora. Partiam de diferentes para chegarem a iguais. Enfim, a participação de profissionais de saúde nas experiências de educação popular a partir dos anos 70 trouxe para o setor saúde uma cultura de relação com as classes populares, que representou uma ruptura com a tradição autoritária e normatizadora da educação em saúde (MOURÃO, 2002). 13.4.2 A Educação Popular no contexto dos anos 80 Nos anos de 1980, o Brasil atravessou o período chamado transição democrática, abrindo novos caminhos na busca de apagar as marcas do autoritarismo do regime militar. Foi um período de intensas lutas sociais: pela anistia e retorno dos exilados, pela reabertura e legalização dos sindicatos, pelo fim da censura (FANTIN, 2000). Entram em cena novos atores. Trabalhadores do campo e da cidade, moradores, pobres da periferia, mulheres, educadores e estudantes que se organizavam em diferentes movimentos sociais. Eles lutavam contra a carestia, por saúde, educação, transporte, moradia, terra, tornando-se a expressão de resistência à ditadura militar. Além disso, buscavam participação nos espaços públicos, prefeituras, secretarias, conselhos, colegiados, enfim espaços que por meio dos quais fosse possível controlar e fiscalizar as ações governamentais. É nesse contexto que surge o Movimento Diretas-Já (1983-1984), as mobilizações na elaboração da Nova Constituição (1987-1988), e as inúmeras contestações frente ao governo Collor (1992), que resultaram no primeiro AN02FREV001/REV 4.0 262 impedimento (impeachment) de um presidente brasileiro civil eleito e deposto por corrupção (FANTIN, 2000). A intensa atuação dos movimentos sociais no Brasil, nesse período, possibilitou um conjunto de experiências onde foram gestadas novas práticas sociais e políticas, não sendo no campo da saúde diferente. A história de luta nesse setor, no Brasil, acompanhando as mobilizações existentes, foi marcada por momentos de muita efervescência. O direito à saúde, à democratização dos serviços públicos de saúde e à qualidade do atendimento eram as bandeiras de luta, tanto dos profissionais da área engajados no Movimento de Reforma Sanitária como do Movimento Popular de Saúde, organizado por lideranças populares e comunitárias espalhadas em todo o país (FANTIN, 2000). De um lado, a contestação do sistema de saúde dominante e das políticas de saúde de caráter privatista e elitista implementadas pelo regime militar, de outro lado, a sede de participação popular de lideranças comunitárias que reivindicavam uma nova política de saúde, bem como a garantia de participação popular na gestão da saúde nas esferas públicas estatais. Muitas experiências de conselho de saúde, com participação direta de lideranças da comunidade, foram realizadas nas periferias das grandes cidades, como, por exemplo, na Zona Leste de São Paulo (FANTIN, 2000). O balanço dos anos 80 e início dos 90 permite afirmar que os Movimentos Populares de Saúde de então contribuíram de forma decisiva e significativa na formulação de novas políticas para essa área. No entanto, o cenário dos anos 90 é diferente. O projeto neoliberal que foi sendo implementado no país tem gerado inúmeras dificuldades em vários campos. A autora destaca algumas dificuldades no enfrentamento dos movimentos frente ao novo papel do Estado, que por sua vez vai se retirando de cena, diminuindo sua responsabilidade com atendimento à saúde e transferindo-a ao setor privado. Com isso, a autora diz que há um esgotamento de velhas formas de luta e necessidade de criar outros mecanismos para enfrentar as políticas do Estado e pensar mediações na relação entre serviço público e o serviço privado. Essa questão diz respeito aos dilemas e desafios do conjunto dos movimentos sociais alternativos do país. E do outro lado, verifica-se a crise de paradigmas explicativos e a real dificuldade de pensar e elaborar alternativas. AN02FREV001/REV 4.0 263 Assim, a autora destaca que essa situação crítica e de incertezas repercute nas lutas por saúde, revela-se na desorganização daqueles movimentos que cresceram e germinaram nos anos 80 e início dos anos 90. Pode-se dizer que há certa fragilização das forças progressistas no contexto nacional, que a autora classifica como um momento de redefinições. Ela afirma ainda que este é um momento de replanejar novas estratégias, buscar novas formas de produção de conhecimento e de intervenção na realidade. Nesse contexto e com essas intenções surge o que tem sido denominado Movimento de Educação Popular e Saúde, com origem nos anos 80, mas que ganha um caráter diferenciado nos anos 90. 13.4.3 O nascimento do Movimento de Educação Popular e Saúde Ainda segundo Fantin (2000), o Movimento de Educação Popular e Saúde nasce a partir de vários espaços que aglutinavam pessoas de diferentes áreas, tendo em comum a problemática da saúde. Organizam-se fóruns de debate sobre a temática da saúde coletiva e nesse processo germina alguns frutos. Um aspecto que será desenvolvido neste item é a constituição de um espaço de construção de um novo campo de conhecimento e de outro movimento de gestação de novas experiências. Observa-se aí a necessidade de uma profunda relação entre educação popular e saúde. Nos anos 90, surge um novo movimento que reflete novas necessidades e desperta novos questionamentos no campo da educação e saúde: trata-se do Movimento de Educação Popular e Saúde. Esse movimento nasce no Rio de Janeiro no interior do grande Simpósio Interamericano de Educação para a Saúde, organizado pela Organização Pan-americana pela Saúde – OPAS, em 1990, reunindo profissionais de saúde de todo o continente. Na ocasião, alguns profissionais de saúde do Brasil apontavam a necessidade de um espaço diferente, que possibilitasse aprofundar os desafios das práticas em saúde em uma relação direta com a educação. Desde então, muito vem sendo feito nessa perspectiva, buscando pensar os múltiplos cruzamentos entre teoria e prática no campo da saúde e no campo da educação.AN02FREV001/REV 4.0 264 Esse novo Movimento de Educação Popular e Saúde reúne diferentes grupos sociais que buscam juntos refletir, agir, encontrar novas perspectivas na luta por saúde e educação. Esses grupos são formados por lideranças comunitárias e populares, e por profissionais da saúde, professores e pesquisadores das Universidades e Programas de formação e das pós-graduações nas áreas de educação e saúde. Um primeiro grupo, vindo do campo dos movimentos sociais, inclui várias lideranças de bairro, membros de Conselhos de Saúde, setores das Pastorais vinculados à Igreja Católica, entre outras atividades que estão no cerne de todo o Movimento que luta por saúde neste país nas mais diversas formas e espaços de conflito (FANTIN, 2000). Há um grande leque de pessoas, grupos e associações que atuam nos Movimentos de Saúde, Movimentos Ecológicos, Movimento de Mulheres, Movimento Negro, Movimentos em Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, Movimentos de Juventude, Organizações Não Governamentais – ONGs, que encontram, em determinados momentos, espaços e pontos de inter-relação na luta por saúde, compreendida aqui no seu sentido mais amplo. Um segundo grupo, que a autora denomina de profissionais de saúde, reúne inúmeros profissionais de diversas áreas, seja da saúde especificamente ou de áreas próximas, que atuam nos serviços de saúde, hospitais, centro de saúde, saúde preventiva, ou profissionais que atuam em áreas de apoio, de comunicação, de campanhas de prevenção como AIDS, drogas, hipertensão, diabetes, entre outros, como nos programas de saúde, Programa da Saúde da Mulher, Programa Saúde da Família, ou ainda em Campanhas contra epidemias como dengue, malária, cólera, etc. Também estão incluídos grupo de profissionais da área da educação, professoras de todos os níveis, desde a educação infantil até a universidade e pós-graduação, que conseguem visualizar novas dimensões do trabalho educativo, associando a sua relação com a saúde e com a cultura. O terceiro grupo que a autora denomina de pesquisadores das áreas da saúde e educação popular vem, juntamente com outros grupos da sociedade em geral, realizando encontros, articulações, fórum, seminários, do âmbito nacional, estadual, regional e local, elaborando publicações, entre outras atividades. A autora destaca que o principal objetivo é estabelecer um diálogo permanente entre conhecimentos, práticas, experiências de Educação Popular e Saúde. Esse grupo AN02FREV001/REV 4.0 265 composto por professores universitários que atuam nas áreas de Educação Popular, Saúde Coletiva, Enfermagem, Medicina Preventiva, entre outras, que vem participando ativamente de várias atividades realizadas pelo Movimento. Esses pesquisadores participam de grupos de pesquisa em diversas Universidades, entre elas Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ), Universidade Estadual de São Paulo (USP), Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal Fluminense, entre outras, e vêm atuando sistematicamente neste campo da Educação Popular e Saúde. Por ser uma combinação de vários grupos com interesses comuns, mas com particularidades, faz-se necessário conhecer melhor cada um deles, identificá-los no interior desse Movimento, relacionar suas motivações e perspectivas, para investigar elementos que sustentam suas relações entre si. Só dessa forma, poderemos conhecer profundamente esse processo que está em curso (FANTIN, 2000). Fantin ainda ressalta que o Movimento tem sido articulado e alimentado, especialmente, por meio de alguns eventos. São esses eventos – encontros, seminários e debates – que se constituem como o espaço aglutinador de inúmeras experiências em educação popular e saúde que vêm ocorrendo no Brasil nas últimas duas décadas. Um primeiro fórum de discussão e reflexão foi o I Encontro Nacional de Educação Popular e Saúde, que se realizou na cidade de São Paulo, em 1991. Nesse evento, construído junto à gestão municipal, participaram desde agentes comunitários de saúde, pessoas que conhecem ervas medicinais, lideranças dos movimentos de saúde de todo o país, bem como lideranças do movimento de mulheres, de ONGs que vinham lutando em uma perspectiva de educação popular e saúde. Também estavam presentes os mais diversos profissionais de saúde, desde enfermeiros, odontólogos, médicos (com diversas especialidades), nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, professores e pesquisadores, que durante uma semana estiveram debatendo e proporcionando um amadurecimento frente à luta por educação popular e saúde (FANTIN, 2000). Como resultado do Encontro, formou-se uma Comissão Nacional de Articulação de Educação Popular e Saúde1 com objetivo de manter acesa a 1 Comissão Nacional de Articulação de Educação Popular e Saúde. É composta por representantes de diversas regiões do Brasil e conta com aproximadamente 15 membros. São profissionais de saúde, lideranças populares e pesquisadores, que se encontram uma vez por ano para definir estratégias e dinâmicas do Movimento. AN02FREV001/REV 4.0 266 perspectiva de fortalecer os espaços de aprendizagem, troca, acúmulo e reflexões sobre educação popular e saúde. Desde então essa Comissão tem realizado e participado de várias atividades e publicado o jornal Boletim Nacional da Articulação entre Educação Popular e Saúde que circula trimestralmente desde 1992. Por meio dos membros da Comissão Nacional de Articulação de Educação Popular e Saúde, observa-se o desenvolvimento de inúmeros projetos e encontros estaduais ou regionais, alimentando a discussão entre saúde e educação e propiciando novos encontros para solidificar a aproximação entre as diferentes áreas (FANTIN, 2000). A autora destaca eventos específicos e regionalizados que ocorreram nesse período; entre eles, os I e II Encontro de Educação Popular e Saúde, na cidade do Rio de Janeiro (1991 e 1993), Encontro Mineiro de Educação Popular e Saúde (1994), Encontro Catarinense de Educação Popular e Saúde (1997), entre outras atividades. O Movimento de Educação Popular e Saúde, articulado em Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e em outros estados, é fruto de um longo movimento por saúde que ocorre no país. Nesse sentido, quando se fala em movimento de saúde, está se referindo às inúmeras lutas que se desenvolveram na história dos anos 70, 80 e 90. No interior da luta por saúde, brota esse espaço-movimento composto por diferentes interesses, mas que aglutinam suas práticas em espaços da sociedade civil, no processo de construção de cidadania e saúde, e que na sua grande maioria tem como foco de articulação a defesa do Sistema Único de Saúde de qualidade para toda a população. Essa luta ganha importância porque são os mais pobres, os excluídos, que ficam agonizando nas filas dos hospitais ou são as vítimas preferenciais de epidemias como a dengue (FANTIN, 2000). As diversas experiências de luta pela saúde em Santa Catarina, além de defender o Sistema Único de Saúde como proposta de saúde coletiva, tem se caracterizado por uma trajetória de luta pela saúde que se diferencia de outros estados do Brasil. Em Santa Catarina, as experiências de luta por saúde vêm sendo travadas em diferentes espaços da sociedade civil, no parlamento, nos serviços de saúde, nas universidades e espaços de formação profissional, nos espaços da religiosidade, nos espaços dos movimentos populares. AN02FREV001/REV 4.0 267 Há um diálogo entre sujeitos organizados em diferentes esferas da sociedade civil, envolvidos profundamente, nãosó com as lutas por mais saúde, mas que vêm enfrentando conflitos das mais diversas naturezas. Por exemplo, estiveram presente no I Encontro Catarinense de Educação Popular representantes do Movimento dos Sem-Terra, do Fórum Popular de Saúde, da Pastoral da Saúde, da Comissão Parlamentar de Saúde da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina e Associação Catarinense dos Ostomizados, Movimento Comunitário de SC, Movimento Popular de Saúde, entre outros profissionais e pesquisadores que aprofundam o debate sobre as lutas por saúde (FANTIN, 2000). Fantin assinala a clareza da repercussão dessa nova articulação em torno da temática da Educação Popular e Saúde, que vem ganhando espaços, quer seja nas associações de pesquisadores da área da educação – na Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (ANPEd), quer seja na área de saúde coletiva – na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), quer seja no interior dos debates entre categorias específicas, na Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn). Importante registrar que esses eventos desenvolvem outra relação entre a sociedade civil, movimentos populares, grupos organizados que lutam pela saúde, profissionais de saúde e pesquisadores das universidades, associações, ONGs, entre outros. Na verdade, os inúmeros encontros, fóruns, grupos de estudo e grupos de ação direta acionam outro caráter aglutinador que foge das estruturas conhecidas até então. Não se caracterizam como meros encontros científicos, nem como encontros de militantes ou de profissionais. Trata-se de algo novo, de uma nova articulação com outro perfil. Movido por outro amálgama, esse espaço-movimento proporciona reflexão, aprofundamento, intervenção, como também de socialização de várias pesquisas, tendo como núcleo gerador o binômio saúde/educação popular. (FANTIN, 2000). AN02FREV001/REV 4.0 268 13.4.4 Os caminhos da Educação Popular em Saúde Fantin afirma que o Movimento de Educação Popular e Saúde vem trilhando caminhos muito interessantes que merecem ser aprofundados. A necessidade de aproximação da saúde e educação era um desejo e uma necessidade explícita, mas ficava a pergunta: como aproximar diferentes práticas e reflexões sobre dois campos tão complexos? De um lado, havia uma distância a ser superada e a necessidade de estabelecer alguns elementos de mediação que pudessem construir um terreno comum para a discussão e apontar os caminhos para reflexões e intervenções conjuntas. De outro lado, havia um acúmulo na reflexão quer seja da história de luta por saúde no país, assim como as inúmeras lutas por uma nova concepção de educação que constituía um ponto na linha no horizonte. Era como se fossem “matrizes referenciais” que deviam ser consideradas ou submetidas a uma nova releitura, tanto dos movimentos de saúde e resoluções de Conferências Nacionais de Saúde, lutas pela implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), como na cobrança das responsabilidades do Estado frente ao direito à saúde. Esses aspectos desafiam o cruzamento da problemática da saúde com as experiências de educação popular. No bojo do processo de construção de conhecimento sobre Educação Popular e Saúde ocorre uma abertura de fronteiras nesses campos do conhecimento e da cultura, tanto do ponto de vista da educação popular, como do ponto de vista da saúde coletiva. Mas é preciso construir mediações, analisar os vários discursos, as várias representações, redimensionando-as. Na realidade, o que é necessário é uma delicada relação dialética, em que as novas propostas teóricas indicam novos olhares sobre o trabalho popular, mas que também a inserção no meio popular nos ajude a selecionar quais destas propostas possam nos servir nas duas tarefas; mas ao mesmo tempo, nos permitindo também elaborar teoricamente a partir desta inserção, conforme afirma Fantin (apud VALLA, 1998). AN02FREV001/REV 4.0 269 Nas experiências populares de educação, cujo eixo central é a luta por saúde, a concepção de saúde/doença tem sido a mais ampla possível e ganha novos enfoques. Permeia uma concepção ampla dos determinantes de saúde, desde o cuidado com o corpo até a visão de saúde associada à terra, à moradia, às políticas agrícolas e políticas sociais, ao meio ambiente, à qualidade de vida, educação, solidariedade, cooperação, arte, participação e cidadania. Esse redimensionamento do sentido do que é saúde provoca uma ampliação do sentido da luta, não restringindo seus espaços e reivindicações apenas em torno da saúde, mas articulando-a com a sociedade, vinculando a luta por saúde em um contexto pela cidadania (FANTIN, 2000). Na opinião da autora, está em curso entre os grupos que lutam por saúde um redimensionamento do conceito de saúde, e com isso passam a percebê-la também como um processo de formação, conhecimento, informação, educação e comunicação. A partir dessa visão de saúde, intimamente relacionada com conquista de melhor qualidade de vida, esses grupos apropriam-se do processo de busca de formação, conhecimento, forma e estratégia de mudar a postura frente ao processo saúde/doença. Assim, fortalecem as inúmeras lutas por saúde que vão à direção de transformar essa sociedade excludente em uma sociedade mais justa, humana, solidária. No coração desses movimentos, nos encontros, percebe-se um campo novo sendo construído em torno da temática entre educação popular e saúde, que tem se configurado como espaço-movimento de troca, de construção de conhecimento e de ação. A aproximação da educação popular e a saúde provocaram mudanças significativas no debate e na reflexão dessas temáticas. De um lado, porque implica não só diferenciar diversas concepções de saúde, mas pensar na relação do indivíduo, grupos ou coletividades e formas de apreensão de novas concepções de saúde. Não bastam pesquisas que reconheçam quais as representações de saúde/doença de determinado grupo, mas como fazer, quais as estratégias de intervenção que possibilitem uma mudança nas ações ou concepções destes grupos. Aqui entra a mediação da educação popular que vai fornecer instrumentos para que o diálogo aconteça e frutifique (FANTIN, 2000). AN02FREV001/REV 4.0 270 Os problemas ganham novos enfoques, uma vez que o universo de reivindicações é ampliado e permeia desde espaços coletivos, práticas educativas, assim como contempla as relações que ultrapassam o caráter circunscrito à saúde/doença, que precisam ser levadas em conta. Assim, a saúde passa de um enfoque prioritariamente biológico e causal para um enfoque social, cultural, mas, sobretudo, para um enfoque educativo no campo da ação para além da prevenção, de mudanças de prática frente à saúde individual e coletiva2. Como vimos, o Movimento Educação e Saúde é tanto um espaço de luta como um fórum articulador de pesquisas. Ao mesmo tempo em que dialoga com os movimentos sociais que lutam por saúde, dialoga também com profissionais de saúde que atuam nesse campo. A articulação de diferentes grupos possibilita a reflexão de práticas educativas, práticas sociais, práticas de saúde. Nesse sentido, são essas múltiplas relações que se estabelecem entre educação popular e saúde no interior desse Movimento que, ao entender da autora, vão delineando um novo campo de conhecimento. Embora cada área específica tenha acumulado uma bagagem vivida e solidificada, e um corpo teórico hegemônico, tem surgido e intensificado, a partir das experiências, dos encontros sobre educação popular e saúde, a necessidade de pesquisas, bem como a elaboração de novos suportes teóricos para melhor analisá- las e compreendê-las. Nesse novo campo de conhecimento, multiplicam-se os desafios para melhor compreender as práticas de saúde e as práticas educativas. Como resgatar com profundidade experiências de diálogo entre saúde individual
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