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CONTEÚDO ONLINE LINGUAGENS DA ARTE E REGIONALIDADES

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LINGUAGENS DA ARTE E REGIONALIDADES – CONCEITOS 
FUNDAMENTAIS 
 
Aula 1: Introdução à Disciplina 
 
“A origem de algo é a proveniência da sua essência. A pergunta pela origem da obra de arte 
indaga a sua proveniência essencial. Segundo a compreensão normal, a obra surge a partir e através da 
atividade do artista. Mas e por meio de quê é que o artista é o que é? Através da obra; pois é pela obra 
que se conhece o artista, ou seja: a obra é que primeiro faz aparecer o artista como um mestre da arte. 
O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro.” (HEIDEGGER, Martin. 
A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 11) 
Vivendo em coletividade, o ser humano tende a desenvolver culturas específicas que 
delimitarão sua existência: O modo de pensar e de agir, a formação da sociedade da qual faz parte, suas 
práticas sociais, crenças, mecanismos de transmissão de conhecimento e lazer. 
A língua é, sem dúvida, o instrumento mais eficaz de trocas de experiências, de formação de 
identidades e consolidação de ideologias. 
No entanto, para além dos signos linguísticos, o homem sente a necessidade de se expressar 
mais subjetivamente, ou seja, representar de forma menos arbitrária a sua emoção mais genuína. 
Assim, desenvolve habilidades que o levarão a um contínuo processo de criação e representação 
simbólica tanto da realidade quanto dos sentimentos que o movem. O artífice torna-se artista quando 
deixa de usar apenas a técnica para produzir objetos e aciona o saber para construir o objeto artístico. 
Portanto, a arte não se limita à expressão estética em forma de poesia, quadro, escultura ou música; a 
arte é a expressão simbólica de uma emoção, um sentimento, uma ideologia. 
Estudar o homem e seu tempo histórico, compreender como ele se relaciona com a sociedade 
na qual está inserido torna-se mais eficaz quando associamos às teorias do conhecimento o estudo de 
linguagens da arte. 
O estudo sobre arte não se limita a desenvolver a capacidade de apreciar um objeto artístico. 
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2000, p. 45), conhecer arte 
“significa os alunos apropriarem-se de saberes culturais e estéticos inseridos na prática de produção e 
apreciação artísticas, fundamentais para a formação e o desempenho social do cidadão”. 
O contato com a expressão artística desenvolve no educando a percepção estética do que está à 
sua volta, possibilitando a ele se relacionar com o mundo de forma harmoniosa e criativa. Observando 
uma obra de arte, atento às suas partes constituintes, o aluno — ou qualquer pessoa que se proponha a 
perceber e analisar um objeto artístico — aprenderá a ativar sua capacidade sensorial e, através dela, 
desenvolver a imaginação, a criatividade e a razão, equilibrando as tensões a que está submetido 
cotidianamente. 
Considerando ser a escola — e, de um modo geral, os espaços acadêmicos — o ambiente 
adequado à sistematização dos saberes, é através de aulas de linguagens da arte e regionalidades que se 
torna mais produtivo o conhecimento sobre a relação do homem com a história, a cultura e a sociedade 
da qual faz parte. Portanto, o espaço acadêmico torna-se propício à compreensão dos processos 
criativos que marcaram a humanidade e suas influências no mundo contemporâneo. 
 Estudar arte equivale a conhecer e dar sentido ao mundo, atribuindo às coisas que nos cercam 
novos significados que ampliam nossas possibilidades cognitivas, talentos específicos e habilidades de 
convivência produtiva e harmoniosa com os elementos exteriores ao nosso ser, mas que completam 
nossa existência. 
 
O ARTISTA E A OBRA DE ARTE: CRIAÇÃO E RECEPÇÃO 
 
 A relação do homem contemporâneo com a arte estreitou-se devido aos meios de comunicação 
de massa, especialmente a televisão. 
 Se antes era necessário ir a um museu para ser capaz de identificar uma imagem pertencente a 
um artista ou uma época, hoje, através da publicidade, do noticiário ou de programas de variedades, é 
possível reconhecer uma determinada tela ou escultura como sendo de Leonardo da Vinci, 
Miquelângelo ou Tarcila do Amaral. Mais até do que identificar uma obra, é possível estabelecer com ela 
uma relação outra, não apenas a de contemplação e reflexão, mas uma relação de interferência no 
processo criativo ou de estabelecimento de novos conceitos e critérios de avaliação. 
 O público receptor de hoje, antes de experimentar a emoção que uma obra de arte pode 
provocar, é capaz de com ela interagir, modificando seus elementos principais e contextualizando-a em 
outros espaços e circunstâncias. É possível, através dos canais de informação hoje disponíveis, pensar a 
obra de arte sob diversos aspectos, e não raro afastando-a do seu caráter principal, que é o de ser arte. 
 O estudo minucioso de um objeto artístico (material utilizado, dimensões, formas dinâmicas, 
perspectiva etc.) engrandece o trabalho e a técnica do artista, porém reduz o impacto da obra sobre a 
emoção do espectador, constantemente chamado à razão na percepção da obra de arte. 
 A obra de arte tornou-se tema de noticiários. Um leilão, o roubo de uma obra, os danos 
causados a uma peça valiosa interferem na representação que um receptor tem do objeto artístico, 
levando-o a elaborar conceitos que não se inserem no contexto de criação, execução e exposição de 
uma obra de arte. 
 Para o filósofo Martin Heiddegger, em “A origem da obra de arte (2007, p. 13)”, as obras de arte 
existem como existem as coisas. Elas transpõem o caráter de coisa quando lhes são atribuídas 
representações de quem as vivencia. A obra de arte nos coloca em um lugar onde não costumamos 
estar e nos liberta do cotidiano. 
 Mas essas representações, muitas vezes, ultrapassam os limites da subjetividade, da 
individualidade de quem aprecia a obra e se transformam em representações coletivas, atribuindo ao 
objeto artístico um valor monetário que nem sempre está vinculado ao processo de criação inicial. 
 Em Reflexões sobre a obra de arte, Alfredo Bosi argumenta que o homem contemporâneo é 
“alguém que nasceu e cresceu entre os mil e um engenhos da civilização industrial, e que tende a ver 
em todas as coisas possibilidades de consumo e fruição. Ter ou desejar ter uma gravura, um disco ou um 
livro finamente ilustrado é o seu modo habitual de relacionar-se com o que todos chamam de arte. Tal 
comportamento, embora se julgue mais requintado que o prazer útil de usar um bonito liquidificador, 
afinal também está preso nas engrenagens dessa máquina em moto contínuo que é o consumo, no caso 
o mercado crescente de bens simbólicos”. (BOSI, 1991, p. 7) 
 No entanto, não se pode perder a relação primeira com a obra de arte ─ a contemplação ─ e o 
objetivo principal de apreciá-la ─ o sen�mento do belo. E essa apreensão do objeto, que é a obra de 
arte, se dá subjetivamente, ou seja, causa no receptor da obra um efeito psicológico que altera o seu 
estado de ânimo. Essa é a perspectiva a ser mantida em uma sociedade que tem qualificado o objeto 
artístico por seu valor mercadológico. 
 À parte o quanto vale um quadro ou uma escultura, por quanto se arremata em um leilão um 
objeto artístico ou que aparatos sejam exigidos para seu transporte seguro até uma exposição, não 
devemos nos esquecer de que a expressão artística é, desde os desenhos rupestres feitos pelo homem 
pré-histórico, uma forma dele se relacionar com o mundo. 
 O artista, portanto, antes de qualquer formação acadêmica e sistematizada que o leve a 
dominar técnicas de composição, é alguém que procura entrar em relação com o mundo que o cerca e 
com sua própria condição humana. 
 A esse processo de representar o mundo na arte dá-se o nome de mímesis, conceito que, para 
Aristóteles, estava associado ao “realismo”, e para Platão, seu mestre, era concebido com a ideia de 
similaridade (simulacro), portanto, associava-se ao “idealismo”.A imitação é uma atividade inerente ao ser humano que faz parte do processo cognitivo, isto é, 
pela imitação aprendemos sobre algo, como define Aristóteles em sua obra Arte poética: 
“A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distingue-se de todos 
os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquire seus 
primeiros conhecimentos, por ela todos experimentam prazer” (2003, p. 30). 
 A arte mimética, portanto, pode representar a realidade tal como é ou, como indicava Platão, de 
forma mais idealizada, de acordo com a perspectiva do artista. É por esse viés que a arte se desenvolve 
e acentua um saber estético e estilístico, já que as formas e cores reinterpretam a imagem imitada 
(estética) e o objeto artístico define-se pela subjetividade do artista (estilo). 
 Segundo BOSI (1991, p. 31), “o convívio do saber sensível e idealização formal altera, sob um 
novo aspecto, a noção de mímesis, deixando aflorar uma outra tendência antropológica do homo faber: 
a estilização”. 
 Isso equivale a dizer que, ao intensificar alguns aspectos da realidade do objeto imitado, o 
homem que domina a técnica da arte (homo faber) faz representar o mundo sob sua visão específica, 
desenvolvendo conceitos antropológicos (inerentes ao saber humano) que serão expressos em sua 
produção artística. Assim, para além da mímesis como reprodução do real, nos seria oferecida a mímesis 
como interpretação do real. 
 É isso que ocorre quando nos deparamos com obras diversas que versam sobre o mesmo tema. 
Se a proposta é retratar uma paisagem campestre, a imagem que nos é oferecida vai depender da visão 
do artista, de como ele mimetiza a realidade. A análise que o receptor da obra há de elaborar não deve 
ignorar as nuances de cores, as formas, as proporções indicadas pelo quadro. 
 
 
 
Na observação da obra de Matisse, destacam-se: 
1 – a rapidez da percepção visual: percebemos o todo da obra, sem precisar decompor as suas partes; 
2 – a universalidade da imagem: identificamos a paisagem como realidade; 
3 – a observação da profundidade e bidimensionalidade: as dimensões do céu e da terra opõem-se às 
dimensões das casas e da mulher que caminha; 
4 – investigação das cores: atribuem-se à paisagem representada possíveis estações do ano e períodos 
do dia. 
 O belo estético perseguido pelo artista não se enquadra em padrões harmoniosos como cores 
claras ou vibrantes, formas suaves ou acentuadas; ao contrário, as formas podem ser distorcidas, as 
cores não representarem o real e, ainda assim, entraremos em contato com o belo ao contemplar uma 
obra de arte. 
 O belo pode ser encontrado na obra mais sombria, pois a imitação da realidade feita pelo artista 
transforma a própria realidade, e o que antes seria tenebroso, visto como representação, torna-se 
objeto de contemplação e êxtase. 
 Bosi (1991, p. 35) apresenta um texto de Leonardo da Vinci que seria um esboço de um quadro 
que ele não chegou a pintar. 
 Acompanhe as palavras e procure mimetizar (imitar) a realidade através da imaginação 
desencadeada pelo esboço do pintor renascentista. 
DIVISÕES PARA O DILÚVIO 
TREVAS, VENTO, FORTUNA DE MAR, DILÚVIO DE ÁGUA, SELVAS AFOGADAS, CHUVAS, SETAS DO CÉU, 
TERREMOTOS E RUÍNA DE MONTES, ALAGAMENTO DE CIDADES. 
VENTOS VERTIGINOSOS TRAZENDO ÁGUA, RAMOS DE PLANTAS E HOMENS PELO AR. 
RAMOS LACERADOS PELOS VENTOS, MISTURADOS COM O CURSO DOS VENTOS, CARREGADOS DE 
GENTE. 
PLANTAS ROTAS, CARREGADAS DE GENTE. 
NAVES ROTAS EM PEDAÇOS, BATIDAS EM ESCOLHOS. 
REBANHOS, GEADA, RAIOS, VENTOS VERTIGINOSOS. 
GENTE QUE SE AGARRA A PLANTAS QUE NÃO POSSAM SUSTENTAR-SE, ÁRVORES E ESCOLHOS, TORRES, 
COLINAS APINHADAS, MESAS, MASSEIRAS, INSTRUMENTOS DE NADO, COLINAS COBERTAS DE HOMENS 
E MULHERES E ANIMAIS, E SETAS QUE DAS NUVENS ALUMIEM AS COISAS. 
 Pelo exercício de imaginação realizado, vemos que o receptor da obra de arte tem papel 
fundamental na construção das representações sugeridas pelo artista. 
 O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma 
volta atrás da casa. Passou um homem depois e disse: essa volta que o rio faz por trás de sua casa se 
chama enseada. Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás da casa. Era 
uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem. 
 Como vimos anteriormente, para Platão mímesis seria simulacro (similaridade) da realidade, 
portanto “idealismo”; para Aristóteles, ao contrário, a mímesis deveria ser a representação mais fiel da 
realidade. 
 É certo que as teorias gregas sobre mímesis estão na origem de toda arte, inclusive as 
contemporâneas. No entanto, o artista, ao longo da história da humanidade, aperfeiçoou sua arte 
representativa até chegar, com Leonardo da Vinci, no Renascimento (século XVI), ao estatuto de ciências 
da visão. 
 A mímesis residiria no plano do conhecimento de mundo e a obra de arte no plano de 
construção de um outro mundo, cuja porta o artista abre para o receptor que se dispuser a conhecer a 
essência da obra, que é, afinal, a essência do artista. Dessa forma, artista e obra irão representar o 
mundo subjetivamente e historicamente. 
 Assim é que na arte medieval nos deparamos com o espaço místico; na Renascença temos a 
pintura mais linear e plástica do estilo clássico, com planos distintos de representação; no Barroco, 
encontramos a arte pictórica, marcada em profundidades e contrastes de imagens; no Romantismo, a 
dimensão humana ganha todas as cores e formas; por fim, na arte moderna, movimentos diversos 
convergirão estéticas que pretendem dar conta da fragmentação humana. 
 A arte relaciona-se com o seu tempo histórico. 
 Deixamos, como reflexão, o pensamento do escritor alemão Novalis (1772-1801): 
“Onde o mundo interior e o exterior se tocam, aí se encontra o centro da alma”. 
 
Aula 2: Os Limites do Fazer Artístico 
 
 Todos os artistas, em todos os tempos, preocuparam-se, fundamentalmente, com dois 
fenômenos que atuavam sobre o seu processo de criação: o cânone e a censura. 
 O cânone forma-se a partir da consolidação de ideias e estilos propostos por determinado 
artista. Os que o sucedem dificilmente libertam-se plenamente do modelo inspirador. 
 Não se trata de plágio, conceito que infere uma produção a partir da cópia mecânica e 
intencional, mas de influências culturais. 
 É o que argumentam diversos autores como Mikhail Bakhtin — o qual introduz nos estudos 
literários o conceito de dialogismo —, Julia Kristeva — que propõe o conceito de intertextualidade — e 
Linda Hutcheon — autora que estende as ideias anteriores a todos os campos do saber pela 
compreensão de que todo produto humano refere-se a algo que o antecede. 
 O cânone se estabelece a partir do momento em que a recepção crítica e ou pública de uma 
obra intelectual ou artística reconhece tanto a originalidade quanto a capacidade de expansão das ideias 
propostas. 
 Cânone (do gr. kánon, regra) é, portanto, um padrão a ser seguido, muitas vezes, de forma 
involuntária. Todos nós conhecemos obras que fazem referência a outras obras, ideias que são 
recuperadas, estilos que se repetem. 
 Platão fundamentou o pensamento ocidental; Shakespeare é constantemente referenciado, seja 
em releituras de suas obras, como Romeu e Julieta, seguramente a mais retomada, seja em dizeres 
cotidianos; e cita-se muito Fernando Pessoa: Tudo vale a pena, se a alma não é pequena. 
 O tribunal inquisitorial surgiu em 1183, no Concílio de Verona, a fim de combater ideias 
consideradas heresias. Inicialmente, o objetivo era inibir que os cátaros, povo do sul da França, 
consolidassem sua crença na metempsicose, ou seja, transmigração da alma de um corpo físico para 
outro, fosse humano, animal ou vegetal. 
 As penas aplicadas contra os hereges podiam ser: a suspensão dos sacramentos religiosos como 
o batismo, a confissão e a eucaristia; os castigosfísicos; a excomunhão. 
 No século XV, os reis de Castela e Aragão, Isabel e Fernando, que haviam conquistado terras 
pertencentes aos mouros na Península Ibérica, conseguem que o Papa autorize a formação de um 
Tribunal do Santo Ofício na Espanha. Nesse tribunal inquisitorial, muçulmanos e judeus foram 
convertidos ao cristianismo, recebendo a denominação de “cristãos novos”. Alguns, no entanto, 
continuavam a exercer suas práticas religiosas clandestinamente. 
 O Tribunal do Santo Ofício da Espanha não se limitou a julgamentos religiosos, pois os reis 
usaram esse poder como instrumento de coação e força para submissão de quaisquer inimigos políticos. 
 Os reinos de Portugal e Itália também conseguiram permissão para instituir um Tribunal do 
Santo Ofício. Além de crenças não cristãs, eram julgados e condenados práticas e comportamentos não 
aceitos pela monarquia e pelo poder eclesiástico, entre os quais a bigamia, a homossexualidade, a 
sodomia e a bruxaria, acusação (não comprovada) que condenou milhões de mulheres durante o 
período inquisitorial. 
 A morte na fogueira, mais conhecido processo de condenação pelo Tribunal do Santo Ofício, 
tem sentido religioso, visto que o fogo simboliza a purificação, além de construir a imagem do Inferno, 
forma de ameaça contra as heresias. 
 O Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos), criado em 1559, no Concílio de 
Trento, constitui-se de uma lista de livros considerados hereges. A trigésima segunda edição do 
Índex, publicada em 1948, possui uma lista de 4 000 livros proibidos. 
 Constam do Índex trabalhos de cientistas e pensadores como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, 
Giordano Bruno, Maquiavel, Erasmo de Roterdã, Baruch de Espinosa, John Locke, Denis Diderot, Blaise 
Pascal, René Descartes, Rousseau, Montesquieu, Immanuel Kant, Simone de Beauvoir sendo que alguns 
desses nomes foram removidos mais tarde. 
 Famosos escritores foram incluídos na lista, entre eles: Laurence Sterne, Heinrich Heine, 
Alexandre Dumas (pai e filho), Voltaire, Daniel Defoe, Vitor Hugo, Emile Zola, Stendhal, Gustave 
Flaubert, Anatole France, Honoré de Balzac, Jean-Paul Sartre e Níkos Kazantzákis. 
 
A CENSURA RELIGIOSA 
 
 O poder inquisitorial foi a forma mais contundente de censura da história da Humanidade. 
 “Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e 
inteligência, pretenda que não os utilizemos”. (Galileu Galilei) 
 O desejo humano de criação e descoberta foi coibido pela ameaça ou condenação à prisão, 
tortura ou morte na fogueira. Durante a Idade Média e o Renascimento, os tribunais do Santo Ofício 
perseguiram artistas e intelectuais, e exigiram que toda obra fosse submetida aos censores eclesiásticos. 
Giordano Bruno, queimado na fogueira em 17 de fevereiro de 1600. 
 Giordano Bruno (1548-1600) foi morto por suas ideias relacionadas à cosmologia. 
 
A TEORIA DO HELIOCENTRISMO 
 
 Galileu Galilei (1564-1642) entrou na lista do Index Librorum Prohibitorum por suas teorias 
sobre o heliocentrismo, teses aceitas pela Astronomia. 
 Ao longo dos séculos, cerca de 8.000 publicações foram incluídas no índice, entre elas Madame 
Bovary, de Gustave Flaubert, O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, romances de Honoré de Balzac e 
obras de filósofos como René Descartes e Emanuel Kant. 
 A censura também pode ser exercida apenas pela interpretação que se impõe a uma 
determinada obra, alterando-lhe os conceitos iniciais ou a forma original. 
 Substitui-se, assim, a mensagem por uma proposta que se concilie com os ideais impostos. 
 O exemplo mais evidente dessa ação é o texto “Cântico dos Cânticos” (ou “Cantares de 
Salomão”) que, apesar da expressiva sensualidade amorosa, foi aceito nos Evangelhos por ser uma 
possível produção salomônica (séc. IX). 
 Julia Kristeva elabora um estudo sobre o “Cântico dos Cânticos” no livro Histórias de Amor. 
Segundo a autora, o texto recebeu duas célebres interpretações censórias ainda na Idade Média: a 
judaica, que entendeu ser o amor descrito uma “relação entre Jeová e o povo eleito”, e a cristã, que 
identificou nos famosos versos o “amor mútuo do Cristo e da Igreja”. 
 Em praticamente todos os países e em todos os tempos, a censura religiosa atuou sobre o 
intelecto humano. Em Portugal, país de forte tradição religiosa, vários casos se tornaram célebres: 
O julgamento do Padre António Vieira (1608-1697), por defender os cristãos-novos (judeus convertidos 
ao cristianismo, mas que continuavam sendo perseguidos pelo poder inquisitorial); a condenação à 
morte na fogueira de António José da Silva, «O Judeu» (Rio de Janeiro, 1705 – Lisboa, 1739), autor de 
obras com temáticas pagãs; Luís Vaz de Camões (1525-1580) foi obrigado a ler e explicar para os 
censores da Igreja cada um dos 8.816 versos que compõem a obra Os Lusíadas, publicada em 1572. 
 A censura política separa-se da censura religiosa apenas quando a República se instaura 
definitivamente, mas, ainda assim, registram-se longos períodos de associação de poderes em torno da 
mesma prática. 
 No Brasil, a censura fez-se presente com sua face mais violenta durante o regime militar. Os 
meios de comunicação de massa sofreram graves ataques de silenciamento. Coube, então, à literatura, 
o papel de continuar propondo ideias e consolidando ideais na mente do leitor. Flora Sussekind faz a 
análise: “Se nos jornais e meios de comunicação de massa a informação era controlada, cabia à 
literatura exercer uma função parajornalística”. 
 Após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), todo veículo de comunicação deveria ter sua pauta 
previamente aprovada por censores da ditadura militar. 
 Algumas publicações apresentavam grandes lacunas, outras preenchiam espaços — antes 
destinados a editoriais e colunas políticas — com receitas culinárias. 
 O Jornal do Brasil, em sua edição de 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, data do AI-5, a 
despeito do imenso calor de um típico dia de verão, publica em sua primeira página: “Tempo negro, 
temperatura sufocante, o ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos.” 
 Mensagens oficiais eram divulgadas de todas as formas, procurando incutir na mente do 
brasileiro a ideia de prosperidade e ordem social e política, como o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”. 
 Contra essa proposta, os artistas reagiam de todas as formas. 
 Apesar de nas rádios proliferarem as músicas norte-americanas, única maneira de preencher a 
grade dos programas e de resistir ao peso da ditadura, sempre chegavam aos ouvintes músicas de 
protesto, fosse pela ousadia dos comunicadores, fosse pelo som ensurdecedor dos teatros onde se 
realizavam festivais de canções. 
 Em alguns casos, os problemas advindos da coragem dos jovens músicos acabaram tornando-se 
lenda, como no caso da música “Cálice”, de Chico Buarque de Holanda que, impedido de cantar em uma 
apresentação, teve o som do microfone cortado pela própria produção do show, preocupada com a 
polícia política, transformando a metáfora no que ela de fato representava: “Cale-se”. 
 Durante a ditadura, foram censurados, entre outros, os artistas: Caetano Veloso, Chico Buarque 
(que precisou usar o pseudônimo Julinho da Adelaide para ter suas músicas liberadas), Elis Regina, 
Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Kid Abelha (pela música “Como eu Quero”, por não atender os padrões 
morais da época em que foi produzida), Milton Nascimento, Raul Seixas, Taiguara, Toquinho e Odair 
José (por falar abertamente de questões sociais cotidianas). 
 Caso extremado de censura política foi o de Adoniran Barbosa, perseguido por utilizar um 
linguajar caipira em suas músicas. 
 Calabar, ou o Elogio à Traição, peça de Chico Buarque e Ruy Guerra encenada em 1973, teve 
quase todas as suas músicas censuradas, inclusive a capa do disco, considerada subversiva. Em protesto, 
Chico Buarque lançou novo disco com a capa totalmente em branco. São da peça as músicas: “Bárbara”,“Partido Alto”, “Não Existe Pecado ao Sul do Equador” e “Fado Tropical”. 
 Os artistas são expulsos de cena, os teatros fechados, o povo assiste ao espetáculo da censura 
sem mesmo compreender os motivos da proibição. São censuradas as peças Um Bonde Chamado 
Desejo, de Tennessee Williams; Senhora da Boca do Lixo, de Jorge de Andrade, e Poder Negro, de Le Roy 
Jones. Os atores Maria Fernanda e Oscar Araripe ficam suspensos de suas atividades artísticas por trinta 
dias. 
 Uma das mais eficazes armas contra a censura é o humor: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), 
Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo e o jornal O Pasquim formaram um cânone humorístico que ainda se 
mantém, apenas atualizados. 
 “Quando a Censura Federal proibiu em Brasília a encenação da peça Um Bonde Chamado 
Desejo, a atriz Maria Fernanda foi procurar o Deputado Ernani Sátiro para que o mesmo agisse em 
defesa da classe teatral. Lá pelas tantas, a atriz deu um grito de ‘viva a Democracia’. O senhor Ernani 
Sátiro na mesma hora retrucou: ‘Insulto eu não tolero’.”. (O Festival de Besteira que Assola o País, 
Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966) 
 E assim, após longos anos de perseguições, prisões e exílios, e pela resistência de intelectuais e 
artistas, podemos desfrutar de um dos bens mais preciosos de que somos detentores: a liberdade de 
expressão. 
 
AULA 3: ARTE E IDEOLOGIA: RELAÇÕES ENTRE ARTE E HISTÓRIA 
 
 Todo artista sofre a influência de seu tempo. Dessa forma, o objeto de arte que produz expressa 
as ideologias de sua época. Se pretendemos, então, apreender a genialidade do artista, é preciso que 
identifiquemos, antes, as marcas de seu tempo. 
 
ARTE E IDEOLOGIA I: RELAÇÕES ENTRE ARTE E HISTÓRIA 
 
 É na Antiguidade Clássica que nosso percurso tem início. O período greco-romano (referência a 
Grécia e a Roma) compreende um longo tempo, do século VIII a.C. até o século V d.C. Nesse período, 
não se distinguia claramente a arte da técnica, mas o que foi produzido então tornou-se fundamental 
para o desenvolvimento posterior da relação do homem com o objeto artístico. 
 Teknê é o termo grego que define a arte como um objeto exato; ars (que deu origem à palavra 
arte) é como os latinos designavam a atividade de se juntar as partes de um todo. Assim, não havia 
distinção entre o artesão (ceramista, tecelão, ourives) e o artista que produzia obras que pretendiam 
deleitar o espírito humano (a música, a poesia, o teatro). 
Quatro grandes períodos na história da arte grega: 
1. O geométrico (séculos IX e VIII a.C.), em que predominam a decoração de utensílios. 
2. O arcaico (séculos VII e VI a.C.) com o desenvolvimento da arquitetura e da escultura. 
3. O clássico (séculos V e IV a.C.) durante o qual a arte procura representar o homem de forma 
mais realista e a escultura adquire dinamismo. 
4. O helenístico (do século III ao I a.C.) que faz ressurgir a arte em cerâmica, decorada com maior 
riqueza de detalhes. 
5. 
A ARTE NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA E A DEMOCRACIA 
 
 O período clássico nos interessa particularmente, visto estar ele associado a uma ideologia que 
definiu a História da Humanidade: 
 Aparentemente, a democracia, conceito que indica individualismo e liberdade, é inconciliável 
com a arte clássica, moldada com austeridade e regularidade para que se atingisse o ideal de perfeição. 
E tal proposta vincula-se muito mais ao estilo e estética propostos pela nobreza do que, propriamente, à 
representação das formas orientadas pelo naturalismo (conceito vinculado à representação realista dos 
seres e objetos reproduzidos nas obras de arte). 
 No entanto, é no século V a.C. que a natureza e o corpo humano passam a ser representados 
com suas formas, dimensões e movimentos naturais. Assim, convivem, no período clássico, o desejo de 
proporção e ordem (contrário à natureza e à democracia) e o impulso pela representação fiel da 
natureza (proposta de individualização do ser). 
 Os poetas e filósofos da Antiguidade Clássica, incluindo-se entre eles Platão, Sófocles e 
Heráclito, identificavam-se com os ideais da nobreza, mesmo que a ela não pertencessem. 
Até mesmo os comediógrafos — ainda que a comédia seja, pela proposta de irreverência e crítica, 
naturalmente democrática — expressavam sentimentos típicos da alta nobreza. Por esse motivo, os 
valores democráticos poderiam ser expressos na arte, desde que ela não representasse motivos nobres 
ou sagas heroicas. 
 Essas ações não impediram o fortalecimento do estilo naturalista e, por consequência, dos 
ideais democráticos surgidos no período clássico. A tragédia foi, segundo Arnold Hauser, “a criação 
artística mais característica da democracia ateniense”, pois sempre foi dirigida a um público numeroso 
para o qual se desenvolvia um “sentimento de massa” necessário para a representação e sobrevivência 
das tragédias. 
 Por esse motivo, ingressos eram distribuídos e subsídios pagos a quem fosse assistir às 
representações, formando o ideal de “teatro do povo”, muito embora tais iniciativas, na verdade, 
impedissem esse mesmo povo de decidir os destinos do teatro. 
 Comparada com os estados democráticos modernos, a democracia grega não nos parece tão 
liberal, mas é nela que se encontram as bases de nossas liberdades individuais. 
 
A ARTE MEDIEVAL E A IDEOLOGIA CRISTÃ 
 
 A Igreja Cristã definiu os rumos da Humanidade em todas as áreas e, como não poderia deixar 
de ser, determinou o estilo e estética a serem adotados pelos artistas e, principalmente, o objetivo a ser 
alcançado pelo artista, a espiritualidade e a transcendência do espírito humano, o que destituía de 
importância as coisas inerentes ao corpo físico. 
 A arte cristã medieval é elaborada com imagens que são objetos de devoção: histórias bíblicas e 
vidas de santos. 
 O valor individual do ser humano proposto pela arte clássica é substituído por representações 
que fazem elevar a alma. 
 “Para a mentalidade medieval, a religião não podia continuar tolerando uma arte com existência 
independente, sem consideração de credo”. HAUSER, Arnold. História social da literatura. São Paulo: 
Martins Fontes, 2003. p. 129 
 A arte medieval torna-se cristã e, em consequência, adquire caráter didático, ou seja, tem como 
objetivo orientar a vida do ser humano, organizar a sociedade e delimitar os espaços de atuação dos 
demais poderes instituídos, como é o caso da monarquia. HAUSER, Arnold. História social da literatura. 
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 129. 
 A arte cristã da Idade Média propôs ensinamentos religiosos e morais e definiu a feição do 
homem ocidental. 
 Nave da Igreja de Santa Maria de Maggiore, erguida no séc. V, a basílica representa bem a arte 
medieval cristã: as figuras não interagem, mantendo uma relação espiritualizada; há um claro 
afastamento das coisas terrenas. Na cena, vemos a figura de Maria, sentada a um trono (no alto, à 
direita) e os três reis magos. 
 
A ARTE DO RENASCIMENTO E OS IDEAIS DE HUMANISMO E CIENTIFICISMO 
 
 A partir do século XV, o mundo sofreu drásticas transformações, o que possibilitou a 
compreensão de que uma nova era se iniciava. 
 O Renascimento compreende o final do século XV e todo o século XVI. No entanto, na Itália, 
onde se deu uma maior revolução de ideias, é possível determinar o início do Renascimento ainda no 
século XIV. 
 Também denominado Renascença, esse período propõe ideologias claramente opostas às que 
prevaleceram na Idade Média e ficou conhecido como a época da “descoberta do mundo e do homem”. 
 Artistas e intelectuais renascentistas voltaram-se mais uma vez para a compreensão naturalista 
da existência, como na Antiguidade Clássica, mas dessa vez dotados de mais consciência, saber científico 
e aprimoramento técnico que fizeram com que sua observação da realidade se transformasse em obras 
de arte das mais admiradas de todos os tempos. 
 No entanto, é importante registrar que, apesar de os artistas atenderema interesses da Igreja 
Cristã, produzindo obras de significado religioso, o que eles de fato representavam era o 
antropocentrismo, ou seja, a valorização do ser humano. É só observarmos as obras renascentistas para 
vermos o homem em destaque. 
 No entanto, é importante registrar que, apesar de os artistas atenderem a interesses da Igreja 
Cristã, produzindo obras de significado religioso, o que eles de fato representavam era o 
antropocentrismo, ou seja, a valorização do ser humano. É só observarmos as obras renascentistas para 
vermos o homem em destaque. 
 Leonardo da Vinci é, sem dúvida, a melhor expressão do artista da Renascença. Além de suas 
obras de arte de valor inigualável, o pintor — que também era cientista, matemático, engenheiro, 
inventor, anatomista, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico — também destacou-se pelo 
conhecimento técnico e científico, quando desenvolveu projetos que são, ainda hoje, inovadores. 
 Paradoxalmente, o humanista também produziu armas de guerra. 
 O artista do Renascimento nivela-se com o cientista e o técnico. 
Alfredo Bosi destaca que, “nos textos de Leonardo da Vinci, o elogio incondicional à Pintura (quando 
comparada, por exemplo, à Poesia) funda-se precisamente no caráter de ciência rigorosa, isto é, 
matemática, atribuído à perspectiva”. BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1991. p. 
17. 
 Arnold Hauser acrescenta que, para da Vinci, o artista supera o cientista, porque as ciências são 
“imitáveis”, enquanto “a arte está vinculada ao indivíduo e às suas aptidões inatas”.HAUSER, Arnold. 
História social da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 334. 
 Essa união entre técnica, ciência e genialidade produziu obras que legaram à Humanidade novos 
conceitos sobre a existência humana que se consolidaram na ideologia chamada de Humanismo. Figuras 
humanas em destaque nas obras de da Vinci, Michelangelo e Rafael, entre tantos outros gênios 
renascentistas, possibilitaram um novo olhar do homem sobre si mesmo. 
 
A ARTE ECLESIÁSTICA BARROCA 
 
Entre o final do século XVI e meados do século XVIII, floresce na Europa o estilo artístico chamado 
 Barroco, consequência da ação do poder inquisitorial sobre os artistas e intelectuais do 
Renascimento e contra todos que pudessem representar alguma ameaça ao poder da igreja cristã 
tradicional. 
 A arte barroca é considerada extravagante e confusa em relação à arte clássica, a qual buscava o 
equilíbrio das formas. Nas telas, surgem as perspectivas de profundidade, luz e sombras, 
descontinuidade. 
 Tais propostas estéticas estão a serviço da ideologia barroca: a finitude e fragilidade humana 
diante de Deus; a incerteza da existência; a ideia de que a vida material é provisória e de que 
precisamos nos elevar a um outro plano, o qual não conhecemos plenamente, mas que representa o 
único caminho para o ser humano. 
 Em síntese, a arte barroca tenciona provar que o ser humano não é dono de sua vida, de seu 
tempo e de sua história.Para disseminar a fé católica, ameaçada pela reforma protestante, a Igreja 
estabelece alguns parâmetros para a arte barroca: estilo elevado e uma iconografia (registro dos 
símbolos mais importantes) que obedecesse a um esquema fixo: a Anunciação, o Nascimento do Cristo, 
o Batismo, a Ascensão, a Via Crucis e outras cenas bíblicas. Disso resulta uma contradição e uma 
mudança na propagação da ideologia cristã. 
 A contradição é a proposta elaborada pela Igreja de que a arte barroca fosse popular, a fim de 
atingir o maior número possível de conversões, mas que não abrisse mão, como dissemos, de um estilo 
elevado, erudito, extremamente elaborado, para o que contribuía o uso de materiais como ouro e 
pedras preciosas. 
 A mudança na disseminação da fé cristã decorre de um outro paradoxo: quanto mais se 
incentivavam a prática dos rituais e a obediência aos dogmas, mecanizando-os, mais a Igreja católica 
afastava sua ideologia religiosa da análise mais cuidadosa de suas bases e, consequentemente, da 
atitude reflexiva que levaria ao aprofundamento da fé cristã. 
 No entanto, os artistas que serviram aos ideais eclesiásticos — os pintores El Greco e Diego 
Velázquez, o escultor Aleijadinho, o sermonista Pe. António Vieira e o poeta São João da Cruz, apenas 
para citar alguns nomes — apresentaram uma proposta de existência alternativa à formalidade e ao 
equilíbrio grego, muitas vezes inconciliáveis com a condição humana. 
 Os ideais da Antiguidade Clássica, pelos quais o homem era valorizado (antropocentrismo), 
retornaram no período do Renascimento. O Barroco, ao contrário, retoma a ideologia da Idade Média e 
se propõe a desviar o homem do caminho do saber científico, levando-o de volta ao caminho da fé 
(antropocentrismo). No entanto, a história se fez e o homem não conseguiu abdicar de toda a 
experiência adquirida. Assim, consegue sintetizar Razão e Fé, buscando atingir o equilíbrio entre o saber 
científico e o saber religioso. 
 “Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem 
espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode 
ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de 
uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo?” (Padre António Vieira) 
 
AULA 4: ARTE E IDEOLOGIA II: RELAÇÕES ENTRE ARTE E HISTÓRIA 
 
 O Neoclassicismo e a intelectualidade burguesa 
 No século XVIII, a monarquia entra em declínio. A Revolução Francesa, ocorrida em 1789, muda 
os rumos da humanidade e coloca no comando das nações, definitivamente, a classe burguesa, que 
assume o poder econômico, social e político na Europa. 
 A grandiosidade das obras de arte barrocas, cerimoniosas e solenes, que pouco representava os 
desejos humanos, perde sua força. A tendência, nesses novos tempos, é a ênfase no indivíduo, e todas 
as formas de expressão adquirem um caráter mais intimista. 
 Muito embora a burguesia tenha assumido o poder sob o lema da Revolução Francesa 
(Liberdade, Igualdade, Fraternidade), aristocratas que desfrutavam dos favores da nobreza e a alta 
burguesia uniram-se em uma só elite cultural, opondo-se aos menos favorecidos. 
 Gradualmente, a burguesia foi tomando posse de todos os instrumentos de cultura; não só 
escrevia livros, mas também os lia; não só pintava quadros, mas também os adquiria. No século 
precedente, ela ainda formava apenas um segmento comparativamente modesto do público leitor e 
apreciador de arte, mas agora é a classe culta por excelência e converte-se no verdadeiro sustentáculo 
da cultura. 
 O pensamento burguês do século XVIII se divide entre a busca pela compreensão do mundo 
através de: 
Razão: retomada do espírito da Antiguidade Clássica (daí o termo neoclassicismo). 
Subjetivismo: relacionado ao “eu” e o sentimentalismo, propostas que farão surgir o Romantismo. 
 Vamos nos deter, por ora, na ideologia que estabelece o predomínio da Razão. Voltaire, 
Rousseau e D’Alembert são os principais filósofos do Iluminismo francês que interpretaram o mundo 
através da sabedoria na busca de equilíbrio individual e social, proposto anteriormente pelo idealismo 
grego. 
 A vida elegante na França é representada por encontros campestres entre jovens 
despreocupados que agem como pastores e pastoras e fazem um elogio à simplicidade e ao bucolismo 
em meio à música, ao canto e à dança. 
aurea mediocritas = recusa ao dinheiro 
 Propunham, como ideal de existência, uma aproximação entre a natureza e a civilização, a 
beleza e a espiritualidade, a sensualidade e a inteligência. 
 Apesar de estarem bem distantes da vida campesina verdadeiramente singela, os jovens 
franceses do arcadismo, (uma outra denominação para neoclassicismo), pregam o distanciamento da 
vida da corte e da cidade e instruem a viver intensamente o dia. 
(fugere urbem = fuja da cidade)(carpe diem = aproveite o dia). 
 Nas artes plásticas, o arcadismo tem destaque na figura de Antoine Watteau. No entanto a 
literatura – especialmente a poesia – é uma forma de arte mais representativa do neoclassicismo, com 
destaque para Portugal e Brasil. 
 Nas artes plásticas, o arcadismo tem destaque na figura de Antoine Watteau (1684-1721). No 
entanto, a literatura — especialmente a poesia — é a forma de arte mais representativa do 
neoclassicismo, com destaque para Portugal e Brasil. 
 Nos versos do poeta português Bocage (1823-1907) e dos brasileiros Cláudio Manuel da Costa 
(1729-1 789) e Tomás Antônio Gonzaga (1744- 1810), forma-se um belo painel de deuses 
mitológicos (referência ao período greco-romano) e paisagens bucólicas que guardam a figura da 
mulher amada, bela, sensual e plácida, que possui um nome de pastora, como Marília. 
 Nos versos do poeta português Bocage (1823-1907) e dos brasileiros Cláudio Manuel da Costa 
(1729-1 789) e Tomás Antônio Gonzaga (1744- 1810), forma-se um belo painel de deuses 
mitológicos (referência ao período greco-romano) e paisagens bucólicas que guardam a figura da 
mulher amada, bela, sensual e plácida, que possui um nome de pastora, como Marília. 
 Evidentemente, esses ideais contrastam com a vida de poetas que fizeram a revolução contra a 
monarquia (Bocage foi preso e os poetas brasileiros são mentores da Inconfidência 
Mineira). Por esse motivo, usavam pseudônimos de pastores para promover o distanciamento entre a 
vida real e a vida ideal. Bocage assumia a figurade Elmano Sadino; Cláudio Manuel da Costa 
denominava-se Saturno Glaucestes e Tomás Antônio Gonzaga assumia a identidade literária do 
pastor Dirceu. 
 
Marília de Dirceu – Lira I (fragmento) 
 
“Irás a divertir-te na floresta, 
Sustentada, Marília, no meu braço; 
Ali descansarei a quente sesta, 
Dormindo um leve sono em teu regaço: 
Enquanto a luta jogam os Pastores, 
E emparelhados correm nas campinas, 
Toucarei teus cabelos de boninas, 
Nos troncos gravarei os teus louvores. 
Graças, Marília bela, 
Graças à minha Estrela!” 
A arte moderna e o domínio do capital 
 
 O século XIX foi palco de grandes revoluções na história e no pensamento ocidental. 
 A Revolução Industrial modificou o cenário urbano: 
 As cidades, antes espaços restritos à corte e à alta burguesia, sofreram um intenso crescimento 
demográfico com a chegada de trabalhadores das áreas rurais seduzidos pela oferta de emprego nas 
fábricas e pela proposta de recebimento de salários. 
 
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 
 
 Homens, mulheres e crianças colocam-se à frente das máquinas sem qualquer treinamento 
específico e sem que direitos trabalhistas lhes sejam garantidos. 
 Quando perdem seus empregos, por inaptidão, mutilação ou fechamento da fábrica, não têm 
como voltar para seus lugares de origem. Passam, então, a perambular pelas cidades como ambulantes, 
pedintes ou mesmo ladrões. Vivem à margem da sociedade e se transformam em figuras indesejáveis. 
 Sem saneamento básico ou projetos habitacionais, as cidades tornam-se caóticas. Surgem as 
vilas operárias e os cortiços. 
 A proximidade entre as pessoas desencadeia conflitos sociais e individuais, como o estresse. 
Graves doenças, como a tuberculose, transformam-se em epidemias que ceifam milhares de vidas e 
desencadeiam um sentimento de melancolia e depressão que se torna comum a todos os ocidentais. 
 Trata-se do triunfo do capital sobre o ser humano. 
 O artista não ficaria indiferente a essas transformações. Na França, país onde se inicia o que 
comumente se classifica como arte moderna, Charles Baudelaire (1821 - 1867) figura como o nome mais 
expressivo da modernidade. O poeta registra o sentimento de mal-estar da vida moderna e os conceitos 
a ela inerentes: a transitoriedade e a efemeridade (todos os valores sofrem mudanças constantes, nada 
é duradouro), a experiência urbana do anonimato e da coletividade, a falta de perspectivas para o ser 
humano, o individualismo e o sentimento de inadequação. 
 No poema “A uma passante”, Baudelaire registra a melancolia por um amor que poderia ter se 
realizado se não fosse o distanciamento que a vida moderna impõe às pessoas: Bem longe, tarde, além, 
jamais provavelmente! / Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais, / Tu que eu teria amado — e o 
sabias demais! 
 Apesar do sentimento de transitoriedade e mal-estar, o homem moderno deslumbra-se com o 
cientificismo — notadamente com a Teoria da Evolução de Charles Darwin —, a moda, a efervescência 
dos locais públicos; o homem moderno quer ver e se deixar ver. 
 Nesse contexto, opõem-se claramente um comportamento exibicionista e uma sensação de 
melancolia e tédio que põe em risco a existência humana – é o mal do século. 
 O Romantismo é o estilo de arte que atende a uma necessidade fundamental do homem 
moderno: a subjetividade (relativo ao “eu”). Quanto mais envolvido com uma vida coletiva, mais o ser 
humano necessita expressar seus sentimentos, alienando-se dos problemas da vida moderna. 
 O ideal de vida heroica — representado pelas revoluções anteriores ao século XIX — e de amor 
espiritualizado e eterno toma forma nas artes plásticas e na literatura. O homem burguês domina a 
política, a economia e a sociedade com a força do capital (acúmulo de riqueza), mas não consegue 
encontrar soluções para sua existência. 
 A urbanização incrementada pela força do capitalismo e os avanços científicos se fazem 
representar pelo movimento Realismo/Naturalismo. Na França, Èmile Zola publica o manifesto O 
Romance Experimental (1880), no qual propõe que a literatura seja uma ciência e o escritor assuma a 
condição de observador. 
 A tendência contrária ao romantismo expressava um certo entusiasmo com a vida moderna e a 
crença de que a força do dinheiro promoveria mais justiça social. 
 No entanto, aos poucos o artista compreende, de forma dolorosa, que os ideais em que 
acreditava não se concretizaram. 
 Surge uma tendência mais crítica em relação à burguesia e uma valorização dos menos 
favorecidos. 
 
 Essas novas ideologias são desencadeadas por revoluções intelectuais que influenciam a arte, 
como o marxismo. 
 Como expressão dessa nova consciência, o movimento modernista, na Europa e no Brasil, 
propõe, nas artes plásticas, no cinema e na literatura, duas vertentes artísticas: a) uma profunda 
reflexão sobre a modernidade e sobre o homem moderno e b) um nacionalismo pautado em ideais 
contrários à burguesia, como o abandono das tradições e a valorização da cultura popular. 
0 mundo é para quem nasce para o conquistar / E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda 
que tenha razão. (Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa – versos do poema de “Tabacaria 
- 1928) 
 O que artistas e intelectuais previram no século XIX acaba por se confirmar: o capitalismo entra 
em crise, a sociedade divide-se de forma mais contundente entre pobres e ricos, e a burguesia — apesar 
de dominar o mundo com o poder de seu dinheiro — torna-se decadente. 
 O século XX presenciou duas grandes guerras, o que aumentou o sentimento de desilusão do 
artista moderno. É nesse contexto ideológico que surge a arte pós-moderna. 
Para o francês Jean-François Lyotard, a “condição pós-moderna” é decorrência das incertezas das ideias; 
nem a ciência seria mais uma garantia de verdade. 
 O crítico marxista norte-americano Fredric Jameson considera a pós-modernidade como um 
“capitalismo tardio” no qual temos uma superprodução industrial, avanços tecnológicos e alta de 
consumo, porém desemprego em massa, terceirização e privatização. 
 De acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a pós-modernidade condensa a reflexão 
de Marx, para o qual “tudo o que é sólido se desmancha no ar”, ou seja, vivemos a era das 
ambiguidades, incertezas, perda de valores sólidos. 
 Já o filósofo francês Gilles Lipovetsky (autor de A Era do Vazio), prefere o termo 
"hipermodernidade”,pois considera que ainda vivemos a modernidade; o que muda é o exacerbamento 
de propostas modernas como o individualismo, o consumismo, a fragmentação do tempo e do espaço e 
o hedonismo (busca do prazer individual). 
 Somos bem capazes de entender essas teorias, pois elas falam de nossa própria experiência 
social. Mas, como a arte as representa? 
 A arte pós-moderna caracteriza-se por representar uma cultura de massa para as massas, o que 
é facilitado pela globalização e seus instrumentos (principalmente a internet). 
A música, o cinema, as instalações de artes plásticas alcançam um maior número de pessoas e nos mais 
distantes lugares. 
 No entanto, como a pós-modernidade se expressa por grandes contradições, o que o artista 
expõe ao mundo, na arte pós-moderna, são os elementos regionais e a sabedoria popular, mas, de 
forma alguma, essa proposta representa uma ideologia marxista ou uma valorização do mais pobre em 
detrimento do mais rico. 
 As ideolgias do passado foram vencidas pelo fim das certezas e pelo desejo do homem 
contemporâneo de atender seus desejos individuais de consumo. 
 É a revolução do cotidiano que toma vulto, depois das revoluções econômicas e políticas dos 
séculos XIX para o XX. (...) Com o universo dos objetos, da publicidade, da mídia, a vida cotidiana e o 
indivíduo não têm mais peso próprio, pois estão anexados pelo processo da moda e da obsolescência 
acelerada (...). 
 O consumismo é um processo que funciona à base da sedução: sem qualquer dúvida os 
indivíduos adotam os objetos, as modas, as fórmulas de lazer elaboradas por organizações 
especializadas, porém de acordo com suas conveniências, aceitando isto e não aquilo, combinando 
livremente os elementos programados. (LIPOVETSKY, 2006, p. 85). 
 
 O QUE É A POP ART? 
 
 É o movimento surgido nos Estados Unidos e na Inglaterra a partir dos anos 50, na qual se 
destaca Andy Warhol. Ele relaciona cultura e capitalismo para elaborar uma cultura de massa. 
 
 A arte pós-moderna não quer representar algo, conceito evidenciado desde a Antiguidade 
Clássica, mas “apresentar um objeto” e, para isso, lança mão de matéria-prima não nobre e reciclável 
(fragmentos de objetos, latas, garrafas vazias etc.). Roy Lichtenstein “recicla” imagens de pintores 
consagrados. 
 No contexto da ideologia pós-moderna, no pós-64, destaca-se a literatura marginal, cuja 
proposta pode ser traduzida no lema Onde se lê poesia, leia-se vida. Segundo Flora Sussekind, “são as 
vivências cotidianas do poeta, os fatos mais corriqueiros que constituirão a matéria da poesia”. 
 Marginalizados, pois, previamente pela dificuldade de acesso às grandes editoras ou 
insatisfeitos com o tipo de público e de livro por elas visados, passa-se, então, a caminhar 
conscientemente “à margem” do mercado tradicional. 
 A poesia marginal caracteriza-se por uma produção independente, já que o mercado editorial, 
após o evento do Tropicalismo, fechou-se para novos artistas em razão da censura militar no período 
ditatorial. 
 Holanda tornou-se um marco devido à ousadia de sua publicação e por tornar conhecidos 
nacionalmente poetas da “geração mimeógrafo” (forma de produção independente). Destacam-se: 
Torquato Neto, Ana Cristina César, Geraldo Carneiro, Waly Salomon, Antonio Carlos de Brito (Cacaso) e 
Chacal. Esses poetas assumem a postura ideológica de se colocar à margem da cultura oficial. 
 A arte moderna representa um universo no qual o homem deixou de ser um sujeito único para 
ser múltiplo, coletivo; a arte pós-moderna, ao contrário, buscou uma individualização do ser. Segundo 
Gilles Lipovetsky, autor de A Era do Vazio, trata-se uma atitude narcísica, em que se busca a expressão 
de um Eu sem que haja preocupação com o Outro. E esse “outro” inclui a sociedade como um todo, e 
somente os ecologistas teriam, segundo o autor, uma consciência clara do apocalipse que vivemos. 
 É preciso, então, que novos rumos na vida e na arte sejam assumidos, em busca de um 
sentimento mais consolidado para a existência humana, ou permaneceremos na “era do vazio”. 
 
AULA 5: MULTICULTURALISMO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES I 
 
 As contribuições étnicas dos indígenas americanos 
 O povo indígena mais antigo do Brasil denomina-se Tupy, que significa "Tu" (som) e "py" (pé), ou 
seja, o som-de-pé; portanto, ser indígena é uma qualidade de espírito posta em harmonia com o corpo. 
Essa é uma identidade cultural que define um pouco a cultura brasileira. 
 É verdade que a cultura de vários outros povos tem sua origem na cultura indígena, mas, de 
uma forma muito particular, mantivemos uma relação estreita com os ameríndios, seja por contato 
direto, seja por manutenção de sua cultura, ainda que modificada pela adaptação dos modelos 
indígenas às formas de arte praticadas no Brasil. 
 O primeiro contato mais próximo e permanente com os indígenas foi estabelecido pelos jesuítas 
que aportaram na Bahia, em 1549, para fins de catequização. Manuel da Nóbrega e José de Anchieta 
destacaram-se no trabalho de evangelização promovido pela Companhia de Jesus, ainda no século XVI. 
 No século XVII, padre António Vieira define uma nova relação com os indígenas brasileiros, pois 
os considerava os primeiros donos da terra que habitavam e, por esse motivo, segundo Vieira, não 
deveriam ser escravizados. 
Não havia dúvidas, então, de que os povos indígenas são humanos, daí a necessidade de evangelizá-los, 
tanto para que a fé cristã fosse expandida, como para que se tornassem fiéis aos colonizadores 
portugueses. 
 Descoberto o Novo Mundo, era preciso inseri-lo na História da Humanidade. Assim, o 
tratamento dispensado aos indígenas tem caráter pedagógico. 
 O catecismo e o teatro de Anchieta atribuem uma nova imagem ao índio. 
 No "Diálogo da Conversão do Gentio" Nóbrega põe em cena as dúvidas e os preconceitos dos 
missionários, deixando perceber que a visão jesuítica sobre os indígenas não é homogênea. Ele próprio, 
aliás, parte de uma posição humanista e letrada, contrário à ideia corrente de que os indígenas 
descenderiam de Cam, filho de Noé amaldiçoado por haver desnudado seu pai, o que explicaria a nudez 
dos indígenas. 
 O humanismo de padre Manuel da Nóbrega gera frutos e o indígena passa a ser identificado por 
sua aparência limpa e pela organização da vida comunitária. 
antes, era visto apenas como um canibal voraz 
 Porém, apesar dessa visão humanista, o império e a Igreja Católica acreditam que o indígena 
não possui autoridade constituída e, portanto, pode ser facilmente evangelizado e doutrinado para 
servir ao homem branco, ideologia conhecida como eurocentrismo, a qual estabelece Europa como 
centro da civilização. 
 Além de ignorar o sistema hierárquico indígena, o europeu investe-se do direito de escravizar os 
“filhos da terra”, o que, como dissemos, será questionado por Padre António Vieira, um dos motivos 
pelos quais ele foi levado aos tribunais da Inquisição. 
 Apesar dessa tentativa de massacre humano e cultural — que, infelizmente, teve como 
consequência a dizimação de diversas etnias ameríndias — o estilo de vida e a arte dos indígenas 
brasileiros tornaram-se conhecidos e influenciaram bastante o modo de vida e a criação artística no 
Brasil. 
 O senso estético aguçado do indígena é verificável em seus enfeites e pinturas corporais. 
Esses costumes eram considerados bárbaros e, só recentemente, vemos uma valorização dessa prática 
cultural através de estudos que nos levam à compreensão de que essa forma de representação une 
estética e ideologia, ou seja, as pinturas e enfeites utilizados (penas, contas etc.) estão relacionados a 
crenças específicas. 
 Embora não tenhamos adotado costumes indígenas em nosso dia a dia (a não ser em festas 
comemorativas, como o carnaval), a arte reflete de forma muito clara as referências culturais indígenas, 
além de serem conhecidas nacionalmente as cerâmicas marajoaras. 
 O estilo de vida dos indígenas é hojetambém objeto de estudos acadêmicos. 
 A sociedade indígena se organiza com um pajé responsável pela cultura e pela religião, um 
cacique como chefe político e demais membros da comunidade (homens, mulheres e crianças) com 
funções específicas. 
 A ética comportamental adota regras que exigem o respeito à individualidade e ações coletivas 
em favor da tribo; A sustentabilidade se mantém com técnicas de cultivo que respeitam o ritmo da 
natureza. Essas são algumas práticas que expressam um equilíbrio entre o homem e o seu meio que foi, 
há muito, perdida pelo homem ocidental. 
 
 
 Outros exemplos de palavras que usamos no cotidiano e possuem origem indígena são: 
abacaxi (do tupi i’bá = fruto + kati = aroma agradável); 
açaí (do tupi yasa’i = fruta que chora); caipira (do tupi 
kai’pira = habitante do interior); carioca (do tupi 
kari’oka = casa do branco); mandioca (do tupi mãdi’og; 
teria origem na lenda da deusa Maní, enterrada na 
própria oca e que gerou a raiz alimentícia). 
 No entanto, o imaginário que foi construído a respeito do indígena e de seu modo de viver, 
muitas vezes, não corresponde à realidade verificável. Isso porque as primeiras impressões que 
recebemos dos indígenas vêm das representações artísticas do século XIX, as quais se orientam pelos 
modelos europeus. 
 O indígena que figura nas artes plásticas ou nas letras de romances e poemas tem suas 
características modificadas para atender a um padrão de beleza e comportamento eurocêntricos. 
 Essa é a visão que passará a ser difundida pela literatura: vigor físico, pureza de alma, docilidade 
e submissão, beleza realçada pela relação estreita com a natureza. 
 O Uraguai, de Basílio da Gama, atribui ao indígena dignidade e bravura sob uma ótica ocidental: 
Acorda o indígena valeroso, e salta / Longe da curva rede, e sem demora / O arco e as setas arrebata, e 
fere / O chão com o pé: quer sobre o largo rio /Ir peito a peito a contrastar co’a morte. 
 Em Caramuru, Santa-Rita Durão opõe as crenças do indígena à religiosidade cristã, 
ocidentalizando o pensamento: Louvores a Tupã, que enfim chegaste; / Que o caminho me ensinas. 
(Tupã = Deus cristão) 
 O indígena brasileiro aparece como integrante da natureza no poema Vila Rica, do poeta árcade 
Cláudio Manuel da Costa: Recolhidos a um tempo os companheiros, / Junto aos troncos, nas grutas dos 
outeiros / Se armam as mesas. 
 Encontramos exemplos mais significativos desse olhar ocidental sobre o ameríndio em dois 
autores expoentes do Romantismo brasileiro: José de Alencar, com suas obras Iracema, O Guarani e 
Ubirajara, e Gonçalves Dias, com seus poemas indigenistas. Em Iracema, fica muito evidente a 
transformação do indígena brasileiro pelo olhar etnocêntrico: Além, muito além daquela serra, que 
ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos 
mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. 
 No contexto de construção imagética dos indígenas, não se pode deixar de mencionar a “Carta 
de Pero Vaz de Caminha”, na qual o indígena é descrito com extrema docilidade e exotismo. 
Por fim, devem ser destacadas duas exceções que, ao invés de enobrecer os indígenas, como fizeram os 
autores acima citados, construíram estereótipos negativos: Bento Teixeira, autor de Prosopopéia, 
associa o indígena à bestialidade, alienando-o do processo histórico-cultural brasileiro; e Gregório de 
Matos, autor que inclui o indígena em suas sátiras marcadas pelo preconceito racial. 
 A história dos indígenas africanos registra-se de forma diferente da que verificamos ter ocorrido 
com os indígenas que viviam no Brasil antes da colonização. Não sendo nativos das terras brasileiras, os 
africanos de diversas etnias foram transportados para o Brasil a partir do século XIX como consequência 
do tráfico negreiro.Com a ocupação da colônia brasileira, era necessário que houvesse mão de obra 
suficiente para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar. Como os indígenas não se deixavam 
escravizar com facilidade, já que fugiam constantemente por conhecerem bem a terra em que 
nasceram, os africanos foram transportados de regiões da África também colonizada, principalmente, 
por Portugal, Inglaterra e França. 
 Com a ocupação da colônia brasileira, era necessário que houvesse mão de obra suficiente para 
trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar. Como os indígenas não se deixavam escravizar com 
facilidade, já que fugiam constantemente por conhecerem bem a terra em que nasceram, os africanos 
foram transportados de regiões da África também colonizada, principalmente, por Portugal, Inglaterra e 
França. 
 A escravidão era justificada por um discurso religioso de que os africanos não possuíam alma. 
Uma das estratégias da escravização era aprisionar, primeiro, os reis e líderes africanos, pois assim a 
tribo se fragilizava e era vencida com menos resistência. É preciso deixar claro que se tratava de uma 
guerra desigual, já que os europeus lutavam com armas de fogo e os africanos com arcos, flechas e 
azagaias. Esse quadro de desumanidade foi representado com vigor por Castro Alves em seu poema “O 
Navio Negreiro”. Outra diferença fundamental na relação dos indígenas africanos com os colonizadores, 
em comparação com os ameríndios, é a proximidade mantida entre escravos africanos e senhores de 
engenho. Isso possibilitou um intercâmbio cultural que marcou nossa identidade definitivamente. 
 A miscigenação física definiu nosso rosto, nosso corpo e nossos movimentos, o que a literatura 
brasileira apreendeu e analisou em livros como O Cortiço, de Aluísio Azevedo, em que se destacam a 
mulata Rita Baiana, detentora de uma beleza exótica e uma sensualidade que se expressa na sua 
liberdade de agir e amar, e o capoeira Firmo, mestiço alegre e valente. 
 Muitos dos nossos hábitos cotidianos são heranças das culturas africanas que se registram na 
alimentação, na vestimenta, nos modos de agir e, como veremos mais detidamente a seguir, no 
sincretismo religioso e nas práticas culturais como música e dança. 
 A ideia de que o povo brasileiro tem vocação para a alegria, estado de espírito que se expressa 
de forma muito natural através de ritmos variados, tem origem no modo de vida das etnias africanas 
que foram introduzidas no Brasil colonial. 
 A mescla das línguas africanas com a língua portuguesa é uma das contribuições mais 
importantes à identidade brasileira, pois vocábulos africanos se incorporaram à língua portuguesa com 
muita naturalidade. Hoje, pronunciamos palavras diversas sem nos darmos conta de sua origem africana 
(especialmente do quimbundo), do que são exemplos: 
cafuné (kifunate = torcedura) 
moleque (mu’leke = menino) 
samba (semba = umbigada) 
cochilar (kukoxila) 
 
A ARTE REGIONAL BRASILEIRA 
 
 Literatura de Cordel é como se denominam os textos literários impressos em folhetos, alguns 
com desenhos em xilogravura, e que são pendurados e expostos para venda. Essa manifestação cultural, 
típica do Nordeste brasileiro, tem origem na oralidade da Idade Média (quando não havia a tradição da 
expressão escrita) e foi introduzida no Brasil pelos portugueses. José Ramos Tinhorão esclarece que a 
literatura de cordel talvez seja o mais antigo processo de memorização pelo ritmo das palavras que teve 
continuidade até nossos dias. 
 Os temas discutidos pelos cordelistas, tanto de forma dramática quanto satírica, podem ser 
regionais, como a saga do cangaceiro Lampião, ou nacionais, como fatos políticos relevantes. Também 
são versados assuntos do cotidiano. O poeta Patativa do Assaré, embora não se considerasse um 
cordelista, é o grande divulgador dessa arte. 
O que é Brasí caboco? 
É um Brasí diferente 
Do Brasí das capitá. 
É um Brasí brasilêro, 
Sem mistura de instrangero, 
Um Brasí nacioná! 
(Brasí Caboco, de Zé da Luz – fragmento) 
 Embora a tradição esteja vinculada à cultura do Nordeste, esse tipo deliteratura se expandiu e, 
hoje, encontramos cordelistas em todas as regiões do Brasil, principalmente no Sul e no Sudeste. 
Mas a permanência e resistência dessa manifestação cultural continuam dependendo, quase 
exclusivamente, da vontade de artistas e intelectuais como Ariano Suassuna, criador do Movimento 
Armorial. Lançado em 1970, o projeto tem como objetivo reunir artistas populares em torno da 
Literatura de Cordel e seus elementos integrantes: os versos, a música que acompanha a declamação 
dos poemas que é tocada em viola, rabeca e pífaro, os desenhos em xilogravura. 
 O multiculturalismo que forma a identidade brasileira também se traduz nas festas sincréticas 
religiosas. A origem delas encontra-se, principalmente, em adaptações da mescla entre a cultura 
portuguesa e as culturas africanas. No entanto, pela permanência das transformações, as festas 
adquirem um caráter nacional, e as influências europeias e africanas são identificáveis em seus 
elementos integrantes. 
 São exemplos de festas sincréticas a Irmandade da Boa Morte, do Recôncavo Baiano, composta 
só por mulheres e que representam a ancestralidade dos africanos; o Candomblé que, para ser 
entendido corretamente, deve-se levar em conta não somente o animismo africano (crença na 
existência da alma) como, também, a religiosidade indígena e o cristianismo europeu; o Lundu, uma 
dança típica do Maranhão praticada por homens e mulheres com músicas tocadas por instrumentos de 
percussão e versos maliciosos e satíricos; o Tambor de Crioula, uma dança também encontrada no 
Maranhão e que homenageia São Benedito. 
 O Congado, festa de origem bantu representada no Triângulo Mineiro em homenagem a Chico 
Rei, o rei negro que lutou pela libertação dos escravos; o Maculelê, uma dança em forma de luta, 
mesclada com elementos indígenas, que reproduz nos gestos a resistência dos africanos à escravidão; o 
Maracatu, mais representado em Pernambuco, um cortejo que homenageia a nobreza africana; o Jongo, 
dança festiva da qual também participam as crianças, surgida na Baixada Fluminense, no Estado do Rio 
de Janeiro; as Cavalhadas, torneios medievais trazidas pelos portugueses, praticadas hoje mais na região 
central do Brasil, e que representam a luta entre cristãos e mouros. 
 Muitas outras festas religiosas sincréticas são encontradas em todo Brasil. Também devem ser 
registradas as festas juninas, em homenagem a santos católicos, e que se difundiram pelo país. Embora 
marcadas pela regionalidade, é inegável a representação da identidade nacional encontrada nessas 
manifestações culturais. 
 Registram-se, nesta aula, ainda, as lendas e mitos que compõem o folclore brasileiro. Do norte 
ao sul do país, personagens com capacidade de metamorfose (transformação do corpo) e fatos 
inexplicáveis povoam o imaginário de crianças e adultos. Evidenciam-se, nessas narrativas, a 
contribuição de indígenas ameríndios e africanos 
 Há, também, o registro da maldição nas famosas lendas do Lobisomem, o homem que se 
transforma em lobo nas noites de lua cheia, e da Mula-sem-Cabeça, mulher amaldiçoada por ter 
seduzido um padre, e que solta fogo pelas narinas. O Saci Pererê e o Negrinho do Pastoreio (lenda da 
região Sul) são outros mitos que ganharam alcance nacional. 
 O tema não se esgota, e cabem outros registros culturais. No norte do país, a Festa de Parintins 
e o Bumba-meu-Boi (ou Boi-Bumbá) contribuem para a formação da identidade nacional. Quanto à 
região Sul — ainda que no imaginário da população suas culturas estejam sempre associadas a um 
modelo europeu que parece não interagir com as demais regiões do Brasil. 
 Algumas narrativas apresentam a defesa da natureza e dos mais fracos e o senso de justiça. 
Quem desrespeita a natureza pode ser perseguido pelo Boitatá, uma cobra gigante, ou pelo Curupira, 
um menino (ou anão) que tem os pés virados para trás. Outros contos são marcados pela sensualidade, 
como vemos na lenda do Boto Cor-de-Rosa, que se metamorfoseia num homem jovem e bonito e seduz 
as mulheres da Amazônia, engravidando-as, e na história de Yara, a mãe-dágua, a sereia que encanta os 
homens levando-os para o fundo dos rios. 
 A divulgação de sua cultura tem possibilitado que suas festas e o estilo de vida de seus 
habitantes se popularizem. Já são bem conhecidas no Brasil a figura tradicional do gaúcho e os sabores 
das comidas típicas dos estados sulistas. 
 O tema não se esgota, e cabem outros registros culturais. No norte do país, a Festa de Parintins 
e o Bumba-meu-Boi (ou Boi-Bumbá) contribuem para a formação da identidade nacional. 
Quanto à região Sul — ainda que no imaginário da população suas culturas estejam sempre associadas a 
um modelo europeu que parece não interagir com as demais regiões do Brasil —, a divulgação de sua 
cultura tem possibilitado que suas festas e o estilo de vida de seus habitantes se popularizem. Já são 
bem conhecidas no Brasil a figura tradicional do gaúcho e os sabores das comidas típicas dos estados 
sulistas. 
 As lendas incorporaram-se às nossas práticas cotidianas e são contadas para as crianças, além 
de serem integradas à nossa música, às artes plásticas e à nossa literatura, do que é exemplo a 
maravilhosa obra Macunaíma, de Mário de Andrade. 
 Toda expressão artística é produto da sociedade. 
 
AULA 6: MULTICULTURALISMO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES II 
 
 Como vimos na aula 1, o artista expressa o seu tempo, as suas ideologias e as marcas do meio 
social do qual participa. 
 A obra de arte é decorrente da visão do artista, portanto é inegável a carga de subjetividade 
(expressão do “eu”) nela presente; mas o “eu” do artista é, em grande parte, constituído pela 
coletividade em que se encontra inserido. 
 A delimitação das classes sociais define discursos e interesses específicos que irão ser 
representados nos movimentos artísticos. No Brasil, primeiramente, a arte seguiu o modelo europeu. 
 O Romantismo do século XIX, como verificamos na aula anterior, modificou as feições do 
indígena brasileiro e atribuiu a nosso povo características europeias. E também pudemos refletir sobre o 
silêncio imposto aos nossos artistas durante o período da ditadura (v. aula 2). 
 Mas, nos espaços reclusos e quase invisíveis dos fundos de quintal, da madrugada das ruas, das 
favelas, germinavam as sementes do que viria a se consagrar como cultura popular e que se 
consolidaria, definitivamente, na pós-modernidade. 
 O Modernismo brasileiro — tendo à frente os escritores Mário de Andrade e Oswald de 
Andrade, o maestro Heitor Villa-Lobos, o escultor Vitor Brecheret e os pintores Di Cavalcanti, Candido 
Portinari e Tarsila do Amaral — decidiu representar a cultura popular e colocar em cena o homem 
brasileiro e suas mais genuínas expressões. 
 É assim que surgem os personagens Macunaíma e Serafim Ponte Grande; o “Trenzinho Caipira” 
de Villa-Lobos; os indígenas, os africanos e os mestiços das telas dos pintores. Nos anos 30, Raquel de 
Queirós, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa dão voz ao sertanejo, sempre calado pela exclusão social e 
pela fome. 
 A chamada Geração de 45 ─ João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Ferreira Gullar, entre 
outros ─ apresentou para todo o Brasil os nordes�nos do corte de cana, os operários da cidade, os 
mendigos e camelôs e Jorge Amado representou a Bahia que ficou no imaginário do povo brasileiro. 
Mas, ainda assim, todos eles representavam uma vontade de compreensão da identidade brasileira, e a 
sua formação acadêmica delimitaria a configuração desse brasileiro. Assim, por mais que houvesse um 
estudo sobre a cultura e a identidade do povo brasileiro, não se alcançava plenamente a essência do 
tema. 
 Segundo Mikhail Bakhtin, a obra submete-se à ideologia do cotidiano que determina o seu lugar 
na sociedade. Assim, o artista popular, mesmo sem a organização acadêmica dos grandes mestres da 
literatura, da música, da pintura e da escultura, consegue interpretara sociedade de seu tempo, as 
aspirações humanas, a relação com o mundo. 
 O conceito de cultura popular está sempre associado a uma tomada de posição, ou seja, é 
preciso definir uma opinião sobre uma manifestação cultural para que ela seja compreendida como 
popular. Além disso, considerar uma expressão artística como popular sugere que exista uma outra, 
erudita, e que, portanto, optaríamos por classificar a arte, ferindo os próprios princípios da Arte. 
 O filósofo Antonio Gramsci procura resolver o problema buscando, na origem da questão, uma 
posição ideológica, assim como pensa Bakhtin. Ecléa Bosi define o pensamento de Gramsci: “ao lado da 
chamada cultura erudita, transmitida na escola e sancionada pelas instituições, existe a cultura criada 
pelo povo, que articula uma concepção do mundo e da vida em contraposição aos esquemas oficiais”. 
 
O SAMBA – EXPRESSÃO POPULAR DO MESTIÇO BRASILEIRO 
 
 As primeiras manifestações do samba acontecem na Pedra do Sal, no bairro da Saúde, no Estado 
do Rio de Janeiro. O lugar era ponto de comercialização dos escravos trazidos diretamente da África ou 
da Bahia. Surge, assim, uma comunidade conhecida como “Pequena África”. Mais tarde, com o fim da 
escravatura, os homens africanos e seus descendentes, recém-libertos, mantêm o local como ponto de 
encontro, para o qual também se dirigem artistas que se aliavam às culturas africanas. 
 Nomes como Donga (cantor e compositor que gravou pela primeira vez um samba, “Pelo 
Telefone”, em 1917), Pixinguinha e João da Baiana reuniam-se na Pedra do Sal. Assim, com os 
experimentos musicais, surge o samba carioca 
 O que identificamos hoje como samba, na verdade, é uma variedade carioca, registrada no 
século XX, do ritmo importado da África e que era praticado desde o Maranhão até São Paulo. O samba 
carioca também sofreu influências da polca, do maxixe, do lundu e do samba de roda da Bahia, e passou 
a ser acompanhado de vários instrumentos de percussão e de corda. 
 Aos poucos, e de acordo com a proposta de cada artista ou grupo de artistas, surgem novas 
variações do samba carioca, como o samba- canção, o samba de breque, a bossa nova, o samba-rock e o 
pagode. 
 Juntamente com a expressão do samba, podem ser identificadas marcas culturais que se 
perpetuaram e ajudaram a formar nossa identidade nacional. Destacam-se as “Tias Baianas”, mulheres 
que ofereciam o quintal de sua casa para os encontros de artistas e populares em torno de uma roda de 
samba e que eram responsáveis pelos alimentos servidos, uma prática cultural ainda vigente. 
 Arrasta-pé, bate-chinela e forrobodó são outras denominações da festa popular chamada forró, 
expressão musical que reúne música e dança, típica do Nordeste brasileiro. Nessa festa, são tocados 
vários ritmos como baião, xaxado, quadrilha e xote. Os instrumentos tradicionais são a sanfona, a 
zabumba e o triângulo. 
 As danças do forró têm origem nas danças de salão europeias, mas o nome, segundo Luís da 
Câmara Cascudo, vem da língua africana bantu e significa “confusão”, “desordem”. A versão popular de 
que a palavra viria da expressão em língua inglesa for all (para todos) não tem comprovação científica. 
 
FORRÓ – EXPRESSÃO DE ALEGRIA NO NORDESTE BRASILEIRO 
 
 A popularização do forró é consequência da intensa migração nordestina para as regiões 
sudeste e sul do Brasil. Luiz Gonzaga é a maior representação artística do forró, tornando-se modelo 
para outros forrozeiros. O forró sofreu diversas adaptações, sendo as mais recentes o forró 
universitário, o forró eletrônico (o qual introduziu na dança instrumentos musicais eletrônicos), o forró 
pé de serra. 
 O forró compõe-se de ritmos quentes, e a dança, extremamente sensual, exige que o casal 
arraste os pés no chão. Justifica-se essa forma de dançar na origem dos bailes, antigamente realizados 
em terrenos de barro batido que eram molhados para que a poeira não levantasse. Como a água secava 
antes do baile terminar, os casais arrastavam os pés para evitar que a poeira os incomodasse (o que 
explica o nome “arrasta-pé”). 
 Sem dúvida, o forró é uma expressão cultural popular associada à condição econômica do povo 
brasileiro, e que evidencia uma face da nossa identidade: a alegria espontânea. 
 
HIP HOP´- EXPRESSÃO ARTÍSTICA IDEOLÓGICA 
 
 A origem do Hip-hop está nos movimentos de resistência negra nos Estados Unidos. O bairro do 
Bronx, em Nova Iorque, sofreu uma desvalorização, nos anos 60, devido às construções de imóveis sem 
qualquer planejamento. A classe média formada por imigrantes italianos, alemães, irlandeses e judeus 
resolveu abandonar o local. Os imigrantes africanos e seus descendentes, além dos hispânicos, passam a 
ser, então, a maioria no bairro, formando um gueto, um espaço de exclusão. Ações oficiais e 
espontâneas, contrárias aos habitantes do Bronx, foram registradas, especialmente por que, com a 
extrema pobreza e a falta de oportunidades, aumentou a violência no local. 
 A partir de 1968, surgem “gangues de rua” (Streetgangs) que aterrorizam o bairro e os locais 
próximos. No entanto, na década de 70, começam a se formar grupos de jovens que desejavam apenas 
se divertir em festas, afastando-se dos crimes e uso de drogas. Inicia-se um movimento de competição 
de habilidades 
 Kool Herc é o nome mais associado à cultura Hip-hop quando se pretende investigar a origem do 
movimento. Nascido na Jamaica, ele imigrou em 1967 (aos 12 anos de idade) para Nova Iorque e lá 
introduziu a prática de promover festas em ruas com um eficiente sistema de som. Foi Herc (cujo nome 
de batismo é Clive Campbell) quem desenvolveu a técnica de girar o disco de vinil ao contrário para criar 
novas modulações da música que estava sendo tocada. 
 Herc não costumava tocar a música inteira. A técnica de parar o disco possibilitava que ele 
mantivesse o som no trecho da música em que se registrava a batida mais “pura”. Usando dois toca-
discos que tocavam a mesma música, o DJ Herc pôde ampliar o tempo de duração do som, criando o 
Break-Beat. Isso atraía os jovens e alguns desenvolveram movimentos exclusivos para essa batida, 
ficando conhecidos como B. Boys e B. Girls (Breaker-boys e Breaker-girls). Kool Herc também convidou 
alguns amigos, os quais foram denominados MC’s (Mestres de Cerimônia) para criar frases de efeito e 
rimas, animando o público que se integrava a essas festas de rua. 
 Esse aspecto festivo adquiriu força cultural e ideológica com a adesão ao movimento de Afrika 
Bambaataa (ou Kahyan Aasim, nascido 1957). Foi ele quem propôs a base da cultura Hip-hop a partir de 
estudos sobre a cultura africana, especialmente sobre os zulus, guerreiros que lutavam contra a força 
dos colonizadores utilizando armas simples. Os africanos e seus descendentes radicados em Nova Iorque 
possuíam então uma expressão cultural que fosse uma alternativa ao crime e às drogas e, ainda, 
pudesse fazer frente à cultura de elite. A dor e todo o tipo de sofrimento seriam transformados em 
“energia positiva”. 
 Afrika Bambaataa criou uma ideologia para o movimento Hip-hop, transformando o que era arte 
espontânea das ruas em ideário que iria conduzir jovens em todo o ocidente. Assim, a cultura Hip-hop 
passou a ser respeitada para além das ruas de Nova Iorque. 
Hip-hop é uma cultura associada à dança e à música (hip = dançar movimentando os quadris; hop = 
saltar) e representa, ideologicamente, o valor dos africanos e de seus descendentes. Os quatro 
elementos do Hip-hop são: o break, que representa o corpo através da dança; o MC, que é a 
consciência, o cérebro; o DJ, que traduz a alma, a essência e a raiz; o GRAFFITI, uma expressão da arte, 
um meio de comunicação. 
 Outra divisão do Hip-hop conhecida - e mais associada à arte em si — identifica apenas três 
elementos: o rap (rhythm and poetry, ou seja, ritmo e poesia), que representa a expressão musical e 
verbal; o graffiti (desenhos coloridos), que expressa as artes

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