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1 
© Mário Feijó Borges Monteiro - Seminário em Comunicação/Didáticos/Picapau Amarelo 
 
A LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA: 
PRODUÇÃO PARA O MERCADO-ESCOLA. 
 
 
 
Foi no final do século XVII que os contos folclóricos europeus, orais, começaram a ganhar 
forma por escrito, preparando o caminho para o que hoje chamamos de literatura infantil. No século 
XIX, começaria a tomar corpo, em diferentes países, a chamada literatura juvenil por meio das 
leituras recomendadas para a juventude em idade escolar: as adaptações de clássicos e os 
romances de formação. Na verdade, nada de realmente novo. Voltemos à Grécia antiga. Quando a 
Odisséia ganhou sua primeira versão escrita, lá pelo século VIII a.C., ela já era usada há um tempão 
para entreter e educar crianças e jovens nas cidades gregas. 
A história da literatura começou na oralidade, mas evoluiu junto com a própria história do livro, 
que por muitos séculos foi manuscrito, artesanal, dependendo de diferentes materiais e formatos, 
mas sempre copiado à mão e sem nenhuma máquina participando do processo de cópia. 
Basicamente, alguém lia o livro em voz alta e outro alguém escrevia o que a voz narrava. 
A impressão de tinta sobre papel começou na China, país onde o papel foi inventado, mas 
dizemos sempre que Gutenberg inventou a imprensa no século XV porque foi ele quem primeiro teve 
a idéia de usar tipos móveis de chumbo fixados em bases de madeira para compor páginas inteiras 
de livros (a primeira prensa era uma espécie de carimbo bem grande, aplicado por meio de um 
torno). Como os tipos (as letras em chumbo) eram móveis, podiam ser reaproveitados para as 
próximas páginas. Simples, fácil, barato, além de considerável economia tanto de tempo como de 
esforço. Após Gutenberg, reproduzir e distribuir conteúdo por meio do suporte livro (agora impresso, 
não mais manuscrito) seria um bom negócio. 
Foi somente com a revolução industrial no século XVIII, porém, que as atividades de 
impressão e comercialização de livros alcançaram as escala necessárias para gerar uma verdadeira 
indústria editorial, agora um negócio complexo, protegido por contratos, organizado em bases bem 
capitalistas e com segmentação de produtos. Os públicos infantil e juvenil são segmentos do 
mercado editorial e ocupam posição privilegiada no mercado-escola. 
Vejamos um pouco, só um pouco, dos antecedentes da literatura infantil brasileira. 
 
ORIGENS: PERRAULT E OS CONTOS DE FADA 
 
 2 
Foi o desenvolvimento capitalista que, ao gerar novas formas de divisão do trabalho, fez 
surgir distinções entre adultos e crianças. Até então, na vida rural européia, meninos e meninas 
trabalhavam junto com seus pais. Nas fábricas, contudo, pais e filhos foram separados, passaram a 
exercer atividades distintas. As mãos pequenas dos filhos era empregadas em determinadas tarefas 
e as mãos grandes dos pais em outras. Surgia assim o trabalho infantil e o adulto, como se fossem 
duas diferentes categorias profissionais. 
Com o tempo, diante dos abusos daquela época, nasceu um importante movimento de 
resistência contra a exploração do trabalho infantil. Entre as primeiras reivindicações daquilo que, um 
dia, viria a ser chamado de movimento operário estavam as restrições contra o trabalho das crianças 
nas fábricas. Era justamente na faixa etária da agora chamada infância que as contradições entre as 
condições de vida dos filhos do proletariado e os da burguesia eram mais gritantes. Os filhos de 
operários já manufaturavam bens desde os sete, oito anos. Na mesma idade, os filhos dos 
burgueses (como eram chamados os donos dos diversos estabelecimentos comerciais e industriais, 
bem como os profissionais liberais) podiam ainda brincar e até estudar. 
A conquista de um tempo para viver e aprender antes de ter de trabalhar para garantir o 
próprio sustento ou de ter de contribuir para o sustento da família foi o acontecimento histórico que, 
aos poucos, permitiu a construção, em termos sociológicos, do conceito de infância. Pelo senso 
comum, infância é aquela fase em que o ser humano precisa ser protegido. Na ordem camponesa, a 
criança era protegida até que pudesse andar, correr, pular e gritar: "Olha o lobo!" Na nova ordem 
urbana e industrial, era preciso proteger os pequenos da falta de escrúpulos e da exploração. 
Contraditoriamente, porém, aquele processo de transformação de sociedades rurais e 
agrárias em urbanas fez com que as tradições camponesas, antes desprestigiadas, ganhassem um 
novo valor. 
Foram os contos folclóricos que deram origem aos chamados contos de fadas. Antigos e 
populares, e muito populares, eles eram narrativas ouvidas desde os primeiros anos de vida, faziam 
parte da formação daquelas crianças que viviam no campo. Tinham a ver com alertar e instruir 
acerca de perigos, intrigas, injustiças, invejas, mentiras, enganos e terríveis crueldades. Começam 
quase sempre do mesmo jeito: "Era uma vez..." Os enredos eram simples, sobre crianças ou jovens 
que costumavam ter nomes comuns, como João, ou apelidos marcantes, como Chapeuzinho 
Vermelho; elementos que facilitavam a memorização de quem ouvia, tornando tais narrativas 
apropriadas à transmissão oral. 
Foi na França de fins do século XVII que o escritor Charles Perrault (1628-1703), prestes a 
completar seus setenta anos, publicou um pequeno livro intitulado Contos da Mamãe Gansa (1697) 
reunindo diversas narrativas populares francesas e recontando-as em verso e em prosa para as 
crianças de sua época. Ao final de cada conto, havia uma lição moral, bem burguesa, pois Perrault 
tinha o que chamaríamos hoje de uma concepção pedagógica da literatura. Homem de letras e 
 3 
prestígio, Perrault se arriscou ao escrever uma obra literária infantil, coisa estranha naquele tempo. 
Usando linguagem clara e poética, os contos de Perrault narravam aventuras com humor e muita 
fantasia. Estava inaugurada a fase escrita da chamada literatura oral. 
Entre os contos de Perrault, os mais famosos aqui no Brasil são: Chapeuzinho Vermelho, A 
Bela Adormecida, O Pequeno Polegar, O Barba Azul, Pele de Asno, A Bela e a Fera e O Gato de 
Botas. 
Alguns desses contos tão populares entre os franceses também eram igualmente populares 
entre os camponeses alemães. 
 
IRMÃOS GRIMM 
 
Em 1812, a Alemanha ainda não existia como país, entretanto possuía uma riquíssima 
tradição oral que muitas julgavam ameaçada pela urbanização e pelo progresso acelerado. Sendo 
assim, os irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859) Grimm, nascidos na cidade de Hanau, 
decidiram que era necessário e urgente coletar e registrar por escrito os contos dos camponeses, 
pastores, barqueiros, vaijantes e soldados. Diferentemente de Charles Perrault, que sempre 
recontava as histórias, inclusive por meio de poesias, os Grimm procuraram reproduzir o mais 
fielmente possível aquelas narrativas que coletaram. Assim, naquele ano de 1812, foi publicada a 
primeira edição de Contos para a criança e para o lar, a obra que imortalizaria os irmãos Grimm. 
Embora fossem pesquisadores, filósofos, autores de uma gramática e de um dicionário, foi como 
autores de contos infantis que ambos alcançaram a posteridade. Eles enriqueceram o livro com 
novas histórias a cada edição, até 1857. Embora os Grimm tivessem preocupações morais ao 
escrevem, a força do humor popular não foi alterada e manteve seu sentido crítico corrosivo. 
Dos contos de Grimm, provavelmente os mais conhecidos no Brasil são: João e Maria, 
Branca de Neve e os sete anões, Cinderela, Rapunzel, Os músicos de Bremen, Chapeuzinho 
Vermelho, A Bela Adormecida, O Gato de Botas, João e o Pé-de-Feijão. 
Alguns enredos recolhidos por Charles Perrault também foram registrados pelos irmãos 
Grimm, com certas variações. Há estudiosos europeus que se dedicam a comparar as versões 
francesas do século XVII com as alemãs do século XIX. A Chapeuzinho Vermelho francesa,por 
exemplo, acabou virando mesmo comida de lobo, que nem a sua boa vovozinha. Pudera, no século 
XVII, menina desobediente não tinha vez nem perdão. Na época dos Grimm, um bravo e implacável 
caçador havia sido acrescentado à trama para salvar Chapeuzinho na hora H, mas a vovó 
continuava mortinha da silva. 
 
HANS CHRISTIAN ANDERSEN 
 
 4 
Os escritores que antecederam o dinamarquês Andersen (1805-1875) registravam no papel 
histórias da tradição oral (da Europa, da Síria, da Pérsia, da China etc.) ou então adaptavam 
enredos clássicos, escritos para adultos, e que já estavam em domínio público. Andersen é 
definitivamente o primeiro escritor dedicado às crianças. Sua genialidade está na leveza, na poesia 
e na melancolia com que tratou o sofrimento infantil. Em cada narrativa escrita por ele há um pouco 
de suas tristezas e alegrias, como em O Patinho Feio. 
Andersen ficou rico e famoso escrevendo, e para crianças, algo inconcebível antes da sua 
época, antes da maturidade da indústria editorial e da legislação de proteção ao autor. Foi recebido 
por reis e famílias ilustres da Europa, onde sua obra era reconhecida por todos. 
Andersen nasceu em Odense, na Dinamarca. Em homenagem ao dia do seu nascimento, 
todos os anos, em dois de abril, comemora-se o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil. Além 
disso, um prêmio literário importantíssimo leva seu nome. Sua infância foi pobre, seu pai era um 
simples sapateiro que morreu quando o pequeno Hans tinha nove anos. Sendo o único homem da 
família (tinha mãe, irmã e avó), tornou-se o principal responsável pelo sustento de todos. Aos 
catorze anos, foi tentar a vida em Copenhague, a capital do país. Com grandes dificuldades, 
Andersen sobreviveu, trabalhou, estudou e finalmente ingressou na universidade. Começou a 
publicar em 1833, mas a princípio escrevia para adultos. 
A partir de 1835, com textos para o público infantil, Andersen obteve pela primeira vez 
sucesso na carreira. Começou como Perrault, recontando a tradição popular com suas próprias 
palavras. No seu caso, claro, os contos folclóricos eram dinamarqueses. Logo, porém, começou a 
criar os seus contos infantis, sua própria literatura, com enredos novos e criativos, personagens 
inéditos, e muita emoção. 
Foram mais de cento e cinqüenta histórias para a criançada. No Brasil, as mais famosas 
provavelmente são: O Soldadinho de Chumbo, O Patinho Feio, Polegarzinha, O Rouxinol, A roupa 
nova do Imperador, A Pequena Vendedora de Fósforos, A Pequena Sereia. 
 
A LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA 
 
A literatura infantil brasileira (e mais tarde a juvenil) só começaria para valer com Monteiro 
Lobato e a invenção do Sítio do Picapau Amarelo. Antes de Lobato, entretanto, houve alguns 
pioneiros, como Carl Jansen (1823-1889) e Figueiredo Pimentel (1869-1914). 
Jansen veio da Alemanha ainda jovem, foi jornalista e professor. Percebendo a carência de 
livros para crianças e jovens no nosso país, traduziu e adaptou clássicos já consagrados entre os 
leitores jovens na Europa, como Robinson Crusoé, Viagens de Gulliver e D. Quixote. Essas 
adaptações foram publicadas na década de 1880. 
 5 
Pimentel era brasileiro e fã dos Grimm. Inspirado neles, escreveu Contos da Carochinha, 
coletânea de 1894 reunindo histórias de fadas vindas da Europa com narrativas populares em 
circulação no Brasil, incluindo aquelas histórias que nossos ex-escravos e caboclos contavam. 
Segundo Regina Zilberman, Contos da Carochinha foi como "a tradição popular e oral entrou na 
literatura infantil brasileira, para não mais sair".1 
Zilberman também destaca o sucesso de Bilac na poesia infantil como um dos pioneiros na 
construção da nossa literatura nacional para crianças (e depois que o público infantil está 
consolidado, vem sempre a seguir o juvenil). 
 Apesar desses pioneiros, a grande inovação foi Lobato. Por que ele e não algum outro? Ora, 
porque foi o único que se dispôs a mudar as regras, a transformar a realidade de mercado. Ele foi 
escritor, mas também editor, aliás um dos mais importantes que tivemos. 
Juntar textos para formar um novo livro ou acrescentar partes a uma obra anterior era coisa 
que Monteiro Lobato não se importava de fazer. Ele era um editor, não era? Caçadas de Pedrinho 
(1933), por exemplo, é um título consagrado com essa marca do editor Lobato. A primeira versão é 
de 1924, chamava-se A caçada da onça. Só tinha onça, mais nada. Nove anos depois, o autor 
decide escrever a segunda parte da história contando sobre o rinoceronte que fugiu do circo para se 
esconder no sítio de dona Benta. Ao crescer a trama, fez outro livro, deu novo título. 
Lobato não teria a liberdade que teve como autor se não fosse, a princípio, seu próprio editor. 
Sobre o escritor, muito se escreveu sobre sua originalidade em relação a tudo que havia 
antes aqui no Brasil. Seus textos traziam uma linguagem coloquial para a época, revolucionária para 
alguns, e ainda hoje bastante saborosa. Havia o faz-de-conta, um clima mágico, seres de qualquer 
lugar real ou imaginário podiam surgir no Sítio do Picapau Amarelo. Havia a valorização da cultura 
brasileira e da cultura popular brasileira. Havia alegria e crianças felizes. 
Alguém sabe exatamente onde fica o Sítio do Picapau Amarelo? Fica no Brasil, com certeza, 
provavelmente no sudeste, mas onde? Ninguém sabe. Talvez fique em São Paulo, onde seu criador 
viveu e tanto escreveu. Nada impede, porém, que se localize no Rio de Janeiro ou em Minas Gerais. 
É propriedade da Sra. Benta Encerrabodes de Oliveira, mais conhecida como dona Benta. A velha 
senhora vive em companhia de uma cozinheira, Nastácia, e de uma neta de nome Lúcia. Nas férias, 
recebe o outro neto, um menino chamado Pedro, que mora na cidade. Qual cidade? Mistério. A mãe 
de Pedrinho foi mencionada algumas vezes, parece ser casada, é filha de dona Benta. E a menina 
Lúcia? Quem são seus pais? Por que ela é criada pela avó? Ninguém nunca quis saber. Lúcia é a 
menina do nariz arrebitado, a Narizinho, e pronto. Tem uma boneca de pano, feita pela boa tia 
Nastácia, chamada Emília. Pedrinho fez um boneco com um sabugo de milho e deu a ele o nome de 
Visconde de Sabugosa. Emília e o Visconde pensam, andam, falam, aprontam. Meu Deus, como 
aprontam. Juntando os dois primos e os dois bonecos, temos um verdadeiro quarteto fantástico. 
 
1
 ZILBERMAN, p. 18. 
 6 
Tempo e espaço são relativos nas terras do Picapau Amarelo. As crianças não crescem. No 
sítio ninguém envelhece: nem dona Benta, nem tia Nastácia nem tio Barnabé. As férias de Pedrinho 
são eternas. Ele nunca lembra de mandar notícias para a mãe ou o pai. Emília pode mexer na chave 
do tamanho e encolher toda a população mundial, o menino pode partir para aventuras em outras 
épocas e lugares, sem prazo para voltar, sem saber se vai voltar, mas jamais lembra de dar notícias 
para a família, aquela que mora numa cidade sem nome. Para a avó, ele dá satisfações, claro, pois é 
um bom neto. 
As aventuras da turma não têm fronteiras, podem acontecer até na Lua, os picapaus têm 
liberdade para se deslocar da realidade para o faz-de-conta, mesmo assim, o sítio é o começo e o 
desfecho dos episódios. Como diz Regina Zilberman, ele é "a estabilidade do lar necessária à vida e 
ao comportamento de todas as personagens"2. 
O Sítio é uma série e como manda a regra nas histórias em série (sejam as da televisão, do 
cinema ou das revistas em quadrinhos) Lobato repetia seus personagens, assim não precisava 
inventar novos heróis e coadjuvantes a cada vez que sentava para escrever novo livro. Bastava criar 
aventuras originais, o que deu certo porque Narizinho e companhia, desde o começo, são 
aventureiros, gostam de desafios, estão disponíveis para o que der e vier. Têm a marca 
inconfundível dos heróis tradicionais, aqueles que habitam os mitos, as lendas, oscontos folclóricos, 
as epopéias, todas as narrativas ouvidas pela espécie humana desde a primeira infância e 
reencontradas não apenas na literatura, mas também em outros meios de comunicação: o cinema, a 
televisão, os quadrinhos e, atualmente, até os jogos de computador.3 
Não dá para dizer que todos os livros da série são igualmente bons, alguns caducaram 
porque eram datados. Entretanto, a série Sítio do Picapau Amarelo como um todo continua 
incomparável, atual, mais do que maravilhosa. Há três personagens absolutamente perfeitas na 
literatura brasileira: Capitu, Diadorim e Emília. As duas primeiras não são para os públicos infantil e 
juvenil, por isso continuaremos somente com a terceira, também conhecida como Marquesa de 
Rabicó. 
Segundo Laura Sandroni, Emília expressa a consciência crítica de Lobato, suas idéias, sua 
visão da sociedade em que vivia. Por meio da boneca que virou quase gente, o autor comentava a 
moral de seu tempo e as regras vigentes4. Emília não tinha papas na língua, tinha era muita 
personalidade. Demais, segundo Pedrinho. 
Havia, porém, um pouco de Monteiro Lobato em cada um de seus famosos personagens. 
Dona Benta, sempre bem-informada, era a autoridade liberal e democrática. Tia Nastácia, apesar de 
não ter uma educação formal, era sábia, tinha sua experiência e o conhecimento da tradição popular. 
O Visconde era aquela biblioteca de um sabugo só, erudito, racional, científico, um sabe-tudo, mas 
 
2
 ZILBERMAN, p. 26. 
3
 ZILBERMAN, p. 23. 
4
 SANDRONI, p. 110. 
 7 
submisso às vontades da Emília, que o dominava com sua personalidade voluntariosa. O Visconde 
sabia, mas era Emília quem fazia. 
Nas aventuras do Sítio do Picapau Amarelo, o escritor usou e abusou de adaptações (Peter 
Pan, Hércules, Hans Staden), bem como de desenhos animados (o Gato Félix) e histórias em 
quadrinhos (o marinheiro Popeye). De certa maneira, processou todas as possíveis influências a agir 
sobre o universo infantil nas décadas de 1920 e 1930 para construir um universo narrativo próprio, 
híbrido e riquíssimo. Não havia personagem estrangeiro, ou deus grego, que, diante das artes de 
Emília, não acabasse “caindo de quatro”. Em Os doze trabalhos de Hércules, por exemplo, o grande 
herói dos heróis não seria ninguém sem a fiel colaboração de Emília, Pedrinho e Visconde. Por trás 
da poderosa lenda estava o jeitinho brasileiro. 
As aventuras do Sítio foram traduzidas para outras línguas, para deleite de crianças da 
Argentina e da Rússia. E o sucesso dos livros fez com que a obra lobatiana conquistasse a televisão 
brasileira ainda nos seus primórdios... A TV Tupi, nossa primeira emissora, começou em 1950. Dois 
anos depois, a escritora Tatiana Belinky adaptava as histórias de Lobato para a telinha. Começava 
uma nova tradição: o Sítio na televisão. Depois da Tupi foi a Cultura, depois a Bandeirantes, então a 
Globo, de novo a Globo. Muitas crianças se encantaram com Narizinho e Pedrinho, Emília e 
Visconde, dona Benta e tia Nastácia, a Cuca e o Saci, bem antes de aprenderem a ler. Coisa que, 
aliás, o velho Lobato já tinha previsto na década de 1930. 
Como diria a Marquesa de Rabicó, as intuições do homem eram batata. Ele não avisou que 
tinha petróleo no Brasil? 
Nascido em 1882, Monteiro Lobato pertenceu a uma geração que conheceu primeiro a 
literatura, depois o cinema. Em 1936, quando escreveu Memórias da Emília, ele já percebia a 
importância dos filmes para as novas gerações e anunciava que em breve a comunicação de massa 
chegaria às crianças primeiro que a literatura. Pois não é que, no ano seguinte, 1937, o norte-
americano Walt Disney lançou Branca de Neve e os sete anões, o primeiro desenho animado de 
longa metragem? De folclóricos, os contos de fadas se tornaram matéria-prima para a indústria 
cultural. 
Além de antecipar tendências, Lobato adorava divulgar o saber, as novidades da ciência e 
também compartilhar com os leitores seus questionamentos sobre a ordem do mundo. E sobre a 
falta de bom senso no Brasil. 
Em Caçadas de Pedrinho, por exemplo, Lobato brinca com a burocracia brasileira e com os 
valorosos funcionários do Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte... É que Quindim, o 
rinoceronte que fugiu do circo para morar lá nas terras do Sítio do Picapau Amarelo, acaba 
provocando involuntariamente a criação de uma repartição pública, o supracitado DNCR, cheio de 
gente com salários bem gordos e muitos auxiliares, umas datilógrafas e alguns encostados. A função 
do departamento é recapturar Quindim e devolvê-lo ao dono do circo, mas isso significaria a extinção 
 8 
dos cargos, então não havia ninguém que realmente pretendesse caçar o inofensivo rinoceronte. 
Será que o país mudou nos últimos setenta e poucos anos? 
O petróleo! Mencionamos o petróleo há pouco, não foi mesmo? Pois antes da Petrobrás, o 
Visconde de Sabugosa saiu a pesquisar o solo do Sítio em busca do ouro negro e encontrou. A 
descoberta oficial desse combustível fóssil no Brasil aconteceu na Bahia, no ano de 1939. Um pouco 
antes, no livro O poço do Visconde, publicado em 1937, a Companhia Donabendense perfurou o 
poço Caraminguá nº 1, fazendo jorrar petróleo brasileiro em abundância. 
A literatura infantil se antecipou à história. 
Lobato gostava de ensinar. Sobre tudo. Por isso, além das boas peripécias, seus 
personagens embarcavam também em ótimas aulas com os sábios disponíveis. Na maioria das 
vezes, bastava dona Benta pegar um bom livro na sua biblioteca para ensinar o que as crianças 
precisavam saber. Outras vezes, entretanto, a imaginação fantástica do autor levava a lugares como 
o País da Gramática. Aritmética, história do mundo e das invenções, geografia, geologia, astronomia, 
filosofia... Lobato é diversão e cultura. Claro que dessa extraordinária tentativa de transmitir conteúdo 
às crianças muita coisa já ficou desatualizada, mas ainda dá para ler com enorme prazer.

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