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1 Universidade do Estado do Pará Núcleo de Conceição do Araguaia Centro de Ciências Sociais e Educação Graduação Plena em Letras – Língua Portuguesa Denise Silva Rocha Lucicleides Soares da Silva Walessa Nazaré Oliveira A cultura de Conceição do Araguaia presente nos cordéis de Manelão, Cleomar de Carvalho e Fortes Sobrinho. Conceição do Araguaia 2011 2 Denise Silva Rocha Lucicleides Soares da Silva Walessa Nazaré Oliveira A cultura de Conceição do Araguaia presente nos cordéis de Manelão, Cleomar de Carvalho e Fortes Sobrinho. Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciatura Plena em Língua Portuguesa, Universidade do Estado do Pará. Orientador: Profº. Ms. Raphael Bessa Ferreira. Conceição do Araguaia 2011 3 Denise Silva Rocha Lucicleides Soares da Silva Walessa Nazaré Oliveira A cultura de Conceição do Araguaia presente nos cordéis de Manelão, Cleomar de Carvalho e Fortes Sobrinho. Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciatura Plena em Língua Portuguesa, Universidade do Estado do Pará. Data de Aprovação: 12/12 /2011. Banca Examinadora ___________________ Orientador Profº. Ms. Raphael Bessa Ferreira Universidade do Estado do Pará ____________________Membro Profº. Esp. Oziel Pereira da Silva Universidade do Estado do Pará 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus que me deu a vida, por isso estou aqui hoje concluindo minha graduação. Agradeço a Ele também pela sabedoria e força de vontade que me fizeram continuar e nesses quatro anos de caminhada, nos quais pude crescer não apenas intectualmente, mas também como pessoa, pois na convivência diária com meus colegas aprimorei ainda mais minha capacidade de conviver, ouvir, e respeitar, sem machucar ou denegrir todos os meus colegas de classe. Agradeço a minha família, em especial a minha mãe que sempre me deu força nos momentos em que eu estava desmotivada, magoada ou triste por algum problema que surgiu no decorrer do curso, pelas palavras de apoio e por fazer de tudo para conseguir custear os congressos, encontros ou palestras de que participei, realizados fora da cidade. Agradeço ao meu pai, que também trabalhou bastante para que eu pudesse concluir esse curso estando sempre disposto e me ajudando todas as vezes em que precisei de dinheiro para comprar materiais necessários e de fundamental importância para o meu curso, assim como também a sua compreensão dos momentos em que eu ficava ausente dedicando meu tempo apenas para os trabalhos que eram exigidos pela faculdade. Agradeço às minhas colegas de TCC Lúcia e Walessa que sempre estiveram comigo nos momentos bons ou ruins, compartilhando alegrias e tristezas e acima de tudo, se esforçando ao máximo para que nós pudéssemos finalizar com glória e eficácia nosso trabalho de conclusão de curso. Por fim, agradeço a esta universidade e a todos os professores, alguns mais que outros, que contribuíram cada um com sua forma individual de ser, para a minha formação, tirando minhas dúvidas e esclarecendo da forma mais fácil possível, questões ligadas ao curso e a outros assuntos que surgiram durante esses quatro anos de caminhada. Por tudo que passei, finalizo estes agradecimentos com um trecho da música de Roberto Calos que sintetiza bem todos os momentos que vivenciei nesta instituição “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”. Denise Silva Rocha 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, que me presenteou com o dom da vida e com a inteligência indispensável para alçar um voo tão alto, e que deste arrebatamento levo apenas a certeza de encontrar degraus, aos quais galgarei passo a passo, compassados e reforçados por tudo aquilo que vivi e tudo que aprendi. À Minha Família, meu esposo e filhos, que nos períodos de minha ausência consagrados ao estudo superior, sempre estiveram ao meu lado e me fizeram entender que para se chegar a um futuro de sucesso é necessário uma admirável e intensa dedicação no presente, e que sem isso jamais poderíamos chegar a lugar algum. À minha querida irmã Cris, ao meu eterno amigo Rafael a Ir. Elizabeth por tanto que se dedicarem a mim, não somente por terem se preocupado comigo, mas por terem me dado incentivo, por enxugar minhas muitas lágrimas e por estarem sempre disponíveis a me ouvir, aconselhar e auxiliar neste momento de tão complexa conclusão. Aos meus caros colegas de turma, que no decorrer de todo este tempo demonstraram a mim uma grande amizade e companheirismo e em especial as minhas inesquecíveis amigas e companheiras de TCC Denise Silva Rocha e Walessa Nazaré Oliveira que tanto me auxiliaram no transcorrer de todos esses anos de estudos. A esta Universidade, seu corpo docente e administrativo, que ofereceram a mim a oportunidade de vislumbrar o horizonte do curso superior, levada por uma incomensurável e verdadeira confiança no que diz respeito ao mérito aqui presente. Agradeço em especial ao meu professor e orientador Raphael Bessa que foi muito atencioso e compreensivo e me ensinou que fazer um bom trabalho consiste em dar a verdadeira atenção aos pequenos detalhes que fazem a grande diferença, ao senhor, portanto O Meu Muito Obrigado!!!!!! Lucicleides Soares da Silva 6 AGRADECIMENTOS A Deus, por ter permitido alcançar um dos meus objetivos da minha vida, passar no vestibular, e que ainda me possibilitou a graça de ser abençoada de passar juntamente com minhas duas irmãs. Aos meus pais Raimundo Waldecy do Nascimento Oliveira e Maria Matos Nazaré Oliveira, que por sua vez, me apoiaram, incentivaram, instruíram e não mediram esforços para esta meta fosse alcançada. Ao grupo de amigas, intitulado GDF (Galera do Fundão), pelos bons momentos de descontração e companheirismo. E que sem sombra de dúvida, deixarão muitas saudades e estarão guardadas na memória. Às minhas companheiras de TCC, Denise Rocha e Lucicleides Soares, pela compreensão, companheirismo e amizade acima de tudo, elas tornaram-se praticamente membros da minha família. Sem o apoio delas a minha formação não seria a mesma. Às amigas da minha cidade Santo Antônio do Tauá, que sempre me apoiaram e me fizeram sorrir quando estive triste; Às senhoras Maria Torres, Maria Santos, Joaquina e (in memorian) Joana, que nos ajudaram e que de alguma forma cuidaram de nós durante o período em que residimos nesta cidade. Ao professor e orientador do presente trabalho de conclusão de curso, Raphael Bessa Ferreira, pela paciência, profissionalismo e boa vontade. A todos que, direta ou indiretamente participaram da minha formação acadêmica: amigos, familiares, vizinhos, colegas de sala e professores. À Universidade do Estado do Pará, campus de Conceição do Araguaia, por ter me possibilitado a graduação em Letras com habilitação em língua Portuguesa e suas Literaturas. Walessa Nazaré Oliveira 7 “Um povo sem conhecimento, saliência de seu passado histórico, origem e cultura. É como uma árvore sem raízes”(Bob Marley) 8 RESUMO Nosso objetivo em trabalhar a cultura de Conceição do Araguaia presente na literatura de cordel de Manoel Martins de Almeida (Manelão), Cleomar da Silva Carvalho e Francisco de Assis Fortes Sobrinho consistiu em obter informação sobre a mesma, analisar suas especificidades e identificar termos e costumes típicos da cidade. Com isso esperamos atribuir a essa literatura e aos seus autores o devido reconhecimento e valorização que os mesmos têm por direito, pois ao que nos diz respeito, a literatura de Cordel, não só em Conceição do Araguaia, mas em todo país, é esquecida pela maioria e apreciada por uma minoria. Nossa finalidade com esse trabalho incide também em saber quem são os cordelistas presentes nesta cidade, de que forma eles trabalham no que se refere à métrica, à rima e à composição de seus cordéis, ou seja, as características próprias de cada um e de que forma os mesmos abordam às especificidades da cultura existente na cidade de Conceição do Araguaia. Palavras - chave: Cordel; Cultura; Hibridismo, Conceição do Araguaia. 9 ABSTRACT Our goal in working culture of Conceição do Araguaia in the literature for string Manoel Martins de Almeida (Manelão) Cleomar da Silva Carvalho and Francisco de Assis Fortes Sobrinho was to obtain information about it, analyze and identify their specific terms and customs typical of the city, we hope to give to this literature and its authors due recognition and appreciation that they have the right, for what concerns us Cordel literature not only in Conceição do Araguaia, but in any country is forgotten and appreciated by the majority by a minority. Our purpose with this work also focuses on knowing who the cordelistas present in this city, how they work in relation to meter, rhyme and composition of their strings, is the characteristics of each one and how the same address the specifics of the existing culture in the town of Conceição do Araguaia Key – words: Conceição do Araguaia, Cordel, Culture, Hybridity. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................11 1. ORIGEM DA LITERATURA DE CORDEL..............................................13 2. CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA DE CORDEL..........................16 2.1. Ilustrações ou Xilogravuras...........................................................19 3. O CORDEL NO BRASIL.........................................................................20 4. CULTURA................................................................................................23 4.1. Conceição do Araguaia: aspectos culturais e históricos...............24 5. VIDA E OBRA DOS CORDELISTAS DE CONCEIÇÃO DO ARAGUAIA..............................................................................................27 5.1. Vida e obra de Cleomar de Carvalho............................................27 5.2. Vida e obra de Manelão................................................................29 5.3. Vida e obra de Fortes Sobrinho....................................................30 6. ANÁLISES...............................................................................................33 6.1. Análise do cordel de Cleomar de Carvalho (Quebra de Milho)....33 6.2. Análise do cordel de Manelão (Terra das Bandeiras Verdes)......38 6.3. Análise do cordel Fortes Sobrinho (O Caboclo da Amazônia).....43 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................49 REFERÊNCIAS.......................................................................................51 ANEXOS.................................................................................................53 11 INTRODUÇÃO A literatura de cordel está longe de desaparecer como modalidade preferida de manifestação cultural popular no Brasil. No entanto, é preciso salientar que ela sofreu uma mudança considerável nos últimos anos. Antigamente, a poesia popular era praticamente o único veículo de informação e formação de vastas camadas populacionais do interior do Brasil, notadamente no nordeste. Era portadora de tradição e veículo único de lazer e informação. Hoje, ela é, entre outras coisas, instrumento de reivindicação de cunho social e político. Não somente para os nordestinos e descendentes, mas para todos os habitantes do Brasil. Nesse sentido: Temos a literatura de cordel, hoje símbolo, no mundo todo, da cultura popular do povo brasileiro. A sextilha nordestina (estrofes de seis versos de sete sílabas) tornou-se a maior expressão poética de toda a nossa história. (LUYTEN, 2005, p.17) Em várias cidades do Brasil há a tradição da literatura de cordel, Conceição do Araguaia é uma delas, pois assim como nas demais regiões do país, aqui também é possível encontrar esse tipo de literatura. Em Conceição do Araguaia, a literatura de cordel não é conhecida por todos, pois não há divulgação ou busca de conhecimento relacionado a esse assunto, além disso, a própria população, em sua maioria, desconhece esse gênero literário e seus autores. Nosso propósito ao realizar este trabalho é demonstrar a importância de se conhecer e valorizar a cultura de Conceição do Araguaia, expressa por meio da literatura de cordel produzida pelos cordelistas Manelão, Cleomar de Carvalho e Fortes Sobrinho. Sendo assim, esperamos que este estudo possa contribuir para pesquisas futuras na tentativa de disseminar o saber sobre a literatura de 12 cordel, bem como os trabalhos sobre esta modalidade na expressão cultural da cidade, esperamos, também que o mesmo ajude na divulgação da cultura de Conceição do Araguaia, expressa por meio dessa literatura. 13 1 ORIGEM DA LITERATURA DE CORDEL A literatura de cordel originou-se em Portugal, no entanto, há relatos de seu surgimento entre os povos greco-romanos, fenícios, cartagineses, saxões, etc. Em outros países, a literatura de cordel se difundiu com outros nomes: "pliegos sueltos" (Espanha), "folhas soltas" ou "volantes" (Portugal, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Peru) e “corridos” (México, Venezuela, Nicarágua, Cuba). No período Medieval os trovadores divulgavam nas praças suas histórias, que abordavam temas como: os romances de cavalaria, narrativas de amor, heroísmo, viagens e conquistas marítimas, entre outros temas. A literatura de cordel chegou ao Brasil por intermédio dos colonizadores, na área que se estende da Bahia ao Maranhão, o que fez com que ela adquirisse características de tal região. É da Península Ibérica que vem o nome literatura de cordel, pois os livretos eram expostos em lugares públicos, pendurados em barbantes. No Brasil, o costume sempre foi expor os folhetos no chão, sobre folhas de jornal ou dentro de uma mala aberta. Isso permitia ao vendedor poder evadir-se rapidamente quando aparecia algum guarda ou fiscal. Mesmo assim, os estudiosos persistiam no nome literatura de cordel, e, hoje, dificilmente alguém a chama por outro nome. Além disso, o cordel possui um preço acessível a todas as classes, ele expandia a literatura tanto popular, quanto erudita, de acordo com Júnior na seguinte afirmação: Numa população analfabeta, como deveria sera portuguesa dos séculos medievais, a comunicação oral era o instrumento de difusão literária, fosse à literatura erudita, fosse a popular. Daí o fato dos poetas viverem em palácios ou em reuniões dizendo seus versos. (JÚNIOR 1986, p. 36) Seus versos abordam desde temáticas e problemáticas atuais até fatos históricos. Assim, podemos considerá–la como atemporal, no sentido de não se limitar a uma época específica e, principalmente, podemos concebê–la 14 como um relato histórico por meio da linguagem (escrita e oral). Nesse sentido, percebemos que a literatura de cordel retrata a relação entre os atores sociais, sua historicidade, sua identidade, sua língua, seu espaço e seu tempo. Dentro dessa perspectiva, percebemos que seus versos não se resumem ao registro da produção da cultura material (objetos), mas também abordam a produção imaterial (idéias), costumes, crenças, hábitos, ideologias. Todas essas marcas estão refletidas nos textos do cordel. Essa literatura retrata as vivências, a imaginação, a fé, a devoção do povo nordestino. Histórias que, muitas vezes, contadas de geração para geração, o que evidencia sua relação direta com o registro da memória e do imaginário do povo nordestino. A grande vantagem da literatura de cordel sobre as outras expressões da literatura popular é que o próprio homem do povo imprime suas produções, e do jeito que ele as entende. Luyten faz o seguinte comentário sobre as características da literatura de cordel: Hoje em dia, quase todos os folhetos têm oito páginas. Antigamente, era muito comum se verem folhetos de 16, 32 e até de 48 e 64 páginas. Os nomes eram dados de acordo com o número de páginas. Os de oito eram chamados de folheto (nome, hoje, genérico); os de 16 páginas eram os romances e geralmente tratavam de assuntos amorosos, na maioria das vezes trágico. Os de 32 páginas em diante chamavam-se histórias e eram feitos pelos melhores poetas. (LUYTEN 2005, p. 45) Os assuntos tratados nos romances eram também considerados os mais interessantes, pelo grande espaço a eles dedicado. Em alguns casos, chegava-se a abrir vários volumes, mas, com o passar do tempo, devido ao encarecimento do papel e da impressão, as histórias e romances foram deixando a preferência popular. Acreditava-se que a literatura de cordel estava com seus dias contados com a instauração da televisão e do rádio, já que antigamente o cordel era a principal fonte de informação, e com a TV e os meios de entretenimento o cordel deixou exclusivamente de informar e passou a tratar de outros temas, como causos, lutas, aventuras, dentre outros. 15 No Brasil essa produção popular persiste até hoje com aceitação de seu público original, apesar de novos entretenimentos, e tendo conquistado outro tipo de leitores, os estudiosos, colecionadores eruditos e turistas. A literatura de cordel apresenta vários aspectos interessantes e merecedores de destaque: as gravuras, chamadas xilogravuras, representam um importante espólio do imaginário popular, ou seja, o cordel compreende um conjunto de bens deixados por vários autores no decorrer de sua existência. Pelo fato de funcionar como divulgadora da arte do cotidiano, das tradições populares e dos autores locais, a literatura de cordel é de inestimável importância na manutenção das identidades locais e das tradições literárias regionais, contribuindo para a perpetuação do folclore brasileiro. Pelo fato de poderem ser lidas em sessões públicas e de atingirem um número elevado de exemplares distribuídos, ajudam na disseminação de hábitos de leitura e luta contra o analfabetismo. A tipologia, ou seja, os conjuntos de caracteres tipográficos de assuntos que cobrem críticas social e política de texto de opinião elevam a literatura de cordel ao estandarte de obras de teor didático e educativo. Sendo o cordel a representação da junção de várias culturas, seus manuscritos reproduzem a herança de manifestações de nossos antepassados resguardando suas memórias e as transformando com o passar o tempo e sendo aperfeiçoado até chegar à forma que se apresenta. 16 2 CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA DE CORDEL Nossa literatura de cordel é caracterizada, principalmente, pela poesia popular. Sintetizando, essas características estão ligadas a aspectos culturais, seu retrospectivo social, sua simplicidade material conjugada com sua naturalidade e reprodução do âmbito oral, aliado a participação da massa na construção literária, do povo brasileiro no contexto social. Evidenciando o caráter cultural de cordel, nos atentamos em um primeiro momento à ponte culturalística de Brasil e Portugal, sendo o primeiro uma recriação do segundo, pois notamos uma acentuação regionalista do cordel ao mesmo tempo em que ele transcende o universo literário, já que podemos perceber a presença nordestina em grande escala no cordelismo, todavia esse é um resquício do povo brasileiro, que se caracteriza por sua força, fé e coragem, ao passo de estarem expostas as mazelas que formulam uma sociedade desigual. Engajamo-nos na origem portuguesa de fazer literatura, ou melhor, na exposição que podemos oferecer a ela, no sentido de que ambas as literaturas são confeccionadas em papel barato e vendidas em feiras, sendo ainda exposta em varais, por isso a nomenclatura de literatura de cordel. O cordel brasileiro possui semelhança expositiva com o português, tendo em vista que Márcia Abreu (1999), nos lembra que não há uma simetria própria que caracterize a literatura de cordel brasileira, que já é chamada de literatura de folhetim. Contudo, é nesta vertente literária que encontramos as tradições de cantigas orais, por isso há uma ligação com o trovadorismo, que produzia sua poesia oralmente, tendo uma simplicidade reprodutiva que vai estar presente contemporaneamente nos repentistas nordestinos e no registro material do papel barato de sua publicação, assim como vai se transformar em meio informativo da massa brasileira. Isso nos remete a um retrospecto histórico, onde o homem sertanejo não contava com meios globais do capitalismo, tais como luz elétrica, televisão, rádio, internet, e etc., além de fazer denúncia social e crítica, todavia permeia 17 uma sobrevivência dos costumes cultural do Brasil, de modo que o povo saiu da posição de coadjuvante para tornar-se personagem principal da criação de nossa cultura, talvez por isso a desvalorização desta literatura seja freqüente, ou seja, a elite não quer repartir ou reconhecer no cenário literário a participação da camada social que alicerça a pirâmide do Brasil. Enfatizemos que a referida literatura apresenta os supracitados aspectos, entretanto, não atrai a relevância que deveria ser-lhe conferida, porém, isso não nos espanta, já que a desvalorização da cultura do Brasil é tradicional, pois temos em evidência a retratação do contexto social da nação, onde se lê legitimado pelo tradicionalismo literário da classe dominante, fragmentando assim o cunho de representação nacional que abrange o todo da estrutura social, alienando o conhecimento interno da arte que reproduz a realidade, cultura e sociedade. Somente no fim do século passado, com o surgimento de algumas tipografias, a literatura finalmente se fixou no nordeste e passou a ser parte da cultura regional. Hoje, sem dúvida alguma, a literatura de cordel é característica do nordeste brasileiro e está ganhando cada vez mais espaço no cenário cultural mundial. Abaixo temos o cordel, Literatura de Cordel por Francisco Ferreira Filho Diniz queretrata a origem e as características de tal literatura: Literatura de Cordel É poesia popular, É história contada em versos Em estrofes a rimar, Escrita em papel comum Feita pra ler ou cantar. A capa é em xilogravura, Trabalho de artesão, Que esculpe em madeira Um desenho com ponção Preparando a matriz Pra fazer reprodução. Mas pode ser um desenho, Uma foto, uma pintura, Cujo título, bem à mostra, Resume a escrita É uma bela tradição 18 Que exprime nossa cultura. 7 sílabas poéticas, Cada verso deve ter Pra ficar certo, bonito E a métrica obedecer, Pra evitar o pé quebrado E a tradição manter Os folhetos de cordel Nas feiras eram vendidos Pendurados num cordão Falando do acontecido, De amor, luta e mistério, De fé e do desassistido. A minha literatura De cordel é reflexão Sobre a questão social E orienta o cidadão A valorizar a cultura E também a educação. Mas trata de outros temas: Da luta do bem contra o mal Da crença do nosso povo Do hilário, coisa e tal E você acha nas bancas Por apenas um real. O cordel é uma expressão Da autêntica poesia Do povo da minha terra, Que luta pra que um dia Acabem a fome e miséria, Haja paz e harmonia. Faixa 1 do Cd Literatura de Cordel, de Francisco Ferreira Filho Diniz. Portanto, podemos dizer que a caracterização do cordel é a fiel representação do multiculturalismo brasileiro e da desigualdade social que ocorre nas regiões menos favorecidas, como a própria região nordeste, e o nascimento participativo da classe popular, de modo geral a literatura assume o papel de inclusão e agregação cultural, sendo o cordelismo literário este instrumento de mudança. 19 2.1 Ilustrações ou Xilogravuras A ilustração não nasceu com o cordel. Antes, eram usadas as chamadas "capas cegas", sem qualquer ilustração. A xilogravura é um fenômeno relativamente recente, apesar de ter sido usada em 1907, na ilustração de uma capa de um folheto de Francisco das Chagas Batista enfocando Antônio Silvino. Fato isolado. Os desenhos e os clichês de cartões postais e com fotos de artistas de Hollywood eram os preferidos dos editores, a começar pelo lendário Athayde. Segundo Joseph M. Luyten: A partir dos últimos 40 anos, ficaram conhecidas as improvisações feitas para preencher a falta de outros tipos de ilustração. Tudo começou com o agora famoso Mestre Noza, em Juazeiro do Norte. Ele sempre foi santeiro conhecido (entalhador de estátuas), e resolveu cortar uma tabuinha para servir de capa a um folheto. A coisa deu certo, e a aceitação foi imediata. Alguns anos depois, já havia diversos gravadores, e muitos estudiosos achavam que xilogravura era a forma mais original de ilustrar um folheto de cordel. (LUYTEN 2005, p. 56) A xilogravura nunca teve ampla aceitação no meio popular, mas a Academia a adotou como a ilustração por excelência dos folhetos de cordel. É verdade que a xilogravura é a ilustração mais característica do cordel, mas não a única. A essência de um bom cordel está no texto, não na capa, no vestuário. O cordel (texto e ilustração) evoluiu, e nenhum poeta ou editor antenado abre mão das tecnologias para oferecer ao público edições bem cuidadas, não esquecendo é claro de sua tradição, mas sem desprezar a modernidade. O cordel, por conta disso, chega vivo e com fôlego ao século XXI. 20 3 O CORDEL NO BRASIL O cordel chegou ao Brasil na época de seu descobrimento com os navegadores portugueses, em que era vendido como "folhas soltas". Salvador, na época, era primeira capital brasileira, sendo a porta de entrada do cordel e Recife um dos principais centros, pois abrigava a Capitania poderosa. A partir daí a poesia popular ganha o interior do Nordeste, chega à Paraíba, mais precisamente a Serra do Teixeira e Pombal, que se transformam em cenários para o surgimento da cantoria de viola. O nordestino, com sua criatividade ímpar, fez uma releitura da poesia lida e cantada pela nobreza e inventou o repente. Surge o violeiro, que animava as festas populares e realizava desafios, pelejas nas noitadas, domingos e feriados. Segundo Luís da Câmara Cascudo (1939), no livro Vaqueiros e cantadores os folhetos foram introduzidos no Brasil pelo cantador Silvino Pirauá de Lima e depois pela dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista. No início da publicação da literatura de cordel no país, muitos autores de folhetos eram também cantadores que improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. Com a criação de imprensas particulares em casas e barracas de poetas, mudou o sistema de divulgação, pois o autor do folheto a partir daí podia ficar num mesmo lugar a maior parte do tempo, porque suas obras eram vendidas por folheteiros ou revendedores empregados por ele. Leandro Gomes de Barros, nascido em Pombal, ao perceber o interesse do povo pela poesia cantada, teve a iniciativa no final do século XIX de editar e comercializar, as histórias nas feiras. As características desses folhetos prevalecem até os dias de hoje, por isso ele é considerado o patriarca dessa expressão popular e a Paraíba é tida como o berço da literatura de cordel. Com a aceitação desse novo tipo de literatura, o folheto virou meio de comunicação do interior do Nordeste, uma vez que, na época, não havia rádio nem jornal, com exceção das capitais. Por isso, o que acontecia nas redondezas era noticiado em cordel. 21 A população adquiriu o hábito de comprar um cordel toda semana. Ao fazer a feira de legumes, carne, frutas, etc. comprava também um título de cordel, que era lido em reunião familiar. Com isso, muitos aprenderam a ler, pois o folheto era um estímulo importante para que analfabetos perdessem essa patente. Pelo fato de semanalmente o povo comprar um folheto, verificamos que ainda hoje, existem parentes de colecionadores com baús cheios de folhetos antigos. Foi no Nordeste do Brasil (da Bahia ao Pará) que a literatura de cordel se arraigou mais profundamente e continua como forma viva de comunicação, tornando-se uma das características diferenciadoras dos costumes dessa imensa região em relação às demais regiões brasileiras. Pela interpretação do grande pesquisador que foi Câmara Cascudo, sabemos que, no Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação social contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal, o surgimento das manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais, as lutas de família deram oportunidade, dentre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores, como instrumentos do pensamento coletivo e das manifestações de memória popular. Se eram raras as obras impressas, vindas de Portugal ou dos centros mais adiantados do próprio Brasil, havia à mão os folhetos contando as velhas novelas populares, às vezes, histórias de santo também. Não foi difícil a literatura de cordel introduzir-se neste ambiente. Tornou-se o meio de comunicação, o elemento difusor dos fatos ocorridos, servindo como jornal ao pôr a família ao corrente do que se passava: façanhas de cangaceiro, casos de rapto de moças, crimes, estragos da seca, efeitos das cheias e tantas coisas mais. Segundo alguns pesquisadores, o Brasil é omaior produtor de literatura de cordel no mundo ocidental, em cem anos publicou cerca de 20.000 folhetos, embora em pequenas tiragens (entre 100 e 200 exemplares cada), afirma Luyten (2005). 22 Devido ao atraso da chegada da imprensa por aqui e seu acesso pelo público, as produções literárias populares tiveram seu apogeu apenas no século XX. Nesse período a prosa aparece muito mais na forma oral que passa de geração para geração, e como é uma manifestação muito mais cultural do que intelectual, destaca-se em regiões onde a cultura é mais valorizada e delineada. Aqui no Brasil essas regiões são a região Nordeste e a região Sul. 23 4 CULTURA O Brasil é um país híbrido, pois várias outras culturas são associadas a nossa, entre elas a africana, a portuguesa, a japonesa, a americana, e etc., os costumes desses países influenciaram significativamente nos nossos hábitos. Um bom exemplo disso é a nossa língua, onde muitas palavras do português falado no Brasil provêm de outros países, ou seja, o Brasil uniu culturas de diversos países e criou uma nova, com características próprias. A palavra cultura provém do latim medieval significando cultivo da terra. Do verbo latino original colo que é igual a cultivar, que associado ao termo cultum, resulta na palavra cultura, como já foi dito anteriormente, era relativo ao cultivo da terra. Segundo o dicionário Mini-Aurélio (2001 p.197), a palavra cultura significa “O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade” Sua transformação começa a partir da sabedoria acumulada no trato do ambiente natural e a experiência secular de pastores e agricultores que acabaram conferindo ao termo cultura o sentido de conhecimento intelectual, aplicado à ação transformadora do mundo. Antropologicamente sabemos que a cultura é o conjunto de experiências humanas adquiridas pelo contato social e acumuladas pelos povos através do tempo. Outro conceito nos diz que a cultura é uma expressão simbólica das linguagens, de imensa diversidade, que caracteriza o processo a os modos como os povos definem as suas identidades, num contexto como o nosso, complexo, rico, espelhado pela riqueza do saber popular, afirmamos então que a cultura é um elemento fundamental de resgate dos valores. O Art. 216 da Constituição Brasileira apresenta uma versão bastante objetiva do que seja cultura, nela constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à ação, à memória dos diferentes grupos 24 formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluam, sendo ainda, as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e etc. Desse modo, entende-se que cultura é de fato essencial ao ser humano, pois é por meio dela que o mesmo adquire e transmite conhecimentos e experiências, além de ser através da cultura que um indivíduo poderá ser identificado e identificar características que são peculiares de determinados locais, países ou cidades, ou seja, é por meio da cultura, dos costumes e das características particulares que um povo se mantém vivo. Por esse e outros motivos torna-se essencial manter, valorizar e transmitir a cultura de geração à geração, para que não haja o fim ou morte da cultura de um povo. Leoné Astride Barzotto, em seu artigo: O entre-lugar na literatura regionalista: articulando nuanças culturais (2010), afirma que a literatura local também é regional visto que uma comunidade cultural só se configura como tal por meio de características que são, pela proximidade de experiências, comungadas. 4.1 Conceição do Araguaia: aspectos culturais e históricos. Desde seu descobrimento, o Brasil tornou-se morada para diversos povos: portugueses, italianos, japoneses, escravos trazidos da África, etc., que trouxeram consigo hábitos e costumes de seus países. Com isso, nosso país foi se mesclando de tal forma que hoje em dia parece não haver mais a possibilidade de se encontrar indivíduos absolutamente “puros” no sentido cultural, já que nossa cultura é a mistura desses diferentes povos. Porém, muitos indivíduos híbridos não têm a consciência dessa mistura, imaginando-se intactos ou negando sua própria composição. Conceição do Araguaia é uma cidade culturalmente híbrida, pois há a mistura de culturas de outras cidades e até de outros estados, sendo a referida cidade fortemente influenciada pelas culturas do estado do Tocantins, Goiás, Maranhão e Minas Gerais. Não existem cidades culturalmente “puras”, 25 pois essa visão é completamente utópica e ilusória, uma vez que somos todos sujeitos de comunidades híbridas e multiculturais. A cidade tem características marcantes de outras culturas em diversas situações, na fala, na alimentação, na dança, na música, e etc., tudo isto comprova o que foi dito anteriormente, ou seja, Conceição do Araguaia, através de seus habitantes, tornou-se uma cidade híbrida, já que muitos deles não são naturais da cidade e, ao se mudarem para cá, trouxeram consigo características das cidades ou estados que habitavam anteriormente. Este fato pode ser evidenciado e comprovado por meio dos cordelistas que produziram os cordéis analisados no presente trabalho, são eles: Manoel Martins de Almeida (Manelão), autor do cordel Terra das bandeiras Verdes, que não nasceu em Conceição do Araguaia, sua cidade natal é Tocantinópolis, interior do Tocantins. Já Cleomar de Carvalho, autor do cordel Quebra do Milho, nasceu em Porto Franco, município do estado do Maranhão, e Fortes Sobrinho autor do cordel ABC para o estado de Carajás, é oriundo da cidade de Xambioá, no estado do Tocantins. Somente conhecendo a própria cultura é que o indivíduo compreenderá a importância de mantê-la viva na memória, protegendo-a e valorizando-a iremos preservar o que somos, nossas características, nossa identidade. Desse modo, Conceição do Araguaia não apresenta uma “cultura própria”, que seja específica da cidade. O próprio nome da cidade “Conceição” é português, trata-se de uma homenagem à padroeira da localidade original, Nossa Senhora da Conceição. Em 1897, Frei Gil de Vila Nova fundou, no território de Baião, um arraial com o nome de Conceição do Araguaia, que passou à freguesia, em 14 de abril de 1900. 1O desenvolvimento da freguesia levou o Legislativo do Estado do Pará a criar o Município de Conceição do Araguaia, que teve sua sede no antigo povoado do mesmo nome, através da Lei nº 1.091, de 03 de novembro de 1908, concedendo ao lugar o título de vila. Sua instalação só aconteceu em 1 Disponível no site: http://www.conceicaodoaraguaia.pa.gov.br/ 26 10 de janeiro de 1910. Com a Lei nº 1905, de 18 de outubro de 1920, a Vila de Conceição de Araguaia foi elevada à categoria de cidade. Em 4 de novembro de 1930, com o Decreto nº 6, o Município de Conceição do Araguaia foi extinto, ficando seu território sob a administração direta do Estado. Tal situação é confirmada, através do Decreto nº 72, de 27 de mês seguinte. Com a Lei nº 8, de 31 de outubro de 1935, que apresentou a relação das comunas paraenses, figura, novamente, o município de Conceiçãodo Araguaia, embora as fontes consultadas não façam referência a qualquer ato legal que tenha restituído a Conceição do Araguaia à antiga condição de município. A lei citada não faz referência aos distritos que o integravam, à época. No Decreto-Lei nº 3.131, de 31 de outubro de 1938, que estabeleceu a divisão territorial do Estado para o período de 1939 a 1943, o Município de Conceição do Araguaia se apresentava constituído de 2 distritos: Conceição do Araguaia e Santa Maria das Barreiras. Tal situação foi confirmada pelo Decreto-Lei nº 4.505, de 30 de dezembro de 1943. Pela Lei nº 2.460, de 29 de dezembro de 1961, Conceição do Araguaia teve sua área desmembrada, para ser criado o Município de Santana do Araguaia e, posteriormente, perdeu novas porções de terras que deram origem a três outros municípios: Xinguara, Redenção e Rio Maria (Lei nº 5.028, de 3 de maio de 1982). O município de Conceição do Araguaia localiza-se na região sudeste do estado do Pará, conhecida como “Zona do Planalto”, com altitude superior a 542m, à margem esquerda do rio Araguaia. Está localizado especificamente a uma latitude 08º15’28" Sul e a uma longitude 49º15’53" Oeste. Sua população estimada em 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 45.557 habitantes. Limita-se ao norte com o município de Floresta do Araguaia, ao sul com o município de Santa Maria das Barreiras, a oeste com o município de Redenção, estando a leste com o estado do Tocantins (PROJETO PRIMAZ, 1996). Sua Área é de 5.829,44 km² representando 0.4672% do Estado, 0.1513% da Região e 0.0686% de todo o território brasileiro. Seu IDH é de 0.718 segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000). 27 5 VIDA E OBRA DOS CORDELISTAS DE CONCEIÇÃO DO ARAGUAIA 5.1 Vida e obra Cleomar da Silva Carvalho. Cleomar da Silva Carvalho tem 62 anos de idade e nasceu em Porto Franco, no estado do Maranhão no ano de 1949, onde viveu por 28 anos. Em 1983, mudou-se para o município de Conceição do Araguaia no qual reside há 34 anos. Cleomar é o primeiro filho de um total de 11. Seu pai, Domingos Pereira de Carvalho, também nasceu em Porto Franco, Maranhão. Era lavrador e criava gado, tem como escolaridade o primeiro ano do ensino primário incompleto, assim como sua mãe, Maria Lourdes da Silva Carvalho, também nascida no mesmo local, era dona de casa. Cleomar estudou grande parte da sua vida em escolas públicas, em Porto Franco, onde concluiu o ensino médio. Em Conceição do Araguaia fez um curso técnico em contabilidade, formou-se pedagogo pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) habilitado em magistério e administração escolar, com pós-graduação em psicopedagogia e orientação educacional e está em fase de conclusão do curso de Direito. É pai de quatro filhos, Valter Domingos Resende de Carvalho, Símon Bolívar Resende de Carvalho, Daniel Henrique Resende de Carvalho e Vianyr Olivier Resende de Carvalho. Valter é jornalista e interprete, Símon formou-se médico em Cuba, Daniel é formado em Ciências Contábeis e Vianyr é técnico em segurança do trabalho e está se preparando para prestar vestibular na área de engenharia elétrica. Cleomar de Carvalho tinha apenas 7 anos quando escreveu sua primeira poesia dentre outras, podemos citar: Pérola Negra e Chamas Vivas. Publicou dois cordéis, intitulados Quebra do milho e Secando o bagaço. No cordel Quebra do Milho, Cleomar conta a estória de uma festa de São João que ocorreu na fazenda do Carvílio, onde houve uma grande confusão e pancadaria por causa de Mané Camaleão, um andarilho que se 28 engraçou com Viturina, namorada de Pedro Catalina, um homem conhecido pelas brigas constantes nas festas da região. Já o cordel Secando o Bagaço, por sua vez, trata da estória de um fazendeiro chamado João Pompeu que mantia sua filha Concita trancada em casa. A mesma acaba se apaixonando por Ribamar, capataz da fazenda de seu pai. Decidem fugir para viver esse amor proibido, mas antes dos dois finalmente terem seu final feliz passam por algumas confusões e brigas com o pai da moça. O traço marcante dos cordéis de Cleomar é a forma cômica com que o mesmo conta suas estórias, pois há bravura, amor, suspense, morte dos heróis e mocinhas onde existem também situações de brigas, os conflitos, os romances e a aventura, são descritos de forma engraçada que diverte e envolve o leitor. Seu estilo poético é ainda marcado pela rima fechada combinada ao ritmo. Cleomar, já participou de vários eventos que incluem festivais de música, onde expôs suas composições musicais vencendo por duas vezes, participou de vários congressos, de diversos fóruns relacionados ao curso de Direito e criou o “Arte Canterra”. Em relação às premiações, Cleomar foi o primeiro compositor de Conceição do Araguaia, a inscrever-se no concurso (Arte Canterra) realizado na capital do estado. Participou ainda de vários lançamentos de livros como convidado especial. No momento, Cleomar esta em processo de criação de um livro intitulado Cléo e Lia, que retrata momentos ocorridos durante o período da ditadura militar, fatos presenciados e vividos por ele mesmo. No que se refere à cultura, Cleomar da Silva Carvalho afirma que cultura é tudo que um povo precisa para conhecer a liberdade afirmando, ainda, que cultura é tudo aquilo que leva o homem a se descobrir como um grande formador de opinião sem vaidade, com ética e com respeito por tudo aquilo que o outro pensa. Para ele, Conceição do Araguaia é a “mãe da cultura da região”, no entanto não têm o devido reconhecimento. 5.2 Vida e obra de Manelão 29 Manoel Martins de Almeida, mais conhecido como “Manelão”, nasceu dia 24 de fevereiro de 1952 no interior do estado do Tocantins, num vilarejo que se localizava entre a cidade de Anjico e Nazaré, onde viveu por três anos. É o terceiro filho de um total de seis irmãos, todos já falecidos. Seu pai José Gomes de Almeida, natural de Grajaú no estado do Maranhão, era lavrador e concluiu apenas o ensino fundamental. Sua mãe Natividade Martins dos Reis, também nasceu em Grajaú, onde era professora e dava aula na zona rural. Manelão veio para Conceição do Araguaia em 1955, aos três anos de idade com seus pais estudou no colégio Santa Rosa das irmãs dominicanas, onde cursou até a quinta série do ginásio. Casou-se e teve três filhos, duas meninas e um menino. Atualmente Manelão compõe músicas, escreve cordéis e pinta esporadicamente. Sua primeira composição musical denomina-se “rios dos meus sonhos”. Entre os cordéis produzidos pelo autor, temos o primeiro intitulado Eu sou filho de roceiro, que teve sua 1ª edição publicada em 2005, e que segundo o autor, é um relato de sua própria experiência de vida. Neste cordel, Manelão relata alguns momentos que vão desde sua infância até a sua vida adulta. Nele Manelão narra os diversos eventos que participou e que ao final, a pedido dos organizadores, produzia um cordel que descrevesse o que havia acontecido. Dentre estes encontros são destacados o 10º Intereclesial (encontro entre lideranças das comunidades paroquiais e diocesanas), 1º Congresso Nacional CPT (Comissão Pastoral da Terra), Curso Bioenergético de Tratamento Natural e o encontro de Formação de Lideranças Camponesas. Outro cordel produzido por Manelão foi Santas Missões Populares - SMP, publicado em 2005. Nele Manelão procurou descrever o mutirão promovido pela igreja católica juntamente com os leigos e missionários que tinham como principal objetivo evangelizar o povo de algumas cidades do Pará e do estado do Tocantins. No cordelTerra das Bandeiras verdes, temos a história de Conceição do Araguaia e da igreja católica. Nele é relatado o que os fundadores da cidade fizeram para conseguir fundá-la, como se deu a construção da igreja matiz, fazendo ainda um breve comentário sobre a 30 guerrilha do Araguaia até chegar ao ano de 2005. Sua 1ª edição foi publicada em 1997 e a 2ª em 2005. Entre os prêmios e homenagens que Manelão recebeu temos “Os Mais Mais do ano de 2005 e 2006”, premiação dada ao melhor músico da cidade, e uma homenagem de honra ao mérito pelos relevantes serviços prestados à cidade de Conceição do Araguaia na área da cultura, realizado pela rádio Cidade FM. Ele participou ainda de vários festivais, congressos, exposições de arte popular, tanto em Conceição como em outras localidades, além de participar de eventos como convidado especial. Os principais temas abordados por Manelão em seus cordéis são relacionados à igreja, à natureza, terra, ecologia, meio-ambiente e assuntos que também falam da vida do povo. 5.3 Vida e obra de Fortes Sobrinho Francisco de Assis Fortes Sobrinho é natural do Baixo-Araguaia, Xambioá Estado do Tocantins. É filho dos poetas Hardí de Passavan Fortes (Nordestino) e dona Maria (Mariazinha) Lima Moraes (Tocantinense). Era o quinto filho de um total de sete, e têm três filhos. Fortes Sobrinho é um dos fundadores, e segundo coordenador da SOPOCOBA (Sociedade dos Poetas Cordelistas da Bacia Amazônica), além de ser o terceiro Embaixador-Pesquisador da OBPLC (Ordem Brasileira dos Poetas de Literatura de Cordel) na Amazônia. Seu pai, Hardí de Passavan Fortes era dentista e poeta, e estudou até a quinta admissão (referente ao 6º ano do ensino fundamental). Sua mãe Maria Lima Moraes é dona de casa e também escreve poesias, sendo apenas alfabetizada. Participou de vários encontros, festivais e congressos de Literatura de cordel e cantoria popular a nível regional e nacional. Publicou 30 folhetos de cordel, entre os quais destacamos: ABC para o estado de Carajás, Ecologia: a bola da vez!, O caboclo da Amazônia, etc. 31 É membro de várias Associações de poetas populares e diversas Academias de Letras, tendo conseguido vários títulos, honrarias e condecorações como: “Comendador da Cultura Popular”, “O intelectual do ano de 1983” (em Conceição do Araguaia-PA), e “Glória à arte”, sendo ainda membro da “Academia Petropolitana de Letras”, etc. O primeiro cordel produzido por Fortes Sobrinho foi Mané Bobão e suas proezas. Este cordel relata a história fictícia de um menino que queria ser muitas coisas. Primeiro queria ser jogador de futebol, depois cantor, dançarino e etc. Mas ao final não conseguiu conquistar nada do que desejava. Tudo é narrado de forma cômica e irreverente. Dos 23 livros escritos por ele apenas 8 foram publicados, e segundo o mesmo já compôs mais de mil poesias. Além da literatura de cordel e das poesias Fortes também escreve peças de teatro, romances, contos, liras e sonetos. É cantor e compositor e inclusive já lançou um CD intitulado “Canta Xambioá”, neste CD todas as faixas foram compostas e cantadas por ele. A letra, música e arranjo do hino de Xambioá são de autoria do Xambioaense Francisco de Assis Fortes Sobrinho, com parceria de Jânio Lima Fortes e João Alberto Lima Fortes. Fortes Sobrinho é solteiro e residiu em Conceição do Araguaia por vinte anos, só que a cinco anos voltou para Xambioá, sua cidade natal, onde mora até hoje. Atualmente Fortes Sobrinho é poeta cordelista e trabalha em Xambioá. Os cordéis produzidos por Fortes Sobrinho são ligados a temas relacionados à ecologia, Amazônia, região Norte e Nordeste, Cultura e costumes do povo do Baixo – Araguaia. Muitos de seus cordéis falam de sua cidade natal (Xambioá). Também produziu cordéis biográficos de seus familiares e de si mesmo. Na residência de seus pais, localizada em Conceição do Araguaia, Fortes Sobrinho mantém um grande acervo de livros, CDs, DVDs, discos de vinil, fitas cassete, fotos, recortes de jornais referentes à sua história, além de entrevistas suas publicadas em revistas, medalhas, prêmios, quadros, e cordéis produzidos por ele, por seus familiares e cordéis de outros autores. Segundo Fortes, se trata do maior acervo cultural existente em Conceição do Araguaia. 32 6 ANÁLISES 6.1 Análise do cordel de Cleomar de Carvalho (Quebra do Milho) 33 Para a literatura de cordel não há um método único e exclusivo de produzir ou escrever um cordel, pois o cordelista tem liberdade para expor suas histórias da forma que achar mais conveniente. O poeta cordelista, em sua obra, pode optar por compor seu cordel com estrofes que variam entre quatro ou mais versos. Existem muitas maneiras de ordenar os versos de cordel. O importante é lembrara que cada uma delas possuem uma forma especial de ser cantada. Esse aspecto, aliás, é primordial para que uma estrutura poética possa ser chamada de popular. (LUYTEN, 2005 p.53-54) Essas estrofes são chamadas de quadra (estrofe com quatro versos), sextilha (estrofe com seis versos), septilha (estrofe com sete versos), oitava (estrofe com oito versos), décima (estrofe de dez versos), martelo (estrofe de dez versos composta de decassílabos), e etc. Não importa a ordem em que elas apareçam o importante é manter a rima e a musicalidade do cordel. Modalidades também conhecidas são o “quadrão”, o mourão” e muitas outras. O pesquisador Sebastião Nunes Batista achou mais de cem. Um bom poeta cantador conhece pelo menos umas vinte e tantas. Sempre é bom lembrar, porém, que na parte impressa, na literatura de cordel propriamente dita, mais de 80% vem em forma de sextilha. (LUYTEN, 2005 p.55) No cordel que iremos analisar Quebra de Milho, de Cleomar Carvalho, observamos que o autor se utilizou não apenas de estrofes que contenham uma única métrica, pois há momentos em que o mesmo usa a sextilha e em outras ocasiões há presença de septilha, quadra, décima e etc. 34 O cordel é composto por 29 estrofes divididas em 3 quadras, 2 sextilhas, 1 septilha, 7 oitavas, 5 estrofes de nove versos, 7 décimas, 3 estrofes de onze versos e 1 estrofe de doze versos. Exemplo de sextilha encontrada no cordel Quebra de Milho, de Cleomar Carvalho: Camelão meio tonto e muito desajeitado chamou o dono da casa um pouco mais afastado e lhe pediu mil desculpas, demonstrando estar cansado Exemplo de quadra: A paz reinou novamente sob o clarão do luar, a fogueira foi acesa para a batata assar Exemplo de décima: Lá na serra da chapada na fazenda do Carvílio foi aquele baculejo bate-boca e quebra-pau o que era uma festança daquelas bem radical mas já pela madrugada a coisa foi contornada e aconteceu afinal! Neste cordel também pode ser observado a questão das expressões populares locais utilizadas por Cleomar. Muitas delas são específicas dessa região, a região sul do Pará, expressões como: chambarí, muriçoca, talagada, boroca dentre outras, são encontradas nas seguintes versos: Uma marreteira velha Que vendia caxixí 35 E uma mulher cebosa que servia chambarí, correram feito malucas entraram numa empuca de espinho e bambuí e passaram a noite toda brigando com muriçoca debaixo de um bacuri! Na estrofe acima, a palavra caxixí remete a um instrumento parecido com um chocalho.Trata-se de um trançado de palhas na forma de um sino que possui pedaços de acrílico, arroz ou sementes de tinquim secas no interior para fazê-lo soar, ele é muito utilizado como complemento do berimbau. Chambarí, por sua vez, é a palavra usada para definir um prato típico da região do baixo Araguaia. A palavra empuca, outra expressão utilizada por Cleomar, significa para os conceicionenses um emaranhado de ramos e folhagens arbustivas trançados, que servem de esconderijo para os animais. Já a palavra muriçoca é uma expressão utilizada pelos moradores para denominar um inseto comum da região sul do Pará. Sendo que o mesmo inseto é conhecido na região nordeste do estado como carapanã e nas demais regiões do país é conhecida como pernilongo. E, Por fim, temos a palavra Bacuri, que se refere a uma espécie de palmeira que produz frutos ovais comestíveis de mais de 5 centímetros Camelão que não era Pau que se enganche trouxa, arrancou o trinta oito da boroca sobre a coxa A palavra boroca, outra expressão utilizada pelo autor nos versos acima, também é usada na região sul paraense para designar bolsa ou mochila. Quando Catalina viu mais que encolarizado 36 tomou uma talagada ficou de olho vidrado Talagada é uma expressão que significa uma dose ou um gole de bebida alcoólica. Outra característica relevante para a análise é o ritmo e a musicalidade, encontradas no cordel Quebra de milho de Cleomar de Carvalho, pois, segundo Luyten (2005), a possibilidade musical é primordial para que uma estrutura poética possa ser chamada de popular. Camaleão meio tonto e muito desajeitado chamou o dono da casa um pouco mais afastado e lhe pediu mil desculpas demonstrando estar cansado No exemplo acima, encontram-se rimas no segundo, no quarto e no sexto verso: desajeit(ado), afast(ado) e cans(ado). Já os versos 1,3 e 5 não precisam rimar com nenhum outro facilitando a vida poética do autor, que se preocuparia apenas em encontrar três rimas por estrofe. Outra particularidade interessante e que merece destaque é o fato de Cleomar de Carvalho atribuir aos personagens do seu cordel nomes de animais. Grande parte desses personagens têm seu nome acrescido a um nome de animal. A narrativa conta a história de uma briga, mais ao lermos esse cordel não nos deparamos com agressividade ou violência e sim com muitas cenas cômicas, o que evidencia o caráter descontraído com que Cleomar se utiliza para compor este cordel. Segundo Fischer (2002), a arte em todas as formas de desenvolvimento, na dignidade e na comicidade, na persuasão e na exageração, na significação e no absurdo, na fantasia e na realidade, a arte tem sempre a ver com a magia. Ao atentarmos para o simbolismo presente nos nomes dos personagens do cordel Quebra do Milho, percebemos que Cleomar de 37 Carvalho utiliza nomes referentes a animais, insetos, termos pejorativos e etc., ligados a um nome próprio, tais como: Mané-camaleão, Bazé cara-de-gato e Raimundo Caolho, entre outros. Segundo o Dicionário de Símbolos, o camaleão, de acordo com a lenda fula de Kavdara, muda de cor à vontade: isso significa ser sociável, cheio de tato, capaz de estabelecer uma relação agradável seja com quem for; é ser capaz de adaptar-se a todas as circunstâncias. (CHEVALIER, 2009, p. 170). Camaleão não sabia deste namoro danado, e convidou Viturina para dançar um xaxado No Dicionário de Símbolos, há outra característica do camaleão: “arte de livrar-se de qualquer impasse; [...] faculdades de mentir e de acobertar- se longamente numa emboscada para melhor surpreender”; (CHEVALIER, 2009, p. 170). Camaleão que não era pau que se enganche trouxa, arrancou o trinta e oito da boroca sobre a coxa e mandou balas no mundo numa fração de segundos Temos ainda, no fragmento abaixo, alguns personagens no qual seus nomes são acrescidos a apelidos: Tinha um tal de Mandubé Irmão do Bico-de-Pato, Que estava acompanhado Por Bazé Cara-de-Gato, Que dançava com Adalgiza Irmã de João Viriato, Deu uma de valentão 38 Mais se esburrachou no chão Apanhando do Renato! De acordo com o Dicionário de Símbolos, para os índios da pradaria o pato é o guia infalível, tão à vontade na água quanto no céu. (CHEVALIER, 2009, p. 170). Já o simbolismo do gato é muito heterogêneo, pois oscila entre as tendências benéficas e as maléficas, o que se pode explicar pela atitude a um só tempo terna e dissimulada do animal. (CHEVALIER, 2009, p. 461). 6.2 Análise do cordel de Manelão (Terra das Bandeiras Verdes) Este cordel é composto por 141 estrofes todas com 7 versos, obedecendo a métrica da septilha, pois desde início até o fim do cordel não muda. Além disso, é observado no cordel de Manelão uma característica em comum com os cordéis mais tradicionais produzidos no nordeste, o acróstico. Segundo Márcia Abreu (1999, p.98): Os poetas preocupavam-se com questões de direitos autorais e de propriedade dos textos, pois viviam da venda de suas composições. Por isso, imprimiam seus nomes na capa e na primeira página dos folhetos, estampavam seus retratos, utilizavam acrósticos nas estrofes finais. M - as peço agora desculpas A - você que está lendo N - ão consegui escrever tudo E - u estou reconhecendo L - he agradeço a atenção A - onde Deus põe a mão O - Reino vai se fazendo M - as minha tarefa cumpri A - té onde fui capaz 39 N - ada omiti por querer E - m breve eu escrevo mais L - hes desejo de verdade A - mor e felicidade O - pai nos encha da PAZ! O ciclo religioso, uma das fases da literatura de cordel, também pode ser observado no cordel Terra das Bandeiras Verdes, pois o mesmo trata da fundação da Igreja Católica e da cidade de Conceição do Araguaia. Nossa história começou mais de cem anos atrás às margens do Araguaia Não esqueçamos jamais Frei Gil celebrando a missa Numa paisagem belíssima Sob o reflexo da paz Manelão se utiliza de diversos termos indígenas em seu cordel, isso porque a cidade antes era habitada por algumas tribos indígenas, tais como os Caiapós e os Carajás. Primeiros destinatários dessa evangelização seriam os índios Caiapós que habitava o sertão Primeiros “Filhos da Terra” Que até faziam guerra para defender o chão e também os Carajás livres ao sol da manhã Primeiros “Filhos das Águas” Nos passos da Aruanã Deslizando na ubá ou no remanso a pescar 40 à luz de um novo amanhã A origem do nome ubá é duvidosa: pode vir do tupi, e que significa: canoa feita de um só tronco ou ser o nome de uma planta, gramínea, muito abundante na região. Aruanã é um peixe de escamas que pode atingir um metro de comprimento e cujo corpo guarda leve semelhan-ça com o pirarucu. Pertence a família dos Osteoglosídeos e vive, principalmente, em lagos. Pelo seu hábito de nadar sempre na superfície, pode ser apanhado facilmente com flechas. O nome científico do aruanã é Osteoglossum Ferrerae. A 2Guerrilha do Araguaia, período em que ocorria no Brasil a ditadura militar, também está sendo mencionada no cordel Terra das Bandeiras Verdes, pois Manelão relata algumas experiências vividas nesse período por moradores de Conceição do Araguaia. Há relatos das lutas e sofrimentos pelos quais muitos foram submetidos, sendo os mesmos padres, civis, pessoas envolvidas em partidos políticos e etc., todos eram presos, torturados ou até assassinados de forma violenta, inclusive atéhoje muitas pessoas assassinadas no período da guerrilha do araguaia não tiveram seus corpos encontrados. Uma lenda antiga dizia: -o Araguaia vai ferver! Com a guerrilha do Araguaia isso passa a acontecer e para se agravar a ditadura militar fez muito povo sofrer. A ditadura militar pôs medo na região 2A Guerrilha do Araguaia foi um agrupamento de militantes contrários à ditadura militar que acreditavam que a revolução socialista só teria sucesso se acontecesse no interior rural do Brasil. 41 reprimindo os guerrilheiros sem ter dó no coração e até gente inocente reprimida bruscamente sem entender a razão. A guerrilha do Araguaia A nossa história marcou Pelo sangue guerrilheiro Que nessa terra tombou E até sangue inocente De soldado e outras gentes Mais a semente ficou. O hibridismo tema já citado em capítulos anteriores, também é mencionado neste cordel, vejamos no fragmento abaixo o processo no qual muitas pessoas, de várias regiões do país, vieram para Conceição do Araguaia em busca de uma nova vida. Esse movimento migratório se deu pelo fato dessas pessoas, principalmente as que vieram do nordeste, estarem fugindo da seca e das péssimas condições de moradia e subsistência. Mais vão surgindo mudanças aqui no sul do Pará Chegam goianos, mineiros e outros migrantes de lá Vem pela Belém-Brasília Muitos seguem essa trilha buscando as terras de cá A origem do nome da cidade – Conceição do Araguaia – também é citada no cordel 3Terra das Bandeiras Verdes, nele Manelão descreve o porquê do nome da cidade. 3 Eram os romeiros das “bandeiras verdes”. Muitos lavradores se deslocaram (do Piauí e do Maranhão) para as regiões de fronteira a partir da década de 1950, inspirados no que o Padre Cícero ou os 42 O nome desse lugar Tem um significado Berocan, o Grande Rio Araguaia assim chamado Sob chuvas de bênçãos À Virgem da Conceição O lugar foi consagrado. Sendo o cordel Terra das bandeiras verdes um instrumento de divulgação da trajetória da Igreja católica no Araguaia, este traz nomes de importantes líderes religiosos que por aqui passaram, são eles: Frei Gil de Vila Nova, Domingos Carrerot, Dom Sebastião Tomás, Frei Tomás Balduíno, Dom Estevão, Dom José Patrick, Dom Pedro José Conti, entre outros. Observamos que Manelão ao iniciar seu cordel pede inspiração a Deus e ao final do mesmo pede desculpas ao leitor e novamente cita Deus, agradecendo-o pela história contada, característica esta que também esta presente nos cordéis mais tradicionais. Que o Senhor da história Me dê mais inspiração Para narrar passo a passo Com sentimento e paixão A caminhada de um povo Construindo um tempo novo Nessa grande região. M-as peço agora desculpas A-você que está lendo N-ão consegui escrever tudo E-u estou reconhecendo “antigos” já diziam: “para o fim das eras, feliz daquele que procurasse as Bandeiras Verdes e as montanhas”, que, coincidência ou não ficavam para o oeste e sempre apontaram o “lado do pôr-do- sol”, ou seja, a direção da Amazônia, do sul do Pará. (MANELÃO, 2011, p.51) 43 L-he agradeço a atenção A-onde Deus põe a mão O-Reino vai se fazendo No fragmento abaixo Manelão cita outro costume típico da região, o boi – bumbá, ou bumba – meu – boi, que antigamente era muito comum no período das festas juninas em Conceição do Araguaia, hoje em dia, já não é tão freqüente ver essa manifestação popular na cidade. Chegando no mês de junho Tinha muita diversão Nos terreiros se acendia As fogueiras de S. João Tinha também boi-bumbá Pelas ruas a brincar Na maior animação 6.3 Análise do cordel de Fortes Sobrinho (O Caboclo da Amazônia) O cordel que iremos analisar a seguir é composto por 64 estrofes todas com 7 versos cada, e o autor obedece a métrica da septilha,também já observado no cordel que analisamos anteriormente de Manelão (Terra das Bandeiras Verdes), pois do início ao fim do cordel o autor não modifica sua forma de composição. Pois bem aqui na Amazônia O nordestino chegou Para colheita do gaucho Que em borracha transformou. No bojo a literatura O verso como cultura Ele trouxe e aqui ficou. 44 Com isto chegou também A cultura nordestina Além do nosso cordel O forró, coisa granfina. Reisando, meu boi-bumbá Muitas canções de “niná” Para gente pequenina. Nos fragmentos acima o autor descreve como se deu a migração dos nordestinos para a nossa região Amazônica, pois aqui vieram trazendo em sua bagagem sua música, sua dança, seu folclore e sua literatura em forma de cordel. Fortes Sobrinho no fragmento abaixo faz uma descrição fiel da característica do caboclo da Amazônia: Nosso caboclo amazônido Tem a cara arredondada A famosa “lua cheia” E a “venta” meio achatada. Madeixa Liza e escura Pele morena e segura E a fala bem apressada. Tem olhos cor da noite Lábios nem grossos, nem finos Os cílios quase apagados E o coração de menino. As orelhas quase abano Chama seu povo de “mano” É versátil, repentino. O autor relata em todo o cordel as diversas formas de culturas existentes na Amazônia dentre elas a dança do boi-bumbá e a festa de 45 Parintins que são grandes shows proporcionados ao povo da região, essas manifestações populares podem ser observadas na estrofe a seguir: É “az” na festa do boi De Parintins, cidade Caprichoso e Garantido São dois bois que na verdade. Dão shows para o nosso povo E o caboclo fica novo Rindo de felicidade. Nos fragmentos a seguir o autor fala sobre o artesanato presente no dia-a-dia dos caboclos da região. Faz-se côfo, muito abano Para se dormir, esteira Paneiro, também cesto E quibano de primeira. O tipiti e o pacará É arte do acre ao Amapá Da gente bem brasileira. Do capim dourado faz Pulseiras, belos anéis Da madeira, faz também Xilogravuras, cordéis. Esculturas, os entalhes Com os mínimos detalhes Como escritos de papéis. Do barro faz-se cerâmica Uma arte marajoara Potes, vasos, outros mais Numa concepção rara. 46 Com primitivos desenhos Do caboclo, muito empenho Nossa arte é nossa cara. Fortes Sobrinho, nas estrofes abaixo comenta sobre os variados pratos e frutas típicas da região Amazônica. Bom de boca e de prato É o caboclo do norte Tacacá com maniçoba Deixa o sujeito bem forte. Um pato no tucupi Açaí e murici O amazônido tem sorte. Jussara, também bacaba E o gostoso cupuaçu A castanha do Pará E o azeite de babaçu. Tudo aqui é iguaria É comida do dia-a-dia É como o mel de uruçu. No cordel O caboclo da Amazônia temos também as lendas e os mitos da região do Araguaia, por exemplo, a lenda do Nego D’água e a lenda da Iara. Contém também lendas tipicamente amazônicas, São elas: a lenda do Uirapuru, a lenda do Curupira, a do boto, a lenda da cobra – grande, dentre outras. Vejamos o fragmento abaixo: E as lendas ele acredita Pois de crendices é cheio Iara, nossa mãe d’água Divide-lhe meio-a-meio. Nego d’água, Capelobo E o caboclo não ébobo Ele sabe de onde veio. As lendas do uirapuru Curupira, do açaí Legendários amazonas Lenda do mapinguarí. 47 Tudo num itinerário Do caboclo, imaginário Igual o vôo dum colibri. Boto transformado em homem Nas belas noites de luar Nos nossos rios e igarapés São fatos de se admirar. Torna-se um belo rapazote Na cabocla dá um bote Sua lábia é de lascar. A buiuna é cobra-grande É da Amazônia, outra lenda Que arrepia nosso caboclo Sem causar nenhuma emenda. A lenda do guaraná No seu imaginário está Como uma grande oferenda. Alguns peixes comuns nos rios do Pará também estão presentes no cordel O caboclo da Amazônia, pois observamos que o autor descreve várias espécies, deixando explicito o seu conhecimento a respeito dos peixes e dos costumes do ribeirinho amazônico, conhecimento este adquirido com muitas pesquisas e estudos a esse respeito. O pirarara e a piranha Cozidos com precisão Filhote, Curimatá É bem servido em porção. Corvina, pirarucu Jaraqui, nosso pacu É só proteína, irmão. O tucunaré na telha É pratada verdadeira Surubim com a Dourada Deixa a gente de bobeira. Tambaqui, cará, mandi Cuiú – cuiú, voador, cari Bons também na frigideira. A ecologia também é assunto abordado no cordel de Fortes Sobrinho, no fragmento abaixo observa-se que a preservação da natureza é uma das preocupações do autor, pois o mesmo, inclusive, já produziu um cordel que trata especificamente desse assunto, Ecologia a bola da vez, aborda sobre temas ligados à ecologia e responsabilidade ambiental. A grande preocupação É sim com a fauna e flora: Os rios, árvores e bichos Que já está indo embora. Tudo culpa da ganância Bem como da igorância Daqueles que vem de fora. As grandes mineradoras Degradam o nosso ambiente Arrancam nossos minérios Deixam nossos rios doentes, Mercúrio por toda parte A pobreza como encarte Nosso solo é que sente. Não queremos mais barragens, 48 Diz o caboclo nortista Queremos nossa Amazônia O verde a perder de vista No nossos lábios sorrisos Guerreamos se for preciso Ela é nossa conquista. CONSIDERAÇÕES FINAIS 49 Neste trabalho concluímos que há de fato cultura em Conceição do Araguaia, mesmo que híbrida, pois desde sua fundação a mesma foi ocupada por povos de outros estados e até mesmo de outros países, essa migração se deu e se dá até os dias atuais influenciado fortemente a cultura local e contribuindo para a miscigenação cultural da supracitada cidade. Porém, mesmo com essas mudanças ocorridas ao longo de anos, é imprescindível a valorização desta cultura para que posteriormente a mesma possa ser considerada como patrimônio local. Essa característica híbrida foi um das particularidades que nos levou a optar por construir este trabalho, haja vista que o mesmo desempenhará o papel de disseminador dos hábitos e costumes do povo conceicionense. Além disso, o presente trabalho será de grande valia para divulgar esse pensamento tratando de pontos que são necessários à população da cidade, entre eles podemos citar a valorização da cultura de modo a configurá-la como própria e a disseminação do cordel e dos cordelistas de Conceição do Araguaia. Optamos tabém por trabalhar com a literatura de cordel de Conceição do Araguaia por a mesma ser uma ferramenta de contribuição para o enriquecimento intelectual e cultural da cidade, e para dar aos seus respectivos autores a importância devida, pois sabemos que muitos deles não têm o seu trabalho valorizado e reconhecido, afinal, produzir literatura de cordel não é tão fácil ou quanto aparenta. A falta de conhecimento sobre a literatura de cordel e seus autores em Conceição do Araguaia é um dos maiores entraves para a sua divulgação, uma vez que a mesma necessita de pessoas que conheçam essa literatura conceicionense e que repassem o que já sabem a outras pessoas, a partir do momento que essa valorização começar a ganhar força, o cordel será passado de geração para geração e não deixará de existir, tornando-se assim, um meio de comunicação em que os moradores poderiam utilizar para possíveis reivindicações, divulgações, expressões, manifestos, e como é o caso dos cordelistas Manelão, Cleomar de Carvalho e Fortes Sobrinho, um meio de difundir a cultura e os costumes da já referida cidade. A partir desse pressuposto, acreditamos que essa pesquisa contribuirá de forma a engrandecer o conhecimento a respeito da literatura de cordel local e também de modo geral, e por trata-se de uma pesquisa 50 desenvolvida de forma a incentivar os estudantes e pesquisadores da região a disseminarem sua cultura, a mesma servirá também de base para estudos futuros que abordem temáticas semelhantes. Portanto, ao trabalharmos com a cultura de Conceição do Araguaia presentes nos cordéis Manelão, Cleomar de Carvalho e Fortes Sobrinho, proporcionamos à cidade e aos seus cordelistas, reconhecimento e notoriedade que os destacam e os engrandecem culturalmente, pois sabemos que a literatura de cordel quando divulgada e reconhecida, pode colaborar e muito com o desenvolvimento cultural de um povo. Além disso a mesma pode tornar-se independente e ainda ser considerada forte o suficiente para produzir, difundir e divulgar a cultura nas demais regiões e não o contrário, como vem acontecendo. REFERENCIAS: 51 ABREU, Márcia: História de Cordéis e Folhetos. Campinas. Ed. Mercado das Letras,São Paulo. 1999. ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA DECORDEL. Disponível em: <http://www.ablc.com.br/historia/hist_cordel.htm>, acesso em: 07/06/2011. ALMEIDA. Manoel Martins. Revelando o Rosto de Deus na Terra das “Bandeiras Verdes”. 2011. _______________________. Terra das Bandeiras Verdes: A história da igreja no Araguaia. 2005. BARZOTTO, Leoné Astride- O ENTRE-LUGAR NA LITERATURA REGIONALISTA: ARTICULANDO NUANÇAS CULTURAIS, Disponível em: <http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/viewFile/561/516>, acesso em: 05/10/2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. CARVALHO. Cleomar da Silva. Quebra de Milho. 2009. CASCUDO. Luiz da Câmara. Vaqueiros e Cantadores. Ed. Universidade de São Paulo. 1939. CHAVALIER. Jean. Dicionário de símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 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