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Ipseidade em Martin Heidegger

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Faculdade Dehoniana
FILOSOFIA DA MENTE
Lucas Cassiano de Lima
Data de entrega: 23/10/2018
IPSEIDADE NA PESRPECTIVA HEDEGGERIANA
“Ser alguém, como artista, significa: poder dizer-se. Isso não seria tão difícil se a linguagem saísse do indivíduo, se se originasse nele e, desse ponto, aos poucos abrisse caminho até o ouvido e a compreensão dos outros.”[1: Rainer M. RILKE, Cartas do poeta sobre a vida: a sabedoria de Rilke, 2007, p. 183 ]
Em sua obra Ser e Tempo, Martin Heidegger percorre um caminho que visa responder o questionamento sobre o sentido do Ser, uma proposta de desvelamento do próprio Ser em sua constituição originária. Para tal desvelamento, o filósofo, propõe uma ontologia fundamental que analise o Dasein, ente que possui abertura para a luz do Ser, em sua estrutura existencial. No interior da analítica existencial descrita em Ser e Tempo, emerge a importância da existência autêntica e da existência inautêntica e delas surge a linguagem no horizonte das vivências que o Dasein tem no mundo. Paralelamente, a Filosofia da Mente, enquanto Neurociência, busca no estudo da linguagem uma compreensão do problema da mente que se desemboca no questionamento sobre a ipseidade. Questionar a ipseidade significar direcionar-se para aquilo que o homem, ou Dasein em termos hedeggerianos, é em si-mesmo. Diante desse pensamento surgem alguns questionamentos: Podemos falar de uma unidade entre autenticidade e ipseide? Qual o lugar da ipseidade na doutrina heideggeriana? A resposta que propomos é a de que Heidegger, mesmo que não reflita sobre o problema da ipseidade, propõe um modo diferente de se entender a ipseidade.
Diante disso, nesse trabalho, abordaremos a questão da existência autêntica, em Ser e Tempo, e sua importância para a compreensão do si-mesmo. Para tanto, perpassaremos a estrutura do ser-em-o-mundo e sua abertura própria numa busca pelos rastros deixados pela ipseidade.
Ser-em-o-mundo
Martin Heidegger inicia sua principal obra, Ser e tempo, demonstrando a necessidade de um retorno ao questionamento sobre o sentido de Ser, uma vez que tal questionamento foi, inicialmente, colocado de forma errônea e, por isso, deturpado pela tradição, uma vez que se buscou estudar o Ser de modo específico, entificando-o. Deste modo, “A questão do ser só receberá uma concretização verdadeira quando se fizer a destruição da tradição ontológica”. Desse projeto de destruição da história da ontologia surge a necessidade um método de investigação adequado que permita “apreender o ser dos entes e explicar o próprio ser”, uma vez que a Ontologia, a quem pertence tal tarefa, se torna questionável, por ser base de uma doutrina de esquecimento de Ser. Precisa-se de um método que conceda um desvelamento a o ser ocultado na história da Metafísica. Heidegger afirma, assim, a Fenomenologia como modo para se tratar a questão do sentido de ser e consequentemente a questão fundamental da filosofia geral. Por isso, afirma o Filosófo: “Ontologia só é possível como fenomenologia.”. E dessa afirmação, surge o projeto de uma ontologia fundamental, na qual se ancora o questionamento sobre o sentido do Ser através de uma analítica existencial da presença, do Dasein. [2: Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2009, p. 65.][3: Idem, p. 66.][4: Cf. Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2009, p. 66.][5: Ibidem.]
Frente a essa especulação, Heidegger compreende a existência de um único ente que perscruta e é tocado pelo questionamento sobre o sentido de Ser, ente capaz de tematizar de maneira teórica tal questionamento. A ontologia fundamental, diferentemente das antropologias filosóficas, busca a compreensão do homem em sua essência. Desse modo, Heidegger abandona o questionamento popular sobre “o que é o homem” para iniciar uma busca mais originária, questionando o homem sobre si mesmo, sobre seu modo de ser essencial, questionando “quem é o homem?”, “como é o homem?”, ou seja, deixa-se de lado as compreensões exteriores do homem para assumir uma busca pelo seu interior. 
Esse novo questionar o homem, rompe com o pensamento tradicional, principalmente com os conceitos de homem como animal racional e de homem como soma de corpo, alma e espírito. Tem-se, assim, um novo entendimento sobre o homem. Por isso tem-se também o uso do termo Dasein, como já explicitado. A ontologia fundamental é, em sentido mais simples, uma análise existencial do Dasein, uma fenomenologia hermenêutica:
Segundo Heidegger, o Dasein é marcado pela existência, ela é a sua essência. E porque existe, o Dasein, é um ser-aí, ou seja, está lançado no mundo, é um ser um mundo. É ele o ente privilegiado capaz de questionar seu próprio ser e de ter a abertura da manifestação de Ser. A ontologia fundamental se dará assim, na compreensão do Dasein a partir da temporalidade e de sua abertura existencial, que o constituem como ser-aí. O filósofo alemão, percebe no “aí” do ser-aí a abertura desse ente para o mundo, por isso propõe uma hermenêutica da facticidade que permitirá analisar o mundo em sua estrutura unitária em relação com o Dasein. [6: Cf. Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2012, p. 167- 169.]
Essa abertura revela o ser-aí como um ser-em-o-mundo. Desta proposta de um ser-em-o-mundo, como existente, desenvolve-se a constituição fundamental do Dasein em sua relação com o mundo e insurge-se o questionamento sobre a linguagem enquanto modo existencial do Dasein. 
Heidegger dirige-se, então, para a análise da estruturação que compõe a expressão ser-em-o-mundo: o mundo, a cotidianidade e o ser-em. Esses três componentes, formam um fenômeno unitário do ser-em-o-mundo, que deve ser visto como um todo. Ainda que se possa analisar tal fenômeno em sua multiplicidade estrutural, temos de ter no horizonte sua unidade.[7: Cf. Idem, p. 167.]
O mundo primariamente, para Heidegger, tem a característica de utilizabilidade, é o que denominamos de mundo-ambiente, o mundo que circunda o homem, onde acontecem as ações cotidianas, no qual as coisas se presentam ao Dasein como instrumentos manuseáveis e de existência objetiva. Ao denominar utilizabilidade, direcionamo-nos à capacidade do ente, enquanto instrumento, de ser-algo-para. E como instrumento é o ente que-vem-de-encontro. [8: Cf. Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2012, §15]
Esse ser-algo-para, se denomina referência, está na constituição ontológica do instrumento, é a sua serventia, ou seja, a sua capacidade de mostrar-se. No §17 de Ser e Tempo, o filósofo diferencia referência e sinal, já prefigurando a relação do Dasein com a linguagem. Refletindo de maneira fenomenológica, teríamos assim, que o sinal é o primeiro contato com o fenômeno, instrumento, é a sua capacidade de estar à mão; e desse contato temos a serventia de tal fenômeno ainda que muito superficial ainda. Assim, o Dasein, em sua estrutura existencial, possui o que se denomina como mundidade, mundanidade, a capacidade de manipular os entes, enquanto instrumentos, como esclarece Benedito Nunes: 
Nossa primeira relação com o que nos cerca não é cognoscitiva, mas de lida, de trato, de manipulação: uma relação instrumental de acesso aos entes pela qual nos servem para isso ou para aquilo, cada qual sendo a serventia que prestam, o uso que fornecem. É o para quê do utensílio, a sua disponibilidade como ente à mão (Zuhande) numa experiência ante-predicativa, envolvente, de preocupação. O ente à mão é mais obra, como trabalho que se insinua enquanto existe.[9: Benedito NUNES, Heidegger e Ser e tempo, 2002, p. 16.]
A partir dessa relação exposta é que podemos afirmar que não há mundo sem Dasein, assim como o Dasein é dependente do mundo. O mundo surge das diversas relações referenciais que o Dasein constitui, como ser-em-o-mundo que é. O mundo existe como conjuntura das coisas utilizáveis, seu ser está em sua serventia para o Dasein. E cabe ao Dasein, enquanto ser-no-mundo, cuidar das coisas que estão no mundo-ambiente. Heidegger compreende que o Dasein em sua busca de si, “o ente que eu sou cada vez eu mesmo”, defronta-se com a existênciade outros entes dos quais deve cuidar, outros ser-em-o-mundo. Por isso, faz parte da existência do Dasein o estar-com os outros, ele é um ente projetado para além de si.[10: Cf. Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2012, §18]
Partindo desses dois existenciais, mundidade e cotidianidade, é que podemos descrever o ser-em. Esse “em”, do ser-em, não apenas significa um estar dentro do mundo, de maneira física e espacial, mas refere-se ao habitar, estar familiarizado ao mundo. Os entes que estão no mundo apenas como uma relação de lugar não possuem este modo-de-ser do Dasein. Por isso, como ser-em o Dasein não apenas está no mundo, mas ele existe, é e está aberto como mundo. [11: Cf. Idem, p. 169.]
Diante disso, o filósofo alemão é direcionado ao estudo do termo “aí”, do ser-aí que é o Dasein, numa busca pela compreensão do modo-de-ser próprio do Dasein. Tal termo revela-nos a existenciária desse ente. Sendo, autêntica enquanto se lança na abertura e busca a compreensão do ser seu ser-si mesmo, “enquanto ente que eu sou cada vez eu mesmo”. E inautêntica enquanto vivência puramente cotidiana envolta nas ocupações das coisas que vem ao encontro no mundo, desenvolvendo-se em pura manualidade, instrumentalização das coisas.[12: Idem, p. 169.]
Embora Heidegger inicie pela análise da autenticidade passando à inautenticidade, neste trabalho inverteremos os conteúdos para que se possa compreender de modo didática a problemática da mente pela própria existência, uma vez que na existência humana primeiro e por muitas vezes temos a vivência cotidiana e a inautenticidade, para depois numa reflexão mais aprofundada se chegar à autenticidade numa analise de nossa própria existência e assim um caminho para a ipseidade. Antes de passar à analise dos dois modos de existência devemos compreender que no pensamento de Heidegger, autenticidade e inautenticidade constituem a existência do Dasein, por isso não se deve ter juízo sobre os dois modos.
Cotidianidade e Decadência do Dasein
Na segunda parte do quinto capítulo de Ser e Tempo, Heidegger, passa de uma análise dos existenciais do Dasein para uma análise da cotidianidade do Dasein, em busca de caracterizar a decadência do Dasein em seu estar-lançado, ou seja, uma análise da inautenticidade. Para tal análise, o filósofo lança mão de três modos de ser cotidianos do ser-aí, que se dão pela compreensão e interpretação: Falatório, curiosidade e ambiguidade. Esses três modos possibilitam a compreensão da linguagem numa dimensão ôntica.
O primeiro modo a ser analisado é o falatório. Heidegger define o falatório como: “difusão e repetição do discorrido”. É deste modo que ocorre no falatório do Dasein: muito se discorre sobre tudo, mas sem comunicar muito do que já se está evidenciado. Não há um calar ou uma escuta originária, mas sempre mais do mesmo. Há sempre um discurso velado por aparentes certezas. Todo esse discorrer impessoal fecha o Dasein à luz do Ser e assim, à compreensão de si-mesmo.[13: Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2012, p. 475.]
O segundo modo de ser cotidiano do Dasein é a curiosidade. Segundo Heidegger, a curiosidade é conduzida pela visão. A visão toma um lugar privilegiado entre os sentidos, uma vez que o Dasein sempre se utiliza dela nas relações com os outros entes. O filósofo alemão ressalta que, por estar em um mundo de ocupações, o Dasein está sempre em busca de ocupar-se pela circunvisão do que está à mão. Desse modo, Heidegger, afirma que a curiosidade está na dispersão, na busca sucessiva por novidades, o ver apenas por ver, e não busca a compreensão e interpretação do que se vê. Por isso, define a curiosidade como “uma específica incapacidade de permanecer no imediato”. Além disso, o autor, revela ainda o desamparo como outro momento estruturante da curiosidade. O desamparo surge da falta de raízes proporcionada pela dispersão e pela impermanência do Dasein. [14: Ibidem.][15: Cf. Ibidem.]
Perpassando os dois modos descritos, surge o terceiro modo de ser na cotidianidade: a ambiguidade. Pela ambiguidade é que o Dasein se encontra iludido pelas aparências do falatório e da curiosidade. A ambiguidade suscita a impressão de tudo ter compreendido no falatório e o desinteresse pelas novidades, na curiosidade. É a ambiguidade responsável por não permitir que o Dasein se confronte. Assim, a ambiguidade fecha o Dasein à compreensão e interpretação originárias de si e do mundo de tal modo que ele nem seja capaz de cogitar tal possibilidade.
Esses três modos cotidianos revelam a decadência do Dasein. O termo decadência neste contexto não se refere à significação de queda ou rebaixamento, mas se refere ao modo como o Dasein se encontra primariamente e imediato lançado no mundo, é o que entendemos muitas vezes como identidade. Tal termo revela a capacidade do Dasein de, enquanto ser-em-o-mundo que é, interagir e ocupar-se com as coisas que vem ao seu encontro no mundo, mas esse interagir fica apenas no que é raso, sem se aprofundar no entendimento. Assim, o homem olha para si e percebe-se apenas como pessoa e reconhece suas capacidades, mas sem buscar aprofundar-se em si-mesmo para um autoconhecimento interior. A decadência, assim, é um decair no mundo já estabelecido. 
Existência autêntica: Compreender e interpretar
Ao investigar a estrutura existencial do Dasein, enquanto ser-em-o-mundo, Heidegger apresenta a abertura própria do “aí”, dessa abertura suscita-se uma análise da existencia deste ente privilegiado lançado no mundo, que em suma seria uma busca por autenticidade. Essa abertura do Dasein é possibilitada por três modos co-originários, que possibilitam a referência ao mundo em sua conjuntura: encontrar-se (disposição), entender (compreensão) e interpretação. Partindo desses três modos, principalmente dos movimentos de compreender e interpretar, Heidegger suscita a linguagem como um modo existencial do Dasein, proporcionado pela sua abertura e que revela sua essência, seu si-mesmo.
Com o termo disposição, o filósofo da Floresta Negra, se refere diretamente ao humor, que constitui ontológica e existencialmente a abertura do Dasein para o mundo em seu estar-lançado. No § 29 de Ser e Tempo encontramos a afirmação de que o humor surge da própria facticidade do Dasein, portanto, como sentido ôntico da existência. É primeiramente através do humor que o Dasein abre-se ao mundo. Assim, temos que o Dasein pela disposição abre-se ao mundo, assim como o mundo que já aberto permite que os entes venham ao seu encontro. [16: Cf. Idem, 2012, p. 387.]
Do mesmo modo se demonstra o entender como um modo de abertura do ser-aí, uma vez que “O entender é sempre um entender em um estado-de-ânimo”. Desse modo, é o entender, e consequentemente a interpretação, que direcionará o humor nas referências entre Dasein, mundo e Ser. [17: Idem, p. 407.]
O entender-se, como abertura do ser-aí, deve aqui ser entendido de maneira originária e não como simples atividade da racionalidade, numa realidade ôntica, uma vez que entender-se e compreender, aqui, se direcionam à existência. É nesse entender-se existencialmente que o Dasein percebe-se como ser-possível, poder-ser, isto é, como um ser aberto em si mesmo como possibilidade. São as possibilidades do próprio poder-ser que possibilitam as aberturas do ser-aí. Acresce que o entender-se faz do Dasein um ente capaz de projetar-se para suas possibilidades. Quanto ao projetar-se, Heidegger alerta para a possibilidade de compreendê-lo enquanto uma elaboração metódica e racional de planos possíveis na qual o Dasein se direcionaria existencialmente. Tal compreensão nesse sentido retiraria as possibilidades de ser do Dasein. O ser-aí é ele mesmo as diversas possibilidades que tem abertas diante de si e que o possibilitam a compreensão de si mesmo e do Ser. [18: Cf. Idem, p. 409.]
A interpretação surge como uma “tradução” daquilo que se compreendeu no entender-se. Através dela o Dasein se torna capaz de expor e conceituar a conjuntura aberta pelo entender-se, frente às coisas que vem de encontrono mundo. Com efeito, a interpretação funda-se em: posição prévia, visão prévia e concepção prévia, que são, de certo modo, estruturas já pressupostas na interpretação. Segundo Heidegger, esta condição prévia é sentido. É o sentido que torna possível a algo ser entendido como algo. Assim, só entendo cadeira como cadeira, pois a ela foi dada previamente um sentido, ainda que o que foi entendido não seja o sentido, mas o ente cadeira. 
Além disso, Heidegger, expõe, no §33 de Ser e Tempo, como um modo derivado da interpretação, a enunciação, o que, de certo modo, introduz a questão da linguagem enquanto fala, visto que para demonstrar a enunciação, o filósofo, parte de três significados da palavra: o primeiro é o de enunciado como demonstração, em que remonta ao sentido de logos como apophansis, discurso; o segundo significado se refere à enunciação como predicação, que é a determinação de um sujeito a partir de seu predicado; e o terceiro significado é o de enunciação como comunicação, que se refere ao modo da proposição que se relaciona com os outros, com quem se busca comunicar. 
Consequentemente, a linguagem surge, no §34 de Ser e Tempo, como desenvolvimento da ontologia fundamental. Ao analisar este ente privilegiado capaz de acessar o Ser, tomamos consciência de sua abertura existenciária, enquanto seu “aí” que ele mesmo é cotidianamente. Dessa abertura do ser-aí, vemos surgir dois constituintes, encontrar-se e entender, que são originados pela linguagem. [19: Cf. Idem, p. 381.]
Como podemos perceber, Heidegger, ao desenvolver a linguagem como discurso faz reaparecer o conceito de logos com “significação puramente apofântica e significa: fazer ver algo em seu ser junto com algo, fazer ver algo como algo”. Porém, logos, nesse sentido hermenêutico, aparece agora enraizado na analítica existencial do Dasein.[20: Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2012, p. lateral 33.]
Desse modo, o discurso se apresenta como uma estrutura existencial do ser-aí, em sua abertura. No discurso o entender-se se articula e desse modo, se torna fundamento da interpretação e do enunciado. É no discurso que seremos capazes de pronunciar o que sentimos como humor. Além disso, o filósofo da floresta negra, afirma que “discorrer é discorrer sobre”, ou seja, o discurso direciona sempre a algo, mesmo que esse algo não seja tematizado em uma enunciação. Nessa relação, as palavras se tornam manuais e tem um papel secundário na estrutura da linguagem, uma vez que nascidas das significações necessitam de sentido para serem expressas, enquanto que o discurso está primariamente expresso na abertura trazendo significação à palavra. 
Partindo desta estrutura da linguagem, Heidegger, define dois modos constitutivos da linguagem enquanto discurso: ouvir e calar. Que podemos interpretar como uma anteposição do falatório, da curiosidade e da ambiguidade.
O ouvir é presentado como uma abertura do Dasein em seu ser-com os outros. Para o filósofo, o ouvir constitui a entendibilidade e assim só quem já entendeu, será capaz de ouvir. Ao ouvir, o Dasein é capaz de abrir-se ao seu pode-ser mais próprio. Mas esse ouvir deve ser compreendido como constituição do logos, numa atitude apofântica de desvelamento, como encontramos no uso da fenomenologia: “voltar às coisas mesmas!”. Portanto, ouvir deve ser uma atitude originária, fugindo das interpretações artificiais geralmente ligadas à escuta. [21: Cf. Martin HEIDEGGER, Ser e tempo, 2012, p. 461.]
Devemos relembrar que, segundo Heidegger, o Dasein sempre se relaciona com o mundo na conjuntura das coisas utilizáveis, por isso o ouvir como atitude originária nunca é ouvido de maneira repartida em vários sons, mas o ouvir já inclui em si o objeto entendido em sua totalidade referencial. Por isso também, Heidegger, não determina o discurso e o ouvir como meras funções da corporeidade e do pensamento, mas discorrer e ouvir estão ligados à enunciação enquanto comunicação, ou seja, até mesmo quem não é capaz de ouvir ou de discorrer pode entender e assim ouvir ou discorrer, uma vez que pela comunicação torna-se possível desvelar o ente que vem de encontro no mundo e determina-lo a partir do entendimento.
O segundo modo constitutivo do discurso é o calar. Segundo o filósofo da floresta negra, falar muito não é sinal de compreensão, mas possibilidade para o velamento daquilo que se quer mostrar. Por outro lado, o calar-se demais, de modo que se ausente a fala, também não é um modo genuíno do calar. Assim, o calar-se verdadeiro se encontra exatamente no discurso autêntico, que é aquele em que se tem algo a dizer, quando se dispõe de sua abertura. O calar-se como discurso pode parecer-nos contraditório, porém devemos entende-lo como um modo mais originário de compreensão, onde o discurso surge apenas após um silêncio refletido do Dasein, assim discorre-se apenas sobre aquilo que se entendeu numa busca de desvelamento. Por isso afirma Heidegger: “O ser-do-calar-se, como modus do discorrer, articula a entendibilidade do Dasein de um modo tão originário que é precisamente dele que provém o autêntico poder-ouvir e o transparente ser-um-com-o-outro”. [22: Idem, p. 465.][23: Ibidem.]
Por fim, Heidegger define: “O Dasein tem linguagem”. Essa afirmação surge da escavação fenomenológica da analítica existencial do Dasein: O discurso constitui a abertura do “aí”, sendo assim, do encontrar-se e do entender, que constituem o ser-em-o-mundo que é o Dasein, este como ser-em se pronuncia no discurso, por isso “Dasein tem linguagem”. Essa afirmação quebra com o conceito tradicional de homem como “Animal Racional”, uma vez que, Heidegger, já não compreende logos equiparado com o significado de razão, ratio, mas o suscita como discurso, a sua verdade estaria assim numa proposição. Na linguagem o homem se descobre e consequentemente se desvela em seu ser, ela é um existencial do Dasein que o permite buscar sua autenticidade.[24: Ibidem.][25: Ibidem.]
Considerações finais
Dado o exposto, podemos concluir que Heidegger ao desenvolver sua analítica existencial possibilita, mesmo que não seja sua intenção, através da autenticidade, um caminho de entendimento da ipseidade. Sua compreensão ontológica do si-mesmo, “ente que eu mesmo sou” revela o fundamento de possibilidades do homem e sua capacidade de aprofundar-se em si, além de possibilitar um caminho de reconhecimento da própria existência que abre os horizontes de autoconhecimento e autenticidade. 
Ao romper com a ideia de um homem com essência já dada, Heidegger torna possível a interpretação da ipseidade como um caminhar profundo em si mesmo. Poderíamos aqui nos utilizar da figura da escavação, tantas vezes utilizada pela fenomenologia, para exemplificar tal processo de auto compreensão. O homem precisa buscar uma compreensão desde o seu solo mais raso, dado no humor e no trato simples com as coisas, até chegar à ultrapassar o solo profundo do seu ser, de onde brotará a água pura do ser e dali o homem se tiver os instrumentos certos poderá transmitir essa água que é ipseidade. A ipseidade seria esse lençol profundo de água pura e límpida. O que se deve ter em vista sempre é que como o contato humano é sempre no solo mais raso onde se pisa, poucos conseguem escavar até a última camada da “consciência” para alcançar a ipseidade. Por isso muitas vezes aqueles que encontram esta água ou se afogam por não ter instrumentos corretos, e assim permanecem isolados por não saber transmitir tal fundo existencial.
O ser nos dá o acesso a esse horizonte de conhecimento de si, mas como ainda somos por demais ônticos permanecemos na maior parte das vezes sem alcança-lo. Nos perdemos nas condições de falatórios, curiosidades e ambiguidades velando nosso conhecimento a nós mesmos. 
Ao olhar esse pensamento de Heidegger pode parecer-nos um caminho quase religioso e espiritual. E eu arriscaria dizer que sim, é um pensamento por demais místico, no sentido de uma profundidade de alcance do Ser. Principalmente nas questões por ele apresentados no percurso da linguagempoético, depois de Ser e Tempo. Faltam-me agora palavras de explicação de tal profundidade.
Concluo afirmando que a ipseidade em Martin Heidegger pode ser alcançada numa vivência livre de constante compreensão e interpretação de si, através do silêncio e fala ontológica. E que uma vez alcançado o ser-si-mesmo, dificilmente será possível se adequar ao mundo ôntico numa vivência simples “normal”. Aquele que se envereda por esse caminho estará sempre distanciado por ser estranho em tudo. 
REFERÊNCIAS
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Fausto Castilho. Campinas: UNICAMP; Petrópolis: Vozes, 2012.
NUNES, Benedito. Heidegger e Ser e tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. (Passo-a-passo)
BAER, Ulrich (org.). Cartas do poeta sobre a vida: a sabedoria de Rilke. Tradução de Milton C. Mota. São Paulo, Martins Fontes, 2007. (Coleção Prosa)

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