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Profa.Dra. Maria Vanice Lacerda de Melo Barbosa Um dos aspectos importantes a considerar quando se lê um texto é que, em princípio, quem o produz está interessado em convencer o leitor de alguma coisa. Todo texto tem, por trás de si, um propósito que procura persuadir o seu leitor (ou leitores), usando, para tanto, vários recursos de natureza lógica e linguística. Procedimentos argumentativos são todos os recursos acionados pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a crer naquilo que o texto diz e a fazer aquilo que ele propõe. (...) O sermão há de ser de uma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria. Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová- la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria e continuar e acabar nela. A partir do texto de Vieira, podemos inferir alguns dos recursos argumentativos que um texto deve conter para ser convincente ou persuasivo. Um texto deve ter unidade, isto é, deve tratar de “um só objeto”, “uma só matéria”. Essa qualidade é um dos mais importantes recursos argumentativos, pois um texto dispersivo, cheio de informações desencontradas não é entendido por ninguém: fica-se sem saber qual é o seu objeto central. O texto que fala de tudo acaba não falando de nada. MAS é preciso não confundir unidade com repetição ou redundância. O texto deve ter variedade, desde que essa variedade explore a mesma matéria, isto é, comece, continue e acabe dentro do mesmo tema central. Como sacerdote, sugere as citações das Sagradas Escrituras, já que, segundo sua crença, são elas a fonte legítima da verdade. Comprovação das teses defendidas com citações de outros textos autorizados. É o argumento de autoridade Um texto ganha mais peso quando, direta ou indiretamente, apoia-se em outros textos que tratam do mesmo tema. O pregador, ao elaborar o seu sermão, deve usar o raciocínio ou a razão para estabelecer correlações lógicas entre as partes do texto, apontando as causas e os efeitos das afirmações que produz. Esses recursos de natureza lógica dão consistência ao texto, na medida em que amarram com coerência cada uma das suas partes Um texto desorganizado, sem articulação lógica entre os seus segmentos, não é convincente, não é persuasivo. O pregador deve cuidar de confirmar com exemplos adequados as afirmações que faz. Uma ideia geral e abstrata ganha mais confiabilidade quando vem acompanhada de exemplos concretos adequados. Os dados da realidade observável dão peso a afirmações concretas. Sobretudo quando se trata de um tema polêmico, há sempre versões divergentes sobre ele. Um texto, para ser convincente, não pode fazer de conta que não existam opiniões opostas àquelas que se defendem no seu interior. Ao contrário, deve expor com clareza as objeções conhecidas e refutá-las com argumentos sólidos. A refutação dos argumentos contrários A argumentação está presente em qualquer texto. Por argumentação deve- se entender qualquer tipo de procedimento usado pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a dar sua adesão às teses defendidas pelo texto. Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal! Destacam-se basicamente três tipos de recurso argumentativo: 1. A unidade; 2. A coerência lógica entre cada uma das partes do texto; 3. A citação de um texto autorizado: a palavra de Cristo. O tema central é um só: as possíveis causas da ineficiência dos pregadores. O texto inicia-se pela citação das palavras de Cristo, que jogam com duas metáforas: O sal (os pregadores) A terra (os ouvintes) Os pregadores são designados como SAL porque se espera que eles tenham a ação do sal, isto é, evitar que os alimentos entrem em corrupção. A TERRA representa os ouvintes da pregação, aqueles a quem se dirige o sermão, o lugar onde se joga a semente (a palavra de Deus). A terra (os ouvintes da palavra) está corrupta, apesar de contar com vários pregadores. Qual será a causa dessa contradição? A partir daí, as causas possíveis são enumeradas e todas elas são o desdobramento de duas possibilidades: A corrupção da terra se explica pela ineficiência do sal (os pregadores) ou pela recusa da terra (os ouvintes) Essa oposição básica dá unidade a todas as hipóteses : • ou os pregadores não pregam a verdade; • ou os pregadores agem contra aquilo que pregam; • ou os pregadores pregam a si e não a cristo. Hipóteses que se referem ao tema da ineficiência dos pregadores representados pela figura “o sal não salga” • ou os ouvintes se recusam a aceitá-la; • ou os ouvintes preferem agir como os pregadores ao invés de agir conforme o que eles pensam; • ou os ouvintes preferem seguir seus próprios apetites. Hipóteses que se referem ao tema da recusa dos ouvintes, representados pela figura “a terra não se deixa salgar” Todas essas causas são responsáveis pelo insucesso dos pregadores.
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