Prévia do material em texto
PEDAGOGIA CURRÍCULO C M Y CM MY CY CMY K Universidade Estadual de Santa Cruz Reitor Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos Vice-reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro Pró-reitora de Graduação Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa Diretora do Departamento de Ciências da Educação Profª. Raimunda Alves Moreira Assis Ministério da Educação Ficha Catalográfica C976 Currículo : educação, currículo e avaliação : Pedagogia módulo 4, volume 2 – EAD / Elaboração de conteú- do : Roberto Sidnei Macedo. – [Ilhéus, BA] : EDITUS, [2011]. 114 p. ISBN 798-85-7455-258-3 1. Currículos. 2. Ensino – Currículos. 3. Educação. I. Macedo, Roberto Sidnei. II. Pedagogia : módulo 4, volume 2 -EAD. CDD 375 Coordenação UAB – UESC Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD) Drª. Maria Elizabete Sauza Couto Elaboração de Conteúdo Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Instrucional Design Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera Profª. Msc. Cibele Cristina Barbosa Costa Profª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes Revisão Profª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira Coordenação de Design Profª. Msc. Julianna Nascimento Torezani Diagramação Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro Capa Sheylla Tomás Silva Pedagogia EAD . UAB|UESC PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS SAIBA MAIS Aqui você terá acesso a informações que complementam seus estudos a respeito do tema abordado. São apresentados trechos de textos ou indicações que contribuem para o aprofundamento de seus estudos. LEITURA RECOMENDADA Indicação de leituras vinculadas ao conte- údo abordado. PARA CONHECER Aqui você será apresentado a autores e fontes de pesquisa a fim de melhor conhe- cê-los. VOCÊ SABIA? Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada. UNIDADE I CURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO 1 O CURRÍCULO NO CENáRIO EDUCACIONAL CONTEMPORâNEO ............................................................. 17 2 DISTINçãO E RESPONSABILIDADE SOCIOEDUCACIONAL .. 19 3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAçõES POLÍTICO-PEDAgógICAS ................................................... 21 ATIVIDADES ....................................................................... 27 RESUMINDO ....................................................................... 28 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................. 28 FILME RECOMENDADO ........................................................ 28 VÍDEO RECOMENDADO ....................................................... 29 SITE RECOMENDADO .......................................................... 29 REFERÊNCIAS ..................................................................... 29 UNIDADE II HISTóRIA DO CURRÍCULO 1 OS PRIMóRDIOS ................................................................ 33 2 O CURRÍCULO MODERNO .................................................... 34 3 A CRÍTICA ENTRA NA HISTóRIA DO CURRÍCULO ............... 36 4 RUMO A UMA CRÍTICA AOS ExCESSOS ExPLICATIVOS DO CURRÍCULO .................................................................. 38 5 O CURRÍCULO NO BRASIL ................................................. 39 ATIVIDADES ....................................................................... 41 RESUMINDO ....................................................................... 42 LEITURAS COMPLEMENTARES ............................................ 43 FILME RECOMENDADO ........................................................ 43 SITES RECOMENDADO ........................................................ 43 REFERÊNCIAS ..................................................................... 44 Sumário UNIDADE III O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS I 1 O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS ....................... 47 2 A DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMáTICA ............................. 48 3 A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR .................................. 49 4 A PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR ................................. 50 5 AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO .............................. 53 ATIVIDADES ...................................................................... 55 RESUMINDO ....................................................................... 56 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................. 56 FILME RECOMENDADO ........................................................ 57 SITE RECOMENDADO .......................................................... 57 REFERÊNCIAS ..................................................................... 57 UNIDADE IV O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS II 1 A CRÍTICA DA CRÍTICA ...................................................... 59 2 TENSõES ENTRE CRÍTICOS E PóS-CRÍTICOS ...................... 65 3 A PERSPECTIVA RIzOMáTICA ............................................ 67 4 O FOCO NA vida ............................................................... 68 5 A CONCEPçãO MULTIRREFERENCIAL E INTERCRÍTICA ....... 70 ATIVIDADES ....................................................................... 75 RESUMINDO ....................................................................... 76 LEITURA RECOMENDADA .................................................... 76 FILME RECOMENDADO ........................................................ 77 SITES RRECOMENDADO ...................................................... 77 REFERÊNCIAS .................................................................... 78 UNIDADE V PROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORâNEAS I 1 A NOçãO DE COMPETÊNCIA E A ORgANIzAçãO CURRICULAR ...................................................................... 83 2 O CURRÍCULO POR PROBLEMA ........................................... 87 3 O CURRÍCULO POR PROjETOS ............................................ 89 4 O CURRÍCULO POR TEMAS gERADORES E POR PROBLEMATIzAçãO ........................................................... 90 ATIVIDADES ....................................................................... 93 RESUMIMDO ....................................................................... 93 FILME RECOMENDADO ........................................................ 94 REFERÊNCIAS ..................................................................... 95 UNIDADE VI PROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORâNEAS II 1 O CURRÍCULO POR MóDULOS DE APRENDIzADO ............... 97 2 CURRÍCULO EM REDE, HIPERTExTUAL E EDUCAçãO on-line ............................................................................. 100 3 O CURRÍCULO POR CICLOS DE FORMAçãO ......................... 103 4 A AULA COMO ATOS DE SUjEITOS DO CURRÍCULO E ACONTECIMENTO MULTIRREFERENCIAL ............................ 106 4.1 Cenário plural ....................................................... 106 4.2 Sala de aula e diversidade .................................... 107 5 CENáRIO PROPOSITIVO ..................................................... 109 6 O qUE é UM CURRÍCULO EDUCATIVO ................................ 109 ATIVIDADES ....................................................................... 111 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................. 111FILME RECOMENDADO ........................................................ 111 SITE RECOMENDADO .......................................................... 112 REFERÊNCIAS .................................................................... 113 O AUTOR Prof. Dr. Roberto Sidnei Doutor em Ciências da Educação pelo Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Paris Saint- Denis, com pós-doutorado em currículo e formação pela Universidade de Fribourg, Suíça. Atua como professor- pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, FACED-UFBA. Coordenador do FOR- MACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação, suas pesquisas direcionam-se para as práticas curricula- res e formação de professores, incluindo professores em serviço. Tem obras e artigos publicados com estudos ligados aos campos do currículo, da formação, da etnopesquisa críti- ca, da etnopesquia-formação e da educação infantil. Faz parte do Conselho Científico da ANPED, é consultor Ad Hoc da CAPES-MEC. Tem inserções internacionais, enquanto pesquisador as- sociado à Universidade de Québec, Universidade Paris 8 e Universidade da Ilha da Madeira-Portugal. Contato: rsmacedo@terra.com.br DISCIPLINA CURRÍCULO A historicidade do currículo: epistemologia e história. O conceito do currículo nas diferentes teorias. Currículo como uma construção histórica na relação com as po- líticas sociais. A relação escola/sociedade e o currículo. Currículo, escola, cultura, tecnologia e ideologia. Retros- pectiva histórica da teoria do currículo no Brasil. Carga horária: 60 horas EMENTA Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Este conjunto de textos tem como objetivo principal oferecer a você, caro aluno, um rol de conhecimentos que visam elucidar algo que ainda inquieta os educadores: a compreensão do que seja o currículo como um complexo e poderoso artefato educa- cional, organizador das formações. O currículo é uma “tradição inventada” (GOODSON, 1998), que hoje cultiva uma polissemia formidável, pouco conhecida nos âmbitos da sociedade civil or- ganizada e interessada nas coisas da educação. Cultivando o compromisso com o campo propriamente dito do tema currículo, de uma perspectiva histórico-crítica, as argu- mentações que se constroem ao longo do texto preservam a ideia principal de oferecer ao aprendente um debate e a possibi- lidade de conceituar de forma elucidativa o currículo, nos âmbi- tos da sua importante função socioeducacional. Por serem textos de compromisso elucidativo, se exerce aqui, de forma vigorosa, o pensamento de tradição crítica, cultivando a defesa de um currículo dialógico e intercrítico. É assim que se posiciona em favor de um currículo educativo, algo sempre valo- rado e problematizado, como, aliás, tudo em educação. A intenção fundante dos textos é proporcionar a quantos se in- teressem em compreender as questões curriculares atuais, uma narrativa e um debate aprofundados, e que entrem no mérito do que seja esse complexo, poderoso e importante organizador de conhecimentos formativos da educação contemporânea e seus grandes desafios. Visa-se a partir dos textos apresentados, que o aluno(a) possa compreender, refletir e se apropriar de concepções curriculares, dos seus processos históricos, assim como dos principais apor- tes teóricos desenvolvidos no campo curricular. Esses elementos fundamentais dos estudos do currículo possibilitarão a compre- ensão dos principais modelos propositivos de currículo, suas ba- ses epistemológicas e pedagógicas, assim como suas potenciali- dades em termos de utilização concreta nos meios educacionais. OBJETIVOS As políticas e práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência, bem como a necessidade de um ar- gumento competente sobre as ações que acontecem no campo curricular, não legitimam mais reduções, pulverizações e concep- ções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspectivas e ações curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas, que hoje definem de forma potente a qualidade e a natureza das opções formativas e educacionais. Não temos dúvida, que hoje, pelas vias da sua capa- cidade de organização da educação, os atos de currículo (MACEDO, 2007) podem contribuir, em muito, para definir destinos individu- ais e horizontes socioeducacionais. Enquanto construção social, o currículo se configura na educação contemporânea, como um dos mais poderosos dispositivos educa- cionais. Nestes termos, o estudo do currículo passa a ser uma par- te da teoria formativa que ultrapassa o mero domínio de um tema/ instrumento educacional. É, em realidade, uma maneira de, pela formação sociopedagógica, compreendermos como a educação do presente e suas políticas concebem, organizam, implementam, institucionalizam e avaliam os conhecimentos, configurados por conteúdos técnicos, éticos, políticos, étnico-culturais e estéticos eleitos como formativos. Assim, as questões curriculares devem ser debatidas pela socieda- de civil organizada, na medida em que um “currículo educativo”, ideia defendida neste texto, deve estar direcionado para o bem comum social, pleiteando e aprendendo criticamente com a dife- rença, envolvendo comunidades interessadas. Antes mesmos de pensarmos em aplicar modelos curriculares como remédios universais para as diversas formações, ou verdades ex- cessivas, pensemos nas pessoas e nas necessidades educativas dos seus grupos de fato, nos contextos culturais, nas demandas e problemáticas do mundo do trabalho e da produção, possibilitando APRESENTAÇÃO que as práticas curriculares sejam, em realidade, construídas por processos intercríticos, e os atos de currículo transformados, em atos de justiça curricular. As verdades excessivas, os silenciamentos, as exclusões, as ir- responsabilidades com os conhecimentos e aprendizados social- mente relevantes, tão presentes na história moderna e contem- porânea do currículo, precisam dar lugar a uma concepção e ação curriculares socialmente implicadas na construção de uma cida- dania construída na participação autêntica de toda a sociedade. Foi neste sentido que os curriculogistas críticos, sensíveis diante da forte função socioeducacional do currículo, perguntaram: o que faz o currículo com as pessoas? Ao fazerem essa pergunta, começaram uma revolução que, esperamos hoje, ultrapasse os muros dos interesses meramente burocráticos e acadêmicos e se transforme num ato político e de trabalho árduo em favor da radical democratização da educação de qualidade entre nós. 1 O CURRÍCULO NO CENáRIO EDUCACIONAL CONTEM- PORâNEO Nunca se constatou na história da educação uma tamanha importância atribuída às políticas e propostas curriculares, diria mesmo, um tamanho empoderamento do currículo enquanto definidor dos processos formativos e educacionais e suas concepções. No Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em ação, Diretrizes Curriculares, leis específicas sobre conteúdos curriculares, fazem parte do cenário contemporâneo de decisões educacionais em nosso país. 17PedagogiaUESC 1 U ni d a d eUNIDADE I CURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO OBjETIVO Ao final desta unidade, o aluno deverá situar o campo do currículo na contemporaneidade, assim como as políticas e práticas e suas configurações. Promover a elucidação histórica do conceito de currículo, visando processos de compreensão e de práticas curriculares fundadas num profundo entendimento da suafunção educacional e formativa. Se levarmos em conta o contexto de importância que o currículo assume no mundo, em termos da concepção e da construção contemporânea das formações, o seu empoderamento político-pedagógico, assim como a complexidade que emerge dessas configurações, a explicitação reflexiva do campo curricular e da noção de currículo, no sentido de distinguir histórica e conceitualmente as perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade formativa social e pedagógica incontestável. Junto com esse compromisso, faz-se necessário trazer para esse cenário discursivo e elucidativo o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com isso aceitar os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas perspectivas que acolhem posições do tipo: “você deve dominar e aplicar essa concepção de currículo porque é científica”, ou mesmo, “não é preciso conceituar algo que é extremamente complexo”. Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência político-pedagógica, bem como a necessidade do argumento competente sobre o instituído e o instituinte desse campo, não mais legitimam reduções, pulverizações e concepções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspectivas e práticas curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas de ação, sob pena de deixarem que os burocratas da educação continuem tomando de assalto um âmbito das políticas e práticas educacionais que hoje define, em muito, a qualidade e a natureza das opções formativas, na medida em que trabalha, fundamentalmente, nas organizações educacionais, com o conjunto dos conhecimentos e atividades eleitas como formativas. Este é o campo do currículo, que desejamos refletir profunda e democraticamente. Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco se sensibilizam por aquilo que podemos denominar de um currículo educativo, formativo. Ou seja, um currículo em que as intenções formativas sejam explicitadas e se desenvolva, elucidando e compromissando-se com uma educação cidadã. “Pensam” sempre na arquitetura curricular, no seu desenho expresso nas antigas “grades”, hoje matrizes curriculares, fixadas num documento. É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos de fato e os movimentos sociais implicados nos cenários e ações educacionais tenham a oportunidade de compreender e debater bem o currículo, num processo de democratização radical da sua discussão conceitual e da elucidação das práticas e, a partir daí, se apropriem e construam percepções e ações de descolonização nos âmbitos das propostas Numa primeira apro- ximação ao conceito de currículo, podemos dizer que o currículo se caracteriza nas or- ganizações educacio- nais como o conjunto de conhecimentos es- colhidos como forma- tivos. A centralidade está, portanto, no conhecimento legiti- mado como formati- vo. Aqui começa sua importância e comple- xidade política e peda- gógica. 18 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito curriculares correntes. Esse não é um esforço de fixação de conceitos, de dizer sobre um conceito correto-incorreto, mas, acima de tudo, um esforço de explicitação politizada de uma concepção sócio-histórica importante; uma política de sentido em elucidação, fincada na relevância socioeducacional do compromisso com o trabalho de responsabilidade em dizer bem com implicação sobre as políticas e práticas curriculares. Não temos dúvida de que o currículo, uma significativa opacidade e dificuldade conceitual para muitos trabalhadores em educação e a sociedade em geral, ainda se constitui num dos dispositivos educacionais dos mais autoritários e excludentes, nestes termos seu conhecimento aprofundado é urgente como um ato democrático. Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os currículos já estão prontos para serem oferecidos como um banquete a ser consumido, alguns com sabores e adornos extremamente sofisticados. Entendemos com isso, que nunca como hoje o trabalho crítico, diria intercrítico, é tão fecundo para deslocarmos propostas supostamente democráticas para o campo da radicalização da construção de novos sujeitos históricos, como partícipes ativos e crítico-reflexivos da cena curricular-educacional. É essa configuração que empresta ao currículo uma formidável perspectiva sistêmica e complexa de um macro-conceito. Ou seja, um conceito de fecundas características analisadoras do entendimento da educação contemporânea, ou seja, dotado de uma significativa capacidade de abraçar as mais diversas dimensões e perspectivas do ato educacional; sem, entretanto, perder a sua especificidade em termos de conceito, campo e história específicos. 2 DISTINçãO E RESPONSABILIDADE SOCIOEDUCACIO- NAL A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente, são lógicas necessárias para que se possa trabalhar em prol da lucidez sempre necessária nos âmbitos do currículo, da formação e da atividade político-educacional. Dizer que “currículo é a vida da escola”, “tudo que acontece no convívio escolar”, “currículo é também o grau de limpeza dos corredores da escola”, ou mesmo reduzi-lo ao argumento da mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de seleção de mestrado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do Podemos dizer que o cur- rículo, como um disposi- tivo educacional, é, pre- dominantemente, uma das mais autoritárias invenções da história da pedagogia, em face da sua concepção e imple- mentação até hoje pou- co ou nada democrática. No caso da formação dos educadores, sa- ber conceituar currí- culo faz parte de uma das atividades impor- tantes para se inserir de forma competen- te nas significativas e tensas discussões sobre as políticas, práticas e opções cur- riculares-formativas discutidas na nossa sociedade contempo- rânea. 19PedagogiaUESC 1 U ni d a d e negócio promissor da educação”, é aceitar perspectivas equivocadas, niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de equívocos, vieses não- elucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é mercado ou é tudo e nada. O prejuízo ético, político e formativo desses equívocos são fáceis de ser anunciado. O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de inovações apenas comprometidas ou reduzidas a delírios pedagógicos, só favorecem as elaborações modelizadas de intelectuais delirantes e descomprometidos com as consequências sociais da educação, ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às compreensões tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar e prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”. Estamos ainda vivendo numa percepção sociopedagógica de currículo que dá preferência ao modelo e ao sistema pré-montado, em detrimento das pessoas, de suas demandas formativas, referências culturais e históricas; em detrimento dos contextos e seus interesses ligados ao complexo mundo do trabalho e da produção; e em detrimento, por consequência, do debate de sentidos que deve ser formulado no coletivo social. Nestes termos, a concepção de currículo expressa o desejo tecnocrata de uniformidade, de unicidade, como nos diz o educador português João Formosinho (1991, p. 1) “Currículo Uniforme – pronto-a-vestir de tamanho único”. Ou mesmo, cai nas concepções delirantes de quem acha que as coisas da educação não têm especificidade e que toda fonte de elucidação e debate é válida paracompreender o ato educativo a partir, apenas, da sua própria lógica ou linguagem. No caso dos experts de gabinete, a diferença em educação, em geral, não faz diferença. Tudo é, a priori, passível de homogeneização. Em geral, o que não pode ser homogeneizado vira resíduo a ser descartado. Entretanto, da perspectiva da teoria dos sistemas e da crítica complexa, os resíduos são produtos de sistemas que, para construir suas coerências, eliminam elementos. Porém esses elementos não desaparecem. Eles se reagrupam na periferia e, num certo momento, podem retornar em avalanche e desestabilizar o sistema (LEFEBVRE apud HESS, 2005, p. 22). O que nos mobiliza, em larga medida, neste momento, é a necessidade de os educadores saberem distinguir o campo e o objeto de estudo do currículo como processos históricos, como processos de interesse formativo e, ao mesmo tempo, de empoderamento político. Numa recente discussão sobre o currículo de licenciatura vivido por nossa faculdade, um representante estudantil se expressou: “Não sei discutir currículo, não tenho os instrumentos conceituais para 20 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito tal, só sei que estou implicado e tenho que discutir”. Essa é uma narrativa emblemática que ilustra bem a inquietação e a possibilidade de empoderamento que o saber curricular envolve. Parece-nos importante dizer que uma visão dialógica e não- formal de currículo, em termos de seu desenho e conteúdo não nos remete necessariamente para fora da implicação com o campo, o debate e a reflexão enraizados aí. Ao longo de nossas elaborações sobre currículo, costumamos implicar a epistemologia, a sociologia, a antropologia, a política, a psicologia, o romance, a poesia, a fábula, o cinema, o teatro, o mito, a música, as artes plásticas e outras narrativas fora da prosa científico-educacional, como possibilidades de enriquecer/aguçar/ampliar/problematizar a compreensão sobre as pautas e as práticas curriculares e suas questões, sem com isso perder de vista de onde falamos, de que falamos e qual o nosso compromisso explicativo em termos do objeto de reflexão e análise. 3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAçõES POLÍTICO-PEDAgógICAS Autorizamo-nos a dizer que o currículo tem um campo historicamente construído, onde se desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreensões mediadoras. Há uma especificidade histórica que caracteriza este campo. Existem os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural curricula. Significa “carreira”, em forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forenses, carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades funcionais públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como linguagem universitária. A palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um curso de aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido também pela palavra course. Somente no século XX, a palavra curriculum migra da Europa para os Estados Unidos. Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir de 1920, já se tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que vão aparecer às primeiras formulações. A propósito, o lexema currículo, proveniente do étimo latino curre- re, significa caminho, jornada, trajetória, per- curso a seguir e encer- ra, por isso, duas idéias principais: uma de se- qüência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos (PACHECO, 1996, p. 16). 21PedagogiaUESC 1 U ni d a d e Cremos ocorrer isto pelas razões arroladas que di- zem respeito ao desenvolvimento da tecnologia, umas das características marcantes da modernidade inaugurada por Galileu, a qual passa por Descartes, madurece com Newton e se expande definitivamente com a era industrial. A partir da era industrial se faz a produção de sentido atual do currículo, fenômeno que se estabelece definitivamente no pós-Segunda Guerra Mundial (BERTICELLI, 1999, p. 163). Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo tardou a se configurar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin (1966), os teóricos da reprodução, na elaboração da crítica da cultura escolar, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta. Silva (1999, p. 21), a propósito, nos diz que a emergência do currículo como campo de estudo está estreitamente ligado a processos tais como a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de disciplinas e departamentos universitários, a institucionalização de setores especializados sobre currículo na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas especializadas. Este autor aponta que a própria emergência da palavra curriculum, como modernamente conhecemos, está ligada à organização das experiências educativas. Faz-se necessário ressaltar que é na literatura estadunidense que o termo surge para designar um campo especializado de estudos. Foram talvez as condições associadas com a institu- cionalização da educação de massas que permitiram que o campo de estudos do currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional espe- cializado. Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a ex- tensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos de segmentos cada vez maiores da popu- lação; as preocupações com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o processo de crescente indus- trialização e urbanização (SILVA, 1999, p. 22). Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno prático, socialmente construído, historicamente formado, que não se reduz a problemas de aplicação de saberes especializado desenvolvido por outras disciplinas, mas que possui um corpo disciplinar próprio”, no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que o 22 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito conhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio – aqui designado por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ - que se situa nos âmbitos teórico e prático do conhecimento educativo.” Inspirado nesse trabalho de compreensão é que nos sentimos instados a elaborar uma certa noção de currículo via um esforço de distinção relacional, implicado às nossas opções político-educacionais. Assim, compreendemos o currículo como uma “tradição inventada” (GOODSON, 1998), como um artefato socioeducacional que se configura nas ações de conceber/ selecionar/produzir, organizar, institucionalizar, implementar/dinamizar saberes, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando uma “dada” formação, configurada por processos e construções constituídos na relação com conhecimento eleito como educativo. Enquanto uma construção social, e articulado de perto com outros processos e procedimentos pedagógico-educacionais, o currículo, como qualquer artefato educacional, atualiza-se – os atos de currículo - de forma ideológica e, neste sentido, veicula “uma” formação ética, política, estética e cultural, nem sempre explícita (âmbito do currículo oculto), nem sempre coerente(âmbito dos dilemas, das contradições, das ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito das derivas, das transgressões), nem sempre sólida (âmbito dos vazamentos, das brechas) . É, nestes termos, que vive cotidianamente enquanto concepção e prática, a reprodução das ideologias, bem como permite, de alguma forma, a construção de resistências, bifurcações e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo e instituindo poderes. Neste movimento, cultiva “uma” ética e “uma” política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas, ao orientar-se por determinados valores. Essas realidades estarão sempre presentes nas políticas de sentido dos curricula, emanam das práticas que os constituem e das práticas constituídas por eles; afinal, o currículo é, para nós, o principal artefato de concepção e atualização das formações e seus interesses socioeducacionais. Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um documento (a grade) onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o desenho organizativo dos conhecimentos, métodos e atividade em disciplinas, matérias ou áreas, competências etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não perspectivam o fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só não permite elucidar. O fato é que professores e educadores em geral, nos seus cenários formativos, atualizam, Dessa forma, uns dos subsídios fundamen- tais para a construção do currículo é o co- nhecimento e os va- lores orientados para uma determinada for- mação. A sistematiza- ção dessa formação por esses componen- tes é o currículo. 23PedagogiaUESC 1 U ni d a d e constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, relacionalmente, tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma costura, uma forma de tecer a formação, cuja compreensão não é possibilitada por um documento apenas, a matriz curricular, por mais que os documentos educacionais, não só a proposta curricular, digam muito sobre o currículo, sua concepção e prática. É nestes termos que o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. Sabemos que o currículo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios, nos estudos dos alunos e dos professores, sua vida não se encerra nas mãos e na cabeça daqueles que concebem a matriz curricular, que também é um ato de currículo, mas não-absoluto. Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear que a perspectiva “dura” de currículo cultiva, que argumentamos o quanto este artefato concebido como trajetória e itinerário, se transforma numa forma de poda das possibilidades criativas das experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento simbólico” (ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste mesmo argumento, elaboramos a ideia de currículo como itinerância e errância, onde mostramos a necessidade de se vivenciar também nas experiências formativas as interações bifurcantes, os devaneios e as errâncias criativas (MACEDO, 2002). É assim que compreendemos o currículo, como um complexo cultural tecido por relações ideologicamente organizadas e orientadas. Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo, uma prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber o currículo como prática de significação sem realçar seu caráter generativo, inventivo. Como tal, no seio do currículo, constituindo-o, os significados, os sentidos trabalhados, a matéria significante, o subsídio cultural, são sempre e continuamente retrabalhados. “São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transformação” (SILVA, 1999, p. 13). Em termos políticos, faz-se necessário ressaltar, como nos alerta Silva (1999), que há uma tensão constante entre a necessidade de delimitar o significado e a rebeldia, também permanente, do processo de significação. É aqui que o conservadorismo está sempre às turras com o enfrentamento da tendência do significado ao deslizamento, à disseminação, ao vazamento, à transgressão e à traição. É fato que a prática introduz elementos e problemas significativos sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir em termos coletivos. Faz-se necessário perceber que o currículo 24 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito indica caminhos, travessias e chegadas, que são constantemente realimentados e reorientados pela ação dos atores/autores da cena curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai de encontro a qualquer processo de homogeneização curricular, que tende a criar certa névoa de generalização, sacrificando a visão das situações curriculares específicas e suas singularidades. As políticas e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clínica, ou seja, um olhar focado nos movimentos singulares dos cenários socioeducacionais. Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo como relações de poder. Mais precisamente: é necessário entender que as relações de poder configuram os processos de significação, e é aqui que o currículo tem um papel político de extremo compromisso com uma outra ética, com uma outra política que não seja a do alijamento, tampouco do corporativismo disciplinar. É assim que as lutas por significado não se resolvem no terreno epistemológico-formativo apenas, mas em muito no terreno político, ou seja, no terreno das relações de poder. Luta por significado é luta por recursos de poder. Um poder que, da nossa perspectiva, levando em conta a compreensão do que seja o campo do currículo, requer do educador a capacidade de nocionar bem, de explicitar bem, para saber lidar. Um compromisso sociopedagógico ineliminável da formação e dos formadores de educadores. Neste âmbito, Goodson traz uma discussão significativa, inspirado nas discussões de Michael Young sobre o currículo como fato e o currículo como prática. [...] ao focalizar a definição pré-ativa de currículo es- crito como algo constitutivo na criação de um currí- culo, não estou querendo especificamente promover um conceito exclusivo de ‘currículo como fato’. Todo conceito progressivo de currículo (e de criação de currículo) teria de trabalhar com o currículo realizado na prática como um componente central. Todavia, a crença absoluta nas propriedades de transformação do mundo que o currículo como prática possa ter, é, penso eu, insustentável [...] Uma visão assim é es- timulada pelo atual estágio de subdesenvolvimento do nosso modo de entender o currículo pré-ativo. Entender a criação de um currículo é algo que deve- ria proporcionar mapas ilustrativos das metas e es- truturas prévias que situam a prática contemporânea (GOODSON, 1998, p. 21). Na lucidez das reflexões de Goodson, encontra-se a preocupação que fez brotar parte das formulações deste texto, ou seja, a atual Convencemo-nos, as- sim, de que com- preender as estruturas curriculares instituídas é necessário e impor- tante, mas, é a ação socio-educacional – configuradas em atos de currículo – mesmo em cenários ampliados, que muito nos interes- sa, para não perdermos de vista a pertinência da interferência nest- es âmbitos; para não perdermos de vista a pertinência de colocar no centro das atenções curriculares a atividade que interfere, partindo- se de uma perspec- tiva criativa, e de que, comotoda construção social, o currículo vi- vencia a contradição como movimento de possibilidades (politiza- ção do currículo), por mais que a sua história seja configurada por ações marcadamente conservadoras. 25PedagogiaUESC 1 U ni d a d e e intensa confusão/dispersão que atinge a compreensão da noção de currículo e o prejuízo formativo que envolve esse fato, com uma inquietação marcante entre as pessoas que precisam atuar política e pedagogicamente com as questões curriculares de fato. São comuns, por parte de estudantes e/ou educadores em formação, colocações como: “afinal, me informem sobre a especificidade do currículo, e como deverei compreender o que seja isso!”; “currículo é política, é cultura, é poder, é complexo, mas, até agora, não sei dizer bem o que é realmente”. É aqui que entrar no mérito do que venha a ser currículo ultrapassa a pretensa propriedade privada dos especialistas, que preferem uma atitude definicional reduzida a uma pretensa compreensão puramente técnica de currículo. É aqui que habita a reivindicação de que todos os atores sociais têm o direito de compreender sua configuração conceitual enquanto fenômeno histórico-social e entrar no mérito das práticas. Há uma perplexidade demonstrada pelos professores, por exemplo, ao se convencerem de que não sabem nocionar o currículo, tampouco discutir suas implicações, mesmo reconhecendo-se atores constitutivos desse importante artefato educacional. Neste sentido, os movimentos sociais vêm jogando a última pá de cal na ideia de que o currículo é algo que, por ser muito complexo, não é, portanto, assunto das pessoas “comuns” e dos segmentos historicamente alijados dos bens da educação. Um exemplo importante dessa superação é a apropriação demonstrada na publicação “Negros e Currículo”, lançada no Congresso de Cientistas Negros em São Luis do Maranhão, no ano de 2004, onde intelectuais e cientistas advindos da luta do movimento negro no Brasil ousam e se autorizam a falar de currículo da perspectiva da formação histórico-cultural do povo negro, mas, ao mesmo tempo, trazendo o campo curricular para o centro dos argumentos. Um outro exemplo é a construção, em parceria ativa com a Faculdade de Educação da UFBA, da concepção e organização dos currículos de formação de professores indígenas da Bahia, na qual encontros de trabalho e debates na universidade e nas aldeias se transformaram em dispositivos mutualistas e intercríticos (MACEDO; CORTES, 2003) de construção de currículo, tendo como produto um currículo ligado à história desses povos, suas culturas, contextos e demandas, dentro de uma realidade social globalizada. Se, pelos argumentos aqui desenvolvidos, dizer é uma das maneiras de fazer, e o esforço de dizer bem é uma das maneiras de exercer poder numa realidade em muito mediada pela linguagem e seus jogos, pelo conhecimento e sua dinâmica ambivalente e contraditória, estamos convencidos da necessidade de que os atores 26 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito educativos e a sociedade organizada passem a falar bem sobre o currículo e dos currículos obviamente e, neste sentido, exerçam nos seus âmbitos o poder-com; cerne do currículo percebido e edificado como concepção e prática intercríticas. ATIVIDADES 1. Caracterize, a partir da leitura do texto e das discussões públicas sobre currículo, sua importância no contexto educacional atual. 2. Reconstrua, a partir de debates com grupos de colegas, a concepção de currículo assumida pelo texto. 3. Indique o que pode distinguir e caracterizar o currículo, em meio a outros temas educacionais. Ou seja, de que trata o currículo como tema e como prática educacional? 4. Por que, partindo da argumentação do texto, o currículo precisa ser bem conceituado não só pelas organizações e trabalhadores educacionais, mas, também, pela sociedade civil como um todo? 5. O que você entendeu quando se sintetiza no texto a ideia de que o currículo tem a ver com o conhecimento escolhido como formativo? ATIVIDADES 27PedagogiaUESC 1 U ni d a d e RESUMINDO O currículo hoje é um dos temas educacionais mais importantes para as políticas públicas em educação. Na medida em que fundamentalmente lida com o conhecimento escolhido como formativo, passa a ter um poder considerável, porquanto o conhecimento define como devemos ver o mundo, a sociedade e a nós mesmos. Nestes termos, é fundamental que saibamos compreender bem o que seja currículo e como o conhecimento e as atividades nele contidos estão dirigidos para a formação dos diversos segmentos sociais. Compreendido como a concepção, organização, implementação e avaliação de conhecimento eleitos como formativos, é preciso que seja percebido como uma invenção pedagógica onde todos possam compreender bem sua ação e sua qualidade, afinal, o currículo existe porque a educação de qualidade via o conhecimento formativamente organizado é socialmente necessário. SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. FILME RECOMENDADO: Holland: adorável professor! – com mais de duas horas de duração, o filme traz a trajetória de um homem que viveu como professor uma experiência formativa (in)tensa. Com Richard Dreyfuss, que vive o personagem Holland, um pai, professor, músico, maestro, compositor. O filme mostra a luta de um compositor que começava ministrar aulas de música para melhorar o orçamento e depara-se com o desinteresse dos alunos. Para conquistar a atenção dos alunos, ele altera profundamente sua relação com o conhecimento e os atos de currículo, despertando resistência de diretores e colegas, mas influenciando decisivamente a vida de muitos deles. Em meio aos apuros da vida familiar e às neuroses cotidianas em que todos vivemos, inclusive as inseguranças pessoais e lutas comuns aos seres humanos, o único filho do casal nasce com surdez, aumentando as dificuldades familiares. RESUMINDO LEITURA COMPLEMENTAR FILME RECOMENDADO 28 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito A história se passa na década de 1960 e avança até os anos 2000, mostrando a evolução do tempo, envelhecendo os personagens, acrescendo a maneira com que a cidade reconhece a atuação formativa de Holland. VÍDEO RECOMENDADO Entrevista com Edgar Morin – Programa Roda Viva, “TV E”, agosto de 2005, distribuição. O autor toca em vários pontos importantes para discutirmos a questão da formação e do currículo no mundo contemporâneo, a partir da teoria da complexidade que desenvolve. SITE RECOMENDADO http://search.scielo.org/?q=Curriculo&where=ORG (periódicos) http://cutter.unicamp.br/document/results.php?words=curr%EDculo REFERÊNCIAS BERTICELLI, I. “Currículo: Tendências e filosofia”. In: Costa, M. V. O Currículo nos limites do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1999, p. 159-176. FORQUIN, J-C. “As abordagens sociológicas do currículo: orientações teóricas e perspectivas de pesquisa”. Educação & Realidade. Porto Alegre, 21(1): 187-198, jan/jun, 1996, p. 54. FORMOSINHO, J. “Currículo uniforme – pronto-a-vestir em tamanho único”. In: Machado, F. Gonçalves, M. Currículo e desenvolvimento curricular. Rio Tinto: Edições Asa, p. 262-267. GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998. VÍDEO RECOMENDADO REFERÊNCIAS SITE RECOMENDADO 29PedagogiaUESC 1 U ni d a d e HESS, R. Produzir sua obra. O momento da tese. Brasília: Líber Livro, 2005. KEMMIS,S. El curriculum: más allá de la teoría de la reproducción. Madrid: Morata, 1988. LIMA, I.; ROMÃO, J. Negros e currículo. 2 ed., Florianópolis: Atilènde Editora, 2002. MACEDO, R. S. Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002. ________. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2008. MACEDO, R. S. CORTES, C. “Terra, vento, folhas, fogo. Por uma abordagem multirreferencial dos aspectos pedagógicos-curriculares para formação dos professores indígenas da Bahia.” In: Macedo, R. S. ; Silva, G. M.; Torres, M. Currículo e docência: tensões contemporâneas, interfaces pós-formais. Salvador: Editora UNEB, 2003. PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996. SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. ZAOUAL, H. globalização e diversidade cultural. Tradução de Michel Thiollent. São Paulo: Cortez, 2003. 30 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito Suas anotações ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 1 OS PRIMóRDIOS Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar como orientação curricular, historiadores do currículo argumentam que já no período clássico grego podemos perceber indicativos dessa perspectiva. Nesse período, havia uma preocupação evidente em construir a formação através da organização dos conteúdos por áreas distintas. Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em A República e As Leis, Platão concebia a construção do homem da Grécia Clássica nessa perspectiva. 33PedagogiaUESC 2 U ni d a d e UNIDADE II HISTóRIA DO CURRÍCULO OBjETIVO Explicitar como o currículo se apresenta como uma invenção histórica enquanto dispositivo pedagógico, pensado e construído ao longo do tempo e no seu tempo, trazendo com issocaracterísticas específicas, só compreendidas se historicizarmos o pensamento, as políticas e as práticas curriculares. Assim procedeu Platão em A República e nas Leis, ao idealizar o extenso e demorado plano de estudos em que deveria se basear a formação dos guardiães, fornecendo uma base comum a todos os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; sucedendo-se: a educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, cantos e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela aprendizagem das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução da aritmética e a geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, acrescido da poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, que, como educação do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria - sucede, para os se que revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na harmonia (PINHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO, 2004, p. 39). Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa inspiração vai sofrer uma dupla reorganização: com a denominação de trivium, organizam-se as áreas da gramática, da retórica e da filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-se as áreas da aritmética, da geometria, da astronomia e da música. Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média, juntamente com a imposição de um conhecimento mediado predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo. Convencidos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua totalidade pela compreensão humana, para os educadores clássicos a saída era dividir o conhecimento em áreas. 2 O CURRÍCULO MODERNO O currículo como nós conhecemos e experimentamos predominantemente, na sua versão moderna, portanto, consolidou- se na virada do século XIX para o século XX, em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática para sua transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”. Para o professor António Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações que ocorreram ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveram-se relativamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas necessidades educativas. Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo, como uma maneira de organizar e controlar os ideários da formação Vê-se que currículo se define como um plano de estudos, mas não deixa de conter a ins- piração que motivou a perspectiva disciplinar, ou seja, a organização da formação pela distin- ção das áreas de conhe- cimento. A disciplinarização e sua proliferação vão se constituir na opção da modernidade científica e pedagógica, no que concerne à organização dos currículos escolares e de outras formações institucionalizadas. 34 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | História do Currículo vai surgir a partir da escola calvinista entre escoceses e holandeses. É interessante este aspecto histórico do currículo, pelo fato de que, já nos seus primórdios, o currículo como conhecemos hoje, cultivava sua função de controle, dado importante para as elaborações dos teóricos críticos. No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século passado, os estudiosos do currículo ligados a uma concepção tecnicista de currículo, queriam ver o currículo ser concebido e praticado tal qual se organiza a empresa e a fábrica, orientadas pelas ideias da administração científica da época. Precisar os objetivos e obter, pelas ações minuciosamente conhecidas e fragmentadas, a eficiência e a eficácia transformou-se no método eleito e no caminho aceito científica e academicamente, para se obter a formação relevante para o contexto americano emergente. O currículo passou a ser gerenciado como uma mecânica, tamanha era a força das ideias deterministas de causa e efeito que operavam a concepção da formação e do próprio currículo como seu mais importante mediador. As experiências da psicologia experimental da época, pautadas no valor da eficiência das aprendizagens por procedimentos e processos condicionantes, forjam a intenção de um certo gerenciamento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e objetivos pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica. Essa hegemonia se consolida, apesar de as ideias fincadas nos ideários democráticos já fazerem parte do contexto das discussões estadunidenses sobre a organização das formações. É assim que a aliança do econômico com o técnico-científico predomina sobre os ideários de uma educação pautada em princípios da democracia liberal, concebida naquela época e naquele contexto. O currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem muito mais presentes no desenvolvimento do próprio campo e das práticas. Numa tentativa de dar mais visibilidade ao movimento histórico do currículo, Pacheco (1996, p. 22) argumenta que Ralph Tyler, o mais importante dos discípulos de Bobbitt, dando continuidade a uma conferência realizada em Chicago, em 1947, com o intuito de delimitar o campo curricular e de abordar teoricamente o ensino, publica, dois anos depois, conjuntamente com Virgel Herrick, Toward Improved Curriculum Theory. Quiçá, segundo Pacheco, não retirando a importância das obras de Bobbitt e Dewey, o grande marco da especialização curricular, ao salientar a necessidade de uma teoria sobre currículo. Importante configuração elucidativa nos traz Terigi (1996, Inspirados nesta per- spectiva da organiza- ção da formação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como moder- namente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um artefato compro- metido com os ideários científicos e administra- tivos do início do século XX. 35PedagogiaUESC 2 U ni d a d e p. 163). Segundo a distinção ternária dessa autora, podemos nos reportar à origem do currículo a partir de três enfoques, segundo três autores diferentes: - se curriculum é a ferramenta pedagógica de massificação da sociedade industrial, acharemos sua origem nos Estados Unidos, em meados do século, como a encontra Díaz Barriga, ou ainda um pouco antes, na década de 1920; - se é um plano estruturado de estudos, expressamente referido como curriculum, podemos achá-lo pela primeira vez em alguma universidade européia, como propõe Hamilton; - se é qualquer indicação do que se ensina, podemos chegar, como Narsh, a Platão e, talvez, até antes dele. 3 A CRÍTICA ENTRA NA HISTóRIA DO CURRÍCULO Quanto às teorias críticas do currículo, corporificadas na segunda metade do século passado, Tomaz Tadeu da Silva (1999), na sua relevante e formativa obra introdutória sobre o movimento teórico do campo do currículo, argumenta que essas teorias efetuam uma completa inversão nos “fundamentos das teorias tradicionais” desse campo de reflexão das problemáticas educacionais. Para Silva, os modelos como o de Ralph Tyler – que percebe o currículo como um artefato neutro, inocente e desinteressado - não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante. É neste contexto que a concepção formalista de currículo, que Tomaz Tadeu da Silva chama de Inspirados nesta perspectiva da organização da for- mação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como modernamente conhecemos hoje, dando-lhe a feiçãode um artefato comprometido com os ideários científicos e administrativos do início do século XX. “tradicional”, vai tomar o status quo como referência; privilegiando, acima de tudo, o fazer técnico no âmbito das práticas e reflexões curriculares. Outrossim, o que costumamos chamar de teoria crítica em currículo carrega um movimento que vai desde as reflexões que vinculam as concepções e os atos de currículo à dinâmica de produção É aí que o ângulo muda e se reconfigura, e a atenção da teoria crítica volta-se para compre- ender o que o currículo faz com as pessoas e as instituições e não ape- nas como se faz o cur- rículo. 36 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | História do Currículo da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica capitalista como uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o conceito de hegemonia e resistência dinamiza o entendimento de que são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta no campo contraditório das relações de poder no currículo. Nesta perspectiva, a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, desenvolvida através de uma visão de oposição clara à cultura de massa e à tecnificação alienante da sociedade moderna e à razão iluminista, vai desempenhar também um papel estruturante significativo na constituição da atitude crítica, principalmente através do pensamento de Adorno, Horkheimer e Benjamim. É justamente Henri Giroux, emérito teórico crítico do currículo, quem primeiro vai refletir essas influências, de forma mais densa, nos seus trabalhos em currículo, falando de uma “pedagogia das possibilidades”. Tomando de empréstimo a noção de “esfera pública” em Habermas, Giroux vai argumentar em favor de um currículo como “esfera pública democrática”. Fora do contexto marxista, que toma categorias objetivas de classe como forma de compreender a dinâmica reprodutivista da educação pelas relações de produção e culturais surgem os ditos “reconceptualistas”, nos Estados Unidos - William Pinar, principalmente, acompanhado de Joel Martins no Brasil - que, utilizando-se da fenomenologia e dos instrumentos de uma hermenêutica crítica, passam a denunciar o aspecto burocrático-administrativo do currículo como meio de controle pelas noções de eficiência e controle. Os “reconceptualistas” reivindicam, por via das influências de filósofos como Dilthey, Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, uma visão de currículo pautada no reconhecimento de que somos seres de subjetividade e que construímos o conhecimento de forma intersubjetiva, trazendo para a cena da compreensão do currículo a importância da linguagem e da intersubjetividade. Neste sentido, o ator/autor aprendente não deve ser olhado como um “idiota cultural” (H. Garfinkel), ou seja, um ser sem capacidade de sistematizar e compreender bem as realidades em que vive, encerrado nas burocracias que concebem e instituem o currículo. O intercâmbio entre “reconceptualistas” e neomarxistas, nos Estados Unidos, passa a ser dificultado pela não possibilidade de praticarem uma certa visão epistemológica multirreferencial de suas compreensões. Faz-se necessário dizer que todas as duas correntes, mesmo que nascidas de pressupostos diferentes, guardem uma intenção clara de desreificar a burocracia e as formas de relação estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades capitalistas, 37PedagogiaUESC 2 U ni d a d e bem como exercem uma clara atitude de inconformismo com as consequências desse tipo de organização para os segmentos sociais não hegemônicos. É entre os denominados “Novos Sociólogos da Educação” na Inglaterra que vai se tentar uma articulação entre as teorias de base sociointeracionista e de inspiração neomarxista. Madam Sarup, Peter Woods, Nell Keddie, Geoffrey Esland e Basil, Berstein são os principais nomes. O principal arquiteto dessa corrente, Michael Young, toma uma orientação mais estruturalista, centrando-se na preocupação em refletir as conexões entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. É central para a analítica de Young a pergunta: por que a algumas disciplinas se atribui mais prestígio do que a outras? No momento, um dos projetos de Young tem sido o de construir o que ele denomina de uma “teoria crítica do aprendizado”, expresso na sua obra “O Currículo do Futuro. ‘ Da nova sociologia da educação’ a uma teoria crítica do aprendizado (YOUNG, 2000). 4 RUMO A UMA CRÍTICA AOS ExCESSOS ExPLICATIVOS DO CURRÍCULO Em parte, este é o conjunto de sentidos que antecede e afeta o forte e plural movimento crítico-multicultural que impacta as reflexões e ações críticas em currículo hoje. Em termos contemporâneos, também nos encontramos discutindo as potencialidades educativas e políticas do que se está chamando abordagens pós-formais, pós-críticas e pós-estruturalistas em currículo, as quais, articuladas a uma perspectiva crítica ampliada, e ligadas às pautas teóricas e agendas propositivas multiculturais e desconstrucionistas que hoje circulam no mundo, essas visões vão possibilitar uma maior ampliação participativa no que concerne à reflexão do campo curricular; desestabilizam a linearidade de análise e propostas e tentam colocar uma última pá de cal nas perspectivas hierarquizantes e prometeicas que configuram historicamente as compreensões e práticas do currículo. Polêmicas, algumas dessas abordagens são muitas vezes acusadas de serem por demais textualistas, localistas e a-políticas, porquanto, em geral, desprezam as análises que valorizam os processos sociais de totalização que estruturam a sociedade e configuram o currículo e sua dinâmica. Entretanto há de se afirmar a pluralidade dessas posições, onde habitam também, por exemplo, Faz-se necessário pon- tuar que esses autores vão tratar o currículo, acima de tudo, como uma construção social, a partir da influência forte das ideias de Luck- mann e Berger, na obra “A Construção Social da Realidade” (1983). Vão forjar a denominação de “currículo oculto” preocupados que esta- vam em desnaturalizar e problematizar os me- canismos encobertos de poder que no currículo, acabam por influenciar visões de mundo, de so- ciedade, de homem e de educação pelos atos de currículo. 38 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | História do Currículo abordagens neomarxistas. 5 O CURRÍCULO NO BRASIL No caso da história do pensamento curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002, p. 13) explicitam que as primeiras preocupações com o currículo no Brasil datam dos anos 20. Apenas na década de 80, com o início da democ- ratização do Brasil e o enfraquecimento da Guerra fria, a hegemonia do referencial funcionalista norte- americano foi abalada. Nesse momento ganharam força no pensamento curricular brasileiro as ver- tentes marxistas. Enquanto dois grupos nacionais – pedagogia histórico-crítica e pedagogia do oprimido – disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na capacidade de intervenção política, a influência da produção da língua inglesa se diversificava, inclu- indo autores ligados à Nova Sociologia da Educação inglesa e à tradução de textos de Michael Apple e Henri Giroux. Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência, mas sim subsidi- ados pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros que passavam a buscar referências no pensamento crítico. Esse processo menos direcionado de integ- ração entre o pensamento curricular brasileiro e a produção internacional permitia o aparecimento de outras influências, tanto da literatura de língua francesa quanto de teóricos do marxismo europeu(LOPES; MACEDO, 2002, p. 13-14). Conforme Lopes e Macedo (2002, p. 16): No fim da primeira metade da década de 1980, a tentativa de compreensão da sociedade pós-indus- trial como produtora de bens simbólicos, mais do que bens materiais, começa a alterar as ênfases até então existentes. O pensamento curricular começa a incorporar enfoques pós-modernos e pós-estrut- urais, que convivem com as discussões modernas. A teorização curricular passa a incorporar o pensam- ento de Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses enfoques constituem uma forte influência na década de 1990, no entanto, não podem ser enten- didas como um direcionamento único do campo. As teorizações de cunho globalizante, seja das vertentes funcionalistas, seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo a multiplicidade característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não vem se configurando apenas como diferentes tendências Desde então, até a década de 1980, o cam- po do currículo foi mar- cado pela transferência instrumental de teoriza- ções americanas. Essa transferência centrava- se na assimilação de modelos para a elabo- ração curricular. Era viabilizada por acordos bilaterais entre gover- nos brasileiros e norte- americanos dentro do programa de ajuda à América Latina. Crítica, cotidiano e pro- cesso são categorias que vão compor os es- tudos do currículo entre nós, num caminhar de superações das pers- pectivas pautadas nas visões reprodutivistas, por muito tempo predo- minantes neste campo. A partir dos anos 1990, o pensamento curricular brasileiro vai optar por uma análise predomi- nantemente sociológica e antropológica, acres- cidas de um interesse marcante em desvelar a função do poder na realidade curricular. O currículo passa a ser considerado um texto político, ético, estético e cultural, vivido na ten- são das relações de in- teresse educativo prota- gonizado pelos diversos grupos sociais. 39PedagogiaUESC 2 U ni d a d e e orientações que se inter-relacionam produzindo hí- bridos culturais. Dessa forma, o hibridismo do campo parece ser a grande marca do campo no Brasil na segunda metade da década de 1990. Dentro do esforço de marcar historicamente o campo curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002) vão destacar os estudos do grupo liderado por Antônio Flávio Moreira, na medida em que esse pesquisador buscou repensar o conceito de transferência, estudando o desenvolvimento do campo na década de 1990, tanto no que concerne ao pensamento curricular quanto focalizando o ensino de currículo em universidades do Rio de Janeiro. Segundo as autoras, recentemente, o grupo liderado por Moreira tem buscado analisar como a temática do multiculturalismo tem penetrado na produção brasileira de currículo, trabalhando fundamentalmente com o conceito de hibridismo e introduzindo preocupações com a discussão sobre identidade. Mesmo reconhecendo que o hibridismo de diferentes tendências vem garantindo um maior vigor ao campo, Lopes e Macedo observam uma certa dificuldade na definição do que vem a ser currículo. Para além da preocupação epistemológica, para nós, essa questão se transforma numa séria preocupação político-pedagógica, como argumentamos anteriormente, até porque a dificuldade da definição vem amplamente por um descompromisso em distinguir bem, como consequência da aprendizagem aprofundada e relacional. Entre nós, no âmbito da Linha de pesquisa de Currículo e (In) formação do Programa de Pós-graduação em educação da FACED/ UFBA, um exemplo do movimento pós-formal, tomando a história da teoria crítica do currículo como inspiração fundante, é construído no Grupo de Pesquisa FORMACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo, Complexidade e Formação, onde coordenamos pesquisas, estudos e formações, com ênfase no estudo do currículo e da formação de professores. Aqui, constroem-se as perspectivas multirreferencial e intercrítica em currículo, com uma ênfase teórica e de pesquisa para o estudo dos atos de currículo, na medida em que entendemos serem os currículos em ato, plasmados nos seus contextos formativos; nas suas diversas perspectivas; nos seus movimentos ambivalentes e contraditórios, que acabam por orientar/forjar as formações imersas numa certa cultura educacional, em geral vinculada, de alguma forma, a processos de totalização social. O conceito de multirreferencialidade é também cultivado no âmbito dos trabalhos de pesquisa e formação acadêmica dos nossos colegas da REDEPECTE-FACED/UFBA, Grupo de Pesquisa liderado pela 40 Módulo 4 I Volume 2 EAD Currículo | História do Currículo professora Teresinha Fróes Burnham, advindo daí uma preocupação em articular currículo, tecnologia e trabalho a partir dos complexos espaços contemporâneos de aprendizagem. Compreendemos, a partir dessa perspectiva, que é a crítica multirreferencializada enquanto intercrítica, e sua pertinência compreensiva, heurística e política, desvinculada do excesso iluminista, enquanto exercício dialógico e descentrado de re-existência, quem potencializa a elucidação solidária e a edificação de realidades curriculares, onde a mutualidade eticamente orientada deve aparecer como um valor formativo principal na relação com o conhecimento e as formações a serem desenvolvidas (MACEDO, 2005). Por concluir, entendemos que esse argumento histórico elucidativo deságua num presente que nos autoriza a dizer que os estudos curriculares se constituem num campo de atividades educacionais, por sua densidade, complexidade e pelo poder que emana, como configurador sociopedagógico significativo da educação e das formações, demandando um processo de aprofundamento e debate equivalente a sua importância política e socioeducacional na contemporaneidade. ATIVIDADES 1. Por que o currículo não é um tema educacional novo? 2. Quais as características trabalhadas pelo texto do currículo moderno? 3. Discuta com seus colegas as características da disciplina como principal organizadora do currículo moderno. 4. Elenque e discuta com seus colegas as necessidades de superação da disciplina como única possibilidade de constituição dos currículos contemporâneos. 5. Caracterize o movimento crítico do currículo e suas principais características. ATIVIDADES 41PedagogiaUESC 2 U ni d a d e RESUMINDO Vimos que, desde a Grécia clássica, o tema currículo já estava presente visto como um plano de estudo. A partir da idade média percebe-se mais claramente a necessidade de se subdividir o conhecimento para que a formação fosse dirigida para alguns segmentos sociais, de acordo com a valorização que a sociedade construía a respeito desses segmentos. É também a partir dessa lógica que o currículo chega à modernidade, como uma apropriação que os americanos fazem da forma como protestantes europeus organizam o conhecimento nas escolas, com objetivo de oferecer uma educação calvinista aos jovens. Vimos que, já nesta descrição histórica, o currículo sofre influências das crenças e ideologias da sociedade onde se organiza a educação. Aqui, como na idade média, é a religião que define o currículo. Mas é no contexto americano do norte que o currículo pedagógico e cientificamente concebido vai tomar a forma predominante que hoje conhecemos. Herdando a lógica das disciplinas científicas forjadas pela ciência moderna e a reconfigurando de acordo com a organização escolar da época, o currículo será concebido, organizado e implementado predominantemente com a lógica de funcionamento da indústria americana. A aprendizagem mediada pelo currículo teria que ser expressa com eficiência