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10 Comprometimento no trabalho: fundamentos para a gestão de pessoas Antonio Virgílio Bittencourt Bastos Ana Carolina de Aguiar Rodrigues Daniela Campos Bahia Moscon Eliana Edington da Costa e Silva Ana Paula Moreno Pinho Introdução ....................................................................................................................................282 Comprometimento: a diversidade conceitual .............................................................................283 o que significa comprometimento? ...........................................................................................284 um modelo integrador: de sua proposta a sua superação ........................................................287 afinal, o que significa ser um trabalhador comprometido? .......................................................291 O que gera comprometimento no trabalho e quais seus impactos no trabalho e nas organizações ................................................................294 antecedentes do comprometimento ..........................................................................................296 Consequentes e correlatos do comprometimento ......................................................................297 A gestão do comprometimento no trabalho e nas organizações ...............................................298 as práticas de gestão de pessoas e o desenvolvimento do comprometimento dos trabalhadores ........................................................299 sistemas de gestão de pessoas e comprometimento ................................................................304 Considerações finais ....................................................................................................................306 Questões para discussão .............................................................................................................309 280 borges & mourão (orgs.) IntRODuçãO Entender a natureza de fenômenos e pro- cessos que caracterizam uma organização é tarefa que desafia estudiosos, pesquisado- res, assim como gestores e trabalhadores envolvidos nas atividades cotidianas que as tornam concretas. Independentemente de sua origem, há um consenso de que as orga- nizações são um empreendimento coletivo que requer ações coordenadas das pessoas e permanência de seus membros em deter- minados cursos de ação relevantes para sua missão social. A coordenação de múltiplas ações orientadas por essa missão de sujeitos sin- gulares em termos de suas características pessoais e com uma história específica de relação com o trabalho não é tarefa simples. Os gestores responsáveis por essa tarefa uti- lizam estratégias distintas que vão desde a coerção, por meio do estabelecimento de regras rígidas e normas restritivas, até as di- ferentes tentativas de obter o envolvimento e o engajamento das pessoas com valores, objetivos, regras e procedimentos cultural- mente definidores da forma como a organi- zação funciona em seu cotidiano. As evidências de que as estratégias coer citivas, além de eticamente questioná- veis, são ineficazes em médio e longo prazos conduziram ao reconhecimento de que os vínculos que o trabalhador desenvolve com sua organização e seu trabalho constituem elemento fundamental para compreender seu comportamento e, por extensão, os resultados que gera e impactam o desem- penho da equipe e da própria organização. Nesse contexto, consideramos o conceito de comprometimento especialmente útil em razão de uma ideia muito claramente ex- posta por Karl Weick – o comprometimento é o “cimento” que une as pessoas em torno de metas e objetivos organizacionais. Em outras palavras, qualquer processo organi- zacional implica relações de compromisso entre os atores envolvidos em torno de me- tas, missão e valores que os fundamentam. Essa importância parece acentuar-se em função das mudanças intensas ocorridas no mundo do trabalho (downsizings, fusões, aquisições, reduções dos níveis hierárquicos, etc.). Tais mudanças podem, por um lado, trazer novos desafios, ampliar as oportuni- dades de crescimento com novas responsabi- lidades e, por outro, significar sobrecarga que enfraquece o laço de confiança no emprega- dor (Meyer; Allen; Topolnytsky, 1998). Em contrapartida, o comprometimento é visto como um fator que potencializa as chances de as organizações enfrentarem, com êxito, as transições e as turbulências atuais. A despeito das evidências favoráveis de seu potencial para gerar comporta- mentos desejáveis no ambiente de traba- lho (assiduidade, pontualidade, dedicação, empenho extra, desempenho de qualidade, defesa da organização, entre outros), ainda verificamos controvérsias em relação ao próprio conceito de comprometimento, aos seus antecedentes e consequentes e, princi- palmente, às formas mais adequadas de ge- renciá-lo, visando aos melhores resultados tanto para os trabalhadores quanto para as organizações. Nosso principal objetivo neste capí- tulo é discutir a importância do vínculo de comprometimento no trabalho como base para a vida das pessoas, dos grupos e das organizações, oferecendo um panorama abrangente do que a pesquisa na área já acumulou de conhecimento sobre o tema. De forma mais específica, buscamos ofere- cer elementos que vinculem o conhecimen- to disponível sobre comprometimento ao conjunto de práticas de gestão, de modo a contribuir para seu aperfeiçoamento. Estru- turamos este capítulo em quatro segmen- tos. No primeiro segmento, apresentamos um panorama da diversidade de vínculos o trabalho e as organizações 281 que o trabalhador pode desenvolver em seu contexto de trabalho, buscando delimitar conceitualmente o que é um trabalhador comprometido e os compromissos que são centrais para compreender suas atitudes e seu comportamento no trabalho. No se- gundo, sintetizamos o conjunto de conhe- cimentos já disponível sobre os fatores que geram comprometimento e os impactos dele sobre o desempenho individual, gru- pal e organizacional. No terceiro segmento, abordamos a análise das práticas de gestão que podem incentivar o comprometimento e, por extensão, gerar uma cultura propícia ao crescimento e à sobrevivência da organi- zação. Finalmente, nas conclusões, realiza- mos reflexões sobre os desafios que cercam a pesquisa e a gestão do comprometimento no trabalho. COMPROMEtIMEntO: A DIVERSIDADE COnCEItuAl Desde muito cedo, todo ser humano esta- belece variados vínculos, desde os relacio- nados a pessoas, objetos, grupos, comuni- dades, instituições e trabalho, até os com ideologias, associações políticas e muitos outros que integram nossa vida. Sendo o trabalho uma esfera tão central na vida das pessoas, é compreensível que os vínculos estabelecidos nessa esfera sejam importan- tes tanto para a atividade desenvolvida e seus resultados como para a vida do traba- lhador. As grandes mudanças impostas pelas transformações do sistema capitalista no final do século passado e no início deste sé- culo, aliadas às modificações culturais que, claramente, alteraram o significado e a im- portância do trabalho na vida das pessoas, não são suficientes para sustentar a tese da perda de sua centralidade e de sua impor- tância para os indivíduos. Mesmo quando analisamos as novas formas de organização do trabalho (home office, teletrabalho, con- tratos temporários), as organizações conti- nuam sendo um foco importante do vín- culo que o trabalhador estabelece em seu mundo profissional. Isso, entretanto, não significa que não existam vários outros focos com os quais o indivíduo precisa lidar e conviver no con- texto de trabalho, que se influenciam mu- tuamente e também demandam vínculos, tais como a carreira, o sindicato, a equipe, as atividadesprofissionais, entre outros. As ligações estabelecidas com essas instân- cias causam impactos no grau de dedica- ção e nas percepções do sujeito acerca do estilo de cada uma delas, caracterizando os padrões de vínculos que os trabalha- dores possuem. É possível, por exemplo, observarmos indivíduos que apresentam grande identificação com a carreira, mas comprometimento baixo com a organiza- ção, ou alta centralidade do trabalho, mas envolvimento baixo com o grupo, ou forte apego ao sindicato e percepções baixas de suporte e reciprocidade organizacionais, entre muitas combinações possíveis. Esses perfis diferentes estão provavelmente asso- ciados a fatores como qualidades pessoais, características do trabalho, aspectos micro e macro-organizacionais, investimentos do empregado na organização e a retribuição dela a tais investimentos. A Figura 10.1 sin- tetiza essa diversidade de focos e tipos de vínculos que o indivíduo desenvolve em seu mundo do trabalho. Considerando essa diversidade de vínculos, interessa-nos o comprometimento. Adicionalmente, a nossa atenção neste capí- tulo volta-se para o vínculo com a organiza- ção empregadora, base para a nossa discus- são sobre as práticas de gestão que possam estimular o comprometimento a fim de, em decorrência, ampliar a contribuição do tra- 282 borges & mourão (orgs.) balhador para os objetivos organizacionais e, ao mesmo tempo, a satisfação e o senti- mento de realização em relação a essa im- portante esfera de sua vida. No entanto, a noção de comprometi- mento e o significado de “trabalhador com- prometido” não são simples e consensuais na literatura. É isso o que vamos explorar a seguir. O que significa comprometimento? O tema comprometimento organizacional, apesar de despertar o interesse dos estudio- sos desde o início da segunda metade do século XX, e não obstante os significativos avanços que vêm sendo obtidos nos últimos 15 anos, ainda é marcado por uma grande diversidade de conceitos, muitas vezes pou- co delimitados, o que gera sobreposição, confusão e fragmentação. Um bom mapea- mento dessa diversidade foi realizado pe- los pesquisadores Klein, Molloy e Cooper (2009), cujas ideias principais estão expres- sas na Figura 10.2. Parte importante das tentativas de de- finir comprometimento organizacional im- plica sobreposição com outros fatores que são, paralelamente, considerados antece- dentes do comprometimento. Esse é o caso, por exemplo, quando se toma comprome- timento como processo de identificação ou congruência com valores, ou ainda como processo de troca que existe entre o indiví- duo e a organização. Para Klein, Molloy e Cooper (2009), definir comprometimento por esses termos indica uma mistura com Figura 10.1 diferentes vínculos do trabalhador com vários focos do mundo do trabalho. fonte: os autores. Com base em dados de siqueira e gomide Jr. (2004). Com pro me tim ent o Ap eg o Centralidade Suporte Envolvimento Identificação Pe rc ep çã o de ju st iç a Rec ipro cida de Organização Trabalho Carreira/ocupação Objetivos Profissão Sindicato Grupo/equipe Clientes Líder o trabalho e as organizações 283 noções que devem predizer o comprometi- mento. Um problema destacado pelos au- tores é que sempre que tratamos de trocas, investimentos, identificação e congruência com metas e valores, estamos, na realida- de, lidando com elementos necessários ao próprio desenvolvimento do vínculo, e não explicando o vínculo em si. Um segundo conjunto de definições conduz a sobreposições entre comprometi- mento e fenômenos que são consequentes, tais como a motivação para exercer empe- nho extra ou mesmo a intenção de perma- necer na organização. Essas sobreposições fazem com que o conceito de comprometi- mento seja bastante alargado, funcionando como um guarda-chuva para outros concei- tos existentes no campo. Para Klein, Molloy e Cooper (2009) seria mais pertinente tra- tar o desejo de continuação como um efei- to (consequente) do comprometimento do que como algo pertencente ao próprio con- ceito. Tais sobreposições, certamente, não contribuem para a qualidade da pesquisa e podem gerar confusão em termos de dire- trizes para a gestão do comprometimento nos contextos organizacionais. Ainda para Klein, Molloy e Cooper (2009), três conceitos representam tenta- tivas de definir o comprometimento sem confundi-lo com outros fenômenos: atitu- de, elo e força. Os autores destacam que, na literatura da área, a forma mais domi- nante é como uma atitude do trabalhador caracterizada como algo que emerge de um conjunto de crenças e sentimentos positi- vos que se ligam à sua disposição para agir positivamente frente à organização em que trabalha. Há muitas críticas relacionadas a essa definição na literatura, já que esses Figura 10.2 noções utilizadas para definir o comprometimento. fonte: oa autores. Com base em dados de Klein, molloy e Cooper (2009). Força – Pressão criada pelos antecedentes do comporta- mento que liga o indivíduo a um objeto (organização, carreira, etc.). Força que liga o indivíduo a um curso de ação. Permanência – Forte desejo e/ ou necessidade de se manter como membro da organização. Motivação – Desejo de exercer esforço e/ou empregar recursos em bene- fício da organiza- ção, da equipe, da carreira, etc. Identificação/inter- nalização – Processo de identificação com valores e objetivos dos múltiplos constituin- tes da organização. Investimentos/trocas – Obrigação de retribuir ou expectativa de que os investimentos serão per- didos se não mantiver o curso de ação (side-bets). Congruência – Congruên- cia entre valores, objetivos ou características do indi- víduo e da organização. Elo – Estado psicológico que reflete o quan- to uma pessoa está ligada a um objeto. Atitude – Atitude ou orien- tação frente a organização, trabalho, equipe, etc. Defi- nida com base no modelo tripartite (afeto, comporta- mento, cognição). Não sobrepostos Sobrepostos com consequentes Sobrepostos com antecedentes CoNCEItoS dE CoMProMEtIMENto 284 borges & mourão (orgs.) três elementos nem sempre apresentam alta compatibilidade. Allen e Meyer (1990) ressaltam que definir comprometimento como uma atitude torna-se problemático devido às superações desse modelo tripar- tite (afeto, cognição e comportamento) do conceito de atitudes. Em contrapartida, a tendência dominante de se definir a ati- tude como a localização de um objeto em um espaço de afetividade (avaliação) pode não ser suficiente para abarcar a noção de comprometimento. Além disso, segundo Klein, Molloy e Cooper (2009), essa visão acerca das atitudes dificulta a compreensão do construto, visto que ser comprometido a um objeto ou alvo diferencia-se de fazer apenas um julgamento favorável ou desfa- vorável desse objeto. Analisado como uma força, consi- deramos que os antecedentes do constru- to criam pressões, vivenciadas como uma atração mental, que ligam o indivíduo ao objetivo almejado. Mais recentemente, Meyer (2009) explica que comprometimen- to é algo que reside no indivíduo e se refere a uma força interna, denominada mindset, que o liga a um objetivo (social ou não so- cial) ou ainda a um curso de ação relevante para atingir esse objetivo. Tal força interna é vivida como uma característica mental que determina a maneira como o indiví- duo interpreta a situação e responde a ela, podendo referir-se a um desejo (compro- metimento afetivo), uma obrigação (com- prometimento normativo) e a custos perce- bidos (comprometimento de continuação) ou ainda a algumas combinações entre esses tipos de mindsets. Outra perspectiva independente sob a qualo comprometimento pode ser analisa- do é a de vínculo, ou seja, um estado psi- cológico representado fortemente por meio de um apego ao alvo. Segundo O’Reilly e Chatman (1986, p. 493), pode-se definir comprometimento como [...] sentimento de apego psicológico do indivíduo em prol da organização e isso irá refletir no grau em que o indivíduo internaliza ou adota carac- terísticas ou perspectivas da organi- zação. Klein, Molloy e Cooper (2009) de- fendem que o comprometimento deve ser mais bem compreendido como um elo ou um vínculo que une o trabalhador à orga- nização, e não apenas como uma atitude ou uma força que o pressiona. Ainda a partir da ideia de vínculo, a Figura 10.3 propõe uma síntese das diversas dimensões que são enfatizadas por diferen- tes autores ao definirem o comprometimen- to organizacional com base na distinção feita por Bar-Hayim e Berman (1992) en- tre uma visão acerca do comprometimento como um vínculo ativo ou passivo do indi- víduo com a organização em que trabalha ou atua. Sendo assim, a perspectiva “ativa” associa comprometimento ao engajamento ou ao empenho extra, que se manifesta em comportamentos do sujeito que indicam sua disposição para contribuir e sua identi- ficação e ligação afetiva com a organização. Esses dois componentes podem associar-se a desempenhos de qualidade, que vão além daqueles prescritos em seus papéis ocupa- cionais. Em contrapartida, a perspectiva “passiva” associa-se à ideia de permanência na organização, assim como à ideia de tro- ca, que mantém o trabalhador vinculado. Entretanto, existem definições de comprometimento, tais como “obrigação”, difíceis de serem categorizadas a partir da análise da proposta de Bar-Hayim e Berman (1992). Dessa forma, optamos, ainda na Fi- gura 10.3, por posicioná-la de forma central, uma vez que o indivíduo pode sentir-se em obrigação com a organização devido a um vínculo afetivo (ativo) ou sentir-se forçado a cumprir certos procedimentos e regras de o trabalho e as organizações 285 trabalho como forma de manter o emprego ou status alcançado (passivo). um modelo integrador: de sua proposta a sua superação A partir de tamanha diversidade e pulveri- zação de conceitos, emergiram tentativas diferentes de construção de modelos inte- grativos de comprometimento organizacio- nal. Esses modelos em comum adotavam a noção de que o comprometimento emerge de diferentes bases ou processos psicológicos subjacentes. A tentativa mais bem-sucedida foi, de longe, a realizada por Meyer e Allen, no início dos anos de 1990, conhecida como modelo tridimensional. Esse modelo, apre- sentado na Figura 10.4, impulsionou os úl- timos 20 anos de estudos sobre comprome- timento, dentro e fora da América do Norte. A essência do modelo está na ideia de que o comprometimento pode ser expresso a partir de três naturezas diferentes, repre- sentadas por três estados psicológicos ou bases: afetiva, ou o desejo do trabalhador em permanecer e contribuir ativamente para a organização, devido à identificação e ao compartilhamento de valores; conti- nuação ou instrumental, que traz a noção de permanecer em determinado curso de ação após o cálculo de alternativas, investi- mentos e custos envolvidos no afastamento dessa linha; e normativa, cuja origem está na norma de reciprocidade, ou sentimento de dever advindo da internalização das nor- mas organizacionais e da necessidade de re- tribuir o suporte recebido da organização. Figura 10.3 Categorização das definições de comprometimento organizacional. fonte: os autores. Com base em dados de rodrigues e bastos (2010). Conceito de comprometimento Vínculo ativo Engajamento/empenho extra Exercer esforço em benefício da organização, fazer sacrifícios, contribuir para o bem-estar da organização. Identificação/afeto Ligação afetiva, crença e aceitação dos valores organizacionais, identificação com objetivos, sentimento, afiliação. Permanência Desejo de permanecer na organização, diminuição da probabilidade de deixar a organização. Instrumentalidade/troca Percepção de custos associados à saída, resultado das transações indivíduo-organização, necessidade. Obrigação Estado de uma pessoa que fez uma promessa ou garantia, totalidade das pressões normativas internalizadas. Vínculo passivo 286 borges & mourão (orgs.) Apesar de ter representado um avan- ço em direção à simplificação, o esquema proposto por Meyer e Allen (1991) está longe de ser um consenso na área. Empiri- camente, o comprometimento normativo sobrepõe-se ao afetivo (Cooper-Hakim; Viswesvaran, 2005; Meyer et al., 2002). Até mesmo Meyer e Allen (1991, p. 79) reco- nhecem que “[...] os sentimentos de querer fazer e sentir-se obrigado a fazer podem não ser totalmente independentes”, embora apontem que os efeitos (consequentes) do comprometimento normativo tenham du- ração mais curta que os do afetivo. Diferen- tes autores chamam a atenção para o fato de que uma identificação forte, que leva ao sentimento de obrigação, quase sempre está acompanhada de algum apego emocional (Medeiros, 1997; Menezes, 2006). Contu- do, esse sentimento de obrigação pode vir acompanhado por um vínculo instrumen- tal, no sentido de querer retribuir e preser- var trocas consideradas satisfatórias. Ao tempo em que as bases afetiva e normativa se sobrepõem, a base de con- tinuação apresenta relações nulas ou em direções opostas àquelas estabelecidas pe- las demais (Cooper-Hakim; Viswesvaran, 2005; Meyer et al., 2002). De modo geral, são verificadas relações negativas dessa base com variáveis desejáveis, a exemplo de de- sempenho, cidadania organizacional e sa- tisfação. Entretanto, relações positivas têm sido observadas com comportamentos in- desejáveis, como absenteísmo, negligência, estresse e conflito família-trabalho. Figura 10.4 modelo tridimensional de meyer e allen. fonte: os autores. Com base em dados de meyer e herscovitch (2001). Base afetiva Identificação/compartilhamento de valores/envolvimento pessoal A combinação dessas bases representa o perfil de comprometimento de cada empregado, que reflete o grau de seu desejo, necessidade ou obrigação em permanecer. Base de continuação Investimentos/ side-bets/falta de alternativas Base normativa Norma de reciprocidade/ internalização de normas/ contrato psicológico o br ig aç ão / re sp on sa bi lid ad e m or al B as ea da e m cu st os orientação afetiva/ desejo NAturEzA Comprometimento é um estado psicológico, uma força que liga o indivíduo a um curso de ação de relevância para um ou mais objetos. o trabalho e as organizações 287 Com base nesses dados, podemos afir- mar que, na tentativa de ampliar seu alcan- ce, as definições e as propostas de modelos diferentes ocasionaram uma ampliação in- devida do construto de comprometimen- to, que passou a ser mais um modelo para explicar a permanência ou não na organi- zação, não se aplicando a outros produtos importantes ou desempenhos esperados do trabalhador. Com o objetivo de reduzir esse “esticamento”, autores como Osigweh (1989) têm orientado os pesquisadores a identificarem primeiramente tudo o que o comprometimento não é para, enfim, apre- sentar uma definição mais precisa. Nessa direção, alguns estudos realiza- dos no Brasil vêm contribuindo para me- lhor delimitar o conceito de comprome- timento organizacional, propondo novos conceitos a partir de dimensões até então concebidas como parte do comprometi- mento. Dois novos conceitos estão sendo propostos: entrincheiramento organizacio- nal (Rodrigues, 2009) e consentimento or- ganizacional (Silva, 2009). O conceito de entrincheiramentoé proposto como resposta às inconsistências observadas quanto à base instrumental ou ao comprometimento de continuação. Já o conceito de consentimento visa a equacio- nar as noções associadas à base normati- va ou ainda à dimensão de compliance ou aquiescência que aproximam o comprome- timento desse vínculo passivo referido por Bar-Hayim e Berman (1992). A Figura 10.5 apresenta a proposta de delimitação desses três vínculos. A essência do vínculo de entrinchei- ramento envolve o sentimento do trabalha- dor de estar preso na organização por não conseguir visualizar uma alternativa que o sustente de acordo com suas necessidades Figura 10.5 definições de comprometimento, entrincheiramento e consentimento na organização. fonte: os autores. Com base em dados de rodrigues (2009) e silva (2009). Vínculo unidimensional que liga o indivíduo à organização devido ao compartilhamento de valores e objetivos. Medeia comportamentos de contribui- ção ativa para o alcance das metas organizacionais. Comprometimento organizacional Base de continuação Base normativa Base afetiva Entrincheiramento organizacional Consentimento organizacional Tendência do indivíduo a permanecer devido a possíveis perdas de investimentos e a custos associados à sua saída e devido à percepção de poucas alternativas fora da organização. Tendência do indivíduo a obedecer ao superior hie- rárquico devido à percep- ção de que a chefia sabe melhor o que fazer, assim como pelas relações de poder que se estabelecem entre gestor e subordinado. 288 borges & mourão (orgs.) e expectativas. Rodrigues e Bastos (2012) acrescentam que não é possível falar de uma permanência espontânea do trabalhador entrincheirado, mas sim em decorrência da sua necessidade. O conceito de entrin- cheiramento já é utilizado para caracterizar um tipo de vínculo do trabalhador com sua carreira, desde a proposta de Carson, Car- son e Bedeian (1995), que introduziram o conceito para descrever a situação em que o sujeito opta por continuar na mesma li- nha de ação profissional por falta de opções, pela sensação de perda dos investimentos já realizados ou pela percepção de um preço emocional a pagar muito alto para mudar. Ele foi transposto, neste capítulo, para o vínculo com a organização, encontran- do forte sobreposição com o denomina- do comprometimento de continuação. As dimensões que integram o novo conceito proposto são apresentadas na Figura 10.6. O conceito de consentimento surgiu na literatura da Sociologia do Trabalho e caracteriza-se por um tipo de vínculo do indivíduo pautado na internalização do pa- pel de subordinação existente nas relações de trabalho, o que o leva a consentir ou a obedecer às normas e às regras da organi- zação, comumente proferidas pelo superior imediato (Burawoy, 1983; Guimarães; Agier, 1990; Halaby, 1986). Trata-se, portanto, de um tipo de vínculo que se aproxima do que Bar-Hayim e Berman (1992) identificaram como um comprometimento passivo, as- sociado a comportamentos de lealdade à organização. Análises teóricas e empíricas, realizadas por Silva (2009), revelaram que o consentimento organizacional deve ser conceituado a partir de duas dimensões, as quais são ilustradas na Figura 10.7. Nesse ponto, consideramos impor- tante complementar que diversos resul- Figura 10.6 dimensões constitutivas do construto de entrincheiramento organizacional. fonte: os autores. Com base em dados de rodrigues e bastos (2011). Entrincheiramento organizacional Ajustamentos à posição social: preservar os ajustes feitos para sua adaptação à organização: treinamentos. Redes de relacionamento, etc. Arranjos burocráticos impessoais: hesitar em perder ganhos financeiros, benefícios e estabilidade. Limitação de alternativas: não perceber outras oportunidades de emprego, seja por restrições do mercado, seja por características do perfil profissional. o trabalho e as organizações 289 tados de estudos sobre a base afetiva e a normativa do comprometimento organiza- cional apontaram para possível sobreposi- ção daquela base com a normativa. Estudos posteriores e ainda em andamento, além de preliminares do trabalho de Silva (2009) e Silva e Bastos (2010), ao utilizarem análises correlacionais, apresentam resultados que sugerem que a dimensão “aceitação íntima” pode ser constituída pelo mesmo perfil da base afetiva do comprometimento organi- zacional. Esses resultados, se confirmados nas novas pesquisas em desenvolvimento, poderão dar suporte empírico ao pressu- posto de que o construto “consentimento” seja mais bem definido apenas pela dimen- são “obediência”. Até aqui, já vimos que o conceito de comprometimento não deve conceber em si a noção de permanência, obediência, lealda- de, aquiescência, trocas, alienação ou mo- tivação, entre tantos vínculos, antecedentes e consequentes tratados como o próprio comprometimento. Ainda que o compro- metimento esteja relacionado a essas va- riáveis, elas não representam uma condição essencial para sua existência. Realizados o delineamento e a elucidação do que não é o comprometimento, apresentamos a seguir uma reflexão sobre o que significa ser com- prometido. Afinal, o que significa ser um trabalhador comprometido? Até a década de 1990, o ser comprometido estava associado principalmente à ideia de permanência, devido à preocupação dos gestores das organizações em reter seus tra- balhadores e reduzir o turnover nas suas or- ganizações. Por conta disso, a definição de Aceitação íntima: Cumprimento de normas e regras estabelecidas em função de uma concordância autêntica com elas. Existe a crença de que as normas e as regras aplicadas constituem o melhor procedimento para a organização. Consentimento organizacional obediência cega: Cumprimento automático da ordem, sem avaliação ou julgamento a seu respeito, mesmo quando não entende seu significado. O indivíduo não se considera responsável por qualquer consequência que possa advir de suas ações. Figura 10.7 dimensões constitutivas do conceito de consentimento organizacional. fonte: os autores. Com base em dados de silva (2009). 290 borges & mourão (orgs.) comprometimento era guiada pela pergun- ta: “O que faz o indivíduo continuar na or- ganização?”. De sorte, entretanto, que, em razão de outras demandas e questionamen- tos emergentes quando se trata desse con- ceito, seu conteúdo foi ampliado na busca da resposta mais completa possível. É pro- vável que, por essa razão, as conceituações científicas do ser comprometido tenham in- cluído dimensões ativas e passivas. Atualmente, contudo, parece consen- so entre os atores organizacionais que, para um trabalhador ser considerado compro- metido, não basta permanecer na organi- zação: são esperados contribuição ativa, es- forço extra e empenho do indivíduo. Nesse contexto, julgamos necessária uma melhor elucidação das noções de comportamento ativo, como aquele que está ligado a com- portamentos que beneficiariam intencio- nalmente a organização, em contraposição ao passivo, que se relaciona à inércia ou à indiferença frente aos objetivos organiza- cionais. Algumas pesquisas que exploraram o conceito de comprometimento para dife- rentes atores organizacionais (Bastos; Bran- dão; Pinho, 1997; Brito; Bastos, 2001; Melo, 2006; Rowe; Bastos, 2007) apontaram, entre os conteúdos centrais do ser comprometido, a noção de engajamento, dedicação à orga- nização, zelo pelo setor em que trabalha, respeito à hierarquia, às normas e aos pro- cedimentos organizacionais, preocupação com o crescimento da organização, cum- primento do contrato de trabalho, zelo pela imagem da organização e buscade cresci- mento pessoal e profissional junto à insti- tuição. Também são citadas ideias relativas à permanência e à troca como forma de ex- pressão desse vínculo, a exemplo do desejo de ficar na organização ou permanecer nela apesar de outras oportunidades e ainda a noção de comprometimento como uma via de mão dupla. Outros estudos exploraram especi- ficamente o conceito de comprometi- mento para gestores, buscando diferenciá- -lo de outros tipos de vínculos. O trabalho de Moscon (2009) apontou que, para os gestores, o trabalhador com um vínculo instrumental ou de continuação não pode ser considerado um trabalhador compro- metido. Pelo contrário, a noção de traba- lhador comprometido identifica-se forte- mente com a definição do vínculo afetivo. Outro dado desse estudo é que os gestores utilizam estratégias para lidar com traba- lhadores que possuem um vínculo instru- mental diferentes das utilizadas com aque- les que têm vínculo afetivo, o que corro- bora a ideia da distinção entre ambos os vínculos. A pesquisa de Pinho (2009) também revelou que os gestores diferenciam cla- ramente o trabalhador comprometido do entrincheirado ou obediente, e utilizam práticas de gestão distintos nos três ca- sos (Quadro 10.1). Além disso, seguindo metodologias similares, ambos os estudos evidenciam que a noção de comprometi- mento associa-se sempre a uma avaliação positiva do empregado e das suas contri- buições para a organização. Tal avaliação é oposta quando se trata dos demais víncu- los, vistas como prejudiciais ao indivíduo e à organização. Nos dois estudos que apresentamos, há evidências da necessidade de romper com o modelo tridimensional de se con- ceituar comprometimento, que ainda é o dominante na literatura internacional e nacional. Além de revelarem a inadequação de se tomar todos os vínculos como sendo comprometimento, os estudos apontam que tais vínculos têm impactos diferentes sobre a forma como o gestor lida com o trabalhador. Por conseguinte, a pesquisa e os modelos de gestão devem tratá-los como fenômenos distintos. o trabalho e as organizações 291 A Figura 10.8 sintetiza o conceito de trabalhador comprometido que emerge não apenas dos estudos citados, mas das reflexões teóricas e conceituais já desenvol- vidas no campo. Fica claro, portanto, que o que é atual- mente esperado de um trabalhador com- prometido é um envolvimento real, por meio de esforços em prol de desempenhos bons, interesse pelas atividades executadas e Quadro 10.1 Conceitos e gestão dos vínculos Tipo de vínculo Comprometido Entrincheirado Obediente Conceito engajado, sente prazer em trabalhador acomodado, subserviente, sem iniciativa, trabalhar na organização, fracassado, medroso, acomodado, submetido às acredita nos valores e nos sem perspectiva, relações de autoridade. objetivos organizacionais. desmotivado. Formas de gerir registrar o resultado e treinar e desenvolver, envolver o empregado, premiar, fortalecer o realizar estudo de clima, desenvolver a flexibilidade, empregado e atender suas motivar, melhorar as treinar e desenvolver. necessidades, dar mais competências técnicas. liderança. fonte: pinho (2009). Figura 10.8 síntese do conceito de comprometimento organizacional. fonte: os autores. Eu assumiria mais tarefas do que o previsto para melhorar a produtividade. Eu ampliaria minha carga de trabalho se fosse importante para a organização. Eu defenderia a organização na qual trabalho de críticas de terceiros. VíNCuLo CoM A orgANIzAção Apoiado em Intenções comportamentais de agir em prol da organização Que geram Conjunto de crenças e sentimentos em relação à organização Ligação afetiva, crença e aceitação íntima dos valores e das normas organizacionais, identificação com objetivos, afiliação. Participação, empenho extra ou sacrifício adicional, melhor desempenho e produtividade, defesa da organização. Sinto os problemas da organização como se fossem meus. Sinto-me emo- cionalmente vinculado. Acredito que é uma boa organização para se trabalhar. Acredito que meus valores são similares aos da organização. 292 borges & mourão (orgs.) desejo de desenvolvimento da organização, o que coincide fortemente com o núcleo central da definição do comprometimento afetivo. Essa definição mais restrita de com- prometimento tem impacto importante so- bre os instrumentos hoje disponíveis para sua mensuração e, em decorrência, sobre os resultados das pesquisas. Consideramos relevante assinalar, no entanto, que esse refinamento conceitual e a proposição de novos termos que permitam definições e delimitações mais claras, encontram respal- do nas reflexões atuais sobre os rumos da pesquisa a respeito do comprometimento organizacional. O QuE gERA COMPROMEtIMEntO nO tRABAlhO E QuAIS SEuS IMPACtOS nO tRABAlhO E nAS ORgAnIzAçõES Não é possível falar em gerir comprometi- mento se não há compreensão suficiente de que fatores promovem esse tipo de vínculo e de quais as suas consequências para a vida da organização. A quantidade de pesquisa, sobretudo voltada para identificar os pre- ditores de comprometimento, é extensa e difícil de ser sistematizada em função da di- versidade de medidas, conceitos e grupos de trabalhadores estudados. Nesse segmento, o objetivo é organizar, com base nas prin- cipais metanálises realizadas na área (ver quadro “Metanálise”, a seguir), as relações mais consensuais na literatura do compro- metimento, como um insumo para se pen- sar a gestão do comprometimento nas or- ganizações. Nessa sistematização, esta mos partindo da definição de comprometimento expressa na Figura 10.8 e, portanto, apoian- do-nos na literatura que analisa o compro- metimento organizacional de base afetiva. Para o mapeamento das relações dis- cutidas nesta seção, consultamos seis me- tanálises publicadas nos últimos 20 anos de pesquisa: Cohen (1992, 1993), Cooper- -Hakin e Viswesvaran (2005), Mathieu e Zajac (1990), Meyer e colaboradores (2002) e Riggle, Edmondson e Hansen (2009). A Figura 10.9 foi construída com base em categorias postuladas no modelo de Meyer e Allen (1997), que inclui antece- dentes distais e proximais, e consequentes do comprometimento organizacional. A intensidade da cor (quanto mais próximo a preto, mais forte) atribuída aos nomes das categorias reflete as magnitudes das rela- ções e sinaliza o grau de influência que cada conjunto de variáveis exerce sobre o com- prometimento organizacional ou o quanto são explicadas por esse, ou o quanto cova- riam, no caso dos correlatos. Assim, as in- tensidades da cor são também rótulos para o grau de atenção demandada às práticas de Metanálise tipo de pesquisa que integra resultados disponíveis na literatura, utilizando técnicas estatísticas que corrigem erros de amostragem e mensuração que podem causar a ilusão de resultados conflitantes (hunter; schmidt, 2004). esse tipo de pesquisa permite testar hipóteses a partir do exame de resultados de múltiplas amostras provenientes de pesquisas distintas em momentos e contextos diferentes. Consideramos os critérios sugeridos por hemphill (2003) para a interpretação dos coeficientes de correlação: a) baixos (intervalo de 0,02 a aproximadamente 0,20); b) medianos (0,20 a aproximadamente 0,33); e c) altos (superiores a 0,33). o trabalho e as organizações 293 Figura 10.9 modelo de antecedentes e consequentes do comprometimento. notas: *baixa correlação, **média correlação, ***alta correlação, (–) correlação negativa. fonte: os autores. Com base em dados de Cohen (1992, 1993), Cooper-hakin e Viswesvaran (2005), mathieu e Zajac (1990), meyer e colaboradores (2002) e riggle, edmondson e hansen (2009). ANTECEDENTES CONSEQUENTESCORRELATOS D is ta is P ro xi m ai s Di fe re nç as in di vi du ai s ** L oc us d e co nt ro le ** * C om pe tê nc ia pe ss oa l p er ce bi da Va lo re s * É ti ca p ro te st an te De m og rá fic as * Id ad e * S ex o * E sc ol ar id ad e * E st ad o ci vi l * Te m po n a or ga ni - za çã o * P os iç ão * N ív el h ie rá rq ui co Ca ra ct er ís ti- ca s pe ss oa is Ca ra ct er ís tic as da o rg an iz aç ão * Ta m an ho * C en tr al iz aç ão Ca ra ct er ís tic as d o tr ab al ho * A ut on om ia d e ta re fa ** V ar ie da de d e ha bi li- da de s ** * D es afi o ** * E sc op o do t ra ba lh o Re la çõ es ** I nt er de pe nd ên ci a de ta re fa s ** * C on si de ra çã o do lí de r ** * C om un ic aç ão d o líd er ** * Li de ra nç a pa rt ic ip at iv a ** * Li de ra nç a tr an sf or m ac io na l Su po rt e or ga ni za ci on al ** * S up or te o rg an iz a- ci on al Ju st iç a ** * In te ra ci on al ** * D is tr ib ut iv a ** * P ro ce di m en ta l Ex pe ri ên ci as de tr ab al ho * S al ár io * A lt er na ti va s (– ) * Tr an sf er ib ili da de da s co m pe tê nc ia s ** I nv es ti m en to s Cu st os ac um ul ad os** C on fli to d e pa pe l ( –) ** * A m bi gu id ad e de pa pe l ( –) Co nd iç õe s de p ap el C om pr om et im en to o rg an iz ac io na l ** R ot at iv id ad e (– ) ** A us ên ci a vo lu nt ár ia ( –) ** * Id ei as d e af as ta m en to ( –) ** * In te nç ão d e sa íd a (– ) Co m po rt am en to de a fa st am en to ** E st re ss e (– ) ** C on fli to f am íli a- tr ab al ho (– ) Be m -e st ar d o em pr eg ad o * D es em pe nh o ge ra l n o tr ab al ho * D es em pe nh o au to rr el at ad o * D es em pe nh o re la ta do p el o su pe ri or ** C om po rt am en to s de c id ad an ia or ga ni za ci on al Co m po rt am en to pr od ut iv o ** * E nv ol vi m en to c om o t ra ba lh o ** * Co m pr om et im en to c om a c ar re ira ** C om pr om et im en to c om o si nd ic at o Ví nc ul os n o tr ab al ho ** * G er al ** * In tr ín se ca M ot iv aç ão ** * G er al ** * C om o p ag am en to ** * C om a p ro m oç ão ** * C om o s co le ga s ** * C om a s up er vi sã o ** * E xt rín se ca ** * In tr ín se ca Sa tis fa çã o no tr ab al ho Impacto direto quase nulo Baixo impacto direto Impacto direto mediano Impacto direto acima da média Alto impacto direto Grau crescente de demanda por ações de gestão de pessoas 294 borges & mourão (orgs.) gestão de pessoas para que sejam implanta- das ações suficientes para o desenvolvimen- to e a manutenção do vínculo. Antecedentes do comprometimento Segundo Meyer e Allen (1997), os deter- minantes distais (características pessoais, organizacionais, práticas de gestão e con- dições ambientais) interferem no com- prometimento por meio dos antecedentes proximais (experiências relacionadas ao trabalho, estados dos papéis desempenha- dos e contratos psicológicos). Em outras palavras, há relação entre os antecedentes distais e o comprometimento; contudo, ela é mediada pelos antecedentes proximais. Embora o papel moderado dos ante- cedentes distais tenha sido previsto há mais de uma década, as pesquisas têm mantido o foco em sua relação direta com o com- prometimento, fato talvez responsável pelos resultados inconsistentes. As características organizacionais, por exemplo, têm recebido pouca atenção dos pesquisadores, e coefi- cientes baixos são encontrados quando sua relação direta com o comprometimento é investigada (Meyer; Allen, 1997; Wright; Kehoe, 2009). Fica evidente, na Figura 10.9, que somente dois componentes estruturais da organização, tamanho e centralidade, vêm sendo pesquisados, sendo encontra- das correlações fracas. Apesar disso, o papel inerente da estrutura organizacional nas características do trabalho, nos papéis de- sempenhados e na qualidade das relações estabelecidas com colegas e supervisores (variáveis que apresentam maior impac- to direto no vínculo do trabalhador com a organização) marca sua importância como antecedente distal do comprometimento. Outro aspecto que vale ressaltar é o nível de análise dos estudos das característi- cas organizacionais. Wright e Kehoe (2009) problematizam a propriedade individual do comprometimento e de sua mensuração, de modo que não são avaliadas as característi- cas em si das organizações, mas a percepção dos trabalhadores a respeito. É possível, por- tanto, que mudanças em fatores organiza- cionais impactem antecedentes proximais, como aspectos do trabalho e, assim, afetem o comprometimento do trabalhador, sem que este necessariamente perceba que houve um fator desencadeador no nível organiza- cional. Talvez o exame a partir do nível de análise organizacional possa apresentar mais evidências das relações entre essas variáveis e o vínculo de comprometimento (Meyer; Al- len, 1997; Wright; Kehoe, 2009). As características demográficas tam- bém têm apresentado relações modestas com o comprometimento. No caso da idade, ainda que haja uma pequena relação positi- va, não é possível afirmar que os trabalha- dores ficam mais comprometidos à medida que envelhecem. Diferentemente, é possível que as correlações encontradas sejam efeitos de grupos que representam gerações distin- tas (Meyer; Allen, 1997). Um delineamento longitudinal promoveria um estudo dessa relação de modo mais preciso. Ressalta-se, portanto, que grupos geracionais apresen- tam formas diferentes de lidar com a organi- zação, o que afeta os vínculos criados. Com relação às diferenças individuais, vale retomar o questionamento feito por Meyer e Allen (1997) quanto à relação en- tre a percepção da própria competência e o vínculo afetivo: será o comprometimento responsável por uma maior autoconfiança do profissional, presente em um contexto com o qual se identifica e que reconhece como positivo, ou trabalhadores mais com- petentes teriam maior possibilidade de es- colher a organização em que gostariam de trabalhar, o que resultaria em maior com- prometimento? A segunda hipótese é con- gruente com algumas das tendências e dos o trabalho e as organizações 295 paradoxos em gestãode pessoas da atua- lidade: com a maior exigência por com- petências individuais, as organizações são requisitadas a investir no desenvolvimento contínuo de seus empregados, de modo que o parâmetro de avaliação é que as práticas de desenvolvimento aumentem a emprega- bilidade dos profissionais (Dutra, 2008), o que vai de encontro ao interesse da organi- zação em retê-los. Apesar desse raciocínio, podemos argumentar que o investimento na empregabilidade dos funcionários favo- rece a seleção e a manutenção daqueles que, especialmente, estão comprometidos com a organização e, por conseguinte, desenvolve- rão comportamentos desejáveis, munidos de conhecimentos necessários para favore- cer um bom desempenho. Entre os antecedentes proximais, é pa- tente a importância da experiência no tra- balho para a construção e a manutenção do comprometimento organizacional. Destaca- mos o papel da liderança imediata que, além de promover um maior envolvimento por meio de uma gestão aberta a comunicação, participação do empregado e feedbacks, tem o poder de influenciar a percepção de justiça e suporte organizacional. As expe riências de trabalho, vivenciadas cotidianamente, [...] comunicam que a organização dá suporte a seus empregados, trata- -os com justiça, e aumenta seu senso de importância pessoal e competên- cia por meio da valorização de suas contribuições para a organização. (Meyer; Allen, 1997, p. 46) Portanto, a organização do trabalho, o conteúdo das atividades e a possibilidade de utilizar os conhecimentos em sua reali- zação são fatores que, além de impactarem diretamente o comprometimento, afetam a percepção de outras variáveis antecedentes. Seguindo essa linha de raciocínio, re- gistramos que poucos modelos testaram o impacto que diferentes variáveis anteceden- tes, em conjunto, geram sobre o compro- metimento. É possível que algumas delas sejam intensificadas por outras, de modo que sua influência isolada não seja suficien- te para explicar o vínculo com a organiza- ção. Por exemplo, casos de conflito ou falta de clareza do papel podem ser associados à percepção de baixo suporte organizacional ou mesmo injustiça, já que a organização estaria criando condições para que o em- pregado vivenciasse problemas com seu tra- balho. Situações como essa podem ser agra- vadas especialmente quando o empregado é recém-chegado na organização (Meyer; Allen, 1997). Consequentes e correlatos do comprometimento As consequências advindas do comprome- timento têm reforçado a importância desse vínculo tanto para o indivíduo, que viven- cia um maior bem-estar no trabalho, como para a organização, por reduzir a probabi- lidade de perda do profissional e aumentar a diversidade e a frequência dos comporta- mentos produtivos e desejáveis. Não se deve esperar, contudo, que o comprometimento organizacional tenha altas relações com todos os comportamen- tos desejáveis, uma vez que outras variáveis são também importantes para explicá-los. No caso do desempenho do trabalhador, por exemplo, tem sido recorrente a surpresa de pesquisadores e gestores devido às bai- xas ou às medianas relações encontradas com o comprometimento organizacional. Contudo, há uma lista de determinantes do desempenho que não devem ser negli- genciados, como, por exemplo, o nível de competências e conhecimentos requeridos para as atividades, o acesso a ferramentas e recursos no local de trabalho e as variáveis 296 borges & mourão (orgs.) ambientais e situacionais, entre outros. Se- ria simplista esperar que a maior parte do desempenho fosse explicada pelo compro- metimento organizacional. Ainda assim, sua relação direta com o vínculo é suficiente para que o comprometimento seja também desejável como mais um fator determinante do desempenho individual. Outra questão relevante é que a própria mensuração do desempenho individual, em muitos casos, devido a instrumentos inapropriados ou metodologias extremamente subjetivas, apresenta confusão na aferição de sua real ligação com o comprometimento. Wright e Kehoe (2009) ressaltam a importância de considerar diferentes indicadores de desempenho nas investigações do compro- metimento, incluindo fatores financeiros e não financeiros, como satisfação do cliente, certificações de qualidade, retração ou cres- cimento financeiro, entre outros. Além do desempenho e da produtivi- dade, o comprometimento organizacional tem o mérito de reduzir as taxas de rotativi- dade, a intenção de sair da organização e até mesmo a frequência de faltas ao trabalho. Embora tradicionalmente as políticas de retenção estejam voltadas para o aumento do salário e dos benefícios, que pode ser re- alizado em prazos mais ou menos curtos, os resultados aqui demonstrados sugerem que intervir de modo progressivo em prol de um maior vínculo afetivo deve ser também parte de políticas de retenção, resultando não apenas na permanência instrumental do trabalhador, mas também na continui- dade produtiva e coerente com comporta- mentos desejáveis. Por fim, as fortes relações do compro- metimento com outros vínculos, a motiva- ção e a satisfação no trabalho abrem espaço para a reflexão acerca de seu impacto indi- reto em outras variáveis ainda não inves- tigadas. Cohen (2000) aborda a limitação ainda existente nas pesquisas que buscam verificar como a relação entre esses diferen- tes focos e correlatos impactam variáveis es- peradas. Assim, o desenvolvimento de vín- culos com a carreira, por meio de progra- mas de desenvolvimento, ou o aumento de satisfação com a promoção, a supervisão e os colegas são também espaços de interven- ção para um maior comprometimento or- ganizacional. Igualmente, políticas voltadas para maiores níveis de comprometimen- to tendem, de modo indireto, a promover mais satisfação e motivação e mais elos do trabalhador com focos diferentes – equipe, trabalho, carreira, entre outros. O mapa de antecedentes, consequen- tes e correlatos brevemente apresentado nesta seção pode ser considerado o ponto de partida para o planejamento de práticas que conduzam à gestão do comprometi- mento organizacional, aspecto que trata- mos no próximo tópico deste capítulo. A gEStãO DO COMPROMEtIMEntO nO tRABAlhO E nAS ORgAnIzAçõES Com base no conhecimento acumulado so- bre o que é comprometimento, o que o gera e que consequência produz para indivíduos e organização, consideramos pertinente no- vos questionamentos: o que fazer, no seio das práticas de gestão de pessoas nas orga- nizações, para tornar os empregados mais comprometidos? Que tipos de práticas de gestão contribuem para o desenvolvimento de um ambiente organizacional de compro- metimento? A despeito dos poucos estudos cujo foco se direciona à relação entre as práticas de gestão de pessoas e ao comprometimen- to organizacional e, provavelmente, em um cenário ainda em construção de arcabouço teórico robusto, identificamos diversos tra- balhos e pesquisas empíricas com contri- buições significativas para o avanço da com- o trabalho e as organizações 297 preensão desse tema. Mesmo não havendo um consenso entre estudiosos da área, al- guns pesquisadores defendem a ideia de que o comprometimento esteja relacionado a certas características organizacionais, como, por exemplo, os valores e a cultura (Fitz-Enz, 1997 apud Medeiros; Albuquerque, 2005). Nesse sentido, culturas ricas facilitam o pro- cesso de identificação e o desenvolvimen- to da lealdade dos empregados para com a organização por meio da atração de novos membros aos sistemas de crenças da orga- nização, da busca de candidatos com maior capacidade de adaptação a seus sistemas e de processos de socialização informais e formais (Mintzberg, 2001). A promoção de oportu- nidades de crescimentoe desenvolvimento de pessoal, percebidas como suporte do am- biente de trabalho, facilita a permanência dos empregados em suas organizações. Para Hinkin e Tracey (2000), os resultados posi- tivos das organizações decorrem da perfor- mance e do comprometimento do quadro funcional, os quais se refletem na qualidade dos serviços oferecidos. Meyer e Allen (1997) argumentam que, apesar da limitação de da- dos de pesquisa, há suporte suficiente para afirmar que existem relações positivas entre os sistemas de gestão de pessoas que adotam estratégias em prol da melhoria do compro- metimento dos empregados e do desempe- nho das organizações. As práticas de gestão de pessoas e o desenvolvimento do comprometimento dos trabalhadores Ogilvie (1986 apud Meyer; Allen, 1997) está entre os primeiros que investigaram as percepções sobre as práticas de gestão de pessoas das organizações e concluiu que o comprometimento é maior quando os empregados percebem que são tratados como recursos a serem desenvolvidos do que quando entendem que são commodi- ties que serão compradas e vendidas. Essas ideias são corroboradas por diversos auto- res que relacionam o comprometimento à percepção positiva de práticas de gestão de pessoas, tais como recrutamento e seleção, socialização e treinamento, avaliação e pro- moção e compensação e benefícios. Discorreremos mais especificamente sobre cada um desses grandes subsistemas de gestão de pessoas sem, entretanto, esque- cer que nenhum deles pode ser analisado de forma isolada, desconsiderando seus im- pactos sobre os demais. Destacamos ainda que um maior detalhamento acerca do que consiste cada um desses subsistemas será feito na Parte IV deste livro, não sendo, por- tanto, objetivo das subseções a seguir. Políticas de recrutamento e seleção No que tange especificamente às políticas de recrutamento, Meyer e Allen (1997) destacam que boa parte dos estudos aborda a questão da acurácia das informações durante o pro- cesso de atração de pessoas à organização. Quanto mais a organização é capaz de passar informações confiáveis para o candidato, di- ferenciando os aspectos positivos e negativos do novo emprego, maiores são as chances de desenvolver seu comprometimento futuro. Os autores afirmam, entretanto, que a força dessa ação pode variar em função de como é utilizada. Dessa forma, seus efeitos seriam mais significativos quando: a) O candidato é inexperiente e pode le- vantar expectativas muito altas acerca do novo emprego. b) A situação do mercado de trabalho é rela- tivamente favorável ao ponto de permitir que o sujeito de fato tenha opções. 298 borges & mourão (orgs.) c) Os aspectos do emprego são de fato muito desfavoráveis a ponto de exigir mecanismos especiais de compensação, que deveriam já ser desenvolvidos antes mesmo do ingresso do trabalhador. O recrutamento é a primeira opor- tunidade de a organização demonstrar sua preocupação com as pessoas, o que fica claro a partir de práticas que evidenciem respeito e transparência com os candidatos interessados. Além disso, é também uma oportunidade de divulgar uma imagem po- sitiva para a comunidade, o que interfere em seu potencial de atração de novos can- didatos para processos futuros. Já no que se refere à seleção, Fiorito e colaboradores (2007) sugerem que a di- ficuldade de ingresso do novo empregado, sendo submetido a processos rígidos de seleção, pode favorecer o desenvolvimento do comprometimento por parte dele, desde que, depois, as recompensas recebidas se- jam proporcionais às dificuldades enfrenta- das. Para os autores, esses processos funcio- nam como espécies de “ritos de iniciação”, além de desenvolverem no empregado uma percepção de competência própria que é fa- vorável ao desenvolvimento do comprome- timento com a organização. Adicionalmente a isso, propomos a in- corporação, nos processos de recrutamento e seleção, de avaliações destinadas a identi- ficar a propensão do indivíduo ao compro- metimento, identificando até que ponto ele está disposto a se envolver com os objetivos da organização. Vale destacar que as pessoas não começam a trabalhar em uma organi- zação sem ter alguma atitude relacionada à própria, ou mesmo ao trabalho, à carreira, entre outras, que impactam o processo de construção de seu vínculo de comprome- timento com a organização. Essas atitudes preliminares são denominadas “propensão ao comprometimento” e se desenvolvem no processo de entrada ou socialização pré- via, sendo influenciadas por características e valores pessoais, crenças, expectativas e experiências anteriores (Cohen, 2007). Tal propensão influencia o comprometimen- to porque afeta positivamente a percepção do sujeito em relação às suas primeiras expe riências na organização. Apesar disso, embora as características pessoais sejam, de fato, fortemente correlacionadas à pro- pensão ao comprometimento, ainda não estão esclarecidos o suficiente quais são os atributos demográficos ou as variáveis dis- posicionais que devem ser priorizados em um processo de seleção. Por esse motivo, a definição do perfil de cada candidato para um processo seletivo deve considerar carac- terísticas pessoais que se adaptem às expe- riências de trabalho a que o indivíduo será submetido, já que o modo como o profis- sional vivencia essas experiências tem forte impacto no comprometimento. Portanto, o foco não deve ser apenas no perfil técnico necessário ou em perfis comportamentais tradicionais (saber tra- balhar em equipe, ser comunicativo, etc.), mas também nas características dispo- sicionais que afetam a forma como será vivenciado o dia a dia na organização (o estilo de gestão, o quão desafiador é o tra- balho, o quanto deve participar das deci- sões, etc.). Observamos, portanto, que, muitas vezes, as características pessoais acabam sendo apenas estimuladoras de experiên- cias de trabalho favoráveis, o que corrobora com os achados de Meyer e colaboradores (2002), os quais em sua metanálise, argu- mentaram que recrutar e selecionar em- pregados com base em sua propensão ao comprometimento é menos eficaz do que gerenciar suas experiências após o ingresso na organização. o trabalho e as organizações 299 Processos de socialização e treinamento, desenvolvimento e educação Ainda no que diz respeito às informações transmitidas ao novo empregado, Meyer e Allen (1997) destacam que os processos de socialização e treinamento são as primeiras estratégias comumente utilizadas para de- senvolver o comprometimento. Essas estra- tégias são utilizadas em especial no suporte que a organização pode fornecer para que o novo empregado possa sentir-se mais rapi- damente como membro dela. Segundo Borges e Albuquerque (2004), falar de socialização implica sempre certo nível de conformismo, já que se trata da in- serção de alguém em um contexto em que normas e padrões de comportamentos já estão preestabelecidos. Os mesmos autores, entretanto, destacam que, a partir da déca- da de 1990, os estudos sobre o tema procu- raram focar mais os comportamentos pro- ativos do sujeito que facilitam a sua própria socialização. Nesse sentido, existem táticas organizacionais de socialização que per- mitem mais a adaptação às normas já exis- tentes (e que, como consequência, trazem impactos negativos para a criatividade e a inovação) e outras que confirmam a iden- tidade, as habilidades e as aptidões prévias do iniciante, valorizando suas experiências e seus conhecimentos anteriores. Outro aspecto importante do pro- cesso de socialização são os programas de Treinamento, Desenvolvimento e Educação (TD&E), cujos resultados são favoráveis ao desenvolvimento do comprometimento, apesar de não ser esse seu objetivo principal. Issoocorre de forma ainda mais direta quan- do a percepção dos empregados é de que suas habilidades podem ser aproveitadas pelo pro- grama oferecido e de que novas competên- cias podem vir a ser desenvolvidas. A relação entre as práticas de TD&E e o comprometi- mento depende da percepção do indivíduo sobre seu impacto, ou seja, seus efeitos estão relacionados ao sentimento de competência e autovalorização despertados nos indivíduos pelo aprendizado de novas tarefas. Além disso, Fiorito e colaborado- res (2007) argumentam que os emprega- dos podem perceber os investimentos em TD&E feitos pela organização como um símbolo de que ela possui planos para o fu- turo dele e investe em seu desenvolvimento e sua carreira. Sendo assim, o investimen- to em treinamento e, especialmente, em processos de desenvolvimento e educação, contribui para a percepção de reciprocida- de do empregado em relação à organização, fundamental ao desenvolvimento de com- portamentos comprometidos no trabalho. Em contrapartida, estudos mostram que o comprometimento também tem efeitos re- cíprocos sobre os programas de TD&E, no sentido de um maior envolvimento e moti- vação por parte dos participantes. Gestão do desempenho e políticas de promoção Os processos de avaliação e promoção de- sempenham um papel importante no pro- cesso de desenvolvimento e manutenção do comprometimento. Tais processos sinali- zam para o trabalhador a percepção da or- ganização acerca da qualidade de sua con- tribuição e embasam sua percepção sobre a reciprocidade em sua relação com ela. Esses processos de avaliação e promoção têm, en- tretanto, efeitos diversos sobre o compro- metimento, dependendo de seus resultados e da forma como são conduzidos. Um estudo realizado por Robertson e colaboradores (1991 apud Meyer; Allen, 300 borges & mourão (orgs.) 1997) indicou que o feedback negativo acer- ca da contribuição oferecida pelo emprega- do tem efeitos menos favoráveis sobre seu desempenho quanto mais avançado é seu estágio em relação à sua carreira. Apesar disso, esses impactos podem ser minimiza- dos pela clareza dos critérios adotados na decisão. Portanto, é notória a necessidade de que não apenas as políticas de avaliação e promoção estejam claras, mas também que cada critério adotado seja devidamente explícito após uma decisão de promoção, sobretudo entre aqueles que pleiteavam o referido cargo. Essas práticas, embora não garantam que a decisão seja acatada pelos preteridos, ajudam a reduzir os impactos negativos da decisão. A prática constante do feedback, por seu turno, tem como objetivo ajudar os empregados a analisarem seus comporta- mentos e desempenho, identificar caracte- rísticas que atendam às necessidades de seu trabalho e aquelas que precisam ser desen- volvidas ou aperfeiçoadas. É comum que o feedback nas organizações tenha lugar após as avaliações de desempenho, prática que se mostra pouco eficaz para desenvolver o comprometimento, já que ocorre normal- mente uma vez por ano e por um período limitado, inserido em um contexto de ava- liação e tensão. Além de constante, para que ele alcance os resultados desejáveis, con- sideramos necessário que seja oportuno, descritivo, específico, dirigido e esclarecido (ver Quadro 10.2). Ainda no que se refere aos processos de promoção, avaliamos como importante que as organizações ofereçam a seus empre- gados estruturas organizacionais mais dinâ- micas, que lhes possibilitem oportunidades diferentes de desenvolvimento profissional. A estrutura de carreira em Y, por exemplo, permite que profissionais especialistas op- tem por seguir carreira técnica ou gerencial, dependendo de seu desejo e perfil. Embora haja uma base comum à carreira de todos os profissionais (que pode variar em função da estratégia e estrutura da organização), dois caminhos podem ser seguidos poste- riormente: um técnico, que deve fornecer horizonte profissional que estimule o indi- víduo a permanecer na carreira técnica até o final de sua vida ativa de trabalho; e um gerencial, cujo foco é o planejamento e a condução de equipes em diferentes níveis. Esse tipo de arranjo facilita que haja con- gruência entre o comprometimento com a carreira e o comprometimento organiza- cional. Finalmente, é fundamental que exis- ta equilíbrio entre avaliação de resultados individuais, grupais e organizacionais. Se, por um lado, práticas que valorizam a con- tribuição individual são, de certo modo, uma forma de “agradecer” a contribuição de cada um para os resultados organizacio- nais, e, com isso, estimulá-los a buscar per- formances cada vez mais arrojadas, por ou- tro lado, dificultam o desenvolvimento de um espírito de coletividade e compromisso com os resultados estabelecidos estrategica- mente pela organização. Políticas de benefícios e remuneração De todos os subsistemas que compõem os processos de gestão de pessoas, podemos afirmar que menos atenção tem sido dis- pensada pelos pesquisadores ao exame dos impactos da administração de salários e be- nefícios sobre o comprometimento, a des- peito da grande preocupação que esse tema desperta nos gestores nas organizações. Em contrapartida, segundo Meyer e Allen (1997), alguns estudos têm sido produzi- dos em relação às práticas de stock options, que consistem em opções de que o empre- gado adquira ações da organização, o que, o trabalho e as organizações 301 teoricamente, fortalece seu vínculo com a organização. Destacamos ainda que os be- nefícios desse tipo de ação se estendem, in- clusive, aos não beneficiários (já que muitas vezes só estão disponíveis para os escalões mais altos da hierarquia), tendo em vista a mudança geral no clima organizacional que é capaz de produzir. A introdução de um plano desse tipo, para que possa gerar, de fato, os efeitos desejáveis ao comprome- timento dos empregados, precisa ser capaz de lhes permitir participar de decisões re- lacionadas a eles, o que contribui para sua percepção de que a recompensa financeira adquirida é compatível com suas habilida- des desenvolvidas e o resultado que vem trazendo para a organização. Além das práticas de stock options, a percepção geral favorável aos benefícios oferecidos pela organização, especialmen- te os destinados à família, impactam de forma positiva o comprometimento dos empregados (Fiorito et al., 2007; Meyer; Allen, 1997). A ideia é de que as organi- zações que oferecem benefícios desse tipo demonstram cuidado e consideração com seus empregados, resultados que tendem a ser minimizados ou anulados quando o ambiente de trabalho é de clima forte de cobrança e tensão. Esses impactos dos benefícios sobre o comprometimento podem ser ainda incre- mentados a partir de práticas mais atuais que vêm sendo adotadas por algumas or- ganizações, tais como as que permitem que os empregados montem sua cesta de be- nefícios (também chamadas de benefícios flexíveis), considerando um valor predeter- minado. Além de possibilitar que os bene- fícios pagos pela organização possam real- mente ser aproveitados pelos beneficiários, essa prática tem como principal vantagem permitir que o profissional visualize seu ganho financeiro. Assim, somam ao salário os ganhos em benefícios, a fim de calcular a remuneração total. Dessa forma, a quan- tificação dos benefícios, especialmente em organizações que têm um pacote compe- titivo, pode ser uma via de incremento da satisfação com a remuneração. Ainda não é possível estimar que tipo de vínculo é gerado pelas práticas de bene- fícios e remuneração. Um retorno às bases teóricas do comprometimento e do entrin- cheiramento sugere que, quanto mais os benefícios e as políticas de remuneração re- presentarem suporte organizacional – tais como benefíciosvoltados à família –, maior é a possibilidade de impactarem positiva- mente o comprometimento do trabalhador. Quadro 10.2 Orientações para o feedback eficaz Orientações Descrições oportuno oferecer feedback o mais próximo possível da situação ocorrida. descritivo focar a descrição da situação em lugar da avaliação ou do julgamento. específico evitar colocações genéricas que não possibilitem ao receptor compreender exatamente o que precisa ser modificado em seu comportamento. dirigido direcionar a situações que possam ser modificadas. esclarecido pedir que o receptor diga o que compreendeu a fim de verificar o entendimento. fonte: moscovici (2004). 302 borges & mourão (orgs.) Entretanto, supõe-se que um bom pacote de benefícios e remuneração, isolado de outras práticas que promovam o compro- metimento, pode gerar um vínculo mais instrumental, como o entrincheiramento. Tais hipóteses precisam ainda ser investiga- das, mas nossa recomendação inicial é que as práticas de benefícios e remuneração se- jam atreladas a outras ações que estimulem o comprometimento, sob o risco de reter na organização trabalhadores não comprome- tidos. Sistemas de gestão de pessoas e comprometimento A pesquisa empírica tem privilegiado, mes- mo que de forma insuficiente, o exame de práticas de gestão específicas, deixando de considerar que tais práticas se inserem em sistemas integrados, guiados por uma ló- gica e um conjunto de valores centrais que orientam todas as relações entre a organiza- ção e seu corpo de empregados. Em um trabalho voltado para a com- preensão dos fatores que tornam organiza- ções resilientes para manter suas vantagens competitivas, Beer (2009) desenvolve um modelo que articula, em um sistema cíclico, alto comprometimento e alto desempenho nas organizações de trabalho. Esse sistema se apoia em três pilares básicos capazes de sustentar tanto o comprometimento quan- to o desempenho e de potencializar suas interações. A Figura 10.10 ilustra os três pi- lares básicos, apresentados pelo autor, para atingir o sistema cíclico de alto comprome- timento e alto desempenho. O primeiro pilar é definido como “Desempenho alinhado à estratégia organi- zacional” e envolve a estrutura, os sistemas e as habilidades das pessoas ou os recursos humanos. Para o autor, é necessário que a estrutura organizacional e os objetivos estra- tégicos estejam ajustados, mantendo-se uma consistência interna entre os diversos níveis e subunidades organizacionais. A exposição clara acerca da estratégia e a aplicação de políticas e práticas consistentes e eficazes so- bre gerenciamento de pessoas fortalecem o vínculo entre trabalhadores e organizações, levando à concretização de regras, normas, responsabilidades e relacionamentos entre coordenações e subordinados. O “Alinhamento psicológico”, segun- do pilar básico, refere-se ao vínculo emo- cional ou contrato psicológico desenvolvi- do pelo indivíduo perante a missão, valores e cultura organizacional. Ressaltamos que esse vínculo emocional é desenvolvido des- de o processo de recrutamento e seleção de pessoas e indica que os indivíduos são mo- tivados por questões intrínsecas. Na pers- pectiva do autor, tal vínculo revela-se como uma característica central para o desenvol- vimento do sistema cíclico. O terceiro pilar, a “Capacidade para aprendizagem e mudança”, indica que or- ganizações e líderes promovem condições de desenvolvimento de aprendizagem en- volvendo conhecimento sobre o mercado externo e, também, sobre a realidade inter- na da organização, criando, dessa forma, condições para a manutenção do sistema cíclico. Segundo Beer (2009), essas ações promovem uma cultura de aprendizagem capaz de favorecer o desenvolvimento mú- tuo de pessoas e organizações. O desenvolvimento e a manutenção desses pilares ocorrem se líderes buscam resolver problemas com base nos aspectos que são levantados por cada um. Uma or- ganização que associa os seus objetivos es- tratégicos aos de desempenho potencializa seus resultados conforme os empregados vinculam-se psicologicamente a ela. Com isso, pessoas comprometidas estão aptas a executar a estratégia de forma flexível e prática. o trabalho e as organizações 303 Um segundo modelo integrativo – o agency-community – concebido por Rous- seau e Arthur (1999), é uma tentativa de analisar os processos de gestão de pesso- as sob uma nova perspectiva que articula duas concepções, tradicionalmente opostas, acerca dos processos de gestão de pessoas nas organizações: a que prioriza o indivíduo e a que prioriza a coletividade. Tal discussão tornou-se relevante e atual no final do sécu- lo XX com as intensas mudanças no mundo do trabalho, decorrentes dos processos de globalização e dos avanços das tecnologias de informação e comunicação, que coloca- ram em xeque muitos dos postulados que apoiavam as políticas de gestão de pessoas nas organizações, a exemplo da estabilidade e possibilidade de carreiras longas em uma mesma empresa. Os termos agency e communion foram desenvolvidos como uma forma de repre- sentar duas vertentes opostas: de um lado, o self e a separação (agency) e, de outro, o foco nos outros e nas relações (commu- nion). Dessa forma, a noção agency privile- gia a tomada de decisões por parte dos ato- res de acordo com seus interesses (perfil do empreendedor individual). Já o community enfatiza uma maior participação e interde- pendência dos atores, além de envolver ex- pressões como suporte mútuo, cooperação e adaptação coletiva ao ambiente (perfil do trabalhador comprometido). Os autores propõem, entretanto, o de- senvolvimento de um modelo híbrido que não seria apenas uma justaposição de práti- cas típicas de cada modelo, quando analisa- dos de forma separada ou dicotômica. Pelo contrário, todas as práticas de gestão de pessoas – do recrutamento, da seleção, pas- sando pela aprendizagem, avaliação e be- nefícios – deveriam equilibrar o estímulo à autonomia, a autorregulação e a capacidade decisória e a cooperação, o suporte mútuo e o espírito de pertencimento a uma cole- tividade cujo desempenho não é a simples soma de desempenhos individuais. Esse modelo seria, inclusive, mais apropriado às demandas contemporâneas dos ambientes de trabalho. Figura 10.10 pilares básicos para alto comprometimento e alto desempenho. fonte: os autores. Com base em beer (2009). Conhecimento sobre o mercado externo e a realidade interna da organização Capacidade para apren- dizagem e mudança Desempenho alinhado à estratégia organizacional Estrutura, sistemas e habilidades das pessoas Consistência e eficá- cia na aplicação de políticas e práticas de gestão de pessoas Vínculo emocional ou contrato psicológico desenvolvido pelo indivíduo perante a missão, valores e cul- tura organizacional Alinhamento psicológico ALTO COmPROmE- TImENTO E ALTO DESEmPENhO 304 borges & mourão (orgs.) O modelo desenvolvido por Rous- seau e Arthur (1999) foi operacionalizado no Brasil por Granjeiro (2006) e Bastos e Granjeiro (2008) e permitiu localizar as organizações em um continuum quanto ao peso dado aos elementos agency e commu- nity em seus modelos de gestão. Embora a possibilidade de articular elementos desses dois polos seja ainda um problema a ser amplamente investigado, o modelo permite analisar os possíveis impactos do conjunto de práticas de gestão de pessoas sobre os vínculos do trabalhador, o que constitui um avanço em relação ao estudo que relaciona práticas isoladas. A pesquisa desenvolvida por Pinho (2009) aponta algumas evidências impor- tantes de que o comprometimento é mais forte nas organizações em que as práticas de gestão são percebidas
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