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Sebenta Microbiologia Alimentar 2017/2018 (Prof. Fernando Tavares e Prof. João Cabral) Giovanna Calvão Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 1 Índice programático Cap. 1: Introdução à microbiologia alimentar; Cap. 2: Ubiquidade e diversidade dos microrganismos. Microrganismos produtores de alimentos, de alteração e patogénicos. Plasticidade genómica e rápida multiplicação dos microrganismos. Cap. 3: Macronutrientes, micronutrientes e fatores de crescimento. Categorias nutricionais de microrganismos. Fatores que condicionam o crescimento de microrganismos. Cap. 4: Curva de crescimento. Contagens diretas de células. Cap. 5: Cultura em sistema contínuo ou aberto. Metabolitos primários e secundários. Cap. 6: Fatores intrínsecos e extrínsecos. Potencial redox. Cap. 7: Bactérias patogénicas em alimentos. A presença de Listeria monocytogenes, Staphylococcus aureus, Clostridium perfringens e C. botulinum, Bacillus cereus, Brucella, Campylobacter e Yersinia enterocolitica. Reservatório da bactéria no ambiente, toxinas, contaminação e crescimento nos alimentos, dados clínicos e saúde pública. Cap. 8: pH e qualidade de alguns alimentos. Conceitos ecológicos em microbiologia de alimentos. Cap. 9: As bactérias do ácido láctico. As bifidobactérias. A importância da composição da flora intestinal para a saúde do homem. Probióticos. Prebióticos. Simbióticos. Metabióticos. Microbiologia do iogurte. Microbiologia do quefir. Microbiologia do queijo. Microbiologia do pão, do vinho e da cerveja. Microrganismos indicadores (indicator) e substitutos (surrogate). Microbiologia dos produtos embalados. Cap. 10: Aditivos alimentares. Conservantes. Elementos antimicrobianos de origem animal. Elementos antimicrobianos de origem vegetal e microbiana. Técnicas de preservação de alimentos. Cap. 11: Avaliação da qualidade microbiológica dos produtos vegetais. Microrganismos indicadores, sinalizadores e sentinelas. FOODNET CANADA - O sistema nacional Canadiano integrado de vigilância microbiológica alimentar. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 2 Objetivos do estudo da microbiologia alimentar 1. Análise da diversidade microbiana nos alimentos; 2. Compreensão do motivo da presença de microrganismos nos alimentos tendo em conta a composição nutricional dos alimentos; 3. Caracterização do tipo de relação entre alimentos e microrganismos, seja toxicidade, transformação ou deterioração; 4. Avaliação dos impactos económicos, de saúde pública e na produção industrial de alimentos. Introdução Problemas relacionados com a segurança alimentar são um problema de saúde pública importante. Muitos patogénicos de origem animal ou vegetal preocupam seriamente a comunidade agrícola devido ao elevado nível de contágio que representam, resultando numa taxa de mortalidade elevada. Exposição a estes agentes patogénicos resultam em aproximadamente 76 milhões de doenças, 325000 hospitalizações e 5000 mortes só nos EUA. Em adição ao problema de saúde pública há também a perda de lucro associada a estes surtos, alguns destes microrganismos são a E. Coli, Salmonella typhimurium, Stapylococcus aureus, Listeria monocytogenes e Enterococcus faecalis. As doenças de origem alimentar (foodborne illness) dividem-se em três tipos: Intoxicações alimentares – provocadas pela ingestão de substâncias tóxicas, as toxinas, que são sintetizadas no alimento pela ação da proliferação e metabolismo microbianos; Ex – Staphylococcus aureus, Clostridium Botulinum e biotoxinas. Infeções alimentares – provocada pela presença de microrganismos patogénicos, o qual coloniza o hospedeiro, sem produção de toxinas; Ex – Salmonella spp., Listeria monocytogenes, E. Coli, Shigella spp., Yersinia enterolitica, virus... Toxinfeções alimentares – provocada pela presença de microrganismos patogénicos com produção de toxinas; Ex – bacillus cereus, clostridium perfringens, vibrio cholerae... Food producers • Microrganismos com certas propriadades, p.e. relacionados com a fermentação do pão, entre outros; Food spoilers • Microrganismos que deterioram alimentos; Food poisoners • Microrganismos que, após serem ingeridos através de alimentos, provocam mal-estar; Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 3 História 3180 AC – 1ª Dinastia do Egipto, Imperador Shemsu, afetada por uma grande epidemia (peste); 1000 AC – Secagem, fumeiro, salga e especiarias utilizadas na China para conservação de alimentos. 79 – Epidemia, provavelmente de antrax, em Itália. Surge após a erupção do Vesúvio e provoca mortalidade em gado. Simultaneamente uma peste de origem desconhecida causa grande mortalidade na população humana (Bacillus anthracis). 857 – Referências a uma intoxicação alimentar que causa vómitos, sensação de calor ou frio intenso, dores musculares e alucinações: ergotismo ou Fogo de S. António. Intoxicação provocada pelo esporão-do-centeio (Claviceps purpurea), que produz alcalóides que contaminam o pão. 900 – Primeira referência ao botulismo (Clostridium botulinum). Imperador Leo VI do império Bizantino proíbe o consumo de sangue em alimentos. 1070 – Um pedaço de queijo fresco esquecido por um pastor numa cave na região de Roquefort fica contaminado por um bolor esverdeado que mais tarde foi classificado como Penicillium roqueforti. Surgia assim o Queijo Roquefort. 1800 – É usada a lixívia para a sanitização da água de consumo. 1826 – Pandemia de cólera (Vibrio choleare) surge no sudeste da Ásia e alarga- se à Europa, Inglaterra em 1831 e Paris em 1832. Estende-se ao Canadá no verão de 1832 transmitida por emigrantes Irlandeses e no mesmo ano aos USA. 1846– Grande fome na Irlanda provocada pelo míldio da batata (Phytophthora infestans, oomiceto). Um milhão de mortes e um milhão de emigrados. 1846 – John Snow apresenta os seus trabalhos sobre a transmissão da cólera pela água. Localiza efluentes da contaminação. 1856 – William Budd sugere a transmissão da febre tifoide através de águas contaminadas com as fezes de pessoas infetadas. Sugere a sanitização química da água. 1861 – Pasteur apresenta as experiências com os frascos de pescoço-de-cisne. O esclarecimento final da controvérsia surge com as experiências de Ferdinand Cohn (1875 e 1876) que revela a resistência de esporos bacterianos ao calor. 1890 – Descoberta por Knut Helge Faber a exotoxina do tétano. 1892 – Richard Friedrich Johannes Pfeiffer introduz o termo endotoxina relativo a bactérias cujos filtrados de cultura não provocam doença. Entre as doenças provocadas por endotoxinas contam-se a febre tifoide, cólera e pneumonia. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 4 Crescimento bacteriano As bactérias geralmente reproduzem-se assexuadamente por fissão binária, nesse processo ocorre a replicação do cromossoma e uma célula divide-se em duas, de seguida ocorre a divisão do cromossoma replicado e o desenvolvimento de uma parede celular transversal. Pode também ocorrer gemulação, esporulação ou fissão múltipla. O crescimento por fissão binária pode ser representado como o logaritmo de células viáveis em função do tempo de incubação resultando numa curva que apresenta 4 fases distintas: Fase lag – também chamada de fase de espera, não há um aumento do nº de células, no entanto, o metabolismo das células é elevado pois encontram-se a sintetizar novos componentes. Esta fase é necessária pois podem ser células velhas que não possuam enzimas/ATP necessários para o crescimento, podem estar danificadas e a precisar de tempo para recuperar, etc. Varia com a condição de microrganismos e com a natureza do meio; Fase exponencial (log) – há o crescimento rápido dos microrganismos, dividem-se e duplicam o seu nc em intervalos regulares, é uma reta cuja inclinação depende da velocidade da divisão das bactérias. A população é mais uniforme em termos de propriedades químicas e físicas durante estas fase e, assim, culturas nesta fase são normalmente usadas em estudos bioquímicos e fisiológicos; Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 5 Fase estacionária – o nº de mortas iguala-se ao nº de células produzidas, resultando num equilíbrio na população, podendo ocorrer por várias razões, por exemplo, quando começa a haver carência de nutrientes, quando o O2 esgota, quando começa a haver acumulação de produtos tóxicos. As células podem adquirir resistência ao facto de haver falta de nutrientes produzindo proteínas starvation que a tornam mais resistente ao dano causado – logo, tornam-se mais difíceis de matar e mais virulentas; Fase de declínio/morte – as bactérias passam a morrer mais rapidamente do que a população de novas células, sendo normalmente logarítmica, ou seja, uma proporção constante de células morre todas as horas. Matemática do crescimento microbiano Durante a fase exponencial cada microrganismo se divide em intervalos constantes, assim, a população duplicará em numero durante um período específico designado tempo de geração (doubling time). Suponhamos que um tubo de cultura é incubado com uma célula que se divide a cada 20 minutos: a população será de 2 células após 20 minutos, 4 células após 40 minutos e por aí adiante. Assim o aumento de população é sempre → 2n (n é o nº de gerações) Podemos descrever estas observações como equações para o tempo de geração (g), sendo: N0=nº inicial da população; Nt=população no momento t; n=nº de gerações no momento t. A taxa de crescimento durante a fase exponencial em cultura fechada pode ser expressa em termos da constante da taxa de crescimento médio (k), que consiste no número de gerações por unidade de tempo, normalmente expressa como gerações por hora: Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 6 O tempo que é necessário para uma população duplicar em tamanho, isto é, o tempo médio de geração (g), pode ser calculado por: O tempo médio de geração (g) é o inverso da constante da taxa média de crescimento (k) Os tempos de gerações variam bastante com as espécies de microrganismos e com as condições ambientais, podendo variar entre menos de 10 minutos até vários dias – no entanto, é preciso ter em conta que os tempos de geração na natureza são normalmente maiores que em cultura. Cultura em sistema fechado – microrganismos passam pelas fases mencionadas acima – lag, exponencial, estacionária e morte/declínio. Cultura em sistema contínuo ou aberto – consiste num sistema que mantém as culturas sempre em fase exponencial através do fornecimento constante de nutrientes (meio de cultura fresco, p.e) e pela remoção contínua de resíduos; ↳ Quimiostato: neste tipo de sistema o fluxo de entrada e saída de nutrientes mantém-se a um determinado valor de tal maneira que a velocidade de crescimento de cultura é ajustada à velocidade do fluxo – o meio de cultura possui um nutriente essencial em quantidades limitantes. Permite, assim, estudar o crescimento microbiano e tem aplicações em várias indústrias; ↳ Turbidostato: inclui um dispositivo que lê a turvação do meio e ajusta a entrada e saída de nutrientes de acordo com essa leitura, mantendo assim o nível populacional da cultura e a densidade celular. Quantificação do crescimento microbiano Existem dois modos de quantificar o crescimento microbiano para determinar as taxas de geração e tempos de geração – pelo aumento do nº de células ou pelo aumento da massa total da população. Assim, para se determinar o nº de UFC (células viáveis): 1. Método de diluição em placa Quando a concentração é grande, preparam-se várias diluições seriadas numa sequência de 1:10 para se semear cada uma dessas diluições num meio nutritivo, usando alíquotas, onde as bactérias se poderão reproduzir Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 7 e formar colónias. No final, escolhe-se a placa que tiver entre 15-150 colónias e conta-se o nº de colónias, multiplicando-se pelo fator de diluição. 2. Método de sementeira por espalhamento (spread plate) A amostra diluída deve ser pipetada sobre a superfície do meio sólido e espalhado com uma vareta de vidro (semeador de vidro) dobrada em L de forma homogénea, vão-se, então, formar colónias isoladas à superfície. Para haver sucesso no isolamento de colónias é necessário que o nº de bactérias viáveis presentes não seja muito elevado. Obs: as placas vão a incubar em posição invertida, pelo que é necessário que o meio esteja sólido. 3. Método por incorporação Pipeta-se primeiro a amostra diluída para a placa estéril e só depois é adicionado o meio de cultura apropriado, no estado liquefeito, misturando-se depois com cuidado. Neste método as colónias crescem tanto à superfície como no interior do meio usado, ou seja, é um ponto positivo para os microaerófilos (crescem em meios com quantidades baixas de O2 – anaerobiose). Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 8 Nutrição microbiana Macronutrientes necessários (grandes quantidades) – carbono, oxigénio, hidrogénio, nitrogénio, enxofre, fosfato, etc; encontram-se em moléculas orgânicas como proteínas, lípidos, carboidratos e ácidos nucleicos. Micronutrientes necessários (pequenas quantidades) –manganês, zinco, cobalto, níquel, cobre, etc; estes são ubíquos e provavelmente não limitam o crescimento. Produção de metabolitos Os metabolitos são produtos intermediários das reações metabólicas catalisadas pelas várias enzimas existentes nas moléculas. Existem 2 tipos: 1. Metabolitos primários – são produzidos no decurso de reações anabólicas (requerem ATP), como a síntese de moléculas complexas a partir de moléculas mais simples, e catabólicas (produzem ATP), como reações de degradação/decomposição, que contribuem para o crescimento das células – fase exponencial, maioritariamente; Ex: etanol na fermentação alcoólica (produzido em grande escala pela indústria); 2. Metabolitos secundários – são produzidos por vias anabólicas especializadas quando não há crescimento (fase estacionária), não estando diretamente envolvidos no processo de crescimento, desenvolvimento ou reprodução de microrganismos; Ex: vários antibióticos; Categorias nutricionais de microrganismos Quanto à fonte de C – microrganismos autotróficos (CO2) ou heterotróficos (compostos orgânicos); Quanto à fonte de energia – luz, orgânica ou inorgânica. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 9 Categorias nutricionais Fonte de carbono Fonte de energia Exemplos Fotoautotrófico CO2 Luz algas, bactérias fotossintéticas Fotoheterotrófico Composto orgânico Luz bactérias fotossintéticas Quimiolitoautotrófico CO2 Inorgânica eurobactérias nitrificantes e oxidantes de enxofre Quimiolitoheterotrófico Composto orgânico Inorgânica algumas arqueobactérias metanogénicas Quimiorganoautotrófico CO2 Orgânica eurobactérias metilotróficas autotróficas Quimiorganoheterotrófico Composto orgânico Orgânica fungos, protozoários e a maioria das eurobactérias Os microrganismos quimiorganoheterotróficos (quimioheterotróficos) representam a maioria dos patogénicos, ou seja, estes obtêm a energia através de compostos orgânicos, usam substâncias orgânicas para obtenção de energia e obtenção de carbono. Apesar de uma espécie em particular normalmente pertencer a apenas um dos tipos nutricionais, alguns mostram uma grande flexibilidade metabólica e alteram os seus padrões metabólicos em resposta a padrões ambientais. Fatores de crescimento Os microrganismos normalmente crescem e reproduzem-se quando minerais e outras fontes de energia, carbono, etc são fornecidas pois possuem enzimas e vias necessárias para sintetizar todos os componentes celulares necessários para o seu crescimento. Porém, existem alguns que não apresentam certas enzimas essenciais e não são capazes de produzir constituintes indispensáveis, logo, terão de os obter a partir do ambiente em que se encontram. Assim, os fatores de crescimento são esses compostos que a célula precisa para crescer mas que não consegue sintetizar: aminoácidos são necessários para a síntese de proteínas, purinas e pirimidinas são necessárias para a síntese de ácidos nucleicos e vitaminas que sustêm o crescimento microbiano. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 10 Metabolismo microbiano O metabolismo pode ser dividido em duas partes principais: 1. Catabolismo - moléculas maiores e complexas são quebradas em moléculas mais pequenas e simples com a libertação de ATP. Alguma desta energia é armazenada e tornada disponível na forma de calor, o resto é libertado como calor; 2. Anabolismo – gasta a ATP armazenada no catabolismo na síntese de moléculas complexas a partir de outras mais simples. Usa energia de modo a aumentar a ordem do sistema; Os microrganismos usam, normalmente, uma das três fontes de energia: os fotolitotróficos capturam a energia solar, os quimiorganotróficos oxidam moléculas orgânicas para libertar energia e os quimiolitotróficos usam nutrientes inorgânicos como fontes de energia. Porém, podem ser flexíveis quanto a este aspeto e também quanto a nível de aceitadores de eletrões que são usados pelos quimiotróficos, distinguindo-se em: 1. Fermentação – o substrato é oxidado e degradado sem a participação de um aceitador de eletrões externo ou derivado; normalmente a via catabólica produz um intermediário como o piruvato que desempenha esse papel; a fermentação ocorre, normalmente, sob condições aeróbias, porém, pode ocorrer por vezes quando o O2 está presente; Em microbiologia – processo fornecedor de energia no qual as moléculas orgânicas funcionam tanto como aceitadores de eletrões e dadores; 2. Respiração – usa aceitadores de eletrões ou derivados e subdivide-se em 2 tipos: a. Respiração aeróbica – o aceitador de eletrões final é o O2; b. Respiração anaeróbica – o aceitador é usualmente inorgânico (p.e, NO3-, SO42-, CO2, Fe3+, SeO42-, e outros), mas aceitadores orgânicos como fumarato podem ser usados. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 11 Em microbiologia – processo fornecedor de energia no qual o aceitador é uma molécula inorgânica, tanto oxigénio ou outro aceitador inorgânico. A maior parte da respiração envolve a atividade de uma cadeia transportadora de eletrões e a quantidade de energia disponível é diferente na fermentação e na respiração: ↳ O aceitador de eletrões na fermentação encontra-se no mesmo estado de oxidação do nutriente original, não existindo oxidação vinda do nutriente. Assim, apenas uma quantidade limitada de energia se torna disponível; ↳ O aceitador de eletrões na respiração apresenta um potencial de redução muito mais positivo do que o substrato e, assim, muito mais energia será libertada durante a respiração. Podemos definir três etapas do metabolismo aeróbico: Etapa 1 – moléculas de nutrientes complexas (proteínas, polissacarídeos e lípidos) são hidrolisadas ou quebradas nas suas partes constituintes e as reações químicas que ocorrem durante esta etapa não libertam muita energia; Etapa 2 – a.a, monossacarídeos, ácidos gordos, glicerol e outros produtos da primeira etapa são degradados a moléculas mais simples nesta etapa. Normalmente, metabolitos como acetil coenzima A, piruvato e intermediários do Ciclo de Krebs são formados. Os processos desta etapa são capazes de operar tanto aerobicamente como anaerobicamente e muitas vezes produzem ATP, NADH e/ou FADH2; Etapa 3 – nutrientes carbonados são introduzidos no ciclo de Krebs e são oxidados completamente a CO2 com a produção de ATP, NADH e FADH2 pela cadeia transportadora de eletrões. O oxigénio, ou por vezes outra molécula inorgânica, é o aceitador de eletrões final. Assim, as moléculas de nutrientes vão sendo afuniladas para alguns intermediários metabólicos (metabolitos) até serem introduzidas no ciclo de krebs. Uma via comum degrada várias moléculas semelhantes sendo que a existência de algumas vias catabólicas comuns aumenta bastante a eficácia metabólica, diminuindo a necessidade de uma flexibilidade metabólica. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 12 Fatores que afetam o crescimento de microrganismos em alimentos 1. Temperatura Para todos os microrganismos existem 3 temperaturas importantes: temperatura mínima (abaixo da qual não há crescimento), temperatura ótima (onde o crescimento é máximo) e temperatura máxima (acima da qual não há crescimento pois as enzimas foram danificadas pelo calor). De acordo com a temperatura de crescimento é possível distinguir, pelo menos 3 grupos fisiológicos de bactérias: a. Psicrófilos: crescem entre a 0 ᵒC e 20 ᵒC (ex: bacillus psyrophilus, chlamydomonas nivalis); b. Psicrotrófico: são capazes de crescer entre 0-7 ᵒC e apresentam um crescimento ótimo entre 20-30 ᵒC e um máximo a 35 ᵒC (ex: Listeria monocytogenes, pseudomonas fluorescens); c. Mesófilo: desenvolvem-se entre 20-45 ᵒC (ex: E.coli); d. Termófilo: capazes de crescer a 40-70 ᵒC (ex: Bacillus stearothermophilus); e. Hipertermófilo: apresentam um crescimento ótimo entre 80-113 ᵒC (ex: sulfolobus); Fatores extrínsecos (características do ambiente): Temperatura, humidade relativa, presença e concentração de gases (CO2 e O2). Fatores intrínsecos (características do substrato): Nutrientes disponíveis, pH, capacidade tamponante, potencial oxidação-redução, atividade de água (aw), barreiras antimicrobianas e estruturas biológicas. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 13 O fator mais importante da influência da temperatura no crescimento é a sensibilidade de reações catalisadas por enzimas: a temperaturas baixas, um aumento da temperatura aumenta a taxa de crescimento pois a velocidade de uma reação enzimática duplica a cada aumento de 10 ᵒC, logo, o metabolismo é mais ativo a maiores temperaturas até a uma certa temperatura em que se começam a danificar estruturas como as enzimas. Em alimentos são poucos os psicrófilos que causam problemas, porém, a Listeria monocytogenes e o Clostridium botulinum conseguem desenvolver-se a temperaturas baixas de -0,4 ᵒC e 3,3 ᵒC, respetivamente, até 5 ᵒC, ou seja, conseguem desenvolver-se mesmo dentro do congelador ou frigorífico. A temperatura de crescimento é conhecida por regular a expressão de genes virulentos em certos patogénicos, por exemplo, a expressão de proteínas governada pelo plasmídeo virulento da Yersinia enterocolitica é alta a 37 ᵒC, baixa a 22 ᵒC e não detetável a 4 ᵒC. Neste caso, o importante não é o crescimento microbiano mas sim a produção de toxinas que são a causa das doenças. Tem também impacto na Listeria monocytogenes (organismos termosensível), quando inoculado partir de salsichas enlatadas a 48 ᵒC, o seu valor de D aumenta até 64 ᵒC. Subtemperaturas letais levam a bactéria a adquirir resistência à temperatura imposta, passando esta característica a gerações futuras. ↳ Problema: a temperaturas elevadas os alimentos vêm-se livres da maioria dos microrganismos, porém, as suas características organolépticas são alteradas. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 14 2. Oxigénio O efeito do crescimento na quantidade disponível de O2 faz-se sentir no crescimento microbiano em microrganismos aeróbios e facultativos. Quanto à respiração, as bactérias podem ser: Categorias nutricionais Ambiente aeróbio Ambiente anaeróbio Efeito do O2 Aeróbios obrigatórios Crescem Não crescem Necessário (respiração aeróbia) Microaerofílicos Crescem (se houver pouco O2) Não crescem Necessário em baixas quantidades Anaeróbios obrigatórios Não crescem Crescem e produzem toxinas - Anaeróbios facultativos Crescem Crescem Não necessário + usado Aerotolerantes Crescem Crescem Não necessário + não usado Resumindo: os aeróbios obrigatórios necessitam de O2 para crescer, anaeróbios obrigatórios só crescem na ausência de O2, microaerofílicos precisam de O2 mas em pressão inferior à atmosférica e aeróbios facultativos (ex: salmonella) só quando não há O2 é que realizam a fermentação, quando têm acesso a O2 realizam a respiração aeróbia porque há mais rendimento energético e os aerotolerantes crescem na presença ou ausência de O2. (a) Aeróbios obrigatórios; (b) Anaeróbios obrigatórios; (c) Anaeróbios facultativos; (d) Microaerófilos; (e) Anaeróbios aerotolerantes. O metabolismo aeróbio é muito mais eficiente, favorecendo o rápido crescimento da cultura em questão – via aeróbia tem como produtos finais de metabolismo o CO2 e H2O; já o metabolismo anaeróbio (fermentativo) tem como produtos finais compostos orgânicos que variam de acordo com o microrganismo e que, na maioria das vezes, impedem o crescimento microbiano. Uma agitação dos tubos leva a: melhor aeração do meio, homogenização dos nutrientes do meio e uma dispersão de metabolitos. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 15 3. pH O ph é a medida de atividade do ião hidrogénio numa solução e é definido como o logaritmo negativo da concentração desse ião (pH=−log[H+]). Os habitats nos quais os microrganismos crescem são vários, sendo que cada espécie apresenta uma gama de pH de crescimento definido e um pH ótimo para o crescimento, podendo ser distinguidas 2 classes: a. Acidófilos: o seu crescimento ótimo varia entre 0 e 5,5; é o caso da maioria dos fungos e de bactérias encontradas em fluídos gástricos, vinagre, sumo de frutos, alimentos fermentados, etc; b. Neutrófilos: o seu crescimento ótimo varia entre 5,5 e 8,0; é o caso da maior parte das bactérias e protozoários; c. Alcalófilos: o seu crescimento ótimo varia entre 8,5 e 11,5 (alcalófilos extremos crescem a um pH igual ou superior a 10,0); é o caso de bactérias encontradas em lagos e solos alcalinos; Usualmente as bactérias mantêm o pH interno perto do pH neutro para prevenir mudanças conformacionais nas suas estruturas como enzimas, ácidos nucleicos, fosfolípidos e proteínas. Variações drásticas no pH citoplasmático podem danificar a membrana plasmática e inibir a atividade de enzimas e proteínas de transporte membranar, se houverem alterações no pH externo há alterações a nível da ionização de moléculas e nutrientes, reduzindo, assim, a disponibilidade destas moléculas para o organismo. Os microrganismos possuem vários mecanismos que lhes permitem sobreviverem a alterações de pH e manterem a sua neutralidade tais como a presença de tampões internos, o facto da membrana plasmática ser relativamente impermeável a protões, etc. Por exemplo, se o pH externo descer a 5-6 a Salmonella Notas: em alimentos enlatadas sem acesso a O2, microrganismos como o Clostridium Botulinum desenvolvem-se ativamente. Notas: Pseudomonas aeruginosa é aeróbio obrigatório, a E.coli é anaeróbio facultativo e o Clostridium Botulinum é um anaeróbio obrigatório. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 16 typhimurium e E. coli sintetizam uma gama de novas proteínas como parte da sua resposta de tolerância à acidez. A acidez é o principal fator que garante a conservação dos alimentos fermentados, podendo este fator ser combinado com outros que também promovem a sua conservação tal como o calor, adição de conservantes, etc. Como os alimentos de origem animal têm um pH mais alto que os de origem vegetal, aproximando-se da neutralidade (ex: carne logo após o abate, leite, peixe, ovos...), estão mais suscetíveis ao crescimento de microrganismos pois esse é o pH ótimo de crescimento para os mesmos. Existem exceções como os iogurtes e queijos que possuem um pH ligeiramente mais baixo tal como os vegetais e frutas devido aos processos fermentativos que sofreram. Resumindo: para alimentos com um pH > 4,5 há uma predominância de crescimento microbiano (patogénicos, esporângicas ou não, aeróbios ou anaeróbios, mesófilos ou termófilos), para alimentos com um pH entre 4,5 e 4,0 há uma predominância de leveduras oxidativas ou fermentativas e de bolores (em aerobiose) e de algumas bactérias formadoras de esporos ou não, já para alimentos com pH < 4,0 ficam restritos a quase que exclusivamente leveduras e bolores. ALIMENTOS pH Neutros Carne logo após o abate, leite, peixe... 7,0-6,5 Pouco ácidos Carne fresca, toucinho fumado, vegetais enlatados 6,5-5,3 Acidez média Vegetais fermentados, queijos 5,3-4,5 Ácidos Frutos, sumos de fruta, tomate, iogurte... 4,3-3,7 Muito ácidos Picles, citrinos <3,7 Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 17 4. Atividade da água (aw) A disponibilidade de água não depende apenas da quantidade absoluta de água, sendo também um fator de concentração de solutos como sais, açúcares e outras substâncias solúveis em água. A atividade da água (aw) é, então, uma medida da quantidade de água disponível que existe num alimento e que pode ser comparada ao valor da humidade relativa, p.e, no estado sólido esta percentagem é muito baixa. Quanto maior for a atividade da água de um alimento, maiores serão as possibilidades para o crescimento de microrganismos. Assim, alimentos com elevada atividade da água (p.e, leite e carne) serão facilmente sujeitos a degradação por ação dos agentes microbianos enquanto que alimentos com menor atividade da água (p.e, cereais) têm um período de conservação maior. A atividade da água de uma solução é 1/100 da humidade relativa da solução, ou seja, é expressa em percentagem. É inversamente proporcional à pressão osmótica, pelo que se essa for elevada, então aw é também elevada. aw = Psolução Págua De um modo geral, o balanço da água é positivo, na medida em que o citoplasma é, tipicamente, mais concentrado, o que permite que a água entre na célula por osmose. No entanto, se a célula se encontrar num meio hipertónico, cuja concentração exceda a do citoplasma, a água vai sair da célula e essa irá ter que fazer um esforço extra para contrariar essa tendência, já que uma célula desidratada não apresenta crescimento. Os microrganismos conseguem viver com valores de aw de 0,7 até 1, porém, são poucos os que conseguem multiplicar-se com valores abaixo de 0,98 (aproximado do valor da água do mar). Isto explica o porquê de alimentos secos ou com a adição de grandes quantidades de sal ou açúcar conseguem ter uma vida útil muito maior. O conceito de baixar a aw para se prevenir o crescimento de microrganismos é a base da preservação de alimentos por secagem (ao sol ou por evaporação) ou através da adição de elevadas % de sal ou açúcar. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 18 Podemos ter duas classes de microrganismos no que toca à sobrevivência quando há valores baixos de aw: a. Halófilos: microrganismos que requerem a presença de NaCl para conseguirem crescer a. Halófilos fracos: organismos que necessitam da presença moderada de sal, como é o caso das espécies marinhas cujo crescimento ótimo requer 1-6% de NaCl; b. Halófilos moderados: organismos que conseguem suportar ligeiras reduções de aw mas cujo crescimento ótimo se verifica na ausência do soluto em questão (6-15% NaCl); c. Halófilos extremos: organismos que habitam ambientes muito salgados, requerendo 15-30% de NaCl, dependendo da espécie; b. Osmotolerantes: são capazes de manter uma concentração de solutos elevada de modo a reter água, crescendo em várias gamas de aw ou concentração osmótica. P.e, alguns fungos são osmotolerantes estando envolvidos na deterioração de alimentos secos e salgados; a. Osmófilos: organismos capazes de viver em meios com altas concentrações de açúcar; b. Xerófilos: organismos capazes de viver em ambientes muito secos. Apesar de microrganismos halófilos serem osmófilos, este último termo é mais usado para organismos que conseguem viver em ambientes com elevada % de açúcar. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 19 Notas: Alimentos sem água são completamente seguros à temperatura ambiente, especialmente se estes forem liofilizados (quer dizer que não possuem água); no pão, a côdea tem um valor de aw menor que o do miolo, ou seja, serve de barreira antimicrobiana. 5. Barreiras antimicrobianas e estruturas biológicas Aditivos alimentares podem ser classificados de acordo com 6 funções primárias: preservação, melhoramento no valor nutricional, adição ou substituição de cor (sulfitos, nitritos), adição ou substituição de sabor (nitritos e alguns ácidos orgânicos), melhoramento na textura e auxiliares tecnológicos. Atualmente os consumidores estão a inclinar-se mais para alimentos que tenham características de alimentos frescos, ou seja, o uso de tratamentos extremos e/ou aditivos já não os satisfazem. a. Barreiras antimicrobianas – proteínas com ação enzimática (lisozima, atua sobre os peptidoglicanos, destruindo assim a parede celular (Gram - )), as lactoperoxidases têm uma atividade tóxica sobre os microrganismos e as ferritinas são quelantes de ferro, atuando sobre os seus iões; b. Estruturas biológicas – epicarpo de um fruto, pele de um animal, côdea de um pão; As barreiras antimicrobianas são compostos químicos que são adicionados ou presentes nos alimentos que retardam o crescimento microbiano ou que causam a sua morte. Podem ser naturais (ocorrem livremente na natureza, como mostra a tabela abaixo), produzidas pelos microrganismos ou adicionadas ao alimentos. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 20 Por exemplo, algumas especiarias possuem atividade inibidora muito elevada, como é o caso da canela e do cravo (eugenol), moderada na pimenta também e o alho (alicina – atividade mais eficiente que alguns antibióticos, antigamente as pessoas usavam-no mastigando pois alivia dores de dentes). Os microrganismos podem também têm atividade antimicrobiana, chamados de bactericidas, p.e, o ácido lático produzido pelas bactérias láticas pode ser usado em leite não UHT. Em moléculas antimicrobianas de origem animal temos as de origem proteíca como lactoferrinas, lisozimas, lactoperoxidases e lactoglobulinas presentes em leite de vaca, ovotransferrina, ovoglobulina, imunoglobulina Y presentes em ovos – todos estes compostos são polipéptidos e possuem um mecanismo comum de ação. Quanto a peroxidases temos a lactoperoxidase (LP) e hemoproteína presentes no leite, saliva e lágrimas, sendo a enzima mais abundante no leite de vaca – tem uma ação inibidora de bactérias, fungos, parasitas e vírus. As glicoproteínas (sequestradoras de Fe) como as lactoferrinas, lactotransferrina ou lactosideroforina, são moléculas que contribuem para o controlo de ferro em fluídos biológicos, tendo também atividade microbiana. Já os elementos antimicrobianos de origem vegetal englobam compostos fenólicos (antioxidantes – atacam especialmente bactérias Gram +), terpénicos, álcoois aliafáticos, aldeídos, cetonas, ácidos e bioflavonóides. A alicina é um composto presente em alhos e cebolas, é um óleo sem cor, extremamente pungente (picante/doloroso) que dá o sabor e odor característico aos mesmos. Tem uma atividade antimicrobiana de bactérias gram – e gram +, bem como de fungos, p.e a S. Aureus. A inibição é causada pela alicina, sendo apenas obtida após a injúria das células do mesmo, nomeadamente no vacúolo, ou seja só quando o alho é cortado é que há inibição. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 21 Tipo de ação das moléculas antimicrobianas a. Bacteriostática (fungistático, algistático): têm como função impedir a proliferação dos microrganismos, apenas impede a multiplicação das bactérias, não as matando. Usualmente são inibidores de síntese proteica e atuam por ligação reversível nos ribossomas – exemplos: álcool etílico; b. Bactericida: são substâncias que matam de forma direta os microrganismos, inibindo enzimas que desempenham um papel fundamental na sobrevivência dos mesmos; c. Bacteriolítica: são substâncias que, para além de matar as bactérias e impedindo a sua proliferação, destroem a parede celular através da lise celular, o que faz com que estes percam todo o material interno – exemplos: penicilina, antibiótico natural produzido pelo fungo Penicillium chrysogenum. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 22 Microbiologia preditiva Os fatores mais importantes a ter em conta no que toca à preservação e otimização de alimentos são o pH, a temperatura e aw. Porém, é muito difícil relacionar os três fatores pois os valores discretos de pH, temperatura e aw variam uns com os outros, logo, a relação entre os três não é imediata – a solução passa pela microbiologia preditiva que partindo de certos valores conseguimos obter uma função quadrática, permitindo-nos correlacionar os fatores. A microbiologia preditiva descreve, de forma quantitativa, os efeitos dos fatores intrínsecos e dos fatores extrínsecos no crescimento ou inativação dos microrganismos nos alimentos. Para isso são construídos modelos matemáticos derivados de estudos quantitativos sob dadas condições experimentais, obtendo no final uma curva que descreve o crescimento, viabilidade ou a morte dos microrganismos. Assim conseguimos compreender como as diferentes propriedades de um alimento, a sua origem o seu acondicionamento, podem influenciar a microflora, é um primeiro passo para fazer deduções assertivas sobre o tempo de prateleira, a deterioração e segurança microbiológica dos alimentos. Nomenclatura em modelos preditivos: Fator: o fator é uma variável independente, como a temperatura ou o pH que tomam mais do que um valor; Tratamento: conjunto de vários fatores (p.e: pH a 6,5 e temperatura a 25 ᵒC); Resposta: variável dependente, é aquilo que estamos a medir e a modelar (p.e: taxa de crescimento); Parâmetro: algoritmo que é aplicado ao tratamento e permite obter uma resposta concreta, relacionando o tratamento com a resposta. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 23 Tipos de modelos A maneira mais simples de categorizar os modelos é considerando os diferentes tipos em termos do uso ou para avaliar os perigos recorrentes que poderão acontecer (modelos de crescimento ou a redução dos mesmos (modelos de inativação ou sobrevivência). Há dois grandes grupos de modelos: os descritivos/empíricos (observacionais, empíricos) e os mecanicistas (teóricos, dedutivos), sendo que os primeiros são orientados por “data”, incluindo funções polinomiais e “redes neurais artificiais” e o último é composto por modelos analíticos e numéricos. Estes modelos não permitem fazer extrapolações para além do limite permitido pelos dados experimentais. Os modelos mecanicistas têm como objetivo relacionar os dados recolhidos com com princípios científicos fundamentais; muitos modelos têm parâmetros que são relacionados com fenómenos observados e, assim sendo, caem nesta classe – modelos analíticos. Previsibilidade versus aleatoriedade A maioria dos modelos falados são modelos deterministas, isto é, com o conhecimento das condições iniciais e depois de funções matemáticas podemos descrever o comportamento do sistema ao longo do tempo e é suficiente para prevermos o estado do mesmo em qualquer ponto do tempo. Porém, as bactérias não são assim tão cooperativas e as condições iniciais são menos claras. Os modelos que reconhecem e tomam ou variabilidade em sistemas experimentais são chamados de modelos estocásticos/probabilísticos, têm sido usados para prever a probabilidade de germinação de bactérias esporulantes patogénicas. Amostragem Amostragem de uma coleção de boa qualidade de curvas de crescimento é usada para construir os modelos, não existe um nº mínimo de curvas necessárias para a construção de um modelo mas normalmente são necessárias 70-100 curvas. Fatores Nunca conseguimos considerar todos os fatores na composição do alimento, por isso temos de escolher aqueles que são mais importantes no controlo do crescimento microbiano. Os mais importantes, como já foi referido, são o pH, a temperatura e aw. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 24 Planeamento e design Podemos ter design fatorial completo que é quando todas as diferentes combinações de fatores são investigadas, ou seja, é um tanto exaustivo no que toca ao nº de experiências. Por exemplo, se considerarmos um estudo experimental que usa uma resposta mensurável binariamente e que use 3 classes de variáveis (p.e: sidra de 3 tipos de plantas, um tratamento de congelamento-descongelamento e agentes preservantes como o sorbato de potássio) e 4 variáveis contínuas (p.e: pH da sidra, temperatura de armazenamento e concentração de preservação) resulta em 1596 tratamentos para os 3 tipos de sidra e como um tipo de sidra foi testado em duplicado e os outros em triplicado, o nº total de experiências é de 12768, o que é muito. Ou podemos ter um design fatorial fracionado que tem com objetivo reduzir o nº de experiências necessárias, porém, são mais difíceis de construir e por isso há vários tipos que se podem aplicar, sendo que o mais usado é o Box-Behnken design. Objetos de estudos Há várias abordagens aquando da escolha da estirpe para ser usado em modelos de microbiologia preditiva, podemos usar uma só estirpe ou uma mistura de diferentes estirpes (um cocktail). Para conseguirmos escolher é importante clarificar qual o objetivo do uso do modelo: o modelo vai ser usado para prever o possível crescimento de uma espécie de patogénicos em específico ou vai ser usado como modelo da flora de deterioração de um produto alimentar específico? Uma estratégia usado é escolher a estirpe que cresce mais rápido nas condições ambientais investigadas, pois é esse que vai estragar o produto primeiro, já que cresce mais rápido – ou seja, vai simular o pior cenário possível (dá-nos uma garantia de segurança). As estirpes usadas para desenvolvimento de um modelo podem, também, ser isoladas a partir a comida que está em investigação, sendo que é de grande importância que se use mais do que uma estirpe da espécie para aferir a sua influência. Quanto à patogenicidade, as estirpes escolhidas devem ser patogénicas quando há condições para isso, como é algo que não é fácil podem-se usar estirpes Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 25 não patogénicas e conseguimos obter os dados através de uma sobre estimativa. O ideal é, também, serem usados cocktails (mistura de estirpes) – variabilidade intra específica, pois (1) é muito mais representativa da situação encontrada nos alimentos – heterogeneidade, onde uma flora de estirpes é muito mais provável do que só 1 estirpe e (2) não é necessariamente a mesma estirpe que demonstra um crescimento rápido em todos os fatores considerados – p.e, uma estirpe com mais tolerância a concentrações elevadas de NaCl pode ser a mais rápida nestas condições e com um pH alto mas não necessariamente quando a concentração de NaCl e de pH são baixas. Fases importantes da microbiologia preditiva 1. Planeamento: definição clara do problema em mãos. a. Definir a principal prioridade: deterioração do alimento ou segurança? Qual o microrganismo de maior preocupação? b. Determinar a resposta ou variável dependente, p.e: taxa de crescimento, produção de toxinas, tempo de deterioração? c. Determinar a causa ou variáveis independentes, p.e temperatura, pH ou aw? 2. Recolha de dados: a variável dependente é determinada por diferentes valores das variáveis independentes que devem cobrir toda a amplitude da escala em que estamos interessados. 3. Adequabilidade do modelo: diferentes modelos que relacionam a resposta (variável dependente) às variáveis independentes são testados para se determinar o mais ajustado aos dados experimentais. 4. Validação do modelo: o modelo é avaliado através de dados experimentais não utilizados na sua construção Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 26 Modelos primários Um modelo primário de crescimento microbiano descreve a cinética do mesmo tendo em conta tão poucos parâmetros quanto possível, sendo mesmo assim possível definir com precisão os diferentes estágios de crescimento como na figura abaixo– normalmente usa-se para descrever o crescimento na densidade da população um log base 10. Estes modelos têm como base equações, logo são modelos mecanicistas. Os chamados modelos de viabilidade visam garantir a máxima segurança alimentar, logo, é importante o seu entendimento, p.e, antigamente eram usados destes modelos para assegurar a destruição dos esporos de C. Botulinum em comidas enlatadas de pH ácido. Estes modelos falados acima são lineares mas existem também modelos de viabilidade não-lineares – aquelas que apresentam uma fase lag antes da inativação e aquelas que exibem uma “cauda”, isto porque teoricamente aceitou-se que todas as bactérias possuíam comportamento logarítmico já que eram populações homogéneas no que toca a tolerância térmica. Porém isso foi questionado e levantou questões no que toca à validade das extrapolações feitas em curvas de inativação lineares. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 27 Modelos de inativação de esporos bacterianos apresentam um problema, p.e bactérias como Bacillus e Clostridium spp. podem existir em fase dormente (esporos), a qual é termicamente resistente, sendo que a germinação desses esporos pode ser conseguida por tratamento com calor subletal. Conclui-se, então, que há diferenças aquando do uso deste tratamento se estivermos na presença de esporos dormentes ou esporos ativos. Foi introduzido, então, o termo ‘D’ (tempo de redução decimal) que define o tempo necessário para que, a uma dada temperatura, haja uma redução de uma unidade logarítmica da carga microbiana (é linear, ou seja, vai de 1000 para 100 para 10 e para 1) e o termo ‘Z’ está relacionado com os modelos secundários e descreve o declive da curva de inativação térmica com o valor do declive igual à mudança de temperatura necessária para efetuar uma alteração de 1 unidade logarítmica no tempo. Por exemplo: se d=14 minutos e z=10 ᵒC a 65 ᵒC, quer dizer que se tivermos 1000 CFU num certo momento a essa temperatura, em 14 minutos teremos 100 CFU pois houve uma redução decimal. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 28 Modelos secundários As mudanças microbianas recorrentes em alimentos estão relacionadas com fatores ambientais – tanto extrínsecos como intrínsecos. Sendo assim, modelos secundários são aqueles que descrevem a influência de x fatores ambientais sob o crescimento microbiano, como físicas, químicas ou características bióticas. Ou seja, o primeiro passo passa pelo desenvolvimento de um modelo de crescimento/morte num ambiente constante (modelo primário) e só depois determinar como os parâmetros desse são afetados por fatores ambientais (modelo secundário). Falibilidade dos modelos preditivos Na maioria dos casos dos modelos teóricos, os alimentos são considerados homogéneos, o que realmente não se traduz na vida real pois possuem uma estrutura complexa (matrizes alimentares). Sendo assim, categorizaram-se 4 categorias para os alimentos: 1. Líquidos: fase aquosa, onde os microrganismos crescem platonicamente, isto é, crescem livremente; Exemplos – sopas e sumos (com material suspenso); Uso em laboratório para imitar – meio de cultura de caldo; 2. Gelificados: regiões dos alimentos em que os microrganismos estão imobilizados e crescem forçadamente em colónias; Exemplos: patés, gelatinas, alguns queijos; Uso em laboratório para imitar – células imobilizadas em agar ou gelatina; 3. Superfícies: tanto de vegetais ou tecidos de carne, que resulta também em formação de colónias; Exemplos – tecidos vegetais e animais; Uso em laboratório para imitar – agar ou gelatina; Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 29 4. Emulsões: o crescimento dos microrganismos é maioritariamente forçado pela disponibilidade da água; Exemplos – aqui podemos distinguir de “oil-in-water” que são alimentos como creme de leite, leite, molhos de saladas, maionese; “water-in-oil” que engloba manteigas e margarinas e emulsões gelificadas do qual faz parte queijo de leite integral; Uso em laboratório para imitar – alkane, emulsões de cultura médias e outras em que a fase aquosa é um gele com agarose; Os microrganismos ocupam a parte aquosa dos alimentos e características estruturais desta fase, sendo que os efeitos destas características estruturais no crescimento microbiano incluem restrições na distribuição mecânica da água, a redistribuição dos ácidos orgânicos pois pode haver redução da mobilidade microbiana. Ou seja, conforme as características microestruturais de cada alimento, também os microrganismos mudam de comportamento consoante isso. Isto tudo contribui para o erro global que está relacionado com os modelos preditivos: Heterogeneidade dos alimentos como matriz; Modelar os alimentos; Competição microbiana; Adaptação e aquisição de tolerância; Fase aquosa Como já foi referido, a fase aquosa é composta por água e por lípidos mas os microrganismos só crescem na água e não nos lípidos, tendo um crescimento planctónico com uma mobilidade que lhes permite andar livremente; normalmente há a um equilíbrio do ambiente até que começa a haver acumulação de biomassa e de metabolitos que mudam o pH ou a composição química. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 30 Superfícies É a forma mais simples de estrutura alimentar é a superfície, sendo que nos modelos preditivos são usados meios líquidos como comparação, como sabemos que o crescimento microbiano é muito mais rápido em elementos líquidos, concluímos que se usa uma sobre estimativa para se calcular exatamente o valor do sólido. Tipicamente o crescimento em superfícies é colonial, o que resulta em valores de crescimento menores. Isto sugere que o ritmo de crescimento em superfícies pode não estar bem previsto pelos modelos que derivam de sistemas que usam culturas de caldo. Fase gelificada Em regiões gelificadas, os microrganismos estão imobilizados, tanto seja uma só célula ou, quando estas se multiplicam, são forçadas a crescer em colónias. As bactérias imobilizadas também diferem das culturas planctónicas na sua suscetibilidade e compostos antimicrobianos, no seu metabolismo energético e nos produtos finais do metabolismo. Os usos de modelos preditivos baseados em dados com experiências com culturas levam a uma sobre estimativa neste caso. Emulsões – crescimento planctónico ou colonial “Oil-in-water” significa lípidos em água, aqui a estrutura é afetada pela concentração e a forma da fase dos lípidos. Em sistemas de modelos experimentais, a relação existente entre a concentração dos lípidos e a forma de crescimento dos microrganismos indica que quando essa concentração é baixa (30% v/v), o crescimento é planctónico/livre, só mudando quando a concentração era elevada até 83% (v/v), onde ficaram imobilizadas entre as gotículas de lípidos compatadas, resultando num crescimento em colónias discretas. “Water-in-oil” significa água em lípidos, consiste numa fase aquosa dispersa como gotículas discretas e irregulares de água numa fase lipídica/oleosa. As gotículas podem ser contaminadas com microrganismos no ponto de fabricação da emulsão. Assim, os modelos confirmaram que o crescimento bacteriano é restrito quando a estrutura alimentar permanece intacta (isto é, quando as gotas não formam um agregado). Partes a negro: zonas lipídicas Partes esbranquiçadas: zonas aquosas Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 31 Modelação de alimentos De maneira se prever o crescimento de microrganismos em alimentos de uma maneira fiável é necessário o uso de condições químicas iniciais corretas; a heterogeneidade estrutural dos alimentos resulta numa heterogeneidade química que é complicada pela dinâmica dentro dos alimentos que modificam esse ambiente químico – como os microrganismos ocupam a fase aquosa dos alimentos, é importante que esta seja precisa. Muitos alimentos contam com a concentração de ácidos orgânicos (ácido lático, acético, benzoico, etc) para a sua preservação, bem como com a adição de sal ou açúcar. Logo, não é surpresa que muitos dos modelos usem como parâmetros combinações de pH, aw e temperatura. Quanto à competição microbiana ainda não foi incorporada em modelos existentes pois pode não ser um problema em alguns alimentos, já que interações entre estas só seriam possíveis quando os UFC atingissem um perigo potencial ou mesmo deterioração. Em alimentos sólidos é determinada pela proximidade das colónias na matriz alimentar, sendo que os gradientes gerados pelos seus metabolitos podem influenciar os seus vizinhos. Um conceito relacionado é a “capacidade máxima de transporte” (fase estacionária) de cada produto alimentar, no qual a inibição de patogénicos por outros microrganismos ocorre quando a flora competitiva atinge números nos quais o ambiente não pode suportar nenhum crescimento adicional, isto está relacionado com o esgotamento de nutrientes. Adaptação e aquisição de tolerância É importante não esquecer situações de stress no que toca ao crescimento de microrganismos pois estes conseguem adaptar-se como resposta e adquirir resistência, p.e, adaptação a métodos de conservação leva a uma taxa de crescimento/sobrevivência maior do que aquela prevista pelos modelos, o que pode levar à deterioração de alimentos e aumento do perigo associado. Podem adquirir, p.e, tolerância ácida, já visto em Listeria monocytogenes, associado a “acid shock proteins” quando expostas a uma diminuição do pH extracelular. Não só isso mas esta tolerância está também associada a um aumento da resistência térmica, osmótica e a stress a baixas temperaturas. Os efeitos da estrutura do alimento são também significativos pois como resultado da imobilização dos microrganismos aparecem colónia, o que irá alterar as condições dos substratos, nomeadamente, irá haver uma acumulação de metabolitos finais ácidos e, portanto, uma acidificação em torno das colónias. É concebível que, então, as células de agentes patogénicos em colónias nas matrizes alimentares possam sofrer de uma tolerância ácida induzida estimulada pelo pH localizado que desceu devido aos processos metabólicos da própria colónia. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 32 No centro da colónia há acumulação da produtos tóxicos e ácidos que diminuem o pH do meio, o que vai induzir um mecanismo de proteção que vai fazer com que as células fisiologicamente “mais velhas” adquiram resistência aos diversos fatores, ao contrário das células da periferia mais jovens. Validação dos modelos Um dos aspetos mais importantes em microbiologia preditiva é assegurar que as predições demonstradas pelo modelo são aplicáveis a situações reais, ou seja, passar por um processo de validação, o qual deve incluir comparações com medidas observadas que devem ser diferentes dos dados usados para construir o modelo original, porém normalmente há problemas financeiros e então a validação costuma ser feita com comparações com outros modelos já feitos. Um modelo validado deve ser consistentemente “à prova de falhas”, ou seja, as previsões devem falhar do lado da segurança, isto porque os modelos são feitos por sobrecestimativa (a taxa de crescimento prevista e o tempo de latência devem ser mais rápidos e mais curtos, respetivamente, do que os valores experimentais). Apesar disto, é raro encontrar um modelo desenvolvido em cultura que prevê precisamente o comportamento dos alimentos, sendo que o uso de estirpes que crescem mais rápido para garantir uma margem de segurança maior. A alternativa é desenvolver modelos diretamente de produtos alimentares – o problema é que são precisas instalações apropriadas para incorporação de patogénicos no processo. Aplicações informáticas em microbiologia preditiva Há já algumas plataformas que servem para modelar respostas de microrganismos a diversos fatores ambientais: ComBase – base de dados de livre acesso de respostas microbianas quantificadas em diversos ambientes alimentares; baseados apenas em resultados observados em experiências laboratoriais sob condições estritamente controladas. Pathogen Modelling Program (PMP) – pacote de modelos que pode ser usado para prever o crescimento/inativação de bactérias transmitidas por alimentos, principalmente patogénicas, sob várias condições ambientais. pH 7 (fora da colónia) pH 4 (centro da colónia) Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 33 Preservação de alimentos A preservação de alimentos engloba todas as medidas tomadas para manter os alimentos com as propriedades desejadas ou a própria natureza inerente ao alimento tanto quanto possível; técnicas milenares de preservação foram a secagem, fumeiro, refrigeração e aquecimento. O trabalho de Pasteur no séc. dezanove foi um marco importante pois deu-nos um melhor entendimento sobre o funcionamento das técnicas já usadas como aquecimento, congelamento, etc. Nos dias que correm, os consumidores estão mais interessados em alimentos com pouco processamento e menos uso de químicos como aditivos; processos como o fumeiro têm sido alvo de estudos que suspeitam que seja cancerígeno (há 400 químicos voláteis que não se conseguem controlar e que têm um efeito acumulativo no nosso sistema), outros como a irradiação já foram demonstrados como seguros e positivos no que toca à eliminação de alguns microrganismos, porém, a maioria dos consumidores suspeita destas técnicas. Métodos de preservação começam com uma análise completa da cadeia onde se encontra o alimento, desde a sua plantação, colheita, embalamento e distribuição; é importante saber quais as características ou propriedades que sã necessárias manter para que o produto seja viável, sendo que não são lineares para todos, uma propriedade pode ser positiva para um produto e negativa para outro. Por exemplo, o consumidor espera que o sumo de maça seja claro, enquanto que o de laranja seja turvo. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 34 Depois de algum tempo em armazenamento, as características organolépticas dos alimentos vão mudando, consoante o seu tempo de vida útil (“consumir de preferência antes de” está relacionado com a qualidade alimentar (pode ser consumido depois da data mas poderá não estar nas suas melhores condições) vs. “consumir até” está relacionado com a segurança alimentar). Os fatores de risco são também diferentes consoante o tipo de consumidor que o produto visa atrair, p.e, crianças, mulheres grávidas e idosos são mais vulneráveis e podem sofrer consequências graves e fatais. Em todos os casos, o fator mais importante é a segurança e só depois a qualidade. Causas de deterioração Os alimentos sofrem deterioração mecânica, física, química e microbiológica, podendo começar logo desde o ponto inicial como com o manuseio inadequado durante a colheita, o processamento e a distribuição, o que leva a uma possível redução do tempo de vida útil. Antes da colheita, p.e, frutas e vegetais têm mecanismos antimicrobianos que evitam esse tipo de contaminação, porém, após a separação da planta podem facilmente sucumbir a uma proliferação microbiana; frutas depois de cortadas tendem a ficar castanhas à temperatura ambiente devido à reação da enzima fenolase com o oxigénio. Técnicas de preservação alimentar Baseados no modo de ação, as técnicas de preservação podem ser categorizadas em: 1. Inibição ou redução do crescimento de contaminantes e de agentes químicos – métodos que se encontram relacionados com fatores ambientais, p.e controlo da temperatura, e fatores intrínsecos como controlo através do ajuste da aw ou do valor de pH; como a zona de perigo para o crescimento microbiano é entre 5 °C e 60 °C, o método mais popular é o resfriamento e congelação. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 35 2. Inativação direta das bactérias, leveduras, fungos e enzimas – pode ser feito através do calor, porém existem problemas com esta técnica, já que as características organolépticas dos alimentos mudam e pode haver depleção nutricional; pode também ser usado eletrecidade, altas pressões, radiação e campos magnéticos. 3. Redução da contaminação antes e depois do processamento – medidas como introdução de embalagens previnem a recontaminação, tendo 3 funções: controlam as condições ambientais, logo, melhoram o tempo de vida útil do produto, parecem mais atraentes aos consumidores por estarem mais seguros e não há possibilidade de ser contaminado durante o “caminho” até casa; Os métodos de preservação variam conforme a origem dos produtos, se forem de origem vegetal inclui tratamentos de controlo de atmosfera, como a humidade, concentração de certos gases e temperatura logo após a colheita, depois tratamentos físicos como pré-resfriamento, limpeza e enceramento, entre outros; já nos de origem animal como a carne, a qualidade é condicionada pelas condições de abate e stress antes da morte. A temperatura máxima para o crescimento microbiano é mais 60 ᵒC, a zona de perigo extende-se desde os 5 ᵒC até aos 60 ᵒC, na qual as condições são favoráveis para o desenvolvimento microbiano, entre os 5 ᵒ C e os 0 ᵒ C crescem a um ritmo muito lento, abaixo disso não conseguem crescer e ficam dormentes. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 36 Esterilização Consiste na completa destruição e eliminação de todos os microrganismos tanto na forma vegetativa como na forma esporulada (p.e: Bacillus e Clostridium Botulinum) e permite a distribuição dos produtos que passam por isto a temperaturas ambientes, ou seja, há uma extensão do tempo útil de vida do produto. Envolve procedimentos como o uso de calor, radiação ou químicos ou remoção física das células – 4 fases: 1. Produto é aquecido a temperaturas de 110 ᵒC-125 ᵒC para assegurar a esterilização; 2. Alguns minutos para o produto se equilibrar já que a superfície vai estar mais quente que a parte central (reduz o gradiente de temperatura); 3. O produto tem de ser mantido a essa temperatura por um certo período de tempo pra assegurar uma esterilazação pré- determinada F0; 4. O produto tem de ser arrefecido principalmente para interromper o tratamento térmico e evitar o cozimento excessivo. Ou seja, acontecem mudanças nas características organolépticas do alimento como perda de aminoácidos importantes e alterações a nível de vitaminas que ficam inativas devido ao calor, o que são pontos negativos, porém há uma inibição da atividade enzimática. É praticamente haver uma esterilização completa pois irá sempre levar a uma deterioração da qualidade e dos nutrientes do produto. Os principais tipos de bactérias preocupantes na conservação de alimentos são os organismos de importância para a saúde pública e bactérias causadoras de deterioração. P.e em comidas com pH maior que 4.6 o Clostridium Botulinum é de grande importância, não sendo possível eliminar a ameaça a 100%. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 37 Quanto às vitaminas, as C e B (hidrossolúveis) são severamente afetadas pelo calor excessivo pois, como já foi referido, o calor faz com que haja inativação enzimática e de agentes aglutinantes – a vitamina C é a mais suscetível a ser perdida, tanto pelo calor como pelo simples armazenamento de produtos, confeção da comida, lavagem, etc; a tiamina (B1) é a mais sensível ao calor, especialmente em condições alcalinas. Pasteurização Consiste num processo térmico mais suave que melhora a qualidade de “manutenção” do produto, funcionando pela inativação enzimática e destruição da maioria dos organismos patogénicos, não fazendo grandes alterações a nível das propriedades do alimento em si, ou seja, é usada para aumentar o tempo útil de vida do produto, porém não vai para além de alguns dias ou semanas a mais. A severidade do tratamento depende do pH do produto, acima de 4.5 é para destruir bactérias patogénicas e abaixo disso é para destruir microrganismos deteriorantes ou inativação de enzimas. Em sumos, normalmente com um pH baixo (pH > 4.5), existem enzimas como catalases, peroxidases, polifenol oxidase, etc, bem como organismos deteriorantes e se não forem desativadas estas enzimas irão causar mudanças indesejáveis, especialmente a peroxidase que possui uma resistência maior que os microrganismos deteriorantes. No leite há uma perda de 5% do “protein serum” e pequenas mudanças quanto ao conteúdo vitamínico. A maioria dos produtos pasteurizados têm um pH natural baixo ou porque já é naturalmente assim ou porque o produto foi fermentado de modo a produzir uma ambiente ácido, assim, como a maioria dos nutrientes termolábeis (têm pouca resistência ao calor) são relativamente estáveis em condições ácidas, perdas nestes alimentos são poucas. Apesar das perdas térmicas em produtos aquando da pasteurização serem poucas, as perdas oxidativas podem ser altas (negativo para frutas e assim). Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 38 Congelação O congelamento de alimentos retarda mas não pára as reações físico- químicas e bioquímicas que regem a deterioração dos mesmos; aquando do armazenamento há mudanças lentas na qualidade organoléptica do produto. A qualidade de um produto congelado depende muito da temperatura, do tempo que fica lá e do processo de descongelamento (após -18 ᵒC todos os microrganismos param de crescer e mudanças enzimáticas e não enzimáticas continuam a um ritmo muito menor). Faz também com que 10% a 60% da população microbiana viável morra, uma percentagem que vai aumentando durante o tempo de armazenamento. Durante o congelamento a matriz do alimento sofre mudanças, apesar de lentas, as células sofrem danos osmóticos, danos causados pelo soluto e danos estruturais. O que acontece é que se houver tempo suficiente a água presente nas células migra para fora devido à pressão osmótica causada pelo gelo, o que causa um encolhimento das mesmas e alguns danos a nível da membrana; essa água não volta às células quando são descongelados devido ao dano membranar, o que resulta em perdas de água. Em geral, as bactérias gram negativo são menos resistentes à morte por congelamento que as bactérias gram positivo; bactérias esporulantes como o Clostridium e o Bacillus não são afetadas por este processo; a Listeria monocytogenes também sobrevive bem a baixas temperaturas. Atividade de água (Aw) A atividade de água pode ser reduzida ou controlada por várias métodos como separação da água ou adição de solutos como sal a carnes e peixes ou açúcar a frutas, pode ser por secagem, “concentration” e desidratação por centrifiguração. No caso de soluções hipertónicas, as células encolhem, enquanto que em soluções hipotónicas elas expandem, assim, uma diminuição de aw no ambiente Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 39 aumenta o stress osmótico das células microbianas pois o objetivo da célula é sempre manter uma osmolalidade interna ligeiramente menor, o que causa um influxo de água na célula, sendo que é o rompimento desse processo por solutos que levam ao dano celular e à morte. Reações catalisadas por enzimas conseguem prosseguir em alimentos com uma aw relativamente baixa, sendo que a taxa de hidrólise aumenta com o aumento da aw, com a reação sendo extremamente lenta em aw muito baixa e, para cada valor de aw, parece haver um grau máximo de hidrólise que também aumenta com o teor de água. Notas: na aula foi referido a fitase que é uma enzima que degrada fitatos (sais de ácido fítico) que têm a habilidade de formar quelantes com iões divalentes (p.e, cálcio e magnésio), formando complexos solúveis resistentes à ação no trato intestinal – diminuem a biodisponibilidade desses minerais. A desfoforilação do ácido fítico é um pré-requisito para a melhoria nutricional já que aumenta a biodisponibilidade dos nutrientes, isto faze-se através de processos como a demolha e germinação. A fitase está presente naturalmente em plantas e microrganismos. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 40 Redução de água (fumeiro) O fumeiro, ou seja, o uso do fumo de madeiras, é uma das técnicas de preservação mais antigas, apesar de não ter sido usado primeiramente para reduzir a humidade nos alimentos, o calor associada à geração de fumo causa um efeito de secagem. O principal objetivo do fumeiro são os sabores e cores desejáveis, sendo que alguns componentes formados durante isso têm um efeito conservante (bactericida e antioxidante), sendo que foi descoberto que é eficaz na prevenção de oxidação lipídica em carnes e peixes. Porém possui várias desvantagens como o facto de ser um processo lento e não é fácil de controlar, sendo que mais de 400 compostos voláteis foram já identificados como óxidos de azoto, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, compostos fenólicos, compostos de alcatrã, etc, sendo que têm efeitos nefastos na saúde humano e são acumulativos, especialmente em condições não controladas, logo, é importante controlar as condições de processamento e padronizá-las. pH (fermentação) A fermentação consiste no processo em que microrganismos mudam as propriedades funcionais e sensoriais de alimentos e prolongam o seu tempo de vida útil, juntamente com a salga, cozimento e secagem (inclui fumeiro), esta é uma das práticas mais antigas. Como é um método que envolve procedimentos simples e que pede equipamentos básicos, tem atualmente mais importância em países em desenvolvimento e comunidades rurais. É uma mistura de 3 princípios: 1. Minimizar os níveis de contaminação microbiana na comida, especialmente em fontes de alto risco; 2. Inibir o crescimento da microflora contaminante; 3. Matar os microrganismos contaminantes. O princípio básico da fermentação assenta na manipulação dos fatores extrínsecos de modo a selecionar o tipo de microrganismos que fornecerão certos sabores, odores, textura ou aparência aos alimentos. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 41 O uso das ácido lático na indústria alimentar é principalmente como conservante, acidulante ou condicionador de massa, a maioria das bactérias do ácido lático (LAB), tirando alguns streptococcus, são inofensivas para os humanos, ou seja, tornaram-se nos agentes ideias de conservação. Estas bactérias vão ser referidas mais à frente em pormenor. Bacteriocinas são péptideos bactericidas ou proteínas, geralmente são inibidoras para espécies intimamente relacionadas ao produtor – nisina, tactococina e pediocina são alguns exemplos de bacteriocinas produzidas pelas LAB. A nisina é usada contra bactérias gram-positivas, incluindo o Clostridium botulinum (diminui o crescimento dos esporos), especialmente em alimentos processados por calor; não faz nada a gram negativas, leveduras ou fungos. Filtração A filtração é usada na indústria alimentar maioritariamente para a clarificação de sumos e concentração de sumos e de produtos lácteos; os sumos clarificados podem ter maior qualidade e estabilidade, enquanto que bebidas concentradas são desejáveis para transporte e armazenamento. As operações unitárias usadas vão desde peneiramento até osmose reversa. Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 42 A escolha da membrana usada na clarificação do sumo depende do tipo de sumo e das propriedades desejadas do sumo clarificado, os fatores incluem a sua configuração, o material e corte do peso molecular. Já a escolha do material da membrana está relacionada com a resistência à pressão do sumo, resistância à temperatura, resistência ao pH e compatibilidade química; são também importantes a durabilidade e custo, p.e, membranas poliméricas duram pelo menos 1 ano, enquanto que membranas cerâmicas duram pelo menos 5 a 7 anos com uso contínuo. Radições ionizantes e não-ionizantes A radiação UV é conhecida pelas suas propriedas antibacterianas (incluindo luz solar), devido à sua baixa profundidade de penetração é usado principalmente para esterilizar ar e filmes finos de líquido, sendo que na indústria é usado em superfícies; quando usado em quantidades elevadas tem uma tendência em deteriorar o aroma e o sabor dos alimentos antes que a esterilização seja atingida. Este tipo de energia tem a vantagem de ser segura, amiga do ambiente e mais rentável economicamente. As principais aplicações são a desinfeção, a extensão da vida útil do produto e a melhoria da qualidade do produto. Há uma desconfiança grande por parte dos consumidores, a maior parte por não estarem informados sobre o que realmente, logo, é difícil entrar no mercado Notas: o desenvolvimento da membrana Polisulfona Fresenius® baseou-se no funcionamento do rim biológico, providenciando um vasto leque de desempenhos para todas as terapias de hemodiálise.” Microbiologia alimentar – FCUP | 2017/2018 43 com produtos em que tenham sido usados estes tipos de meios. O símbolo universal para produtos que tenham tido algum contacto com radiação é este ao lado e é obrigatório estar presente nesses produtos. A ionização interage com o material e ioniza as suas moléculas criando iões negativos e positivos transferindo energia nos eletrões, tendo efeito direto e indireto. A radiação usada pode ser Cobalt-60 (elevado poder de penetração – não há um interruptor, tem de ser usada com cuidado), feixes de eletrões (usados em refrigeração) e raios-x (baixa eficiência). As vantagens deste processo de conservação são: Minimização de perdas alimentares – pode reduzir a perda em produtos frescos, sendo que as perdas pós-colheita devido à infestação de insetos pode ser controlada e minimizada pela irradiação de alimentos como grãos, leguminosas, tubérculos e frutas; Melhoramento da saúde pública – muitos alimentos estão contaminados por patogénicos e parasitas e a descontaminação dessas por irradiação poderá ser uma mais valia para a saúde pública; Aumentar o comércio internacional – muitos produtos são descartados no comércio internacional por motivos como infestação de insetos, microrganismos ou pelo seu tempo de vida útil; Alternativa para a fumegação de alimentos – vários químicos são usados para fumegar alimentos para desinfeção, porém estão em declínio devido à sua natureza tóxica e o impacto ambiental; Diminuição do consumo de energia – quando comparado ao gasto de energia que é gasto em conservas, refrigeração ou congelados, a irradiação gasta muito menos, p.e, a energia gasta para refrigerar um frango é de 17,760 kJ/kg,
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