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MILIBAND, Ralph. Servidores do Estado. In: ________. O Estado na sociedade capitalista. Tradução de Fanny Tabak. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p.147-178. Página 147 Capítulo 5 Servidores do Estado 1 Enquanto os líderes políticos dos países do capitalismo avançado geralmente usam rótulos políticos e partidários específicos, os altos funcionários civis geralmente não o fazem. Sem dúvida, os governos de alguns desses países trazem para o aparelho administrativa elementos de seu próprio partido e coloração política, ou promovem tais elementos de preferência a outros. Mas na maior parte das vezes, as elites administrativas de tais sistemas políticos não são em geral integradas por elementos partidários. Ao contrário, costuma-se repetir insistentemente, e quase sempre são os próprios servidores que o fazem, que eles são politicamente «neutros», no sentido de que a sua preocupação dominante, na verdade a única, é defender os assuntos do Estado, sob a direção de seus chefes políticos. Já foi sugerido que encarar os altos funcionários civis como meros executores de política em cuja determinação tiveram pouca ou nenhuma participação é totalmente irreaIístico. Isso para não dizer que os «burocratas» estão necessariamente «famintos por poder» ou que eles «governam o país» e que os ministros apenas fornecem uma fachada conveniente para o domínio burocrático. Tal descrição também não corresponde à realidade. A verdadeira posição está entre os dois extremos : o padrão geral deve ser aquele em que tais homens desempenham um papel importante no processo de decisão governamental e portanto constituem uma força considerável na configuração do poder político em suas sociedades. Quanto à maneira como tal poder é exercido, a noção de «neutralidade», muitas vezes associada a ela, é na realidade Página 148 altamente enganadora, pois basta um movimento de reflexão para se verificar que isso é absurdo: pessoas que estão profundamente USUARIO Realce submersas nos assuntos públicos e que desempenham papel importante não só na aplicação mas na determinação da política, como tais pessoas indubitavelmente estão, não estarão provavelmente livres de determinadas tendências ideológicas, por menos consciência que tenham de tal fato. E tais tendências não podem deixar de afetar todo o caráter e a orientação da opinião que elas têm e a maneira pela qual encaram as suas funções administrativas [Nota 1]. Nem pode haver muita dúvida em relação à direção de tais tendências ideológicas: os altos funcionários públicos dos países do capitalismo avançado costumam desempenhar um papel conservador nos conselhos estatais, reforçar as propensões conservadoras dos governos, em que tais propensões são bastante desenvolvidas, e servir como elemento inibidor em relação aos governos nos quais são menos pronunciadas. Como no caso dos lideres políticos conservadores, tais tendências podem admitir um interesse liberal ou progressista no tocante a tal ou qual aspecto da reforma e uma atitude cética, ou até mesmo cínica, perante muitos aspectos da ordem social. Em todo país capitalista, os funcionários públicos civis têm desempenhado ocasionalmente um papel importante na reforma social econômica, administrativa e milita. Mas, no conjunto, isso tem sido antes a exceção do que a regra e ali, onde aconteceu, tal tendência à reforma tem sido também perfeitamente compatível e consistente com uma sólida disposição e determinação de fortalecer a ordem social existente. Dadas as suas inclinações ideológicas, não existe obviamente qualquer razão por que os altos funcionários civis não fossem mais ou menos «neutros» entre diferentes partidos e grupos conservadores, cujos representantes se su- Página 149 cedem no poder, e há todas as razões para que eles sirvam com igual zelo a qualquer governo que, dentro desse espectro limitado, seja guindado ao poder pela onda do sufrágio universal. Nem é preciso afastar-se muito de tal «neutralidade» quando aquele espectro é ligeiramente ampliado, como, por exemplo, quando sobem ao poder governos social-democratas. Estes últimos, como já foi demonstrado, jamais tentaram pôr em prática um plano coerente de políticas que fossem tão distantes dos interesses conservadores e da USUARIO Realce sua maneira de pensar que se tornassem intoleráveis para eles. Por isso, os funcionários públicos civis, ao se defrontar com tais governos, não foram obrigados a fazer uma opção clara entre aquilo que consideravam ser o «interesse nacional» e servir o governo do dia. Aliás, é isso que faz parecer um pouco ingênuos e até mesmo patéticos os tributos repugnantes que os ministros socialdemocratas têm muitas vezes pago à lealdade, dedicação e ao zelo dos «seus» funcionários públicos. Pois a lealdade que exaltam é muito menos a expressão da infinita adaptabilidade ideológica e política dos funcionários públicos do que a infinita adaptabilidade dos líderes social-democratas ao objetivos conservadores. Poderia ser argüido com razão que uma vez que a cenografia jamais foi escrita em um país capitalista avançado, o exato papel que os altos funcionários públicos poderiam escolher ou seriam capazes de desempenhar no caso de subir ao poder um governo inclinado para uma transformação revolucionária continuará a ser matéria de especulação. De qualquer modo, tal governo buscaria presumivelmente realizar mudanças de longo alcance dentro do aparelho administrativo e trazer elementos com cujo zelo e apoio pudesse contar. De fato, a determinação de realizar importantes modificações administrativas constituiria um importante critério da seriedade de seus objetivos. Pois, se não o fizesse, herdaria um quadro de funcionários que teria como uma de suas principais preocupações, ou melhor, cuja preocupação dominante seria, presume-se, limitar os «danos» que tal governo iria causar. Além de fazer tudo a seu alcance para antepor restrições administrativas às Página 150 políticas que eles considerassem incompatíveis e que, de acordo com a sua honesta opinião, era prejudicial ao «interesse nacional». Saber se isso conduziria ao tipo de «sabotagem administrativa» muitas vezes prevista e temida pela esquerda é em grande medida uma questão de definição. O aspecto importante é que, sem dúvida, segundo o lugar e as circunstâncias os governos inclinados a fazer mudanças revolucionárias não podem esperar razoavelmente que a alardeada «neutralidade» das elites administrativas tradicionais se aplique a eles, muito menos contar com o apoio dedicado e entusiástico às suas políticas e de que estas necessitariam. Nesse sentido, não é apenas esse tipo de governo que deve esperar USUARIO Realce dificuldades nas mãos daquelas elites tradicionais. Qualquer governo inclinado a fazer reformas que tenham uma conotação «radical» terá que enfrentar provalmente muitos, se não a maioria, de seus conselheiros de carreira sem qualquer sombra de entusiasmo e muito possivelmente até mesmo hostis. Um dirigente político que seja forte e determinado, que tenha idéias firmes e o apoio de seus colegas poderia conseguir negociar os obstáculos à sua maneira. Mas isso não significa dizer que não existirão obstáculos, nem muito menos, como afirma Neustadt em relação aos Estados Unidos, porque «os especialistas dos escalões altos dos cargos de carreira poderão dispor de reservas ilimitadas do enorme poder que consiste em ficar calado». [Nota 2]. Quanto à Grã-Bretanha, Sisson observou que a tarefa do alto funcionário público, «bem como a da coroa, é manter a continuidade» e que «a sua profissão exige dele que se preocupe mais com a continuidade do reino do que Página 151 com o êxito do partido» [Nota 3]. Trata-se de um argumento muito singular, pois ao invésde abranger o tipo de «neutralidade» que Sisson afirma ser a característica distintiva do alto administrador, impele este último a uma atitude bastante não-neutra em relação a políticas que, do seu ponto de vista, asseguram a «continuidade do reino» e ainda em face de inovações que, na sua opinião, não fazem ou parecem ser uma ameaça ao mesmo. Mesmo assim, o administrador pode prestar serviços a seus chefes políticos e ajudá- los na execução de políticas que ele considera errôneas. Mas ele o fará, e não poderia ser de outro modo, dentro dos limites que busquem «reduzir os danos». Eis aí uma posição que conduzirá muito mais provavelmente a invalidar qualquer inovação radical do que a aumentar suas possibilidades de êxito. Em resumo, os altos funcionários civis constituem, dentro do sistema estatal, a voz de cautela e da moderação e o seu motto permanente é «Pas trop de zèle», pelo menos em relação a uma reforma radical. Isolados como têrn estado geralmente das pressões populares que os políticos à procura de votos têm sido forçados a atender, pelo menos parcialmente, aqueles funcionários têm desempenhado principalmente o papel de advogados do status quo precedente conservador, de rotinas consagradas. Isso pode ser ou não considerado uma função admirável e necessária. Mas ela é incompatível com a noção de USUARIO Realce «neutralidade», em geral atribuída ao serviço público civil dos países capitalistas avançados. O conservadorismo dos altos funcionários civis dos países capitalistas avançados deve ser encarado não em termos gerais, mas específicos, em relação às configurações de classe e às hierarquias daquelas sociedades particulares, constituindo o seu objetivo principal não apenas a defesa de uma ordem social, mas daquela ordem social particular, típica de tais sociedades em todas as suas grandes manifestações. Em outras palavras, os altos funcionários públicos daqueles países não são simplesmente conservadores Página 152 de modo geral: são conservadores no sentido de que são, dentro da esfera que lhes compete, os aliados conscientes ou inconscientes das elites econômicas e sociais existentes. Para isso existe mais que uma razão. Aquela mais óbvia e que já foi mencionada é a de que sua origem social, além da educação e situação de classe dos altos servidores civis, faz com que eles constituam parte de um meio específico, cujas idéias e cujos preconceitos e concepções provavelmente irão compartilhar e os quais estão destinados a influir, na realidade a definir, a sua imagem de «interesse nacional». Mas isso não é tudo. Existe ainda o fato — freqüentemente olvidado dentro desse contexto — que a «firmeza» ideológica dos altos funcionários civis (bem como a de muitos outros) não constitui uma questão que, naqueles países, esteja hoje relegada ao acaso. O recrutamento e a promoção já não são mais fundamentalmente determinados à base de origem social ou filiação religiosa [Nota 4]. Nem se espera que em tais sistemas os servidores civis subscrevam uma determinada doutrina ou ideologia política. No entanto, espera-se que eles se situem dentro de um espectro de pensamento no qual o conservadorismo rígido está num dos extremos e um débil «reformismo» no outro. Fora de tal espectro oculta-se o grave perigo e em alguns países a certeza absoluta de uma carreira administrativa frustrada ou ausência total de qualquer carreira administrativa. Em todos os países capitalistas, embora em diferentes graus de eficiência (os Estados Unidos conservam facilmente a liderança), os candidatos ao serviço público e os seus membros estão sujeitos a processos de crivo e a provas de segurança, que já se tornaram uma característica USUARIO Realce USUARIO Realce habitual e permanente da vida administrativa ocidental [Nota 5]. Página 153 A justificativa oficial apresentada para tais procedimentos é a de que são necessários a fim de excluir os «riscos de segurança» na contratação feita pelo Estado, particularmente para postos importantes e «sensíveis». Mas a noção do que constitui um «risco de segurança» é bastante elástica e pode ser facilmente estendida a fim de abranger quem quer que tenha opiniões e idéias a respeito de questões importantes diferentes da estrutura de «firmeza», definida em termos do consenso conservador vigente [Nota 6]. Além disso, o conhecimento que os servidores civis têm daquilo que se espera, ou mesmo se exige deles, em termos ideológicos e políticos parece ser mais do que suficiente para assegurar que aqueles que talvez fossem tentados a desviar-se do caminho estreito que lhes cabe palmilhar acabarão por sujeitar-se e afastar a tentação. De qualquer modo, o número destes não parece ser grande. Mais importante porém do que tais fatores, no fortalecimento da posição conservadora dos altos funcionários civis e na definição de uma direção específica para ela, de modo a fazer deles um apoio positivo para o mundo do capitalismo corporativo, é a sua aproximação cada vez maior com esse mundo. Página 154 Para começar, existe o fato de que a intervenção estatal na vida econômica estabelece uma relação constante entre os empresários e os servidores civis que não é aquela que existe entre antagonistas ou mesmo representantes de interesses diferentes e divergentes, mas de co-participantes no serviço de um «interesse nacional», o qual será provavelmente definido pelos servidores civis, como políticos, em termos congruentes com os interesses finais do capitalismo privado. Por outro lado, o mundo da administração e o mundo da grande empresa estão hoje cada vez mais entrelaçados, no que toca a quadro de pessoal, quase intercambiável. Já vimos que é cada vez maior o número de homens de negócio que estão numa ou noutra parte do sistema estatal, tanto em níveis políticos como administrativos. Mas os altos funcionários civis também caminham com regularidade cada vez maior para a empresa corporativa. Ainda em 1946 um autor francês argumentava que, «para a elite que USUARIO Realce USUARIO Realce constitui os grands corps do Estado, a administração não é hoje mais do que antecâmara para uma posição empresarial». [Nota 7] Desde então, o modelo tornou-se muito mais acentuado. «Durante muitos anos», observa outro autor francês, «o Serviço de Inspeção Financeira, o Conselho de Estado... os prefeitos e subprefeitos, que estavam à frente da administração local e regional na França, forneceram às grandes indústrias francesas um número crescente de altos executivos, vice-presidentes e presidentes». De fato, esse autor menciona uma «construção de uma única oligarquia de administradores ou tecnocratas que trabalham em negócios, indústrias públicas ou governos». [Nota 8] Essa mesma conclusão é aplicável a todos os outros países capitalistas. Esse intercâmbio entre o serviço governamental de um tipo ou outro e o mundo dos negócios é ainda mais característico para a nova geração de «tecnocratas», produzida pelo intervencionismo econômico do Estado «neocapitalista» e que exerce considerável influência e poder em Página 155 uma série de departamentos, órgãos de planificação, comitês de regulamentação, instituições financeiras e de crédito, indústrias e serviços nacionalizados. Isso se aplica também à geração ainda mais nova de «tecnocratas» internacionais, que estão nas instituições supranacionais, surgidas como resultados da internacionalização do capitalismo avançado. Tais homens não pertencem com exclusividade nem ao mundo do governo nem ao mundo dos negócios. Eles pertencem a ambos e deles são parte e se movem facilmente entre ambos, mais facilmente ainda porque as fronteiras entre tais mundos são cada vez menos distintas e definidas. «Não é raro», afirma certo autor em relação à França, «ver dirigentes do setorpúblico ou nacionalizado que ocupam postos nos comitês de companhias mistas ou órgãos técnicos. Assim também Inspecteurs des Finances são muitas vezes indicados para postos de direção em uma empresa privada ou em bancos ou empresas nacionalizados. Em troca, os dirigentes do setor privado são chamados com freqüência cada vez maior a participar na elaboração da política econômica do Estado». [Nota 9] A dificuldade que experimentam os tecnocratas em distinguir entre os interesses do «setor privado» e do público está bem exemplificada USUARIO Realce no comentário abaixo, feito por um dos «grandes commis» que se tornou presidente da Schneider, um dos maiores complexos industriais da França, depois de ter sido presidente da Electricité de France: O que mais surpreende [observa ele] é que não há grande diferença entre tais funções no Estado, no semipúblico e no privado... Página 156 as funções de dirigentes nos três domínios não são totalmente diferentes. Isso não é tão extraordinário porquanto, quando se chega a um certo nível de direção, no fundo o interesse público se aproxima do interesse geral ou pelo menos é uma forma do interesse geral, ou ainda o interesse geral torna-se, em certa medida, o interesse privado [ Nota 10 ]. Outros «tecnocratas», porém, têm menos dificuldade em articular uma posição ideológica bem definida. Assim é que Lalumière, à base de uma análise de trabalhos escritos e pronunciamentos dos Inspecteurs de Finances, constata existir entre eles uma crença bastante acentuada na intervenção do Estado na vida econômica; embora tenha verificado também que ...não encontramos em nenhum dos autores analisados opiniões a favor da apropriação coletiva dos meios de produção. L’Inspection não constitui um corpo de revolucionários profissionais que trabalham dentro do Estado para o estabelecimento do regime socialista... seus membros permanecem ligados ao sistema capitalista. Eles são agentes do Estado capitalista. Devem servir a este e não derrubá-lo [Nota 11]. E Jean Meynaud, em um estudo dedicado aos tecnocratas franceses, escreve de maneira pertinente : Quanto ao desejo, tantas vezes afirmado, de tratar os problemas sem referência à ideologia — o que constitui um dos temas constantes da argumentação tecnocrata — isso significa apenas a aceitação das ideologias dominantes e, conseqüentemente, das relações de força que elas expressam ou justificam [Nota 12]. Observa ainda a respeito da planificação francesa : ...no início, poder-se-ia pensar que o Plano fosse um sistema que tornaria possível a melhoria da eficácia econômica e da qualidade do regime. Mas, na prática, a planificação revelou ser um simples meio de consolidação do capitalismo, e os planejadores do Comissariado jamais perdiam uma oportunidade para exaltar os méritos da iniciativa privada e da livre empresa [Nota 13]. Tais conclusões são aplicáveis aos «tecnocratas» de todos os países capitalistas. O mesmo é verdade, também, nos Página 157 Estados Unidos para as agências reguladoras independentes, descritas por certo autor como «órgãos não muito hostis, numa guerra pela sobrevivência, como uma unidade funcional dentro de um sistema industrial que se autoperpetua. Cada parte complementar dessa unidade aprende a corresponder às necessidades do sistema. Vista sob essa luz, uma agência não é tanto capturada e escravizada quanto integrada; ela se ajusta a um sistema cujo status quo ajuda a proteger» [Nota 14]. Tais agências reguladoras do capitalismo avançado podem ser independentes do executivo político, mas seus membros não são independentes em face dos dispositivos políticos e ideológicos que fazem com que o processo regulador se constitua mais num auxílio do que no obstáculo aos interesses regulamentados. Não se deve esquecer que as oportunidades atualmente oferecidas pelo empresariado aos membros das elites administrativas ajudarão em muitos casos a definir as atitudes dessas elites diante das solicitações do empresariado. Tais oportunidades, aliás, são oferecidas apenas àquelas pessoas que demonstraram, enquanto, estavam no governo, ter uma compreensão adequada das necessidades e dos objetivos da empresa capitalista. «São raros os funcionários capazes da regulamentação», observa um autor norte- americano, «que não possam relatar discussões com os interesses regulamentados, relativamente às verdes pastagens, e que poderiam estar mais altos se tivessem agido de maneira mais cooperativa enquanto estavam no governo.» Tais cantos de sereia talvez não encontrem eco imediato na conduta prática dos funcionários civis; e USUARIO Realce aliás elas talvez nem tenham lugar. De qualquer, maneira, existe uma grande diferença, particularmente em época de inflação, entre dois funcionários públicos aposentados, um dos quais teve acesso ao mundo dos altos negócios, e o outro, não. Além do mais, e antecipando o próximo capitulo, em que as atrações dos negócios deixam de existir, persiste ainda o peso imenso da pressão que pode ser exercida Página 158 pelas organizações empresariais sobre funcionários recalcitrantes ou hostis. Os servidores civis envolvidos nas decisões econômicas, na intervenção e regulamentação não podem permitir-se ignorar o fato de que as atitudes e ações capazes de ser traduzidas como «antiempresariais» estão destinadas a antagonizar pessoas poderosas e influentes e não serão provavelmente muito populares também entre os governantes políticos. Isso não abrirá o caminho para uma bem sucedida carreira administrativa e muito menos para uma carreira pós-administrativa no mundo dos negócios. Nenhuma de tais vantagens, e não é preciso acentuá-lo, atua em favor dos trabalhadores ou de outros «interesses» de classes. Os trabalhadores pouco têm a oferecer às elites administrativas — não há muitos exemplos de altos funcionários civis que ingressaram para a atividade sindical após a aposentadoria. Nem o trabalhador é em geral capaz de exercer algo que se assemelhe remotamente ao tipo de pressão ou influência que os homens de negócios podem aplicar às elites administrativas ou aos governos [Nota 16]. Diante de classes e interesses competitivos nas sociedades capitalistas avançadas, os funcionários civis não são «neutros»: eles são aliados, quer o percebam ou não, do capital contra o trabalho. A burocracia estatal, em todas as suas partes, não constitui um elemento impessoal não- ideológico ou apolitico na sociedade, acima dos conflitos em que se empenham classes, interesses e grupos. Graças a suas predisposições ideológicas, reforçadas por seus próprios interesses, essa burocracia, ao contrário, constitui um elemento crucialmente importante e engajado na manutenção e defesa da estrutura de poder e do privilégio inerentes ao capitalismo avançado. O mesmo se aplica em igual proporção aos «tecnocratas» econômicos: apesar de suas imensas pretensões, tais homens no trabalho que realizam não se ocupam apenas com atividades puramente técnicas e não-biológicas. USUARIO Realce USUARIO Realce O seu objetivo global é o fortalecimento e a consolidação das estruturas econômicas existentes e a racionalização e Página 159 adaptação das mesmas às necessidades da empresa capitalista. Nesse sentido o capitalismo contemporâneo não dispõe de servidores mais devotados e mais úteis do que os homens que ajudam a administrar a intervenção do estado na vida econômica. 2 E’ possível que ainda mais do que os membros das elites administrativas, os militares que ocupam postos elevados tendem a encarar-se, e muitas vezes são encarados pelos outros, como livres de uma adesão ideológica e política que afeta (e aflige) outras pessoas. Essa imagem de dedicação exclusiva a um«interesse nacional» e às «virtudes militares» — honra, coragem, disciplina etc. livre de conotações «partidárias» tem sido alimentada e fortalecida pelo fato de que os militares nos países capitalistas avançados se mantêm, em seu conjunto, fora da «política», no sentido de que não estão geralmente envolvidos de maneira direta na parte aberta e visível do processo político daqueles países. Mas também aqui, a noção dos militares como alguém não-engajado e não-envolvido ideologicamente é evidentemente falsa. Assim também o é na opinião de que a sua influência na direção dos problemas não tem qualquer significação. Creio que não vale a pena insistir na afirmação de que os oficiais de alta patente naqueles países têm constituído um elemento profundamente conservador e mesmo reacionário dentro do sistema estatal e na sociedade de modo geral, e ainda que sua origem social, situação de classe e seu interesse profissional os têm conduzido a encarar o caráter e o conteúdo da política «democrática» com desgosto, suspeita e às vezes hostilidade. Existem sociedades em que certas partes do corpo de oficiais têm sido movidas por impulsos «modernizadores» radicais, em que os militares conduziram movimentos destinados a derrubar ou pelo menos reformar estruturas sociais, econômicas e políticas arcaicas. Nos países capitalistas avançados, por outro lado, as elites militares estiveram sempre a favor de um «interesse nacional», concebido em termos extremamente conservadores, a qual talvez não excluísse uma aceitação em geral USUARIO Realce USUARIO Realce Página 160 qualificada e contingente de processos «democráticos», mas que acarretava uma invariável hostilidade a idéias, movimentos e partidos radicais. Certo autor, ao descrever os valores do corpo de oficiais da França, fala de sua «ênfase no papel da força e no nacionalismo e na preferência por unidade, auto-sacrifício, hierarquia e ordem em relação ao individualismo e à política democrática» [Nota 17]. Os mesmos temas reaparecem regularmente em todas as descrições do «espírito militar» nos países de capitalismo avançado. Também aqui, como no caso dos funcionários civis, não basta falar do conservadorismo militar em termos genéricos. Isso porque tal conservadorismo assumiu há muito tempo um caráter muito mais específico no sentido de que implica uma aceitação muitas” vezes explícita não só das «instituições vigentes» ou de «valores» particulares mas também de um sistema econômico e social específico vigente e uma oposição correspondente a qualquer alternativa àquele sistema. Numa época anterior da história do capitalismo, as elites militares inclinavam-se a encarar com desdém aristocrático os empresários ávidos por dinheiro, e a apoiar valores, herdados de uma época pré-capitalista e que os indispunham com os regimes industriais, burgueses e de orientação civil aos quais serviam. E’ possível que persistam ainda atitudes resultantes de tais valores, mas do mesmo modo que o aristocrata civil há muito tempo conseguiu uma reconciliação feliz com os valores e objetivos capitalistas, assim também as elites militares — que de qualquer modo sofreram um processo definido, embora limitado, de diluição social — conseguiram fazer a paz em termos ideológicos e políticos com os seus regimes capitalistas. Como afirma Huntington, em relação aos Estados Unidos: Poucos fatos simbolizaram de maneira mais dramática o novo status dos militares na década de pós-guerra do que a estreita associação que se estabeleceu entre eles e a elite empresarial da sociedade norte-americana... Os oficiais de Carreira e os homens de negócio demonstraram possuir um novo respeito mútuo. Generais e almirantes reformados, em proporções inéditas, ingressaram Página 161 USUARIO Realce para as direções executivas das corporações norte-americanas; surgiram novas organizações a fim de cobrir a distância existente entre a administração corporativa e a liderança militar. Para os oficiais militares, o mundo dos negócios representava a síntese do modo de vida norte-americano.[ Nota 18]. Isso talvez não seja tão verdadeiro em outros países capitalistas avançados, mas por toda a parte os militares chegaram a estabelecer uma relação bastante estreita com a grande empresa, simplesmente porque as amplas necessidades militares do Estado favoreceram uma associação entre ambos, muito mais íntima do que em qualquer outra época no passado [Nota 19]. Desse ponto de vista, o complexo «industrial-militar» não apenas nos Estados Unidos constitui não uma figura de retórica mas um fato sólido, cimentado por uma genuína comunidade de interesses. A questão que persiste, porém, é a que se refere ao exato papel desempenhado pelos militares dentro do sistema estatal e da sociedade. Embora o conservadorismo das elites militares possa ser considerado como um fato, o grau em que ele se expressa no processo de tomada de decisões exige maior consideração. Isso é ,tanto mais verdade porquanto os regimes políticos do capitalismo avançado têm sido caracterizados por um elevado grau de predomínio civil sobre o militar. Naqueles países, as elites militares, com poucas exceções parciais, como no caso do Japão na década de 30, jamais falaram como dirigentes aos seus governos dominantemente civis. Nem tentaram seriamente substituir o poder civil. As ditaduras ocasionalmente existentes em alguns daqueles países não foram de fato militares: Hitler foi um ex-cabo muito civil e Mussolini foi Página 162 uma figura igualmente civil. Ambos chegaram ao poder com o auxílio inter alia de oficiais regulares; mas ambos também subjugaram as suas elites militares, como estas jamais haviam sido subjugadas antes ou foram subjugadas após — é bem provável que os generais britânicos durante a Inglaterra de Baldwin tivessem mais influência sobre a decisão política do que os seus colegas com Hitler na Alemanha e com Mussolini na Itália. E’ de fato surpreendente que o corpo de oficiais nos países capitalistas avançados tenha tão raramente desempenhado um papel político independente e que ainda mais raramente buscasse substituir os governos civis por meio de levantes militares ou golpes de Estado. O exemplo clássico de semelhante inibição é o do corpo de oficiais alemães após o colapso militar de 1918 e durante a existência da República de Weimar, quando os oficiais do exército desempenharam um papel importante, até mesmo crucial, na vida política, mas se recusaram resolutamente em sua maioria a patrocinar a derrubada de governos fracos e irresolutos [Nota 20]. Também no Japão, no fim da década de 30, foi observado que «havia limites para o seu (do exército) poder. Ele não poderia governar o país diretamente e preferia o método tradicional japonês de governo indireto. Não podia dispensar os políticos, os diplomatas, os burocratas e os industriais» [Nota 21]. A experiência da França nos últimos anos também não oferece mais do que uma exceção muito parcial e até mesmo duvidosa para o modelo geral. O exército francês, que jamais foi a instituição mais democrática e de tendência republicana dentro do Estado, mostrou-se amargamente desgostoso com as derrotas e humilhações sofridas na Indochina e na Argélia e por ele atribuídas aos governos fracos e vacilantes da IV República [Nota 22]. Não obstante, até o final da década de 50 ele revelou uma acentuada falta de predileção por qualquer tipo de desa- Página 163 fio aberto ao poder civil, apesar da rápida degradação política do regime e da crescente e aguda crise militar naquele campo. A revolta que eclodiu na Argélia em maio de 58 constituiu um assunto marcadamente imaturo, em boa medida devido à preocupação manifestada pelas altas patentes militares, desde logo, em apegar-se à aparência de«constitucionalidade» [Nota 23]. O fato de que a revolta chegou a abalar a IV República deveu-se muito menos à determinação dos militares na Argélia do que à debilidade e desmoralização dos políticos em Paris. E tendo possibilitado a subida de De Gaulle ao poder, os revoltosos perceberam muito cedo que não podiam confiar em De Gaulle para servir aos seus objetivos, quer em relação à Argélia ou a qualquer outra coisa. Foi isso que motivou uma revolta ulterior de alguns generais na Argélia, três anos mais tarde. Trata-se de um exemplo autêntico de tentativa de golpe militar: a facilidade com que foi desbaratado mostra as limitações e dificuldades essenciais de tais empreendimentos nas sociedades capitalistas avançadas. A mais importante dessas dificuldades, em tais países, é que nenhum desafio «inconstitucional» aberto vindo da direita poderá ter qualquer possibilidade séria de êxito sem contar com um grau substancial de apoio de uma ou outra parte das classes subordinadas, preferencialmente da parte substancial da classe operária, desiludida com as suas próprias organizações de defesa econômica e política. Além disso, tal apoio popular deve ser integrado e mobilizado dentro de um partido que possua as suas próprias organizações de massas auxiliares. Em suma, um desafio por parte da direita exige algo semelhante a um movimento fascista com uma ampla base popular. Mas a organização de tal movimento exige ainda certo tipo de liderança — popular, demagógica, carismática, politicamente sagaz — o que as altas patentes, em virtude de toda a sua tradição, dificilmente possuem. Mesmo se um homem ou pessoas com tais qualidades fossem encontrados entre a elite militar, Página 164 a tentativa de pôr em uso essas qualidades conduziria em pouco tempo à expulsão do exército: é muito difícil, se não impossível, pelo menos nos países em questão, conduzir um movimento político de tipo fascista de dentro do exército. Assim é possível explicar por que altas patentes militares, tanto na Alemanha como na Itália, desempenharam às vezes um papel importante como aliados de movimentos contra-revolucionários de direita, ruas não foram nem os iniciadores nem os dirigentes de tais movimentos. Para uma tentativa militar de usurpar o poder sem uma boa medida de apoio popular, o perigo de derrota parece esmagador. Em primeiro lugar, o exército, desse ponto de vista, não constitui um bloco monolítico e as diferenças de postos afetam de maneira crucial a propensão ao aventureirismo, sendo que a maioria dos oficiais mais graduados certamente demonstrará tais propensões muito menos do que os jovens oficiais. Como observa Ambler, «os coronéis, que têm mais a ganhar e menos a perder, aparecem maciçamente na história das revoltas militares tanto nos países ocidentais como nos não- ocidentais»[Nota 24]. De qualquer modo, os oficiais de qualquer posto deverão contar com os recrutas, cuja obediência automática a suas ordens em condições de inconstitucionalidade eles não poderão estar certos. Esse foi um dos fatores que precipitou o colapso da rebelião militar na Argélia em 1961 e que muitas vezes ajudou a derrotar tentativas militares semelhantes em outros países, como por exemplo no caso do golpe de Kapp, na Alemanha, em 1920. Mas essa falta de confiabilidade nos escalões inferiores não é mais do que uma expressão específica de uma desvantagem geral, e em última análise decisiva, que os candidatos a golpes militares nos países capitalistas avançados provavelmente terão que enfrentar, ou seja, a hostilidade e resistência potencial do movimento operário organizado. Na prática, qualquer governo civil daqueles países, por mais fraco, pode, se está decidido a isto, enfrentar com eficácia os militares revoltosos apelando para a ajuda do Página 165 movimento operário organizado. Até mesmo Noske, que presidiu a destruição do levante do Spartakus e que assumiu uma responsabilidade pelo menos indireta pelo assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht [Nota 25], foi capaz de dizer aos conspiradores militares alemães em 1920: «Se vocês usarem a força, decretaremos greve geral.»[Nota 26]. E quando o golpe de Kapp realmente ocorreu, o governo do qual Noske era membro proclamou realmente uma greve geral, que ajudou bastante a desencorajar e derrotar os golpistas [Nota 27]. Apenas ali onde o movimento operário é excepcionalmente débil ou está paralisado é que os militares inclinados a tomar o poder podem ignorar a sua hostilidade ou ter a esperança de superá-la. Ali onde ele não é débil nem está paralisado, o bonapartismo aberto em tais países constitui uma aventura extremamente perigosa. Para que tenha qualquer possibilidade de êxito, a subversão de direita, nas condições de capitalismo avançado, deve assumir formas diferentes, mas «populares». Mas naquelas ocasiões em que assumiu tais formas, os militares, como já foi observado acima, forneceram-lhe uma boa dose de assistência. Os riscos e as dificuldades que enfrenta o golpismo militar nas sociedades capitalistas avançadas não constituem porém uma explicação suficiente para a sua raridade. Quando as circunstâncias lhes parecem exigi-lo, os homens aceitam os riscos por maiores que sejam as desvantagens. O fato de que os militares não tenham buscado naquelas sociedades contestar e desafiar com mais freqüência o poder civil pode ser atribuído a uma série de outras causas, além dos riscos e das dificuldades existentes para isso; a mais importante delas é que, do mesmo modo que os servidores civis, os militares na maior parte das vezes lidavam com políticos e governos cujas opiniões e metas não eram radicalmente diferentes das suas próprias. Mesmo quando estavam no poder os governos «esquerdistas», os militares, por pior que fosse a sua opinião acerca de tais Página 166 governos, muito raramente chegaram a sentir uma alienação política e ideológica total. Afinal, tais governos realizaram em geral uma política externa e de defesas que não era de tipo a sugerir aos militares que a colaboração com tais governos era totalmente impossível. Os líderes militares alemães colaboraram com os social-democratas Ebert e Noske em 1918 e depois disso, a fim de assegurar a «estabilidade social», pois sabiam que os últimos a desejavam tanto quanto eles próprios. Se os novos elementos parecem menos «moderados», é pouco provável que as mesmas altas patentes, não obstante aquilo que Carsten descreve como a sua tradição de não «participar diretamente no campo da política partidária», [Nota 28] tivessem aceitado passivamente a sua inevitável demissão e concordassem com uma reforma tranqüila. É verdade que houve numerosos exemplos em que os militares estiveram em desacordo e até mesmo bastante seriamente em desacordo com os seus chefes civis a propósito deste ou daquele aspecto da política e em que aquela tensão que é de qualquer modo inerente às relações civis-militares atingiu a um nível perigosamente elevado — com os militares sempre bem à direita. No entanto, se considerarmos a «moderação» ideológica e política essencial dos governos que estiveram no poder nos países capitalistas avançados e ainda o conservantismo básico que a maioria deles tinha em comum com as suas elites militares, as diferenças entre ambos, por mais genuínas e sérias, possibilitaram geralmente o compromisso e a acomodação. É aí que está, podemos afirmar, a chave essencial para o modelo geral de subordinação militar, que tem caracterizado as relações civis-militares nos países do capitalismo avançado. Mas a «subordinação» é uma descrição até certo ponto enganadora da posição e do papel dos militares nos atuais regimes capitalistas. De fato, tem sido argumentado de maneira convincente, especialmente por Wright Mills, [Nota 29] que,Página 167 pelo menos nos Estados Unidos, a rápida militarização da vida e o aumento extraordinário da «dominação militar» produziram uma situação tal que os militares devem ser encarados como um grupo de poder igual ao governo civil e à elite corporativa. Isso poderia parecer um exagero, pois não há provas realmente válidas que surgiram, quer para os Estados Unidos ou qualquer outro lugar, que os militares, em termos das grandes decisões políticas, tenham alcançado uma posição independente e igual vis-à-vis o executivo político. Qualquer elemento de dúvida que persista em relação a tal afirmativa, no que se refere aos Estados Unidos, certamente não se aplica a países tais como a França, ou Grã- Bretanha, ou Alemanha, ou Japão. Nem é assim tão claro que, apesar do seu controle sobre recursos fantasticamente vastos, não só econômicos mas também militares, [Nota 30] a elite militar dos Estados Unidos tenha sido capaz de criar algo parecido a uma base independente de poder, ao mesmo nível da base de poder da elite econômica, a partir da qual poderia enfrentar a presidência no, governo civil em uma posição de igualdade, ou até mesmo de superioridade. Tal afirmação está bem simbolizada no fato de que foi o ex-presidente da Ford Corporation que dirigiu o Pentágono durante sete anos e defendeu um grau de controle sobre os militares que, muito embora não fosse irrestrito, era porém substancial. Nem deve ser ignorado o fato, digno de crédito, de que os homens que exerceram maior influência junto a presidentes tais como Kennedy, Johnson, não eram militares mas civis. Assim é que, tanto quanto se sabe, nenhum militar teve maior influência em relação à condução da guerra no Vietnã do que vários conselheiros civis da Casa Branca. O exagero do papel dos militares junto aos conselhos dos governos capitalistas apresenta alguns perigos, pois leva a desviar a atenção da responsabilidade dos detentores do poder civil em face das políticas e das ações do Estado. Pode ser bem verdade que tais detentores do poder, Página 168 particularmente nos Estados Unidos, aceitaram aquilo que Mills denominou unia «definição militar da realidade». Mas não há razão para acreditar que foram os militares que em qualquer parte a impuseram a seus chefes civis. Dito isso, continua a ser fato que as elites militares nos países capitalistas avançados desempenham realmente um papel importante na determinação dos inúmeros aspectos cruciais da política nacional. E a sua influência não está reduzida à área da política que constitui a sua preocupação especial. As decisões relativas à defesa são necessariamente decisões sobre muitas outras coisas, desde a diplomacia até a política econômica, do bem-estar social à educação. Como afirma Meynaud, «não existe nenhum problema, econômico ou financeiro, que mesmo em tempo de paz não seja direta ou indiretamente vinculado à defesa externa». [Nota 31] Além disso, aquela influência não se reduz ao próprio sistema estatal; de várias maneiras, ela se estende também à vida política de toda sociedade. Dentro da perspectiva desta obra, a questão importante não é tanto a de que os militares exercem uma boa dose de influência sobre o sistema estatal. Isso pode ser aceito como ponto pacífico e dificilmente precisaria ser enfatizado. Mais importante é o fato de que tal influência será provavelmente exercida em direções extremamente conservadoras e ainda o de que das elites militares se poderá esperar que fortaleçam as tendências preconceituosas conservadoras de seus governos e farão todo o possível, qualquer que seja o domínio em que tenham influência, para agir conto mais uma voz de cautela, restrição e censura contra quaisquer políticas que não correspondam à sua própria concepção conservadora de «interesse nacional». Além disso, e levando-se em conta toda a sua orientação ideológica, as elites militares e a polícia deverão sempre apoiar com particular zelo a determinação do poder civil em combater a Página 169 «subversão interna», pelo menos aquela proveniente da esquerda, [Nota 32] bem como a agir, sempre que preciso, como agentes coercitivos da ordem social vigente, principalmente em períodos de conflito social e de luta de classes aberta. Eles são os executores daquela, função coercitiva que constitui prerrogativa única do Estado e quaisquer que sejam os outros aspectos em que o poder civil possa ter tido dúvidas, nesta ou naquela época, quanto à sua confiabilidade, lealdade e subordinação, dificilmente terá havido ocasião para suscitar quaisquer dúvidas sérias no que diz respeito à sua presteza em tomar posição contra operários em greve, militantes políticos de esquerda e outros perturbadores semelhantes do status quo. 3 Os juízes, dentro dos sistemas políticos de tipo ocidental, são independentes. Mas independentes de quê? A resposta geralmente apresentada é a de que eles são independentes do governo do dia, não têm obrigações em relação ao mesmo e não precisam dar-lhe as boas vindas ou preocupar-se com as suas conveniências, sua satisfação ou ira. Se ele não se aplica a qualquer outra coisa, pelo menos aqui, costuma-se dizer, o conceito da separação de poderes se aplica. E neste sentido específico, a noção de independência judiciária tem realmente um mérito indubitável e o fato que ela encerra reveste-se de considerável importância na vida dos sistemas políticos dentro do qual exerce influência. No entanto, a noção de independência judiciária deve ser considerada num sentido mais amplo, uma vez que em seu sentido restrito tende a encobrir alguns aspectos fundamentais do papel do judiciário dentro daqueles sistemas. Um de tais aspectos é o de que os juízes das cortes supremas (e, nesse sentido, também os das cortes inferiores) absolutamente não são, nem podem ser, independentes em relação a inúmeras influências, principalmente da origem de classe, educação, situação de classe e tendência profissio- Página 170 nal, que contribuem tanto para a formação de sua concepção do mundo como no caso dos outros indivíduos. A esse respeito, já observamos que as elites judiciárias, como outras elites do sistema estatal, são recrutadas principalmente dos escalões médios e altos da sociedade: e aqueles juízes que não o são, evidentemente chegaram a pertencer a tais escalões durante a época em que ingressaram no tribunal. Além disso, a tendência preconceituosa conservadora que a sua situação de classe deverá criar é solidamente reforçada pelo fato de que os juízes são também recrutados, em muitos daqueles sistemas, a partir da profissão legal, cujas posições ideológicas são tradicionalmente modeladas em um molde altamente conservador. Segundo palavras de A. V. Dicey, «os juízes são os cabeças da profissão legal. Adquiriram o tom intelectual e moral dos advogados ingleses. São homens de idade avançada. Em sua maioria, são homens de mentalidade conservadora». [Nota 33] Isso foi escrito no início do século XX, mas continua a ser verdade até os dias de hoje, e certamente é tão verdadeiro para outros países como o é para a Inglaterra. Os juízes dos países capitalistas avançados são homens de mentalidade conservadora em relação a todos os grandes problemas econômicos, sociais e políticos de sua sociedade. Mais ainda, os governos, a quem compete geralmente nomear e promover os juízes, provavelmente favorecerão aqueles homens que possuam justamente tais mentalidades conservadoras. Mas não obstante a tendência preconceituosa ideológica geral da profissão legal, têm existido advogados radicais altamente qualificados em todos os demais critérios exceto aqueles e capazes de exercer as mais altas funções judiciais. Raramente, porém, puderam contar com os favores do poder que os nomeava; o mesmo acontece com os juízes das cortesinferiores que demonstraram ser movidos por impulsos fortemente renovadores. Juízes ex- Página 171 traordinariamente liberais ornaram, ocasionalmente, o sistema judiciário de seus países, por exemplo, nos Estados Unidos. Mas sempre constituíram uma minoria diminuta. E nesse aspecto, o seu liberalismo, por mais admirável, não deve ser confundido erroneamente com algo parecido a uma hostilidade para com as instituições econômicas e sociais básicas da sociedade capitalista. Holmes, Brandeis e Cardozo foram, dentro do contexto norte- americano, grandes juízes liberais. Mas somente os reacionários antediluvianos teriam acreditado que o seu liberalismo não estivesse bem contido dentro da estrutura, do capitalismo norte-americano. E eles próprios, como os fatos o demonstram claramente, teriam considerado grotesca a idéia de que tinham qualquer predileção por um outro sistema. Exatamente a mesma coisa pode ser dita no tocante aos juízes liberais de outros países capitalistas. A razão pela qual tais posições ideológicas são importantes é óbvia — elas afetam enormemente a maneira pela qual a função judicial é desempenhada. Os juízes, e isso é geralmente aceito, não são «máquinas de vender a lei», ou prisioneiros indefesos de lima estrutura legal ou os meros expoentes da lei, como eles consideram. Dentro do sistema legal de todos aqueles países há lugar, inevitavelmente, para o arbítrio judicial na aplicação da lei e para a criatividade judicial no exercício efetivo da lei. Como afirma certo autor, «a infinita variedade de problemas sociais e situações legais torna o arbítrio um elemento inevitável dentro do processo judiciário». [Nota 34] Tal elemento é bem mais amplo em alguns sistemas do que em outros, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a Corte Suprema assumiu algumas vezes o papel de «Terceiro Gabinete». Mas em nenhum dos sistemas de tipo ocidental aquele elemento de arbítrio judicial é despido de importância. Isso para não dizer que os juízes buscam necessariamente expandir a área de arbítrio e muitos deles têm mesmo concordado com a opinião emitida por um juiz em 1824, segundo a qual «a política oficial é um cavalo que não foi domado e difícil Página 172 de cavalgar». Muitos deles, porém, foram obrigados cavalgá-lo, por boas ou más razões. [Nota 35] Ao interpretar e executar a lei, os juizes não podem deixar de ser profundamente afetados por sua concepção do mundo, a qual, por sua vez, determina a sua atitude em face dos conflitos que ocorrem dentro dele. [Nota 36] Poderão julgar que são guiados exclusivamente por valores e conceitos que pairam muito acima das considerações mundanas de interesses de classe ou especiais. Mas, em sua aplicação concreta, tais conceitos oferecerão no entanto muitas vezes uma posição e uma tendência preconceituosa ideológicas diferentes e identificáveis, na maioria dos casos de tipo fortemente conservador. Um eminente juiz inglês afirmou eloqüentemente, há alguns anos, que os juizes na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos deveriam «encarar a si mesmos. . . como empenhados até o fim no princípio de que a meta da sociedade e de todas as suas instituições é alimentar e enriquecer o crescimento individual de cada espírito humano». [Nota 37] Infelizmente, tais palavras estão sujeitas a interpretações diversas e contraditórias. Tal como foram pronunciadas, não constituem uma garantia contra qualquer tipo de tendência preconceituosa, mas mero disfarce para esta. Os próprios juizes revelaram algumas vezes ter plena consciência de sua tendência preconceituosa particular. Assim é que um juiz altamente conservador, Scrutton, observou em 1922 que ...os hábitos nos quais você é treinado, as pessoas com quem você convive levam-no a possuir um certo conjunto de idéias de Página 173 tal natureza que, quando você tem que enfrentar outras idéias, os julgamentos que profere não são tão globais e acurados quanto desejaria. Eis ai uma das grandes dificuldades que existem no momento diante do movimento operário. O movimento operário afirma: «Onde estão os seus juizes imparciais? Todos eles se movem dentro do mesmo círculo em que estão os patrões e todos eles foram educados e criados nas mesmas idéias que os patrões. Então como poderá um operário ou um ativista sindical obter justiça imparcial?» Muitas vezes é difícil ter a certeza de que você se colocou numa posição rigorosamente imparcial entre duas pessoas em disputa, uma das quais pertence à sua própria classe, e a outra, não. [Nota 38] Ou então, segundo as palavras do Juiz Cardozo, «o espírito da época, tal como ele se revela para cada um de nós, é freqüentemente o espírito do grupo ao qual, por acidentes de nascimento ou de educação, ou de ocupação ou camaradagem, nós pertencemos». [Nota 39] Tal tipo de compreensão está associado, sem dúvida, a um desejo real de superar um partidarismo gritante. Nem se pode negar que, no que se refere a suas formas mais óbvias, semelhante tentativa poderá ter êxito algumas vezes. Como regra geral, porém, o êxito nesse domínio parecerá mais facilmente obtido quanto menos cruciais se apresentarem os acontecimentos em jogo para a empresa social, quanto menos eles afetarem os padrões básicos de relações entre o capital e o trabalho, quanto menos eles envolverem aquilo que se considera ser a segurança do Estado e a salvaguarda da ordem social. Simultaneamente, a ausência de urna tendência preconceituosa exagerada será também muito mais provável em períodos de relativa calma social do Página 174 que em períodos de conflito social agudo e de tensão. Mas, por outro lado, ali onde os acontecimentos realmente têm, ou parecem ter, uma relação direta ou indireta com a manutenção da ordem social ou de importantes partes da mesma, particularmente, em períodos de crise, será muito menos provável que os juízes reconheçam sua parcialidade ou, pelo menos, que desejem evitar uma parcialidade que o seu próprio instinto e o seu procedimento mental sugeririam ser um dever. Ao condenar dois jornalistas por desacato à Corte, por se terem recusado a revelar suas fontes de informação perante o tribunal de Vassall, o Ministro da Justiça da Inglaterra pareceu aceitar a sugestiva tese de que «o principal dever do cidadão é para com o Estado». (Nota 40) Dentro deste contexto, ainda mais importante do que os aspectos filosóficos suscitados por tal requisito, é a grande probabilidade de que o Juiz Parker não desejava excluir o judiciário. Quer isso seja verdade ou não, é certo que as elites judiciárias têm sido levadas muitas vezes, por toda a parte, por tais sentimentos. Um dos exemplos filais extremados de parcialidade judiciária em qualquer sistema político de tipo ocidental, ocorrido neste século, foi a tendência preconceituosa clamorosa manifestada por juízes alemães durante a República de Weimar em favor de assassinos e arruaceiros da extrema direita de um lado, e contra a extrema esquerda ou esquerda tout court, de outro. [Nota 41] E’ duvidoso, porém, que tais juízes sentissem que estavam traindo o seu dever judicial; ao contrário, é mais provável que acreditassem que o estavam cumprindo, ao revelar extrema tolerância para com indivíduos que, talvez até certo ponto, de modo demasiado entusiástico, estavam combatendo a «subversão comunista» e ao revelar uma severidade extrema contra aqueles que, aos olhos desses juizes, eram os agentes da subversão. E’ claro que se trata de um caso extremo. Mas é um fato que os juízes nos países capitalistas avançados têm Página 175 em geral adotado uma posição deplorável em face da dissidência radical, e quanto mais radical a dissidência, tanto maior tem sido a hostilidade judiciária para com ela. O arbítrio judiciário, nesse sentido, tem sido em geral usado maispara apoiar do que para restringir as tentativas feitas em diferentes ocasiões pelos governos e pelos legislativos para conter, dominar ou suprimir as opiniões e atividades dissidentes. E’ verdade que os tribunais ajudaram, algumas vezes, a limitar o zelo intolerante de outros elementos do sistema estatal, e a importância de tal fato não deveria ser certamente subestimada. [Nota 42] Mas o mais comum, particularmente em épocas de crise social e de contestação, e nas circunstâncias de uma permanente «Guerra Fria», é que os juízes tenham demonstrado uma disposição para compartilhar o zelo da autoridade repressiva e a encarar a restrição às liberdades civis que daí resulta como um mal menor ou até mesmo a não considerá-la como um mal. Poder-se-ia argumentar que existem formas de legislação repressiva ou de ação executiva que dão muito pouca margem ou mesma nenhuma para o arbítrio judicial e em que o juiz, se quiser aplicar a lei, deverá aplicá-la com a aspereza pretendida por aqueles que a promulgaram. Mas a aplicação judiciária da lei e a aceitação judiciária dos esforços repressivos dos governos e dos legislativos não constituem simplesmente um desempenho «neutro» da função judiciária; eles constituem um ato político de enorme significação e oferecem a tais governos e legislativos um elemento precioso de legitimação suplementar. Ali onde não existe tal arbítrio, a única opção que resta aos juizes diante da repressão estatal é a renúncia ao tribunal. Mas não é uma opção que numerosos juízes tenham julgado necessário adotar. De qualquer modo, um certo grau de arbítrio judicial existe normalmente tanto nessa área como em outras e embora tribunais ocasionalmente o utilizassem em favor de Página 176 dissidentes, desejavam na maioria dos casos fortalecer o braço do Estado em sua confrontação com a dissidência. Mas isso é apenas uma parte de uma tendência preconceituosa mais ampla que os tribunais, em sua preocupação de proteger a «sociedade» (isto é, as sociedades de classes desiguais), têm manifestado de maneira conseqüente em favor do privilégio, da propriedade e do capital. Assim é que a história do movimento sindical nos países capitalistas é também a história de uma luta infindável contra as tentativas dos tribunais de subjugar e minar a capacidade dos sindicatos em defender os interesses de seus membros. Aliás, nesse caso, o ramo judiciário não se tem simplesmente limitado a secundar os esforços repressivos dos governos e legislativos; muitas vezes foram os próprios tribunais que tomaram a iniciativa ao buscar, através do exercício da criatividade judiciária e na interpretação dos estatutos, reduzir ou anular os direitos sindicais e operários que mesmo os governos e as assembléias conservadoras foram obrigados, debaixo de pressão, a endossar e promulgar. Não há dúvida que os juízes, como os próprios governos e interesses capitalistas, acabaram por admitir que os sindicatos, longe de constituir uma ameaça à «sociedade», poderiam de fato contribuir bastante para a sua estabilidade e ajudar a limitar, antes que a exacerbar, o conflito social. Em conseqüência, as atitudes dos judiciários em relação aos direitos sindicais deixaram de ser definidas em termos de uma hostilidade incessante que seria, de qualquer modo, difícil de manter sem expor os juízes a unia crítica cerrada e prejudicial. [Nota 43] Página 177 Mesmo assim, os assalariados e suas organizações de defesa jamais estão a salvo dos ataques judiciários, inclusive no que se refere a direitos que desde há muito são encarados como acima de qualquer contestação. [Nota 44] Talvez de maneira menos ruidosa do que antes, embora sem sombra de engano, o arbítrio judicial continua a ser uma ameaça permanente ao «poder compensador» que o trabalho conseguiu constituir através dos anos, principalmente a defesa militante desse poder. De modo geral, os tribunais sempre consideraram ser um de seus deveres fundamentais para com a «sociedade» proteger os direitos da propriedade contra as tentativas que o Estado tem sido obrigado a tomar a fim de reduzir o seu âmbito. O judiciário não tem sido capaz de evitar a «interferência» do Estado na liberdade dos proprietários de fazer o que bem entenderem com aquilo que lhes pertence. Os juízes foram gradualmente levados a aceitar aquilo que Dicey denominou o movimento do «liberalismo individualista» ao «coletivismo Assiste- mático». Mas eles se têm esforçado, geralmente ao máximo, para limitar e retardar tal movimento; não existe outro campo em que se tenham mostrado guardiães mais vigilantes do «cidadão» contra o Estado. Em suma, o judiciário não tem estado «acima» dos conflitos da sociedade capitalista mais do que qualquer outra Página 178 parte do sistema estatal. Os juízes têm-se envolvido profundamente em tais conflitos e de todas as classes; é certamente a classe dominante aquela que tem menos a reclamar da natureza e da direção de tal envolvimento. Procuramos demonstrar nesse capítulo e no anterior que os interesses econômicos dominantes na sociedade capitalista têm podido contar normalmente com o apoio e a boa vontade ativa daqueles que detêm em suas mãos o poder estatal. Trata-se de uma enorme vantagem. Mas tais interesses não podem esperar que os governos e seus conselheiros ajam em perfeita congruência com os seus objetivos. Como foi observado antes, os governos podem desejar adotar certas políticas que eles julgam benéficas para a empresa capitalista, mas que os interesses econômicos poderosos consideram, de sua parte, profundamente contestáveis. Ou tais governos poderão ser submetidos a uma forte presão por parte de outras classes, o que também não podem ignorar. Tal situação surgirá provavelmente nos regimes políticos de tipo ocidental. Em outras palavras, a boa vontade inicial e o apoio geral que os interesses capitalistas esperam obter dentro do sistema estatal não excluem a necessidade de exercerem eles mesmos a sua própria pressão a fim de alcançarem os seus propósitos imediatos e específicos. Como veremos a seguir, todavia, tais interesses põem a seu serviço recursos muito maiores, em numerosos aspectos, do que os que se referem a qualquer outro interesse na sociedade capitalista. Nota 1 - Página 148 Como disse um ex-alto funcionário norte-americano: «O funcionalismo, tanto civil como militar, dificilmente é neutro. Ele fala e fala inevitavelmente como advogado» (R. Hillsman, To Move a Nation: The Politics of Foreign Policy in the Administration of John F. Kennedy, 1967, p. 8). Nota 2 - Página 150 R. E. Neustadt, Presidential Power, 1960, p. 42. Observar ainda o comentário de um autor francês: «Existe em cada administração uma resistência mais ou menos aberta às ordens dos ministros, conflito no qual a administração tem o duplo trunfo da competência técnica e da estabilidade. Os ministros passam, mas os serviços permanecem, e costuma-se dizer muitas vezes que se a França não é mais governada, ela é administrada, e que é a isso que ela deve sua sobrevivência» [em francês no original] (M. Waline, «Les Résistances Techniques de l’Administration au Pouvoir Politigue», em Politique et Technique, 1958, p. 168). Nota 3 – Página 151 C. H. Sisson, The Spirit of Administration, 1959, p. 124. Nota 4 - Página 152 Muito embora a ausência de filiações religiosas ou pelo menos de uma profissão de fé explícita possa, em alguns países, deixar de ser nit;clamente propícia a uma carreira administrativa (cf., p. ex., A. Grosser, La Démocratie de Bonn, 1958, p. 180). Nota 5 - Páginas 152/153 Para a amplitude grotesca que assumiram tais processos de peneiramento nos Estados Unidos, cf., p. ex., R. G. Sherill, «Washington’s Bland Bondage», em The Nation, 20 e 27 de fevereirode 1967. O processo não está confinado à vida administrativa. Nos Estados Unidos, observa certo autor, «cerca de 25 mil firmas industriais particulares, em todo o país, operam de acordo com regulamentos de segurança elaborados pelo Pentágono e cuidadosamente testados por equipes militares visitantes... oficiais de segurança, que operam sob a orientação de autoridades militares e muitas vezes sem o beneplácito de oficiais de carreira, assumiram uma parcela substancial das funções das divisões de pessoal. Na teoria, eles não deveriam contratar e despedir. Na prática, a sua palavra muitas vezes é lei» (J. Raymond, Power at the Pentagon, 1964, ps. 154-5). Em 1956, outro autor observava que, «dentro de pouco tempo, provavelmente um quinto de todas as pessoas empregadas nos Estados Unidos (além de muitas outras de suas famílias) estará submetido a inquérito relativamente a suas associações, políticas e crenças, a fim de extirpar um grupo diminuto a respeito do qual possa ter surgido alguma suspeita» (W. Gellhorn, Individual Freedom and Governmental Restraints, 1956, p. 41). Nota 6 - Página 153 Por outro lado, dois autores franceses indicam, legitimamente, o ingresso na Ecole Nationale d’Administration, em 1962, de dois estudantes altamente marginais, um da esquerda e outro da direita (este último tendo que ser internado por «ativismo de extrema direita») e eles sugerem que isso simboliza «um liberalismo que não encontra equivalente em outros países, mesmo naqueles que passam por ser os mais democráticos» [em francês no original] (F. Goguel e A. Grosser, La Politique en France, 1964, p. 224), Nota 7 – página 154 P. Dieterlen, Au Delà du Capitalisme, 1946, p. 359. Nota 8 – página 154 G. M. Sauvage, «The French Businessman in his Milieu», em Cheit, The Business Establishment, p. 235. Nota 9 – página 155 J. Billy, Les Techniciens et le Pouvoir, 1960, p. 55. Cf. também J. Brindillac, «Les Hauts Fonctionnaires», em Esprit, junho de 1953, p. 837. Convém notar que dentre 240 Inspetores de Finanças ou antigos desses membros da superelite econômica do Estado francês que viviam em 1953, setenta deles, ou quase 30%, pertenciam ao setor privado da economia, depois de terem pedido demissão do serviço ou obtido licença («La France et les Trusts», em Economie et Politique, nº 5-6, 1954, p. 194). Uma vista geral detalhada em torno desse corpo de elite observou ainda que tais pessoas tinham ingressado para os setores mais dinâmicos e poderosos da grande empresa na França. (Cf. P. Lalumière, L'Inspection des Finances, 1959, p. 88.) Nota 10- Página 156 Baumier, Les Grandes Affaires Françaises, p. 193. [Em francês no original.] Nota 11- Página 156 Lalumière, L’Inspection des Finances, p. 191. Nota 12- Página 156 Meynaud, La Technocratie, p. 222. Nota 13- Página 156 Ibid., p. 122. Nota 14 – Página 157 Kariel, The Decline of American Pluralism, p. 91. Nota 15 – Página 157 R. Engler, The Politics of Oil, 1961, p. 318. Nota 16 – Página 158:’ Cf. capitulo 6. Nota 17 – Página 160 J. F. Ambler, The French Army in Politics: 1945-1962, 1966, p. 278. Nota 18- Página 161 Huntington, The Soldier and the State, 1957, ps. 361-2 (grifo do autor). «No meio da década de 50» — acrescenta Huntington — «mais de dois mil oficiais regulares abandonavam, cada ano, o serviço para se passar para cargos mais lucrativos na empresa» (ibid., p. 366). Para uma análise bem documentada de tal processo, cf. também F. J. Cook, The Warfare State, 1963, e L. Reissman, «Life Careers, Power and the Professions: The Retired Army General», em American Sociological Review, 1956, vol, 21, n. 2. Para a Grã-Bretanha, cf. P. Abrams, «Democracy, Technology and the Retired British Officer», em S. P. Huntington (org.), Changing Patterns of Military Politics, 1962, ps. 166 e seg. Nota 19- Página 161 Para os Estados Unidos, cf., p. ex., C. R. Mollenhof, The Pentagon. Politics, Profit and Plunder (1967). Nota 20- Página 162 CL, p. ex., Carstern, The Reichswehr and Politics, 1917 to 1933, e Wheeler-Bennett, The Nemesis of Power. Nota 21- Página 162 F. C. Jones, «Japan», em M. Howard (org.), Soldiers and Governments, 1957, p. 94. Nota 22- Página 162 Cf. R. Girardet et al., La Crise Militaire Française 1945-1962, 1964, parte 3, e Ambler, The French Army in Politics. Nota 23- Página 163 R. Girardet, Pouvoir Civil et Pouvoir Militaire dans la France Contemporaine», em Revue Française de Science Politique, 1960, vol. 10, n° 1, ps. 31-2. Nota 24- Página 164 Ambler, ThC French Army in Politics, p. 342. Nota 25- Página 165 Cf. J. P Nettl, Rosa Luxembarg, 1966, vol. 2, p. 774. Nota 26- Página 165 Wheeler-Bennett, Time Nemesis of Power, p. 74. Nota 27 –Página 165 Ibid., p. 78. Nota 28 – página 166 F. L. Carsten, «Germany», em Howard (org.), Soldiers and Govenments, p. 94. Nota 29 – página 166 Cf. A Elite do Poder, cap. 9. Nota 30 – página 167 Cf. para isso, p. ex., F. J. Cook, que observa que o estabelecimento militar norte-americano é, «por qualquer unidade de medida, a maior organização mundial» (The Warfare State, p. 21). Nota 31 – página 168 Meynaud, La Technocratie, p. 38. [Em francês no original.] Finer vai ainda mais longe e sugere que, «atualmente, a deferência para com os militares, nos campos da política externa e até mesmo da política interna, é um lugar comum» (S. E. Finer, The Man on Horseback, 1962, p. 74). Nota 32 – página 169 Por outro lado, isso não pode ser tão facilmente considerado como admitido, no caso de militantes dissidentes que estão no outro extremo do espectro político. Nota 33 – página 170 V. Dicey, Law and Opinion in England During the 19ih Century, 1963, p. 364. Nota 34 – página 171 Friedmann, Law in a Changing Society, 1959, p. 60. Nota 35 – página 172 «O direito não constitui um corpo de doutrina estático, mas dinâmico e muito de sua evolução é produzido por juízes que estão tomando decisões, consciente ou inconscientemente, à base daquilo que julgam que deve ser o direito» (D. Lloyd, The ldea of Law, 1964, p. 111). Nota 36 – página 172 Afirma o Juiz Holmes: «Aquelas considerações que os juizes mencionam raramente e sempre por meio da apologia é que são a raiz secreta de onde o direito extrai todas as seivas da vida. Quero referir-me, é claro, às considerações daquilo que é aconselhável para a comunidade» (O. W. Holmes, The Common Law, 1881, p. 35). Nota 37 – página 172 Lorde Radcliffe, The Law and its Compass, 1960, p. 65. SERVIDORES DO ESTADO Nota 38 – página 173 Citado por B. Abel-Smith e R. Stevens, Lawyers and the Courts, 1967, p. 117. Nota 39 – página 173 B. N. Cardozo, The Nature of the Judicial Process, 1921, p. 175. Observar, ao contrário, a concepção muito mais complacente de Lorde Evershed: «Pode muito bem ser também que o direito e os juizes e os membros da profissão legal, ao ministrar a lei, tendam para o conservadorismo. Considerando as suas longas tradições e sua história, seria de surpreender que fosse de outra maneira e, nesse sentido, não creio que a profissão legal seja diferente de outras profissões. Aliás, tal conservadorismo não é uma coisa má; isso porque ele deve inclinar-se para promover um sentido de estabilidade, dentro de um mundo em rápida transformação» (Lorde Evershed, «The Judicial Process in Twentieth Century England»; em Columbia Law Review, 1961, vol. 61, ps. 773-4; em Abel-Smith e Stevens, Lawyers and the Courts, ps. 300-1). Nota 40 – página 174 Abel-Smith e Stevens, Lawyers and the Courts, p. 306. Nota 41 – página 174 Cf. para isso, p. ex., Neumann, Behemoth, ps. 27-9.Nota 42 – página 175 A Corte Suprema dos Estados Unidos oferece um exemplo óbvio. Observar porém o comentário de um escritor informado (e de modo algum discordante) : «Parece claro que a Corte (Suprema), em acórdãos recentes, aprovou uma política relativamente conservadora, permitindo a supressão da dissidência política» (G. Schubert, Judicial Policy-Making, 1965, p. 129). Nota 43 – página 176 Poder-se-ia afirmar, nesse sentido, de acordo com uma fórmula consagrada, que os juizes têm «acompanhado os resultados eleitorais». Mas é uma fórmula bastante enganadora. Ela sugere que os juízes não são indiferentes ao sentimento popular e a correntes de pensamento extralegais, mas pode significar também, e isso não é pouco freqüente, que os juízes não são indiferentes às pressões de interesses preponderantes e especiais. Esse é provavelmente o caso nas cortes inferiores, cujos membros podem ser extremamente sensíveis aos preconceitos e às reivindicações das elites dominantes, das quais constituem parte, ou aos preconceitos e às paixões de um determinado setor da comunidade, por exemplo um setor racialmente dominante. Foi esse certamente o caso em muitas cortes estaduais dos Estados, Unidos, principalmente nos estados do Sudeste. As cortes inferiores, convém salientar, constituem uma parte do processo judiciário cuja importância vital é muitas vezes subestimada, em virtude da atenção concentrada nas cortes superiores. Nota 44 – página 177 Cf., p. ex., as decisões dos Juízes de Direito em 1964, em Rookes x Barnard and Others, que «esmagaram a convicção do direito de greve e de outra ação industrial» (K. W. Wedderburn, The Worker and lhe Law, 1965, p. 273). Observar ainda o comentário de um dos Juízes de que «o prejuízo e o sofrimento causados pela ação grevista são muitas vezes bastante difundidos e devastadores e uma ameaça de greve deve ser certamente considerada não menos séria do que urna ameaça de violência» (ibid., p. 266 — grifo do autor). Observar ainda o seguinte comentário, feito por um eminente advogado trabalhista: «Tem-se a impressão de que as tendências repressivas dos tribunais, que nos séculos XIX e XX tinham que ser continuamente neutralizadas pelo Parlamento, estão prestes a ser revividas» (O. Kahn-Freund, citado por Wedderburn, The Worker and the Law, p. 274).
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