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[Estado burguês, marxismo] O Estado na sociedade capitalista Capitulo 5 - Ralph Miliband

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MILIBAND, Ralph. Servidores do Estado. In: ________. O Estado na 
sociedade capitalista. Tradução de Fanny Tabak. 2.ed. Rio de 
Janeiro: Zahar, 1982. p.147-178. 
 
Página 147 
Capítulo 5 
 
Servidores do Estado 
 
1 Enquanto os líderes políticos dos países do capitalismo 
avançado geralmente usam rótulos políticos e partidários específicos, 
os altos funcionários civis geralmente não o fazem. Sem dúvida, os 
governos de alguns desses países trazem para o aparelho 
administrativa elementos de seu próprio partido e coloração política, 
ou promovem tais elementos de preferência a outros. Mas na maior 
parte das vezes, as elites administrativas de tais sistemas políticos 
não são em geral integradas por elementos partidários. Ao contrário, 
costuma-se repetir insistentemente, e quase sempre são os próprios 
servidores que o fazem, que eles são politicamente «neutros», no 
sentido de que a sua preocupação dominante, na verdade a única, é 
defender os assuntos do Estado, sob a direção de seus chefes 
políticos. 
 Já foi sugerido que encarar os altos funcionários civis como meros 
executores de política em cuja determinação tiveram pouca ou 
nenhuma participação é totalmente irreaIístico. Isso para não dizer 
que os «burocratas» estão necessariamente «famintos por poder» ou 
que eles «governam o país» e que os ministros apenas fornecem uma 
fachada conveniente para o domínio burocrático. Tal descrição 
também não corresponde à realidade. A verdadeira posição está entre 
os dois extremos : o padrão geral deve ser aquele em que tais 
homens desempenham um papel importante no processo de decisão 
governamental e portanto constituem uma força considerável na 
configuração do poder político em suas sociedades. 
 Quanto à maneira como tal poder é exercido, a noção de 
«neutralidade», muitas vezes associada a ela, é na realidade 
 
Página 148 
 
altamente enganadora, pois basta um movimento de reflexão para se 
verificar que isso é absurdo: pessoas que estão profundamente 
USUARIO
Realce
submersas nos assuntos públicos e que desempenham papel 
importante não só na aplicação mas na determinação da política, 
como tais pessoas indubitavelmente estão, não estarão 
provavelmente livres de determinadas tendências ideológicas, por 
menos consciência que tenham de tal fato. E tais tendências não 
podem deixar de afetar todo o caráter e a orientação da opinião que 
elas têm e a maneira pela qual encaram as suas funções 
administrativas [Nota 1]. 
 Nem pode haver muita dúvida em relação à direção de tais 
tendências ideológicas: os altos funcionários públicos dos países do 
capitalismo avançado costumam desempenhar um papel conservador 
nos conselhos estatais, reforçar as propensões conservadoras dos 
governos, em que tais propensões são bastante desenvolvidas, e 
servir como elemento inibidor em relação aos governos nos quais são 
menos pronunciadas. 
 Como no caso dos lideres políticos conservadores, tais tendências 
podem admitir um interesse liberal ou progressista no tocante a tal ou 
qual aspecto da reforma e uma atitude cética, ou até mesmo cínica, 
perante muitos aspectos da ordem social. Em todo país capitalista, os 
funcionários públicos civis têm desempenhado ocasionalmente um 
papel importante na reforma social econômica, administrativa e milita. 
Mas, no conjunto, isso tem sido antes a exceção do que a regra e ali, 
onde aconteceu, tal tendência à reforma tem sido também 
perfeitamente compatível e consistente com uma sólida disposição e 
determinação de fortalecer a ordem social existente. 
 Dadas as suas inclinações ideológicas, não existe obviamente 
qualquer razão por que os altos funcionários civis não fossem mais ou 
menos «neutros» entre diferentes partidos e grupos conservadores, 
cujos representantes se su- 
 
Página 149 
 
cedem no poder, e há todas as razões para que eles sirvam com igual 
zelo a qualquer governo que, dentro desse espectro limitado, seja 
guindado ao poder pela onda do sufrágio universal. 
 Nem é preciso afastar-se muito de tal «neutralidade» quando aquele 
espectro é ligeiramente ampliado, como, por exemplo, quando sobem 
ao poder governos social-democratas. Estes últimos, como já foi 
demonstrado, jamais tentaram pôr em prática um plano coerente de 
políticas que fossem tão distantes dos interesses conservadores e da 
USUARIO
Realce
sua maneira de pensar que se tornassem intoleráveis para eles. Por 
isso, os funcionários públicos civis, ao se defrontar com tais governos, 
não foram obrigados a fazer uma opção clara entre aquilo que 
consideravam ser o «interesse nacional» e servir o governo do dia. 
 Aliás, é isso que faz parecer um pouco ingênuos e até mesmo 
patéticos os tributos repugnantes que os ministros socialdemocratas 
têm muitas vezes pago à lealdade, dedicação e ao zelo dos «seus» 
funcionários públicos. Pois a lealdade que exaltam é muito menos a 
expressão da infinita adaptabilidade ideológica e política dos 
funcionários públicos do que a infinita adaptabilidade dos líderes 
social-democratas ao objetivos conservadores. 
 Poderia ser argüido com razão que uma vez que a cenografia jamais 
foi escrita em um país capitalista avançado, o exato papel que os altos 
funcionários públicos poderiam escolher ou seriam capazes de 
desempenhar no caso de subir ao poder um governo inclinado para 
uma transformação revolucionária continuará a ser matéria de 
especulação. De qualquer modo, tal governo buscaria 
presumivelmente realizar mudanças de longo alcance dentro do 
aparelho administrativo e trazer elementos com cujo zelo e apoio 
pudesse contar. De fato, a determinação de realizar importantes 
modificações administrativas constituiria um importante critério da 
seriedade de seus objetivos. Pois, se não o fizesse, herdaria um 
quadro de funcionários que teria como uma de suas principais 
preocupações, ou melhor, cuja preocupação dominante seria, 
presume-se, limitar os «danos» que tal governo iria causar. Além de 
fazer tudo a seu alcance para antepor restrições administrativas às 
 
Página 150 
 
políticas que eles considerassem incompatíveis e que, de acordo com 
a sua honesta opinião, era prejudicial ao «interesse nacional». Saber 
se isso conduziria ao tipo de «sabotagem administrativa» muitas 
vezes prevista e temida pela esquerda é em grande medida uma 
questão de definição. O aspecto importante é que, sem dúvida, 
segundo o lugar e as circunstâncias os governos inclinados a fazer 
mudanças revolucionárias não podem esperar razoavelmente que a 
alardeada «neutralidade» das elites administrativas tradicionais se 
aplique a eles, muito menos contar com o apoio dedicado e 
entusiástico às suas políticas e de que estas necessitariam. 
 Nesse sentido, não é apenas esse tipo de governo que deve esperar 
USUARIO
Realce
dificuldades nas mãos daquelas elites tradicionais. Qualquer governo 
inclinado a fazer reformas que tenham uma conotação «radical» terá 
que enfrentar provalmente muitos, se não a maioria, de seus 
conselheiros de carreira sem qualquer sombra de entusiasmo e muito 
possivelmente até mesmo hostis. Um dirigente político que seja forte e 
determinado, que tenha idéias firmes e o apoio de seus colegas 
poderia conseguir negociar os obstáculos à sua maneira. Mas isso 
não significa dizer que não existirão obstáculos, nem muito menos, 
como afirma Neustadt em relação aos Estados Unidos, porque «os 
especialistas dos escalões altos dos cargos de carreira poderão 
dispor de reservas ilimitadas do enorme poder que consiste em ficar 
calado». [Nota 2]. Quanto à Grã-Bretanha, Sisson observou que a 
tarefa do alto funcionário público, «bem como a da coroa, é manter a 
continuidade» e que «a sua profissão exige dele que se preocupe 
mais com a continuidade do reino do que 
 
Página 151 
 
com o êxito do partido» [Nota 3]. Trata-se de um argumento muito 
singular, pois ao invésde abranger o tipo de «neutralidade» que 
Sisson afirma ser a característica distintiva do alto administrador, 
impele este último a uma atitude bastante não-neutra em relação a 
políticas que, do seu ponto de vista, asseguram a «continuidade do 
reino» e ainda em face de inovações que, na sua opinião, não fazem 
ou parecem ser uma ameaça ao mesmo. Mesmo assim, o 
administrador pode prestar serviços a seus chefes políticos e ajudá-
los na execução de políticas que ele considera errôneas. Mas ele o 
fará, e não poderia ser de outro modo, dentro dos limites que 
busquem «reduzir os danos». Eis aí uma posição que conduzirá muito 
mais provavelmente a invalidar qualquer inovação radical do que a 
aumentar suas possibilidades de êxito. Em resumo, os altos 
funcionários civis constituem, dentro do sistema estatal, a voz de 
cautela e da moderação e o seu motto permanente é «Pas trop de 
zèle», pelo menos em relação a uma reforma radical. Isolados como 
têrn estado geralmente das pressões populares que os políticos à 
procura de votos têm sido forçados a atender, pelo menos 
parcialmente, aqueles funcionários têm desempenhado principalmente 
o papel de advogados do status quo precedente conservador, de 
rotinas consagradas. Isso pode ser ou não considerado uma função 
admirável e necessária. Mas ela é incompatível com a noção de 
USUARIO
Realce
«neutralidade», em geral atribuída ao serviço público civil dos países 
capitalistas avançados. 
 O conservadorismo dos altos funcionários civis dos países 
capitalistas avançados deve ser encarado não em termos gerais, mas 
específicos, em relação às configurações de classe e às hierarquias 
daquelas sociedades particulares, constituindo o seu objetivo principal 
não apenas a defesa de uma ordem social, mas daquela ordem social 
particular, típica de tais sociedades em todas as suas grandes 
manifestações. Em outras palavras, os altos funcionários públicos 
daqueles países não são simplesmente conservadores 
 
Página 152 
 
de modo geral: são conservadores no sentido de que são, dentro da 
esfera que lhes compete, os aliados conscientes ou inconscientes das 
elites econômicas e sociais existentes. 
 Para isso existe mais que uma razão. Aquela mais óbvia e que já foi 
mencionada é a de que sua origem social, além da educação e 
situação de classe dos altos servidores civis, faz com que eles 
constituam parte de um meio específico, cujas idéias e cujos 
preconceitos e concepções provavelmente irão compartilhar e os 
quais estão destinados a influir, na realidade a definir, a sua imagem 
de «interesse nacional». 
 Mas isso não é tudo. Existe ainda o fato — freqüentemente olvidado 
dentro desse contexto — que a «firmeza» ideológica dos altos 
funcionários civis (bem como a de muitos outros) não constitui uma 
questão que, naqueles países, esteja hoje relegada ao acaso. O 
recrutamento e a promoção já não são mais fundamentalmente 
determinados à base de origem social ou filiação religiosa [Nota 4]. 
Nem se espera que em tais sistemas os servidores civis subscrevam 
uma determinada doutrina ou ideologia política. No entanto, espera-se 
que eles se situem dentro de um espectro de pensamento no qual o 
conservadorismo rígido está num dos extremos e um débil 
«reformismo» no outro. Fora de tal espectro oculta-se o grave perigo e 
em alguns países a certeza absoluta de uma carreira administrativa 
frustrada ou ausência total de qualquer carreira administrativa. Em 
todos os países capitalistas, embora em diferentes graus de eficiência 
(os Estados Unidos conservam facilmente a liderança), os candidatos 
ao serviço público e os seus membros estão sujeitos a processos de 
crivo e a provas de segurança, que já se tornaram uma característica 
USUARIO
Realce
USUARIO
Realce
habitual e permanente da vida administrativa ocidental [Nota 5]. 
 
Página 153 
 
A justificativa oficial apresentada para tais procedimentos é a de que 
são necessários a fim de excluir os «riscos de segurança» na 
contratação feita pelo Estado, particularmente para postos 
importantes e «sensíveis». Mas a noção do que constitui um «risco de 
segurança» é bastante elástica e pode ser facilmente estendida a fim 
de abranger quem quer que tenha opiniões e idéias a respeito de 
questões importantes diferentes da estrutura de «firmeza», definida 
em termos do consenso conservador vigente [Nota 6]. Além disso, o 
conhecimento que os servidores civis têm daquilo que se espera, ou 
mesmo se exige deles, em termos ideológicos e políticos parece ser 
mais do que suficiente para assegurar que aqueles que talvez fossem 
tentados a desviar-se do caminho estreito que lhes cabe palmilhar 
acabarão por sujeitar-se e afastar a tentação. De qualquer modo, o 
número destes não parece ser grande. Mais importante porém do que 
tais fatores, no fortalecimento da posição conservadora dos altos 
funcionários civis e na definição de uma direção específica para ela, 
de modo a fazer deles um apoio positivo para o mundo do capitalismo 
corporativo, é a sua aproximação cada vez maior com esse mundo. 
 
Página 154 
 
 Para começar, existe o fato de que a intervenção estatal na vida 
econômica estabelece uma relação constante entre os empresários e 
os servidores civis que não é aquela que existe entre antagonistas ou 
mesmo representantes de interesses diferentes e divergentes, mas de 
co-participantes no serviço de um «interesse nacional», o qual será 
provavelmente definido pelos servidores civis, como políticos, em 
termos congruentes com os interesses finais do capitalismo privado. 
 Por outro lado, o mundo da administração e o mundo da grande 
empresa estão hoje cada vez mais entrelaçados, no que toca a 
quadro de pessoal, quase intercambiável. Já vimos que é cada vez 
maior o número de homens de negócio que estão numa ou noutra 
parte do sistema estatal, tanto em níveis políticos como 
administrativos. Mas os altos funcionários civis também caminham 
com regularidade cada vez maior para a empresa corporativa. Ainda 
em 1946 um autor francês argumentava que, «para a elite que 
USUARIO
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constitui os grands corps do Estado, a administração não é hoje mais 
do que antecâmara para uma posição empresarial». [Nota 7] Desde 
então, o modelo tornou-se muito mais acentuado. «Durante muitos 
anos», observa outro autor francês, «o Serviço de Inspeção 
Financeira, o Conselho de Estado... os prefeitos e subprefeitos, que 
estavam à frente da administração local e regional na França, 
forneceram às grandes indústrias francesas um número crescente de 
altos executivos, vice-presidentes e presidentes». De fato, esse autor 
menciona uma «construção de uma única oligarquia de 
administradores ou tecnocratas que trabalham em negócios, 
indústrias públicas ou governos». [Nota 8] Essa mesma conclusão é 
aplicável a todos os outros países capitalistas. 
 Esse intercâmbio entre o serviço governamental de um tipo ou outro 
e o mundo dos negócios é ainda mais característico para a nova 
geração de «tecnocratas», produzida pelo intervencionismo 
econômico do Estado «neocapitalista» e que exerce considerável 
influência e poder em 
 
Página 155 
 
uma série de departamentos, órgãos de planificação, comitês de 
regulamentação, instituições financeiras e de crédito, indústrias e 
serviços nacionalizados. Isso se aplica também à geração ainda mais 
nova de «tecnocratas» internacionais, que estão nas instituições 
supranacionais, surgidas como resultados da internacionalização do 
capitalismo avançado. 
 Tais homens não pertencem com exclusividade nem ao mundo do 
governo nem ao mundo dos negócios. Eles pertencem a ambos e 
deles são parte e se movem facilmente entre ambos, mais facilmente 
ainda porque as fronteiras entre tais mundos são cada vez menos 
distintas e definidas. «Não é raro», afirma certo autor em relação à 
França, «ver dirigentes do setorpúblico ou nacionalizado que ocupam 
postos nos comitês de companhias mistas ou órgãos técnicos. Assim 
também Inspecteurs des Finances são muitas vezes indicados para 
postos de direção em uma empresa privada ou em bancos ou 
empresas nacionalizados. Em troca, os dirigentes do setor privado 
são chamados com freqüência cada vez maior a participar na 
elaboração da política econômica do Estado». [Nota 9] 
 A dificuldade que experimentam os tecnocratas em distinguir entre 
os interesses do «setor privado» e do público está bem exemplificada 
USUARIO
Realce
no comentário abaixo, feito por um dos «grandes commis» que se 
tornou presidente da Schneider, um dos maiores complexos 
industriais da França, depois de ter sido presidente da Electricité de 
France: 
 
O que mais surpreende [observa ele] é que não há grande diferença 
entre tais funções no Estado, no semipúblico e no privado... 
 
 
Página 156 
 
as funções de dirigentes nos três domínios não são totalmente 
diferentes. Isso não é tão extraordinário porquanto, quando se chega 
a um certo nível de direção, no fundo o interesse público se aproxima 
do interesse geral ou pelo menos é uma forma do interesse geral, ou 
ainda o interesse geral torna-se, em certa medida, o interesse privado 
[ Nota 10 ]. 
 
 Outros «tecnocratas», porém, têm menos dificuldade em articular 
uma posição ideológica bem definida. Assim é que Lalumière, à base 
de uma análise de trabalhos escritos e pronunciamentos dos 
Inspecteurs de Finances, constata existir entre eles uma crença 
bastante acentuada na intervenção do Estado na vida econômica; 
embora tenha verificado também que 
 
...não encontramos em nenhum dos autores analisados opiniões a 
favor da apropriação coletiva dos meios de produção. L’Inspection não 
constitui um corpo de revolucionários profissionais que trabalham 
dentro do Estado para o estabelecimento do regime socialista... seus 
membros permanecem ligados ao sistema capitalista. Eles são 
agentes do Estado capitalista. Devem servir a este e não derrubá-lo 
[Nota 11]. 
 E Jean Meynaud, em um estudo dedicado aos tecnocratas 
franceses, escreve de maneira pertinente : 
 
Quanto ao desejo, tantas vezes afirmado, de tratar os problemas sem 
referência à ideologia — o que constitui um dos temas constantes da 
argumentação tecnocrata — isso significa apenas a aceitação das 
ideologias dominantes e, conseqüentemente, das relações de força 
que elas expressam ou justificam [Nota 12]. 
 
 Observa ainda a respeito da planificação francesa : 
 
...no início, poder-se-ia pensar que o Plano fosse um sistema que 
tornaria possível a melhoria da eficácia econômica e da qualidade do 
regime. Mas, na prática, a planificação revelou ser um simples meio 
de consolidação do capitalismo, e os planejadores do Comissariado 
jamais perdiam uma oportunidade para exaltar os méritos da iniciativa 
privada e da livre empresa [Nota 13]. 
 
 Tais conclusões são aplicáveis aos «tecnocratas» de todos os 
países capitalistas. O mesmo é verdade, também, nos 
 
Página 157 
 
Estados Unidos para as agências reguladoras independentes, 
descritas por certo autor como «órgãos não muito hostis, numa guerra 
pela sobrevivência, como uma unidade funcional dentro de um 
sistema industrial que se autoperpetua. Cada parte complementar 
dessa unidade aprende a corresponder às necessidades do sistema. 
Vista sob essa luz, uma agência não é tanto capturada e escravizada 
quanto integrada; ela se ajusta a um sistema cujo status quo ajuda a 
proteger» [Nota 14]. Tais agências reguladoras do capitalismo 
avançado podem ser independentes do executivo político, mas seus 
membros não são independentes em face dos dispositivos políticos e 
ideológicos que fazem com que o processo regulador se constitua 
mais num auxílio do que no obstáculo aos interesses regulamentados. 
 Não se deve esquecer que as oportunidades atualmente oferecidas 
pelo empresariado aos membros das elites administrativas ajudarão 
em muitos casos a definir as atitudes dessas elites diante das 
solicitações do empresariado. Tais oportunidades, aliás, são 
oferecidas apenas àquelas pessoas que demonstraram, enquanto, 
estavam no governo, ter uma compreensão adequada das 
necessidades e dos objetivos da empresa capitalista. «São raros os 
funcionários capazes da regulamentação», observa um autor norte-
americano, «que não possam relatar discussões com os interesses 
regulamentados, relativamente às verdes pastagens, e que poderiam 
estar mais altos se tivessem agido de maneira mais cooperativa 
enquanto estavam no governo.» Tais cantos de sereia talvez não 
encontrem eco imediato na conduta prática dos funcionários civis; e 
USUARIO
Realce
aliás elas talvez nem tenham lugar. De qualquer, maneira, existe uma 
grande diferença, particularmente em época de inflação, entre dois 
funcionários públicos aposentados, um dos quais teve acesso ao 
mundo dos altos negócios, e o outro, não. 
 Além do mais, e antecipando o próximo capitulo, em que as atrações 
dos negócios deixam de existir, persiste ainda o peso imenso da 
pressão que pode ser exercida 
 
Página 158 
 
pelas organizações empresariais sobre funcionários recalcitrantes ou 
hostis. Os servidores civis envolvidos nas decisões econômicas, na 
intervenção e regulamentação não podem permitir-se ignorar o fato de 
que as atitudes e ações capazes de ser traduzidas como 
«antiempresariais» estão destinadas a antagonizar pessoas 
poderosas e influentes e não serão provavelmente muito populares 
também entre os governantes políticos. Isso não abrirá o caminho 
para uma bem sucedida carreira administrativa e muito menos para 
uma carreira pós-administrativa no mundo dos negócios. 
 Nenhuma de tais vantagens, e não é preciso acentuá-lo, atua em 
favor dos trabalhadores ou de outros «interesses» de classes. Os 
trabalhadores pouco têm a oferecer às elites administrativas — não há 
muitos exemplos de altos funcionários civis que ingressaram para a 
atividade sindical após a aposentadoria. Nem o trabalhador é em geral 
capaz de exercer algo que se assemelhe remotamente ao tipo de 
pressão ou influência que os homens de negócios podem aplicar às 
elites administrativas ou aos governos [Nota 16]. Diante de classes e 
interesses competitivos nas sociedades capitalistas avançadas, os 
funcionários civis não são «neutros»: eles são aliados, quer o 
percebam ou não, do capital contra o trabalho. A burocracia estatal, 
em todas as suas partes, não constitui um elemento impessoal não-
ideológico ou apolitico na sociedade, acima dos conflitos em que se 
empenham classes, interesses e grupos. Graças a suas 
predisposições ideológicas, reforçadas por seus próprios interesses, 
essa burocracia, ao contrário, constitui um elemento crucialmente 
importante e engajado na manutenção e defesa da estrutura de poder 
e do privilégio inerentes ao capitalismo avançado. O mesmo se aplica 
em igual proporção aos «tecnocratas» econômicos: apesar de suas 
imensas pretensões, tais homens no trabalho que realizam não se 
ocupam apenas com atividades puramente técnicas e não-biológicas. 
USUARIO
Realce
USUARIO
Realce
O seu objetivo global é o fortalecimento e a consolidação das 
estruturas econômicas existentes e a racionalização e 
 
 
Página 159 
 
adaptação das mesmas às necessidades da empresa capitalista. 
Nesse sentido o capitalismo contemporâneo não dispõe de servidores 
mais devotados e mais úteis do que os homens que ajudam a 
administrar a intervenção do estado na vida econômica. 
 
2 E’ possível que ainda mais do que os membros das elites 
administrativas, os militares que ocupam postos elevados tendem a 
encarar-se, e muitas vezes são encarados pelos outros, como livres 
de uma adesão ideológica e política que afeta (e aflige) outras 
pessoas. Essa imagem de dedicação exclusiva a um«interesse 
nacional» e às «virtudes militares» — honra, coragem, disciplina etc. 
livre de conotações «partidárias» tem sido alimentada e fortalecida 
pelo fato de que os militares nos países capitalistas avançados se 
mantêm, em seu conjunto, fora da «política», no sentido de que não 
estão geralmente envolvidos de maneira direta na parte aberta e 
visível do processo político daqueles países. 
 Mas também aqui, a noção dos militares como alguém não-engajado 
e não-envolvido ideologicamente é evidentemente falsa. Assim 
também o é na opinião de que a sua influência na direção dos 
problemas não tem qualquer significação. 
 Creio que não vale a pena insistir na afirmação de que os oficiais de 
alta patente naqueles países têm constituído um elemento 
profundamente conservador e mesmo reacionário dentro do sistema 
estatal e na sociedade de modo geral, e ainda que sua origem social, 
situação de classe e seu interesse profissional os têm conduzido a 
encarar o caráter e o conteúdo da política «democrática» com 
desgosto, suspeita e às vezes hostilidade. Existem sociedades em 
que certas partes do corpo de oficiais têm sido movidas por impulsos 
«modernizadores» radicais, em que os militares conduziram 
movimentos destinados a derrubar ou pelo menos reformar estruturas 
sociais, econômicas e políticas arcaicas. Nos países capitalistas 
avançados, por outro lado, as elites militares estiveram sempre a favor 
de um «interesse nacional», concebido em termos extremamente 
conservadores, a qual talvez não excluísse uma aceitação em geral 
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Página 160 
 
qualificada e contingente de processos «democráticos», mas que 
acarretava uma invariável hostilidade a idéias, movimentos e partidos 
radicais. Certo autor, ao descrever os valores do corpo de oficiais da 
França, fala de sua «ênfase no papel da força e no nacionalismo e na 
preferência por unidade, auto-sacrifício, hierarquia e ordem em 
relação ao individualismo e à política democrática» [Nota 17]. Os 
mesmos temas reaparecem regularmente em todas as descrições do 
«espírito militar» nos países de capitalismo avançado. 
 Também aqui, como no caso dos funcionários civis, não basta falar 
do conservadorismo militar em termos genéricos. Isso porque tal 
conservadorismo assumiu há muito tempo um caráter muito mais 
específico no sentido de que implica uma aceitação muitas” vezes 
explícita não só das «instituições vigentes» ou de «valores» 
particulares mas também de um sistema econômico e social 
específico vigente e uma oposição correspondente a qualquer 
alternativa àquele sistema. Numa época anterior da história do 
capitalismo, as elites militares inclinavam-se a encarar com desdém 
aristocrático os empresários ávidos por dinheiro, e a apoiar valores, 
herdados de uma época pré-capitalista e que os indispunham com os 
regimes industriais, burgueses e de orientação civil aos quais serviam. 
E’ possível que persistam ainda atitudes resultantes de tais valores, 
mas do mesmo modo que o aristocrata civil há muito tempo conseguiu 
uma reconciliação feliz com os valores e objetivos capitalistas, assim 
também as elites militares — que de qualquer modo sofreram um 
processo definido, embora limitado, de diluição social — conseguiram 
fazer a paz em termos ideológicos e políticos com os seus regimes 
capitalistas. Como afirma Huntington, em relação aos Estados Unidos: 
 
Poucos fatos simbolizaram de maneira mais dramática o novo status 
dos militares na década de pós-guerra do que a estreita associação 
que se estabeleceu entre eles e a elite empresarial da sociedade 
norte-americana... Os oficiais de Carreira e os homens de negócio 
demonstraram possuir um novo respeito mútuo. Generais e almirantes 
reformados, em proporções inéditas, ingressaram 
 
Página 161 
 
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para as direções executivas das corporações norte-americanas; 
surgiram novas organizações a fim de cobrir a distância existente 
 entre a administração corporativa e a liderança militar. Para os 
oficiais militares, o mundo dos negócios representava a síntese do 
modo de vida norte-americano.[ Nota 18]. 
 
 Isso talvez não seja tão verdadeiro em outros países capitalistas 
avançados, mas por toda a parte os militares chegaram a estabelecer 
uma relação bastante estreita com a grande empresa, simplesmente 
porque as amplas necessidades militares do Estado favoreceram uma 
associação entre ambos, muito mais íntima do que em qualquer outra 
época no passado [Nota 19]. Desse ponto de vista, o complexo 
«industrial-militar» não apenas nos Estados Unidos constitui não uma 
figura de retórica mas um fato sólido, cimentado por uma genuína 
comunidade de interesses. 
 A questão que persiste, porém, é a que se refere ao exato papel 
desempenhado pelos militares dentro do sistema estatal e da 
sociedade. Embora o conservadorismo das elites militares possa ser 
considerado como um fato, o grau em que ele se expressa no 
processo de tomada de decisões exige maior consideração. Isso é 
,tanto mais verdade porquanto os regimes políticos do capitalismo 
avançado têm sido caracterizados por um elevado grau de predomínio 
civil sobre o militar. Naqueles países, as elites militares, com poucas 
exceções parciais, como no caso do Japão na década de 30, jamais 
falaram como dirigentes aos seus governos dominantemente civis. 
Nem tentaram seriamente substituir o poder civil. As ditaduras 
ocasionalmente existentes em alguns daqueles países não foram de 
fato militares: Hitler foi um ex-cabo muito civil e Mussolini foi 
 
Página 162 
 
uma figura igualmente civil. Ambos chegaram ao poder com o auxílio 
inter alia de oficiais regulares; mas ambos também subjugaram as 
suas elites militares, como estas jamais haviam sido subjugadas antes 
ou foram subjugadas após — é bem provável que os generais 
britânicos durante a Inglaterra de Baldwin tivessem mais influência 
sobre a decisão política do que os seus colegas com Hitler na 
Alemanha e com Mussolini na Itália. 
 E’ de fato surpreendente que o corpo de oficiais nos países 
capitalistas avançados tenha tão raramente desempenhado um papel 
político independente e que ainda mais raramente buscasse substituir 
os governos civis por meio de levantes militares ou golpes de 
Estado. O exemplo clássico de semelhante inibição é o do corpo de 
oficiais alemães após o colapso militar de 1918 e durante a existência 
da República de Weimar, quando os oficiais do exército 
desempenharam um papel importante, até mesmo crucial, na vida 
política, mas se recusaram resolutamente em sua maioria a patrocinar 
a derrubada de governos fracos e irresolutos [Nota 20]. Também no 
Japão, no fim da década de 30, foi observado que «havia limites para 
o seu (do exército) poder. Ele não poderia governar o país 
diretamente e preferia o método tradicional japonês de governo 
indireto. Não podia dispensar os políticos, os diplomatas, os 
burocratas e os industriais» [Nota 21]. A experiência da França nos 
últimos anos também não oferece mais do que uma exceção muito 
parcial e até mesmo duvidosa para o modelo geral. O exército 
francês, que jamais foi a instituição mais democrática e de tendência 
republicana dentro do Estado, mostrou-se amargamente desgostoso 
com as derrotas e humilhações sofridas na Indochina e na Argélia e 
por ele atribuídas aos governos fracos e vacilantes da IV República 
[Nota 22]. Não obstante, até o final da década de 50 ele revelou uma 
acentuada falta de predileção por qualquer tipo de desa- 
 
Página 163 
 
fio aberto ao poder civil, apesar da rápida degradação política do 
regime e da crescente e aguda crise militar naquele campo. A revolta 
que eclodiu na Argélia em maio de 58 constituiu um assunto 
marcadamente imaturo, em boa medida devido à preocupação 
manifestada pelas altas patentes militares, desde logo, em apegar-se 
à aparência de«constitucionalidade» [Nota 23]. O fato de que a 
revolta chegou a abalar a IV República deveu-se muito menos à 
determinação dos militares na Argélia do que à debilidade e 
desmoralização dos políticos em Paris. E tendo possibilitado a subida 
de De Gaulle ao poder, os revoltosos perceberam muito cedo que não 
podiam confiar em De Gaulle para servir aos seus objetivos, quer em 
relação à Argélia ou a qualquer outra coisa. Foi isso que motivou uma 
revolta ulterior de alguns generais na Argélia, três anos mais tarde. 
Trata-se de um exemplo autêntico de tentativa de golpe militar: a 
facilidade com que foi desbaratado mostra as limitações e dificuldades 
essenciais de tais empreendimentos nas sociedades capitalistas 
avançadas. 
 A mais importante dessas dificuldades, em tais países, é que 
nenhum desafio «inconstitucional» aberto vindo da direita poderá ter 
qualquer possibilidade séria de êxito sem contar com um grau 
substancial de apoio de uma ou outra parte das classes subordinadas, 
preferencialmente da parte substancial da classe operária, desiludida 
com as suas próprias organizações de defesa econômica e política. 
Além disso, tal apoio popular deve ser integrado e mobilizado dentro 
de um partido que possua as suas próprias organizações de massas 
auxiliares. Em suma, um desafio por parte da direita exige algo 
semelhante a um movimento fascista com uma ampla base popular. 
Mas a organização de tal movimento exige ainda certo tipo de 
liderança — popular, demagógica, carismática, politicamente sagaz — 
o que as altas patentes, em virtude de toda a sua tradição, dificilmente 
possuem. Mesmo se um homem ou pessoas com tais qualidades 
fossem encontrados entre a elite militar, 
 
Página 164 
 
a tentativa de pôr em uso essas qualidades conduziria em pouco 
tempo à expulsão do exército: é muito difícil, se não impossível, pelo 
menos nos países em questão, conduzir um movimento político de 
tipo fascista de dentro do exército. Assim é possível explicar por que 
altas patentes militares, tanto na Alemanha como na Itália, 
desempenharam às vezes um papel importante como aliados de 
movimentos contra-revolucionários de direita, ruas não foram nem os 
iniciadores nem os dirigentes de tais movimentos. 
 Para uma tentativa militar de usurpar o poder sem uma boa medida 
de apoio popular, o perigo de derrota parece esmagador. Em primeiro 
lugar, o exército, desse ponto de vista, não constitui um bloco 
monolítico e as diferenças de postos afetam de maneira crucial a 
propensão ao aventureirismo, sendo que a maioria dos oficiais mais 
graduados certamente demonstrará tais propensões muito menos do 
que os jovens oficiais. Como observa Ambler, «os coronéis, que têm 
mais a ganhar e menos a perder, aparecem maciçamente na história 
das revoltas militares tanto nos países ocidentais como nos não-
ocidentais»[Nota 24]. De qualquer modo, os oficiais de qualquer 
posto deverão contar com os recrutas, cuja obediência automática a 
suas ordens em condições de inconstitucionalidade eles não poderão 
estar certos. Esse foi um dos fatores que precipitou o colapso da 
rebelião militar na Argélia em 1961 e que muitas vezes ajudou a 
derrotar tentativas militares semelhantes em outros países, como por 
exemplo no caso do golpe de Kapp, na Alemanha, em 1920. 
 Mas essa falta de confiabilidade nos escalões inferiores não é mais 
do que uma expressão específica de uma desvantagem geral, e em 
última análise decisiva, que os candidatos a golpes militares nos 
países capitalistas avançados provavelmente terão que enfrentar, ou 
seja, a hostilidade e resistência potencial do movimento operário 
organizado. Na prática, qualquer governo civil daqueles países, por 
mais fraco, pode, se está decidido a isto, enfrentar com eficácia os 
militares revoltosos apelando para a ajuda do 
 
Página 165 
 
movimento operário organizado. Até mesmo Noske, que presidiu a 
destruição do levante do Spartakus e que assumiu uma 
responsabilidade pelo menos indireta pelo assassinato de Rosa 
Luxemburgo e Karl Liebknecht [Nota 25], foi capaz de dizer aos 
conspiradores militares alemães em 1920: «Se vocês usarem a força, 
decretaremos greve geral.»[Nota 26]. E quando o golpe de Kapp 
realmente ocorreu, o governo do qual Noske era membro proclamou 
realmente uma greve geral, que ajudou bastante a desencorajar e 
derrotar os golpistas [Nota 27]. 
 Apenas ali onde o movimento operário é excepcionalmente débil ou 
está paralisado é que os militares inclinados a tomar o poder podem 
ignorar a sua hostilidade ou ter a esperança de superá-la. Ali onde ele 
não é débil nem está paralisado, o bonapartismo aberto em tais 
países constitui uma aventura extremamente perigosa. Para que 
tenha qualquer possibilidade de êxito, a subversão de direita, nas 
condições de capitalismo avançado, deve assumir formas diferentes, 
mas «populares». Mas naquelas ocasiões em que assumiu tais 
formas, os militares, como já foi observado acima, forneceram-lhe 
uma boa dose de assistência. 
 Os riscos e as dificuldades que enfrenta o golpismo militar nas 
sociedades capitalistas avançadas não constituem porém uma 
explicação suficiente para a sua raridade. Quando as circunstâncias 
lhes parecem exigi-lo, os homens aceitam os riscos por maiores que 
sejam as desvantagens. O fato de que os militares não tenham 
buscado naquelas sociedades contestar e desafiar com mais 
freqüência o poder civil pode ser atribuído a uma série de outras 
causas, além dos riscos e das dificuldades existentes para isso; a 
mais importante delas é que, do mesmo modo que os servidores civis, 
os militares na maior parte das vezes lidavam com políticos e 
governos cujas opiniões e metas não eram radicalmente diferentes 
das suas próprias. Mesmo quando estavam no poder os governos 
«esquerdistas», os militares, por pior que fosse a sua opinião acerca 
de tais 
 
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governos, muito raramente chegaram a sentir uma alienação política e 
ideológica total. Afinal, tais governos realizaram em geral uma política 
externa e de defesas que não era de tipo a sugerir aos militares que a 
colaboração com tais governos era totalmente impossível. Os líderes 
militares alemães colaboraram com os social-democratas Ebert e 
Noske em 1918 e depois disso, a fim de assegurar a «estabilidade 
social», pois sabiam que os últimos a desejavam tanto quanto eles 
próprios. Se os novos elementos parecem menos «moderados», é 
pouco provável que as mesmas altas patentes, não obstante aquilo 
que Carsten descreve como a sua tradição de não «participar 
diretamente no campo da política partidária», [Nota 28] tivessem 
aceitado passivamente a sua inevitável demissão e concordassem 
com uma reforma tranqüila. 
 É verdade que houve numerosos exemplos em que os militares 
estiveram em desacordo e até mesmo bastante seriamente em 
desacordo com os seus chefes civis a propósito deste ou daquele 
aspecto da política e em que aquela tensão que é de qualquer modo 
inerente às relações civis-militares atingiu a um nível perigosamente 
elevado — com os militares sempre bem à direita. No entanto, se 
considerarmos a «moderação» ideológica e política essencial dos 
governos que estiveram no poder nos países capitalistas avançados e 
ainda o conservantismo básico que a maioria deles tinha em comum 
com as suas elites militares, as diferenças entre ambos, por mais 
genuínas e sérias, possibilitaram geralmente o compromisso e a 
acomodação. É aí que está, podemos afirmar, a chave essencial para 
o modelo geral de subordinação militar, que tem caracterizado as 
relações civis-militares nos países do capitalismo avançado. 
 
 Mas a «subordinação» é uma descrição até certo ponto enganadora 
da posição e do papel dos militares nos atuais regimes capitalistas. 
De fato, tem sido argumentado de maneira convincente, 
especialmente por Wright Mills, [Nota 29] que,Página 167 
 
pelo menos nos Estados Unidos, a rápida militarização da vida e o 
aumento extraordinário da «dominação militar» produziram uma 
situação tal que os militares devem ser encarados como um grupo de 
poder igual ao governo civil e à elite corporativa. 
 Isso poderia parecer um exagero, pois não há provas realmente 
válidas que surgiram, quer para os Estados Unidos ou qualquer outro 
lugar, que os militares, em termos das grandes decisões políticas, 
tenham alcançado uma posição independente e igual vis-à-vis o 
executivo político. Qualquer elemento de dúvida que persista em 
relação a tal afirmativa, no que se refere aos Estados Unidos, 
certamente não se aplica a países tais como a França, ou Grã-
Bretanha, ou Alemanha, ou Japão. Nem é assim tão claro que, apesar 
do seu controle sobre recursos fantasticamente vastos, não só 
econômicos mas também militares, [Nota 30] a elite militar dos 
Estados Unidos tenha sido capaz de criar algo parecido a uma base 
independente de poder, ao mesmo nível da base de poder da elite 
econômica, a partir da qual poderia enfrentar a presidência no, 
governo civil em uma posição de igualdade, ou até mesmo de 
superioridade. Tal afirmação está bem simbolizada no fato de que foi 
o ex-presidente da Ford Corporation que dirigiu o Pentágono durante 
sete anos e defendeu um grau de controle sobre os militares que, 
muito embora não fosse irrestrito, era porém substancial. Nem deve 
ser ignorado o fato, digno de crédito, de que os homens que 
exerceram maior influência junto a presidentes tais como Kennedy, 
Johnson, não eram militares mas civis. Assim é que, tanto quanto se 
sabe, nenhum militar teve maior influência em relação à condução da 
guerra no Vietnã do que vários conselheiros civis da Casa Branca. O 
exagero do papel dos militares junto aos conselhos dos governos 
capitalistas apresenta alguns perigos, pois leva a desviar a atenção da 
responsabilidade dos detentores do poder civil em face das políticas e 
das ações do Estado. Pode ser bem verdade que tais detentores do 
poder, 
 
Página 168 
 
particularmente nos Estados Unidos, aceitaram aquilo que Mills 
denominou unia «definição militar da realidade». Mas não há razão 
para acreditar que foram os militares que em qualquer parte a 
impuseram a seus chefes civis. 
 Dito isso, continua a ser fato que as elites militares nos países 
capitalistas avançados desempenham realmente um papel importante 
na determinação dos inúmeros aspectos cruciais da política nacional. 
E a sua influência não está reduzida à área da política que constitui a 
sua preocupação especial. As decisões relativas à defesa são 
necessariamente decisões sobre muitas outras coisas, desde a 
diplomacia até a política econômica, do bem-estar social à educação. 
Como afirma Meynaud, «não existe nenhum problema, econômico ou 
financeiro, que mesmo em tempo de paz não seja direta ou 
indiretamente vinculado à defesa externa». [Nota 31] Além disso, 
aquela influência não se reduz ao próprio sistema estatal; de várias 
maneiras, ela se estende também à vida política de toda sociedade. 
 Dentro da perspectiva desta obra, a questão importante não é tanto 
a de que os militares exercem uma boa dose de influência sobre o 
sistema estatal. Isso pode ser aceito como ponto pacífico e 
dificilmente precisaria ser enfatizado. Mais importante é o fato de que 
tal influência será provavelmente exercida em direções extremamente 
conservadoras e ainda o de que das elites militares se poderá esperar 
que fortaleçam as tendências preconceituosas conservadoras de seus 
governos e farão todo o possível, qualquer que seja o domínio em que 
tenham influência, para agir conto mais uma voz de cautela, restrição 
e censura contra quaisquer políticas que não correspondam à sua 
própria concepção conservadora de «interesse nacional». Além disso, 
e levando-se em conta toda a sua orientação ideológica, as elites 
militares e a polícia deverão sempre apoiar com particular zelo a 
determinação do poder civil em combater a 
 
Página 169 
 
«subversão interna», pelo menos aquela proveniente da esquerda, 
[Nota 32] bem como a agir, sempre que preciso, como agentes 
coercitivos da ordem social vigente, principalmente em períodos de 
conflito social e de luta de classes aberta. Eles são os executores 
daquela, função coercitiva que constitui prerrogativa única do Estado 
e quaisquer que sejam os outros aspectos em que o poder civil possa 
ter tido dúvidas, nesta ou naquela época, quanto à sua confiabilidade, 
lealdade e subordinação, dificilmente terá havido ocasião para 
suscitar quaisquer dúvidas sérias no que diz respeito à sua presteza 
em tomar posição contra operários em greve, militantes políticos de 
esquerda e outros perturbadores semelhantes do status quo. 
 
3 Os juízes, dentro dos sistemas políticos de tipo ocidental, são 
independentes. Mas independentes de quê? A resposta geralmente 
apresentada é a de que eles são independentes do governo do dia, 
não têm obrigações em relação ao mesmo e não precisam dar-lhe as 
boas vindas ou preocupar-se com as suas conveniências, sua 
satisfação ou ira. Se ele não se aplica a qualquer outra coisa, pelo 
menos aqui, costuma-se dizer, o conceito da separação de poderes 
se aplica. E neste sentido específico, a noção de independência 
judiciária tem realmente um mérito indubitável e o fato que ela encerra 
reveste-se de considerável importância na vida dos sistemas políticos 
dentro do qual exerce influência. 
 No entanto, a noção de independência judiciária deve ser 
considerada num sentido mais amplo, uma vez que em seu sentido 
restrito tende a encobrir alguns aspectos fundamentais do papel do 
judiciário dentro daqueles sistemas. 
 Um de tais aspectos é o de que os juízes das cortes supremas (e, 
nesse sentido, também os das cortes inferiores) absolutamente não 
são, nem podem ser, independentes em relação a inúmeras 
influências, principalmente da origem de classe, educação, situação 
de classe e tendência profissio- 
 
Página 170 
 
nal, que contribuem tanto para a formação de sua concepção do 
mundo como no caso dos outros indivíduos. 
 A esse respeito, já observamos que as elites judiciárias, como outras 
elites do sistema estatal, são recrutadas principalmente dos escalões 
médios e altos da sociedade: e aqueles juízes que não o são, 
evidentemente chegaram a pertencer a tais escalões durante a época 
em que ingressaram no tribunal. Além disso, a tendência 
preconceituosa conservadora que a sua situação de classe deverá 
criar é solidamente reforçada pelo fato de que os juízes são também 
recrutados, em muitos daqueles sistemas, a partir da profissão legal, 
cujas posições ideológicas são tradicionalmente modeladas em um 
molde altamente conservador. Segundo palavras de A. V. Dicey, «os 
juízes são os cabeças da profissão legal. Adquiriram o tom intelectual 
e moral dos advogados ingleses. São homens de idade avançada. Em 
sua maioria, são homens de mentalidade conservadora». [Nota 33] 
Isso foi escrito no início do século XX, mas continua a ser verdade 
até os dias de hoje, e certamente é tão verdadeiro para outros países 
como o é para a Inglaterra. Os juízes dos países capitalistas 
avançados são homens de mentalidade conservadora em relação a 
todos os grandes problemas econômicos, sociais e políticos de sua 
sociedade. 
 Mais ainda, os governos, a quem compete geralmente nomear e 
promover os juízes, provavelmente favorecerão aqueles homens que 
possuam justamente tais mentalidades conservadoras. Mas não 
obstante a tendência preconceituosa ideológica geral da profissão 
legal, têm existido advogados radicais altamente qualificados em 
todos os demais critérios exceto aqueles e capazes de exercer as 
mais altas funções judiciais. Raramente, porém, puderam contar com 
os favores do poder que os nomeava; o mesmo acontece com os 
juízes das cortesinferiores que demonstraram ser movidos por 
impulsos fortemente renovadores. Juízes ex- 
 
Página 171 
 
traordinariamente liberais ornaram, ocasionalmente, o sistema 
judiciário de seus países, por exemplo, nos Estados Unidos. Mas 
sempre constituíram uma minoria diminuta. E nesse aspecto, o seu 
liberalismo, por mais admirável, não deve ser confundido 
erroneamente com algo parecido a uma hostilidade para com as 
instituições econômicas e sociais básicas da sociedade capitalista. 
Holmes, Brandeis e Cardozo foram, dentro do contexto norte-
americano, grandes juízes liberais. Mas somente os reacionários 
antediluvianos teriam acreditado que o seu liberalismo não estivesse 
bem contido dentro da estrutura, do capitalismo norte-americano. E 
eles próprios, como os fatos o demonstram claramente, teriam 
considerado grotesca a idéia de que tinham qualquer predileção por 
um outro sistema. Exatamente a mesma coisa pode ser dita no 
tocante aos juízes liberais de outros países capitalistas. A razão pela 
qual tais posições ideológicas são importantes é óbvia — elas afetam 
enormemente a maneira pela qual a função judicial é desempenhada. 
Os juízes, e isso é geralmente aceito, não são «máquinas de vender a 
lei», ou prisioneiros indefesos de lima estrutura legal ou os meros 
expoentes da lei, como eles consideram. Dentro do sistema legal de 
todos aqueles países há lugar, inevitavelmente, para o arbítrio judicial 
na aplicação da lei e para a criatividade judicial no exercício efetivo da 
lei. Como afirma certo autor, «a infinita variedade de problemas 
sociais e situações legais torna o arbítrio um elemento inevitável 
dentro do processo judiciário». [Nota 34] Tal elemento é bem mais 
amplo em alguns sistemas do que em outros, por exemplo, nos 
Estados Unidos, onde a Corte Suprema assumiu algumas vezes o 
papel de «Terceiro Gabinete». Mas em nenhum dos sistemas de tipo 
ocidental aquele elemento de arbítrio judicial é despido de 
importância. Isso para não dizer que os juízes buscam 
necessariamente expandir a área de arbítrio e muitos deles têm 
mesmo concordado com a opinião emitida por um juiz em 1824, 
segundo a qual «a política oficial é um cavalo que não foi domado e 
difícil 
 
 
 Página 172 
 
de cavalgar». Muitos deles, porém, foram obrigados cavalgá-lo, por 
boas ou más razões. [Nota 35] 
 Ao interpretar e executar a lei, os juizes não podem deixar de ser 
profundamente afetados por sua concepção do mundo, a qual, por 
sua vez, determina a sua atitude em face dos conflitos que ocorrem 
dentro dele. [Nota 36] Poderão julgar que são guiados exclusivamente 
por valores e conceitos que pairam muito acima das considerações 
mundanas de interesses de classe ou especiais. Mas, em sua 
aplicação concreta, tais conceitos oferecerão no entanto muitas vezes 
uma posição e uma tendência preconceituosa ideológicas diferentes e 
identificáveis, na maioria dos casos de tipo fortemente conservador. 
Um eminente juiz inglês afirmou eloqüentemente, há alguns anos, que 
os juizes na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos deveriam «encarar a 
si mesmos. . . como empenhados até o fim no princípio de que a meta 
da sociedade e de todas as suas instituições é alimentar e enriquecer 
o crescimento individual de cada espírito humano». [Nota 37] 
Infelizmente, tais palavras estão sujeitas a interpretações diversas e 
contraditórias. Tal como foram pronunciadas, não constituem uma 
garantia contra qualquer tipo de tendência preconceituosa, mas mero 
disfarce para esta. Os próprios juizes revelaram algumas vezes ter 
plena consciência de sua tendência preconceituosa particular. Assim 
é que um juiz altamente conservador, Scrutton, observou em 1922 
que 
 
 ...os hábitos nos quais você é treinado, as pessoas com quem você 
convive levam-no a possuir um certo conjunto de idéias de 
 
 Página 173 
 
tal natureza que, quando você tem que enfrentar outras idéias, os 
julgamentos que profere não são tão globais e acurados quanto 
desejaria. Eis ai uma das grandes dificuldades que existem no 
momento diante do movimento operário. O movimento operário 
afirma: «Onde estão os seus juizes imparciais? Todos eles se movem 
dentro do mesmo círculo em que estão os patrões e todos eles foram 
educados e criados nas mesmas idéias que os patrões. Então como 
poderá um operário ou um ativista sindical obter justiça imparcial?» 
Muitas vezes é difícil ter a certeza de que você se colocou numa 
posição rigorosamente imparcial entre duas pessoas em disputa, uma 
das quais pertence à sua própria classe, e a outra, não. [Nota 38] 
 
 Ou então, segundo as palavras do Juiz Cardozo, «o espírito da 
época, tal como ele se revela para cada um de nós, é freqüentemente 
o espírito do grupo ao qual, por acidentes de nascimento ou de 
educação, ou de ocupação ou camaradagem, nós pertencemos». 
[Nota 39] Tal tipo de compreensão está associado, sem dúvida, a um 
desejo real de superar um partidarismo gritante. Nem se pode negar 
que, no que se refere a suas formas mais óbvias, semelhante 
tentativa poderá ter êxito algumas vezes. Como regra geral, porém, o 
êxito nesse domínio parecerá mais facilmente obtido quanto menos 
cruciais se apresentarem os acontecimentos em jogo para a empresa 
social, quanto menos eles afetarem os padrões básicos de relações 
entre o capital e o trabalho, quanto menos eles envolverem aquilo que 
se considera ser a segurança do Estado e a salvaguarda da ordem 
social. Simultaneamente, a ausência de urna tendência 
preconceituosa exagerada será também muito mais provável em 
períodos de relativa calma social do 
 
 Página 174 
 
que em períodos de conflito social agudo e de tensão. Mas, por outro 
lado, ali onde os acontecimentos realmente têm, ou parecem ter, uma 
relação direta ou indireta com a manutenção da ordem social ou de 
importantes partes da mesma, particularmente, em períodos de crise, 
será muito menos provável que os juízes reconheçam sua 
parcialidade ou, pelo menos, que desejem evitar uma parcialidade que 
o seu próprio instinto e o seu procedimento mental sugeririam ser um 
dever. 
 Ao condenar dois jornalistas por desacato à Corte, por se terem 
recusado a revelar suas fontes de informação perante o tribunal de 
Vassall, o Ministro da Justiça da Inglaterra pareceu aceitar a sugestiva 
tese de que «o principal dever do cidadão é para com o Estado». 
(Nota 40) Dentro deste contexto, ainda mais importante do que os 
aspectos filosóficos suscitados por tal requisito, é a grande 
probabilidade de que o Juiz Parker não desejava excluir o judiciário. 
Quer isso seja verdade ou não, é certo que as elites judiciárias têm 
sido levadas muitas vezes, por toda a parte, por tais sentimentos. Um 
dos exemplos filais extremados de parcialidade judiciária em qualquer 
sistema político de tipo ocidental, ocorrido neste século, foi a 
tendência preconceituosa clamorosa manifestada por juízes alemães 
durante a República de Weimar em favor de assassinos e arruaceiros 
da extrema direita de um lado, e contra a extrema esquerda ou 
esquerda tout court, de outro. [Nota 41] E’ duvidoso, porém, que tais 
juízes sentissem que estavam traindo o seu dever judicial; ao 
contrário, é mais provável que acreditassem que o estavam 
cumprindo, ao revelar extrema tolerância para com indivíduos que, 
talvez até certo ponto, de modo demasiado entusiástico, estavam 
combatendo a «subversão comunista» e ao revelar uma severidade 
extrema contra aqueles que, aos olhos desses juizes, eram os 
agentes da subversão. 
 E’ claro que se trata de um caso extremo. Mas é um fato que os 
juízes nos países capitalistas avançados têm 
 
 
 
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em geral adotado uma posição deplorável em face da dissidência 
radical, e quanto mais radical a dissidência, tanto maior tem sido a 
hostilidade judiciária para com ela. O arbítrio judiciário, nesse sentido, 
tem sido em geral usado maispara apoiar do que para restringir as 
tentativas feitas em diferentes ocasiões pelos governos e pelos 
legislativos para conter, dominar ou suprimir as opiniões e atividades 
dissidentes. E’ verdade que os tribunais ajudaram, algumas vezes, a 
limitar o zelo intolerante de outros elementos do sistema estatal, e a 
importância de tal fato não deveria ser certamente subestimada. [Nota 
42] Mas o mais comum, particularmente em épocas de crise social e 
de contestação, e nas circunstâncias de uma permanente «Guerra 
Fria», é que os juízes tenham demonstrado uma disposição para 
compartilhar o zelo da autoridade repressiva e a encarar a restrição às 
liberdades civis que daí resulta como um mal menor ou até mesmo a 
não considerá-la como um mal. 
 Poder-se-ia argumentar que existem formas de legislação repressiva 
ou de ação executiva que dão muito pouca margem ou mesma 
nenhuma para o arbítrio judicial e em que o juiz, se quiser aplicar a lei, 
deverá aplicá-la com a aspereza pretendida por aqueles que a 
promulgaram. Mas a aplicação judiciária da lei e a aceitação judiciária 
dos esforços repressivos dos governos e dos legislativos não 
constituem simplesmente um desempenho «neutro» da função 
judiciária; eles constituem um ato político de enorme significação e 
oferecem a tais governos e legislativos um elemento precioso de 
legitimação suplementar. Ali onde não existe tal arbítrio, a única opção 
que resta aos juizes diante da repressão estatal é a renúncia ao 
tribunal. Mas não é uma opção que numerosos juízes tenham julgado 
necessário adotar. De qualquer modo, um certo grau de arbítrio 
judicial existe normalmente tanto nessa área como em outras e 
embora tribunais ocasionalmente o utilizassem em favor de 
 
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dissidentes, desejavam na maioria dos casos fortalecer o braço do 
Estado em sua confrontação com a dissidência. 
 Mas isso é apenas uma parte de uma tendência preconceituosa mais 
ampla que os tribunais, em sua preocupação de proteger a 
«sociedade» (isto é, as sociedades de classes desiguais), têm 
manifestado de maneira conseqüente em favor do privilégio, da 
propriedade e do capital. Assim é que a história do movimento sindical 
nos países capitalistas é também a história de uma luta infindável 
contra as tentativas dos tribunais de subjugar e minar a capacidade 
dos sindicatos em defender os interesses de seus membros. Aliás, 
nesse caso, o ramo judiciário não se tem simplesmente limitado a 
secundar os esforços repressivos dos governos e legislativos; muitas 
vezes foram os próprios tribunais que tomaram a iniciativa ao buscar, 
através do exercício da criatividade judiciária e na interpretação dos 
estatutos, reduzir ou anular os direitos sindicais e operários que 
mesmo os governos e as assembléias conservadoras foram 
obrigados, debaixo de pressão, a endossar e promulgar. 
 Não há dúvida que os juízes, como os próprios governos e 
interesses capitalistas, acabaram por admitir que os sindicatos, longe 
de constituir uma ameaça à «sociedade», poderiam de fato contribuir 
bastante para a sua estabilidade e ajudar a limitar, antes que a 
exacerbar, o conflito social. Em conseqüência, as atitudes dos 
judiciários em relação aos direitos sindicais deixaram de ser definidas 
em termos de uma hostilidade incessante que seria, de qualquer 
modo, difícil de manter sem expor os juízes a unia crítica cerrada e 
prejudicial. [Nota 43] 
 
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 Mesmo assim, os assalariados e suas organizações de defesa 
jamais estão a salvo dos ataques judiciários, inclusive no que se 
refere a direitos que desde há muito são encarados como acima de 
qualquer contestação. [Nota 44] Talvez de maneira menos ruidosa do 
que antes, embora sem sombra de engano, o arbítrio judicial continua 
a ser uma ameaça permanente ao «poder compensador» que o 
trabalho conseguiu constituir através dos anos, principalmente a 
defesa militante desse poder. 
 De modo geral, os tribunais sempre consideraram ser um de seus 
deveres fundamentais para com a «sociedade» proteger os direitos da 
propriedade contra as tentativas que o Estado tem sido obrigado a 
tomar a fim de reduzir o seu âmbito. O judiciário não tem sido capaz 
de evitar a «interferência» do Estado na liberdade dos proprietários de 
fazer o que bem entenderem com aquilo que lhes pertence. Os juízes 
foram gradualmente levados a aceitar aquilo que Dicey denominou o 
movimento do «liberalismo individualista» ao «coletivismo Assiste-
mático». Mas eles se têm esforçado, geralmente ao máximo, para 
limitar e retardar tal movimento; não existe outro campo em que se 
tenham mostrado guardiães mais vigilantes do «cidadão» contra o 
Estado. 
 Em suma, o judiciário não tem estado «acima» dos conflitos da 
sociedade capitalista mais do que qualquer outra 
 
 Página 178 
 
parte do sistema estatal. Os juízes têm-se envolvido profundamente 
em tais conflitos e de todas as classes; é certamente a classe 
dominante aquela que tem menos a reclamar da natureza e da 
direção de tal envolvimento. 
 
 Procuramos demonstrar nesse capítulo e no anterior que os 
interesses econômicos dominantes na sociedade capitalista têm 
podido contar normalmente com o apoio e a boa vontade ativa 
daqueles que detêm em suas mãos o poder estatal. Trata-se de uma 
enorme vantagem. Mas tais interesses não podem esperar que os 
governos e seus conselheiros ajam em perfeita congruência com os 
seus objetivos. Como foi observado antes, os governos podem 
desejar adotar certas políticas que eles julgam benéficas para a 
empresa capitalista, mas que os interesses econômicos poderosos 
consideram, de sua parte, profundamente contestáveis. Ou tais 
governos poderão ser submetidos a uma forte presão por parte de 
outras classes, o que também não podem ignorar. Tal situação surgirá 
provavelmente nos regimes políticos de tipo ocidental. Em outras 
palavras, a boa vontade inicial e o apoio geral que os interesses 
capitalistas esperam obter dentro do sistema estatal não excluem a 
necessidade de exercerem eles mesmos a sua própria pressão a fim 
de alcançarem os seus propósitos imediatos e específicos. Como 
veremos a seguir, todavia, tais interesses põem a seu serviço 
recursos muito maiores, em numerosos aspectos, do que os que se 
referem a qualquer outro interesse na sociedade capitalista. 
 
 Nota 1 - Página 148 
Como disse um ex-alto funcionário norte-americano: «O 
funcionalismo, tanto civil como militar, dificilmente é neutro. Ele fala e 
fala inevitavelmente como advogado» (R. Hillsman, To Move a Nation: 
The Politics of Foreign Policy in the Administration of John F. 
Kennedy, 1967, p. 8). 
 
 Nota 2 - Página 150 
R. E. Neustadt, Presidential Power, 1960, p. 42. Observar ainda o 
comentário de um autor francês: «Existe em cada administração uma 
resistência mais ou menos aberta às ordens dos ministros, conflito no 
qual a administração tem o duplo trunfo da competência técnica e da 
estabilidade. Os ministros passam, mas os serviços permanecem, e 
costuma-se dizer muitas vezes que se a França não é mais 
governada, ela é administrada, e que é a isso que ela deve sua 
sobrevivência» [em francês no original] (M. Waline, «Les 
Résistances Techniques de l’Administration au Pouvoir Politigue», em 
Politique et Technique, 1958, p. 168). 
 
 Nota 3 – Página 151 
C. H. Sisson, The Spirit of Administration, 1959, p. 124. 
 
 Nota 4 - Página 152 
Muito embora a ausência de filiações religiosas ou pelo menos de 
uma profissão de fé explícita possa, em alguns países, deixar de ser 
nit;clamente propícia a uma carreira administrativa (cf., p. ex., A. 
Grosser, La Démocratie de Bonn, 1958, p. 180). 
 
 Nota 5 - Páginas 152/153 
Para a amplitude grotesca que assumiram tais processos de 
peneiramento nos Estados Unidos, cf., p. ex., R. G. Sherill, 
«Washington’s Bland Bondage», em The Nation, 20 e 27 de fevereirode 1967. O processo não está confinado à vida administrativa. Nos 
Estados Unidos, observa certo autor, «cerca de 
25 mil firmas industriais particulares, em todo o país, operam de 
acordo com regulamentos de segurança elaborados pelo Pentágono e 
cuidadosamente testados por equipes militares visitantes... oficiais de 
segurança, que operam sob a orientação de autoridades militares e 
muitas vezes sem o beneplácito de oficiais de carreira, assumiram 
uma parcela substancial das funções das divisões de pessoal. Na 
teoria, eles não deveriam contratar e despedir. Na prática, a sua 
palavra muitas vezes é lei» (J. Raymond, Power at the Pentagon, 
1964, ps. 154-5). Em 1956, outro autor observava que, «dentro de 
pouco tempo, provavelmente um quinto de todas as pessoas 
empregadas nos Estados Unidos (além de muitas outras de suas 
famílias) estará submetido a inquérito relativamente a suas 
associações, políticas e crenças, a fim de extirpar um grupo diminuto 
a respeito do qual possa ter surgido alguma suspeita» (W. Gellhorn, 
Individual Freedom and Governmental Restraints, 1956, p. 41). 
 
 Nota 6 - Página 153 
Por outro lado, dois autores franceses indicam, legitimamente, o 
ingresso na Ecole Nationale d’Administration, em 1962, de dois 
estudantes altamente marginais, um da esquerda e outro da direita 
(este último tendo que ser internado por «ativismo de extrema 
direita») e eles sugerem que isso simboliza «um liberalismo que não 
encontra equivalente em outros países, mesmo naqueles que passam 
por ser os mais democráticos» [em francês no original] (F. Goguel e A. 
Grosser, La Politique en France, 1964, p. 224), 
 
 Nota 7 – página 154 
P. Dieterlen, Au Delà du Capitalisme, 1946, p. 359. 
 
 Nota 8 – página 154 
G. M. Sauvage, «The French Businessman in his Milieu», em Cheit, 
The Business Establishment, p. 235. 
 
 Nota 9 – página 155 
J. Billy, Les Techniciens et le Pouvoir, 1960, p. 55. Cf. também J. 
Brindillac, «Les Hauts Fonctionnaires», em Esprit, junho de 1953, p. 
837. Convém notar que dentre 240 Inspetores de Finanças ou antigos 
desses membros da superelite econômica do Estado francês que 
viviam em 1953, setenta deles, ou quase 30%, pertenciam ao setor 
privado da economia, depois de terem pedido demissão do serviço ou 
obtido licença («La France et les Trusts», em Economie et Politique, 
nº 5-6, 1954, p. 194). Uma vista geral detalhada em torno desse corpo 
de elite observou ainda que tais pessoas tinham ingressado para os 
setores mais dinâmicos e poderosos da grande empresa na França. 
(Cf. P. Lalumière, L'Inspection des Finances, 1959, p. 88.) 
 
 Nota 10- Página 156 
Baumier, Les Grandes Affaires Françaises, p. 193. [Em francês no 
original.] 
 
 Nota 11- Página 156 
Lalumière, L’Inspection des Finances, p. 191. 
 
 Nota 12- Página 156 
Meynaud, La Technocratie, p. 222. 
 
 Nota 13- Página 156 
Ibid., p. 122. 
 
 Nota 14 – Página 157 
Kariel, The Decline of American Pluralism, p. 91. 
 
 Nota 15 – Página 157 
R. Engler, The Politics of Oil, 1961, p. 318. 
 Nota 16 – Página 158:’ Cf. capitulo 6. 
 
 Nota 17 – Página 160 
J. F. Ambler, The French Army in Politics: 1945-1962, 1966, p. 278. 
 
 
 Nota 18- Página 161 
Huntington, The Soldier and the State, 1957, ps. 361-2 (grifo do autor). 
«No meio da década de 50» — acrescenta Huntington — «mais de 
dois mil oficiais regulares abandonavam, cada ano, o serviço para se 
passar para cargos mais lucrativos na empresa» (ibid., p. 366). Para 
uma análise bem documentada de tal processo, cf. também F. J. 
Cook, The Warfare State, 1963, e L. Reissman, «Life Careers, Power 
and the Professions: The Retired Army General», em American 
Sociological Review, 1956, vol, 21, n. 2. 
 Para a Grã-Bretanha, cf. P. Abrams, «Democracy, Technology and 
the Retired British Officer», em S. P. Huntington (org.), Changing 
Patterns of Military Politics, 1962, ps. 166 e seg. 
 
 Nota 19- Página 161 
Para os Estados Unidos, cf., p. ex., C. R. Mollenhof, The Pentagon. 
Politics, Profit and Plunder (1967). 
 
 Nota 20- Página 162 
CL, p. ex., Carstern, The Reichswehr and Politics, 1917 to 1933, e 
Wheeler-Bennett, The Nemesis of Power. 
 
 Nota 21- Página 162 
F. C. Jones, «Japan», em M. Howard (org.), Soldiers and 
Governments, 1957, p. 94. 
 
 Nota 22- Página 162 
Cf. R. Girardet et al., La Crise Militaire Française 1945-1962, 1964, 
parte 3, e Ambler, The French Army in Politics. 
 
 Nota 23- Página 163 
R. Girardet, Pouvoir Civil et Pouvoir Militaire dans la France 
Contemporaine», em Revue Française de Science Politique, 1960, 
vol. 10, n° 1, ps. 31-2. 
 
 Nota 24- Página 164 
Ambler, ThC French Army in Politics, p. 342. 
 
 Nota 25- Página 165 
Cf. J. P Nettl, Rosa Luxembarg, 1966, vol. 2, p. 774. 
 
 Nota 26- Página 165 
Wheeler-Bennett, Time Nemesis of Power, p. 74. 
 
 Nota 27 –Página 165 
Ibid., p. 78. 
 
 Nota 28 – página 166 
F. L. Carsten, «Germany», em Howard (org.), Soldiers and 
Govenments, p. 94. 
 
 Nota 29 – página 166 
Cf. A Elite do Poder, cap. 9. 
 
 Nota 30 – página 167 
Cf. para isso, p. ex., F. J. Cook, que observa que o estabelecimento 
militar norte-americano é, «por qualquer unidade de medida, a maior 
organização mundial» (The Warfare State, p. 21). 
 
 Nota 31 – página 168 
Meynaud, La Technocratie, p. 38. [Em francês no original.] Finer vai 
ainda mais longe e sugere que, «atualmente, a deferência para com 
os militares, nos campos da política externa e até mesmo da política 
interna, é um lugar comum» (S. E. Finer, The Man on Horseback, 
1962, p. 74). 
 
 Nota 32 – página 169 
Por outro lado, isso não pode ser tão facilmente considerado como 
admitido, no caso de militantes dissidentes que estão no outro 
extremo do espectro político. 
 
 
 Nota 33 – página 170 
V. Dicey, Law and Opinion in England During the 19ih Century, 1963, 
p. 364. 
 
 Nota 34 – página 171 
Friedmann, Law in a Changing Society, 1959, p. 60. 
 
 Nota 35 – página 172 
«O direito não constitui um corpo de doutrina estático, mas dinâmico e 
muito de sua evolução é produzido por juízes que estão tomando 
decisões, consciente ou inconscientemente, à base daquilo que 
julgam que deve ser o direito» (D. Lloyd, The ldea of Law, 1964, p. 
111). 
 
 Nota 36 – página 172 
Afirma o Juiz Holmes: «Aquelas considerações que os juizes 
mencionam raramente e sempre por meio da apologia é que são a 
raiz secreta de onde o direito extrai todas as seivas da vida. Quero 
referir-me, é claro, às considerações daquilo que é aconselhável para 
a comunidade» (O. W. Holmes, The Common Law, 1881, p. 35). 
 
 Nota 37 – página 172 
Lorde Radcliffe, The Law and its Compass, 1960, p. 65. 
SERVIDORES DO ESTADO 
 
 Nota 38 – página 173 
Citado por B. Abel-Smith e R. Stevens, Lawyers and the Courts, 1967, 
p. 117. 
 
 Nota 39 – página 173 
B. N. Cardozo, The Nature of the Judicial Process, 1921, p. 175. 
Observar, ao contrário, a concepção muito mais complacente de 
Lorde Evershed: «Pode muito bem ser também que o direito e os 
juizes e os membros da profissão legal, ao ministrar a lei, tendam para 
o conservadorismo. Considerando as suas longas tradições e sua 
história, seria de surpreender que fosse de outra maneira e, nesse 
sentido, não creio que a profissão legal seja diferente de outras 
profissões. Aliás, tal conservadorismo não é uma coisa má; isso 
porque ele deve inclinar-se para promover um sentido de estabilidade, 
dentro de um mundo em rápida transformação» (Lorde Evershed, 
«The Judicial Process in Twentieth Century England»; em Columbia 
Law Review, 1961, vol. 61, ps. 773-4; em Abel-Smith e Stevens, 
Lawyers and the Courts, ps. 300-1). 
 
 Nota 40 – página 174 
Abel-Smith e Stevens, Lawyers and the Courts, p. 306. 
 
 Nota 41 – página 174 
Cf. para isso, p. ex., Neumann, Behemoth, ps. 27-9.Nota 42 – página 175 
A Corte Suprema dos Estados Unidos oferece um exemplo óbvio. 
Observar porém o comentário de um escritor informado (e de modo 
algum discordante) : «Parece claro que a Corte (Suprema), em 
acórdãos recentes, aprovou uma política relativamente conservadora, 
permitindo a supressão da dissidência política» (G. Schubert, Judicial 
Policy-Making, 1965, p. 129). 
 
 Nota 43 – página 176 
Poder-se-ia afirmar, nesse sentido, de acordo com uma fórmula 
consagrada, que os juizes têm «acompanhado os resultados 
eleitorais». Mas é uma fórmula bastante enganadora. Ela sugere que 
os juízes não são indiferentes ao sentimento popular e a correntes de 
pensamento extralegais, mas pode significar também, e isso não é 
pouco freqüente, que os juízes não são indiferentes às pressões de 
interesses preponderantes e especiais. Esse é provavelmente o caso 
nas cortes inferiores, cujos membros podem ser extremamente 
sensíveis aos preconceitos e às reivindicações das elites dominantes, 
das quais constituem parte, ou aos preconceitos e às paixões de um 
determinado setor da comunidade, por exemplo um setor racialmente 
dominante. Foi esse certamente o caso em muitas cortes estaduais 
dos Estados, Unidos, principalmente nos estados do Sudeste. As 
cortes inferiores, convém salientar, constituem uma parte do processo 
judiciário cuja importância vital é muitas vezes subestimada, em 
virtude da atenção concentrada nas cortes superiores. 
 
 Nota 44 – página 177 
Cf., p. ex., as decisões dos Juízes de Direito em 1964, em Rookes x 
Barnard and Others, que «esmagaram a convicção do direito de greve 
e de outra ação industrial» (K. W. Wedderburn, The Worker and lhe 
Law, 1965, p. 273). Observar ainda o comentário de um dos Juízes de 
que «o prejuízo e o sofrimento causados pela ação grevista são 
muitas vezes bastante difundidos e devastadores e uma ameaça de 
greve deve ser certamente considerada não menos séria do que urna 
ameaça de violência» (ibid., p. 266 — grifo do autor). Observar ainda 
o seguinte comentário, feito por um eminente advogado trabalhista: 
«Tem-se a impressão de que as tendências repressivas dos tribunais, 
que nos séculos XIX e XX tinham que ser continuamente 
neutralizadas pelo Parlamento, estão prestes a ser revividas» (O. 
Kahn-Freund, citado por Wedderburn, The Worker and the Law, p. 
274).

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