Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE PAULISTA DIOGO RIBEIRO ALVES SARA ANDRADE GUILIZINI TAIS VIANNA TEORIAS E SISTEMAS PSICOLOGIA: O Humanismo Americano, o Existencialismo Europeu e a Psicologia Sócio-Histórica. CAMPINAS 2017 O HUMANISMO AMERICANO 1. O termo “humanismo passou por diversas mudanças de significado ao longo da história da sociedade”. Explique o sentido do termo em questão em cada um dos períodos históricos relacionados abaixo: a) Grécia antiga: O movimento humanista iniciou-se na Grécia com os sofistas que viram a necessidade de educar os indivíduos para a democracia que iria nascer. Um dos primórdios a iniciar esse pensamento na Grécia antiga foi Protágoras que diz que o humano é a medida de todas as coisas, porque para ele não existe verdade e não existe falsidade, o que determina isso é a percepção do indivíduo. b) Idade Média: Nesse contexto o termo humanismo se se manifesta a partir de uma natureza cristã, onde o homem é visto como um ser divino e sua semelhança com Deus é comparada. Todo o valor do homem teria como base em sua semelhança com o divino, desconsiderado outras explicações. c) Renascimento: No renascimento o homem saiu de um teocentrismo onde Deus era o centro de todas as coisas e passou para um antropocentrismo onde, o homem passa a ser o centro das atenções, fundamentando que o conhecimento não surge do divino, mas considerando o indivíduo como um ser livre para tomar suas próprias decisões, um ser cheio de possibilidades. d) Iluminismo: Foi um período onde a razão e a ciência estavam ganhando mais valor na sociedade. A capacidade do uso da razão passava a ser mais valorizada, considerando que o homem teria poder de conhecer tudo, inclusive sua própria consciência. Para Sartre o homem que se a nega usar a razão, perde sua humanidade. e) Modernidade: O homem passou a ser visto de um ponto de vista individualista, no sentido em que passou a ser valorizado “suas habilidades”. Para Kant o homem seria um ser autônomo, apesar de algumas limitações no seu conhecimento, pois para ele não conhecemos a realidade em si, mas sim fazemos uma representação da mesma. O indivíduo não seria determinado pela história e nem pela natureza, mas um ser capaz de construir suas próprias leis e refletir sobre seus atos na sociedade. 2. Explique a relação existente entre a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Organização das Nações Unidas em 1948, no desenvolvimento do Movimento Humanista. O humanismo surgiu como um movimento que visa à valorização do homem, sendo um ser autônomo, consciente de si e de seus atos. A ONU representou a aceitação do humanismo jurídico, onde o homem visto como um ser consciente deve ser responsabilizado por seus atos. Sendo que podemos relacionar que, o indivíduo não seria condicionado a uma natureza biológica ou histórica, mas sim de uma reflexão de seus atos perante a sociedade que vive. 3. Abraham Maslow é reconhecido como um dos principais autores do movimento humanista norte-americano. Explique qual foi o papel deste autor no desenvolvimento e na articulação deste movimento. Maslow teve uma grande importância no movimento humanista, pois criticou o determinismo que havia com a psicanálise e o behaviorismo, entrando então no movimento humanista que foi uma nova forma de pensar sobre a saúde mental do indivíduo. Para Maslow todo indivíduo tem a capacidade de se auto desenvolver e desenvolver habilidades, tornando possível ser um ser pleno e autorrealizado que desenvolve todo seu potencial. 4. Explique a hierarquia das necessidades institóides proposta por Maslow: Para Maslow todo o indivíduo tem uma hierarquia com cinco necessidades a serem organizadas por ordem de importância, para que o indivíduo atinja o seu ápice de autorrealizar-se, são elas a necessidade fisiológica, segurança, pertencimento, estima e autorrealização. A base dessa pirâmide estaria às necessidades fisiológicas do indivíduo, como busca por água e alimento, quando essas necessidades são primeiramente atendidas o indivíduo pode satisfazer as demais. A necessidade de segurança, segundo Maslow é o homem se sentir seguro no ambiente, livre de qualquer ameaça tanto a sua sobrevivência quanto as pessoas que o indivíduo tem relação. Necessidade de pertencimento, onde o ser quer se sentir parte de um grupo, enfatizando suas relações pessoais com outras pessoas, porque o homem tem a necessidade de interagir e se relacionar com o outro. A estima, onde fatores internos estão envolvidos como a autoestima e realização dos próprios desejos, e fatores externos como querer o reconhecimento do outro e respeito sobre suas ações. A base da pirâmide é a autorrealização do indivíduo, onde está o desenvolvimento individual que cada ser pode atingir seu potencial. Segundo Maslow, o indivíduo para chegar ao topo da pirâmide teria que passar cada nível dessas necessidades, só assim conseguiria atingir o topo. Entretanto, caso o homem chegue ao topo da pirâmide, e suas necessidades básicas como a fisiológica e segurança não estejam atendidas o indivíduo volta novamente a base da pirâmide até que essas necessidades sejam satisfeitas. 5. Porque segundo Maslow, uma pessoa que ainda não conseguiu satisfazer os níveis mais básicos de suas necessidades possivelmente não alcançará a autorrealização? Porque primeiro é necessário satisfazer as necessidades mais inferiores na hierarquia inata e cada uma delas deve ser satisfeita antes que a próxima nos motive. Maslow acreditava que os pré-requisitos para a autorrealização eram o amor suficiente na infância e a satisfação das necessidades fisiológicas e de segurança nos primeiros 2 anos de vida, se a criança for segura e confiante nesse período assim o será na vida adulta; sem o amor a estabilidade o respeito por parte dos pais, será difícil o indivíduo na vida adulta atingir a autorrealização. 6. Quais são as críticas feitas por Rogers ao poder do terapeuta ? Ao colocar a responsabilidade pela melhora na pessoa ou no paciente e não no terapeuta, Rogers assumia que as pessoas seriam capazes, conscientes e racionalmente, de mudar os próprios pensamentos e comportamentos do indesejável para o desejável; ele não acreditava no indivíduo permanentemente reprimido por forças inconscientes ou experiências de infância, a personalidade é moldada pelo presente e pela maneira que o indivíduo percebe as circunstâncias. 7. O que Rogers compreende como auto-atualização? Rogers sugere que em cada um de nós há um impulso inerente em direção a sermos competentes e capazes, quanto o que estamos aptos a ser biologicamente, assim como uma planta tenta tornar-sesaudável, como uma semente contém dentro de si impulso para se tornar uma árvore, também uma pessoa é impelida a se tornar uma pessoa total, completa e auto-atualizada. Rogers concordou com os outros autores e afirmou a liberdade essencial do indivíduo em face de qualquer forma de determinação seja social, biológica ou histórica. 8. Para Rogers quais são as premissas para o trabalho do psicólogo ? Rogers propõe uma forma de psicoterapia que, atualmente pela sua amplitude, é chamada de abordagem centrada na pessoa, na pessoa na qual dá relevo a autonomia de pessoa e não ao papel do psicoterapeuta. Além da psicoterapia, ela abrange também o ensino, o “ensino centrado no aluno”; o trabalho com organizações, usando o “grupo de encontro”; e o trabalho com comunidades, usando o que ficou convencionado chamar de “grupão” – grupos de encontro com mais de cem ou duzentas pessoas, como já foram realizados aqui no Brasil. FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL 9. Husserl Faz uma severa crítica às ciências europeias do século XIX. Explique como o contexto histórico da Alemanha do século XVIII influenciou o desenvolvimentos das ciências criticadas por Husserl. O pensamento de EDMUND HUSSERL (1859-1938) deu origem a uma das mais férteis correntes da filosofia moderna, a fenomenologia. Essa corrente influenciou decisivamente o movimento filosófico e cultural que se propagou na Europa após o fim da Segunda Guerra Mundial, conhecido como existencialismo. Fenomenologia e existencialismo, em suas convergências, tensões e entrecruzamentos, constituem juntos uma das importantes matrizes filosóficas das psicologias do século XX. A questão essencial que move o pensamento de Husserl é a de como fundamentar de modo absolutamente seguro o conhecimento. Para ele, os esforços filosóficos de Descartes e Kant não haviam sido suficientes para assegurar essa fundamentação necessária. Husserl propõe para a filosofia uma atitude radicalmente crítica, em que, para que algo seja admitido, exige-se que se mostre com toda a sua evidência. Segundo ele, a “atitude natural”, que inclui tanto a atitude científica quanto a do senso comum, considera as coisas como existentes em si mesmas, independentemente de sua relação com uma consciência. Ora, trata-se de uma atitude ingênua, já que supõe gratuitamente uma natureza em si, da qual não é possível ter experiência alguma. Contrariamente, a “atitude fenomenológica”, ou filosófica no sentido próprio, deve ater-se apenas àquilo que se dá à experiência, tal como se dá: o que chamamos de fenômeno. 10. Explique as críticas que Husserl faz às perspectivas naturalista/positivista, psicologista e historicista de ciência. “Neste sentido, a tarefa crítica da Teoria do Conhecimento de promover uma investigação acerca do que torna possível a relação de correspondência entre as vivências cognoscitivas e as coisas a serem conhecidas encontra-se desapercebida na atitude natural. Dá-se às costas para o chamado “enigma do conhecimento transcendente”, para o que, classicamente, passou-se a chamar pelo nome de “problema da correspondência”. Afinal, o que torna possível tal conhecimento do mundo? Em que ele se funda? Quais são os seus limites? “Como pode o conhecimento estar certo da sua consonância com as coisas que existem em si, de as ‘atingir’?” (Husserl, 1907/1997, p. 103). Dá-se, portanto, na atitude natural, a possibilidade do conhecimento do mundo (entendido como “realidade factual”) como algo certo e inquestionável. Nos termos de Husserl: “Óbvia é, para o pensamento natural, a possibilidade do conhecimento...não há nenhum ensejo para lançar a questão da possibilidade do conhecimento em geral” (Husserl, 1907/1997, p. 41). Para Husserl, tanto a consciência do senso comum quanto a consciência das ciências ditas “positivas” encontram-se, ainda que de modos distintos, mergulhadas na atitude natural, cujo exercício expressa a relação entre uma consciência espontânea (empírica ou psicológica) e o mundo natural, revelado empiricamente para essa consciência em sua facticidade. Absorvida por esse realismo ingênuo, tal consciência natural – tanto do senso comum quanto das ciências positivas – não se aperceberá do enigma do conhecimento transcendente em torno do qual gira a tarefa crítica da investigação promovida pela Teoria do Conhecimento: afinal, “como pode o conhecimento ir além de si mesmo, como pode ele atingir um ser que não se encontra no âmbito da consciência?” (Husserl, 1907/1997, p. 105).” (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672011000200003) 11. Como Husserl compreende a consciência intencional? A atitude fenomenológica consiste em uma atitude reflexiva e analítica, a partir da qual se busca fundamentalmente elucidar, determinar e distinguir o sentido íntimo das coisas, a coisa em sua “doação originária”, tal como se mostra à consciência. Trata-se de descrevê-la enquanto objeto de pensamento. Analisar o seu sentido atualizado no ato de pensar, explicitando intuitivamente as significações que se encontram ali virtualmente implicadas em cogitos inatuais, bem como os seus diferentes modos de aparecimento na própria consciência intencional. Explorar a riqueza deste universo de significações que a coisa – enquanto um cogitatum – nos revela no ato intencional é o que é próprio da atitude fenomenológica enquanto um “discernimento reflexivo” levado a cabo com rigor. A especificidade de tal atitude faz da fenomenologia a “ciência clarificadora” por excelência. Já o método fenomenológico será, por sua vez, um método de evidenciação plena dos fenômenos. Também será, para Husserl, o método especificamente filosófico, cuja estratégia maior consiste, para o alcance de um grau máximo de evidência, no exercício da suspensão de juízo em relação à posição de existência das coisas. Tal exercício viabiliza, assim, a chamada “redução fenomenológica” e, com ela, a recuperação das coisas em sua pura significação, tal como se revelam (ou se mostram), enquanto objetos de pensamento, na consciência intencional. 12. Explique a afirmação: “todo objeto é sempre objeto-para-uma-consciência e nunca um objeto em-si, e toda consciência é sempre consciência de alguma coisa” (SÁ, 2006:320) A fenomenologia refere-se a esse fato dizendo que a consciência é sempre intencional. Assim, “deixando de lado” (suspensão fenomenológica) o objeto (pedra, por exemplo) em-si e a representada, a atitude fenomenológica retorna para as “coisas mesmas”, isto é, a pedra (objeto)-no-campo-percebido-por-um-sujeito ou, ainda, o “FENÔMENO” pedra. “Quando paramos para pensar num ato de percepção, como, por exemplo, ver uma árvore no campo, em geral, dividimos tal percepção em duas partes. Pensamos que há um objeto árvore, que existe “lá fora” no campo, e, em relação com ele, uma imagem representada daárvore “aqui dentro” na consciência do sujeito. Temos, assim, duas árvores, uma em-si, “lá fora”, e outra representada “aqui dentro”, mas, por que ter na consciência uma imagem de um objeto significa conhecer o objeto? O que uma imagem de árvore tem a ver com uma árvore em-si? Para a fenomenologia, esse modo tradicional de compreender a percepção é equivocado, não se pode saber nada sobre árvores em-si, ou muito menos sobre supostas árvores representadas, porque todo objeto é sempre objeto-para-uma-consciência e nunca objeto em-si, e toda consciência é sempre consciência-de-um-objeto e nunca consciência “vazia”. 13. Explique a “analítica da existência” proposta por Martin Heidegger: A analítica existencial é uma aplicação relativa ou pertencente ao ser (aos seus estudos ou às características) onde cada fenômeno que vem à luz no diálogo dever discutido a partir do contexto concreto em que surge e nunca reduzido genericamente a uma estrutura existencial. 14. Explique o que Heidegger propõe ao compreender o ser humano como Dasein. Martin Heidegger propõe com Dasein o modo de ser desta entidade que mesmo somos. Sua diferença radical com relação as entidades que não tem modo de ser do homem e que não possui uma essência anterior à existência, antes, o que ele é, seu ser, está sempre em jogo no seu existir. 15. Explique as seguintes categorias existenciais propostas por Heidegger: a) mundanidade: O Dasein é "mundano", cooriginário ao "mundo" diferenciando-se das entidades simplesmente dadas, "intramundanas", mas destituídos de mundo. Por exemplo, pedra e árvores estão no mundo, mas não têm mundo, isto é, não são aberturas de sentido, não se podendo dizer delas que "existem" mundo é estrutura de sentido, contexto de significação, linguagem sempre historicamente em movimento. b) Cotidiano impessoal: Como fenomenólogo, Heidegger estava interessado no seu modo de ser cotidiano mais comum. É na "indiferença mediana", "impessoal", que se encontra, de início e na maior parte das vezes , o existir. Há uma tendência para o "encobrimento" , isto é o Dasein foge de si esquecendo-se do seu "ser próprio", relacionando-se com ele como algo que já possui uma configuração preestabelecida. A ausência de surpresas e a evidência caracterizam a preocupação e a ocupação. O modo de falar e escrever descomprometido, a forma despersonalizada e insaciável de lidar com o novo para preservar o conhecido , evitando as transformações expressam o modo de ser cotidiano do Dasein. c e d) Compreensão e disposição: O "ser-em" não diz respeito a uma relação espacial de dois entes extensos, nem tão pouco à relação entre sujeito e observo. O "em" significa que o Dasein e o mundo são coexistentes. Um jamais antecede o outro, são cooriginários. O Dasein é a abertura de sentido, e as dimensões essenciais dessa abertura são denominadas "compreensão" e "disposição. Tal abertura compreensiva é algo afetivamente neutro, que se restringe ao âmbito intelectual, toda compreensão já é sempre dotada de uma "colocação" afetiva, de um "humor" ou "disposição". Disposição e compreensão constituem o modo de ser da abertura. e) ser-para-a-morte: Enquanto existe, o Dasein é ser-para-a-morte. Desde que nascemos já está implícita em nossa existência, a qualquer momento, esta possibilidade. Porém, há uma diferença ôntica de fazer a experiência ontológica do "ser-para-a-morte". São duas experiências diferentes. Não temos acesso a perda ontológica sofrida por quem morre. Sofremos no modo da preocupação reverencial pelo o outro, o que é possível somente por sermos essencialmente "com-o-outro" ou quando experienciarmos o nosso próprio "ser-para-a-morte". São duas experiências diferentes. f) poder-ser: Há sempre, durante o existir do Dasein no mundo, um chamamento para o poder-ser-mais-próprio, é o que a compreensão comum chama de “voz da consciência” e que Heidegger denomina de “clamor”. Ter consciência de suas escolhas significa, então, recuperar seu projeto. Essa “convocação” escapa de qualquer determinação, rompe com a linguagem do cotidiano já que o seu discurso é silencioso e abre o poder-ser como singularidade de cada Dasein, não oferecendo, portanto nenhuma interpretação universal.É somente no fenômeno da “decisão antecipadora” que o Dasein consegue responder ao apelo da consciência, já que, se projeta para as possibilidades mais próprias, escolhendo a si mesmo, tendo a angústia como disposição compreensiva que convida a tal movimento. A decisão indica um ser-si-mesmo em sentido próprio, uma escolha que não é movida por uma vontade subjetiva arbitrária, nem está relacionada ao certo ou errado, mas à escuta do clamor da consciência. Para tanto, é preciso silenciar os ruídos do falatório que dispersam o Dasein no domínio do mundo impessoal. É somente na compreensão do ser-para-a-morte que a totalidade do Dasein se torna totalidade transparente, posto que, experienciando a finitude, o Dasein pode dissipar todo encobrimento de si mesmo e lançar-se nas suas possibilidades mais singulares, modificando o seu cenário existencial. 16. Explique o papel dos seguintes autores no desenvolvimento e uma psicoterapia de base fenomenológica: a) Ludwig Binswanger: O psiquiatra suíço Ludwig Binswanger foi um dos primeiros que, já na década de 1920, propôs a aplicação da fenomenologia ao campo psiquiátrico. Os principais aspectos da abordagem científica, contra os quais a análise existencial se opunha, eram o determinismo causal aplicado à existência humana e a tendência de supor forças e complexos psíquicos ocultos sob os modos de ser diretamente perceptíveis. Na base dessa concepção metodológica,Binswanger percebeu que se encontrava a divisão cartesiana do mundo em “res-extensa”e “res-cogitans”. Essa cisão, ao mesmo tempo em que separa o homem do mundo, encerrando-o numa esfera subjetiva de representações, iguala-o aos entes naturais no modo de ser subsistente, isto é, substâncias simplesmente dadas. Em alternativa a esse tipo de compreensão, considerada por ele artificial, Binswanger adotou a noção de Dasein, na qual o “ser-no-mundo” já é uma condição existencial originária, ou seja, ontológica, e não algo acrescentado posteriormente. Além disso, o Dasein, em seu modo de ser, já é sempre abertura temporal e compreensiva, o que implica ter sempre uma orientação, um projeto, que prescinde de explicações causais de nível ôntico. b) Medard Boss: Influenciado por Binswanger e motivado por interesses mais clínicos do que epistemológicos, o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Medard Boss vislumbrou no pensamento de Heidegger novas possibilidades para o exercício da compreensão terapêutica. Estabelecendo seu primeiro contato com o filósofo por carta, em 1947, iniciou um longo e regular intercâmbio que perduroupor quase 30 anos, até próximo da morte deste. De 1959 até 1969, Heidegger transmitiu pessoalmente suas idéias a um grupo de médicos e psicoterapeutas em seminários organizados, algumas vezes ao ano, por Boss. Tais encontros foram compilados e editados por Boss sob o título Seminários de Zollikon, e constituem material de grande interesse para a reflexão sobre a psicoterapia. Em 1971, foi fundada em Zurique, na Suíça, a Associação Internacional de Daseinsanalyse. A psicoterapia existencial, como espaço de acolhimento e compreensão do distúrbio, não é um processo voluntariamente conduzido pelo terapeuta no plano das representações teóricas mais adequadas à estrutura psicológica do cliente. A questão que institui a terapia, e nela se instala, é a mesma já imposta pela vida. Portanto, não se pode atribuir à relação terapêutica nenhum privilégio no sentido de maior objetividade, neutralidade ou afastamento. Podemos apenas dizer que o espaço terapêutico se mantém no esforço de sustentar a questão, enquanto questão concernente ao “poder-ser” próprio do Dasein, até o limite em que seu apelo suscite novas possibilidades de correspondência. PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA 17.Explique o contexto histórico no qual floresceu a psicologia Sócio-Histórica. A psicologia Sócio-Histórica surge num momento significativo para a nação russa. Logo após ter-se consolidado a revolução, emerge uma nova sociedade, que, consequentemente, exige a constituição de um novo homem. Vygotsky propõe uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano que inclui tanto a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes à formação e desenvolvimento das funções psicológicas, como a especificação do contexto social em que ocorreu tal desenvolvimento. O homem é um ser histórico-social ou, mais abrangentemente, um ser histórico-cultural; o homem é moldado pela cultura que ele próprio cria. O indivíduo é determinado nas interações sociais, ou seja, é por meio da relação com o outro e por ela própria que o indivíduo é determinado; é na linguagem e por ela própria que o indivíduo é determinado e é determinante de outros indivíduos 18. Qual a crítica que Vygotsky faz às demais abordagens em psicologia. Nem a psicologia objetiva, representada pelo Behaviorismo de Skinner, com suas tentativas de reduzir a atividade consciente a esquemas simplistas baseados nos reflexos; nem a psicologia subjetiva, que estuda as funções humanas complexas de modo puramente descritivo e fenomenológico, como a Gestalt de Koffka; nem a Psicologia Construtivista de Piaget, entendendo o ser humano como abstrato e construindo-se a partir da maturação, representam um modelo satisfatório da psicologia humana. A redução de eventos psicológicos complexos a mecanismos elementares estudados em laboratório através de técnicas experimentais exatas, bem como o estudo dos fenômenos psicológicos, baseado na premissa de que a explicação é impossível, conduziram a um impasse na psicologia, pois não podemos encarar as ciências humanas como as naturais. O entendimento de que o desenvolvimento humano independe da aprendizagem desconsidera as determinações históricas, não se constituindo, ainda, a compreensão da totalidade do ser humano. A crítica também se estende à psicologia construtivista de Piaget que, embora considere a interação entre o biológico e o social, prioriza a maturação, entendendo que a aprendizagem deve aguardar pelo desenvolvimento real, compreendendo o sujeito como abstrato e universal, inserido em uma sociedade estruturada harmonicamente. A abordagem concreta e multidimensional de Vygotsky e Wallon se diferencia das demais psicologias, que concebem o ser humano de modo abstrato e idealista, explicando o comportamento humano a partir de uma dimensão: o inconsciente para Freud, a inteligência para Piaget e o comportamento para Skinner. Para a superação dessa crise, Vygotsky propõe a construção de uma nova psicologia, fundamentada no materialismo histórico e dialético, que não reduz o ser humano, entendendo-o como uma unidade da totalidade. A psicologia escolhida para nortear a prática pedagógica nas escolas públicas de Santa Catarina é fundamentada no materialismo histórico e dialético, tendo em Vygotsky e Wallon seus principais expoentes. Materialismo, porque somos o que as condições materiais (…) nos determinam a ser e a pensar. Histórico porque a sociedade e a política não surgem de decretos divinos nem nasce da ordem natural, mas dependem da ação concreta dos seres humanos no tempo. O materialismo dialético se refere à realidade, sendo uma disciplina da razão, habilitando à leitura dos conflitos e contradições da sociedade. A produção de idéias, de representações, da consciência está (…) diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. (…) Os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias, etc., mas os homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real. (…) Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. A teoria vigotskiana é instrumental, histórica e cultural. É instrumental, por se referir à natureza mediada das funções psicológicas superiores. Diferentemente dos animais, que mantém relação direta com a natureza, o processo de hominização surge com o trabalho, que inaugura a mediação com o uso de signos e instrumentos, permitindo a modificação do psiquismo humano e da realidade externa, respectivamente. Em um movimento dialético, os seres humanos criam novos cenários, que determinam novos atores, novos papéis. Enquanto o uso dos instrumentos possibilita a transformação da realidade, que passa a exigir um novo tipo de interação, é a utilização dos signos, especialmente a linguagem, que organiza e desenvolve as funções tipicamente humanas, as chamadas funções superiores da consciência. É a plasticidade do cérebro humano que permite que tal transformação ocorra, sendo fundamental a interação social, pois as funções, que são sociais em um primeiro momento, devem ser exercidas na relação para serem apropriadas pelo ser humano, tornando-se assim individuais. É histórica e cultural por propor a compreensão do ser humano inserido em uma cultura determinada, com suas ferramentas, inventadas e aperfeiçoadas no curso da história social da humanidade, com as contradições impostas pela dialética. A psicologia histórico-cultural é uma ciência que desenvolve-se em estreita ligação com outras ciências e quetem como objeto de estudo a atividade do homem no plano psicológico e se propõe à tarefa de estabelecer as leis básicas da atividade psicológica, estudar as vias de sua evolução, descobrir os mecanismos que lhe servem de base e descrever as mudanças que ocorrem nessa atividade nos estados patológicos. A psicologia deve analisar como o ser humano, ao longo da evolução filo e ontogenética (na evolução enquanto espécie e enquanto ser humano) interpreta e representa a realidade. A interpretação e a representação da realidade são realizadas pelo cérebro humano. O cérebro é considerado a base material que o ser humano traz consigo ao nascer e que está em desenvolvimento ao longo da história da espécie e durante toda a vida do ser humano, sendo entendido como um sistema aberto e de grande plasticidade. O ser humano é estudado na sua unidade e na sua totalidade, é considerado como um ser multideterminado, ou seja , integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico. O ser humano deve ser compreendido na sua dimensão onto e filogenética, com constituição biológica específica, que é ressignificada por suas relações sociais, construídas pelo trabalho e pelo uso dos instrumentos. A aranha realiza operações que lembram as de um tecelão, e as caixas que as abelhas constroem no céu podem tornar sem graça o trabalho de muitos arquitetos. Mas mesmo o pior arquiteto se diferencia da abelha mais hábil desde o princípio, em que, antes de construir com suas tábuas uma caixa, ele já a construiu na sua mente. No final do processo de trabalho ele obtém algo que já existia na sua mente antes que ele começasse a construir. O arquiteto não só modifica as formas naturais, dentro das limitações impostas por essa mesma natureza, mas também realiza um propósito próprio, que define os meios e o caráter da atividade à qual ele deve subordinar à sua vontade. É a subjetividade humana que faz a diferença entre o ser humano e o animal, caracterizada pela consciência e identidade, pelos sentimentos e emoções, engendrada a partir da aquisição da linguagem, que amplia os determinantes do seu comportamento para além da experiência individual e do componente biológico, permitindo a apropriação ativa do conhecimento acumulado pela humanidade. 19. Explique o que leva Vygotsky a afirmar que a Psicologia construiu visões de homem e do fenômeno Psicológico que precisam ser superadas, são elas: a) O Liberalismo: O liberalismo, ideologia fundamental do capitalismo, nasceu com a revolução burguesa para revolucionar a ordem feudal e se instituiu para garantir a manutenção da ordem que se instalava. A burguesia constituiu as idéias liberais para se opor à ordem feudal: uma ordem baseada na existência de uma hierarquia no universo; um mundo pensado como estável, ordenado e organizado pela vontade divina. Um mundo pronto no qual a verdade se revelava aos indivíduos. A hierarquia no universo se refletia na hierarquia entre os homens. Um mundo paralisado, no qual cada um já nascia no lugar no qual deveria ficar. Um universo que tinha a Terra como seu centro. Um mundo de fé e dogmas religiosos que ofereciam aos homens as idéias prontas e os valores certos para serem adotados. Um mundo que desconhece individualidades, impedindo que os sujeitos se constituírem como tal. Um mundo que não precisou de uma Psicologia. Assim, como oposição a estas idéias do feudalismo, a perspectiva liberal tem como um de seus elementos centrais a valorização do indivíduo: o individualismo. Cada indivíduo é um ser moral que possui direitos derivados de sua natureza humana. Somos indivíduos e somos iguais, fraterno e livres, com direito à propriedade, à segurança, à liberdade e à igualdade. A visão liberal quebrava a estabilidade do mundo, sua hierarquia e suas certezas. O indivíduo estava agora no centro e poderia e deveria se movimentar. E por que surgiam estas idéias liberais? Porque o capitalismo precisava destas idéias; precisava pensar o mundo como em movimento, para explorar a natureza em busca de matérias-primas e precisava dessacralizar a natureza. O capitalismo precisava do indivíduo, como ser produtivo e consumidor. A Terra já podia então tomar seu humilde lugar no universo. A verdade já podia ser plural. O mundo estava posto em seu movimento. O homem também estava em seu movimento. E neste mundo, agora incerto, o homem se viu frente à possibilidade de ser, de pensar e de fazer. A escolha tornava-se uma exigência e um elemento da condição humana. Escolher entre várias possibilidades e escolher diferentemente de outros permite o desenvolvimento de uma noção de indivíduo e conseqüentemente uma noção de eu entre os homens. Fertilizando estes novos elementos vamos assistir ao desenvolvimento da noção de vida privada. Estudos interessantes, existentes hoje, mostram como a vida coletiva vai dando lugar a um espaço privado de vida. As casas vão modificando sua arquitetura para reservar locais privados para os indivíduos; os nomes vão se individualizando; marcas vão sendo colocadas em roupas, guardanapos, lençóis permitindo identificação. A vida do trabalho vai saindo da casa para a fábrica, modificando o caráter da vida pública. A casa vai se tornando lugar reservado à família, que dentro de casa, vai também dividindo espaços e permitindo lugares mais individuais e privados. Os banheiros saem dos corredores para se tornarem lugares fechados e posteriormente individualizados. A noção de eu e a individualização vão nascendo e se desenvolvendo com a história do capitalismo. A idéia de um mundo “interno” aos sujeitos, da existência de componentes individuais, singulares, pessoais, privados vai tomando força, permitindo o desenvolvimento de um sentimento de eu. A possibilidade de uma ciência que estude este sentimento e este fenômeno também é resultado deste processo histórico. A Psicologia vai se tornando necessária. As idéias liberais, construídas no decorrer do desenvolvimento do capitalismo vão permitir a construção de uma determinada Psicologia. Essas idéias se caracterizam fundamentalmente por pensar o homem a partir da noção de natureza humana. Uma natureza que nos iguala e exige liberdade, como condição para o desenvolvimento das potencialidades das quais somos dotados como seres humanos. Importante notar que o liberalismo propiciou com estas idéias de igualdade natural entre os homens, o questionamento das hierarquias sociais e desigualdades características do período histórico da feudalismo. Ao homem deveriam ser dadas as melhores condições de vida para que seu potencial natural pudesse desabrochar. Frente às enormes desigualdades sociais do mundo moderno, o liberalismoproduziu sua própria defesa, construindo a noção de diferenças individuais decorrentes do aproveitamento diferenciado que cada um faz das condições que a sociedade “igualitariamente” lhe oferece. Assim, as condições históricas deste período permitiram o surgimento da Psicologia e do próprio fenômeno psicológico, como hoje está constituído. As idéias “naturalizadoras” do liberalismo serão responsáveis pela concepção de fenômeno psicológico que se tornará dominante na Psicologia. Na publicação de tese de doutorado, Bock relata que encontrou em questionário aplicados a 44 psicólogos, muitas definições para o fenômeno psicológico: “acontecimento organísmicos, manifestações do aparelho psíquico, individualidade, algo que ocorre na relação e é o que somos, conflitos pulsionais, confusão mental, manifestação do homem, pensar e sentir o mundo, o homem e relação com o meio, consciência, saber-se indivíduo, o que se mostra, subjetividade, funções egóicas, existência intersubjetiva, experiências, vivências, loucura, distúrbio, o próprio homem, evento estruturantes do homem, comportamento, engrenagem de emoção, motivação, habilidades e potencialidades, experiências emocionais, psique, pensamento, sensação, emoção e expressão, entendimento de si e do mundo, manifestação da vida mental, tudo que é percebido pelos sentidos, é consciente e é inconsciente”. Cabe ainda trazer alguns dados a mais deste trabalho de Bock. Os psicólogos utilizam-se de chavões para designar o fenômeno psicológico: o fenômeno é bio-psico-social; o fenômeno envolve ou implica a interação entre pessoas; o fenômeno se refere ao um indivíduo que é agente e sujeito. Ainda elementos recorrentes nas respostas aos questionários que indicam elementos de uma conceituação consensual entre os psicólogos: é um fenômeno interior ao homem; tem vários componentes; é uma estrutura, uma organização interna ao homem; possui aspectos conscientes e inconscientes; há algo de biológico e de social neste fenômeno; a interação é importante na sua constituição (interação com o meio, com os outros); recebe influência de fora e influência do meio; é um fenômeno possível de ser conhecido(consciente), mas tem aspecto a que não se tem acesso (inconsciente); o psicólogo possui instrumento e conhecimentos para contribuir no conhecimento desse fenômeno e na sua reestruturação; é um fenômeno que se desestrutura. A noção de desequilíbrio, de desorganização, de desestruturação é bastante presente; alguns identificam o fenômeno com a sua desestruturação, isto é, o fenômeno é a doença, o desequilíbrio ou o conflito; há uma noção, presente em alguns questionários que é a identificação do fenômeno com a possibilidade de o indivíduo relacionar-se consigo mesmo. a) A noção naturalizada de fenômeno Psicológico: A Psicologia Sócio Histórica fundamenta -se no marxismo e adota o materialismo dialético como filosofia, teoria e método. Cncebe o homem como ativo, social e histórico; e a sociedade, como produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem a sua vida material. Ela entende que as ideias são uma representação da realidade material e essa última é fundada em contradições que s e expressam nas primeiras. A Psicologia Sócio-Histórica concebe a história como o movimento contraditório constante do fazer humano, na qual, a partir d a base material, deve ser compreendida toda a produção de ideias, incluindo a ciência e a psicologia. A partir dessas concepções, a Psicologia Sócio Histórica apresenta um abandono da visão abstrata do fenômeno psicológico e, mais, representa uma crítica às psicologias que tratam o fenômeno dessa forma. Mas que coisa é esta, o fenômeno psicológico? Ora é processo, ora é estrutura, ora manifestação, ora relação, ora é conteúdo, ora é distúrbio, ora experiência. É interno, mas com relação com o externo. É biológico, é psíquico e é social; é agente e é resultado; é fenômeno humano, relacionado ao que denominamos “eu”. O fenômeno psicológico seja lá qual for sua conceituação aparece descolado da realidade na qual o indivíduo se insere e mais ainda, descolado do próprio indivíduo que o abriga. Esta é a noção: algo que se abriga em nosso corpo, do qual não temos muito controle; visto como algo que em determinados momentos de crise nos domina sem que tenhamos qualquer possibilidade de controlá-lo; algo que inclui “segredos” que nem eu mesmo sei; algo enclausurado em nós que é ou contém um “verdadeiro eu”. E aqui cabe falarmos da relação deste fenômeno psicológico com o meio social e cultural. Esta relação é afirmada como necessária e importante por muitos psicólogos; no entanto, é vista como uma relação na qual o “externo” (mundo social) impede e dificulta o pleno e livre desenvolvimento de nosso mundo “interno” (psicológico). O mundo social é um mundo estranho ao nosso eu. Um lugar, no qual temos que estar e por isto nos resta a tarefa de nos adaptarmos. E a história deste aparato psicológico passa a ser a história da sua adaptação ao mundo social, cultural e econômico. Trabalhar, relacionar-se, aprender, fazer são atividades desta adaptação. Amar, emocionar-se, perceber, motivar-se são vistas também como possibilidades humanas que se desenvolvem, ou melhor, se atualizam (pois já eram potencializadas) neste mundo externo. Um fenômeno abstrato, visto como característica humana. Um fenômeno que existe em nós, como estrutura, processo, expressão, ou qualquer de suas conceituações, porque somos humanos e ele pertence a nossa natureza. Fica então naturalizado o fenômeno psicológico. Algo que lá está como possibilidade, quando nascemos; algo que deverá ser fertilizado por afeto, estimulações adequadas e boas condições de vida, mas que lá está, pronto para desabrochar. 20. O que faz com que a psicologia Sócio-Histórica afirme a necessidade da superação dos conceitos de “vida privada” e de “natureza humana”. Assim, como oposição a estas idéias do feudalismo, a perspectiva liberal tem como um de seus elementos centrais a valorização do indivíduo: o individualismo. Cada indivíduo é um ser moral que possui direitos derivados de sua natureza humana. Somos indivíduos e somos iguais, fraterno e livres, com direito à propriedade, à segurança, à liberdade e à igualdade. A visão liberal quebrava a estabilidade do mundo, sua hierarquia e suas certezas. O indivíduo estava agora no centro e poderia e deveria se movimentar. E por que surgiam estas idéias liberais? Porque o capitalismo precisava destas idéias; precisava pensar o mundo como em movimento, para explorar a natureza em busca de matérias-primas e precisava dessacralizar a natureza. O capitalismo precisava do indivíduo, como ser produtivo e consumidor. A Terra já podia então tomar seu humilde lugar no universo. A verdade já podia serplural. O mundo estava posto em seu movimento. O homem também estava em seu movimento. E neste mundo, agora incerto, o homem se viu frente à possibilidade de ser, de pensar e de fazer. A escolha tornava-se uma exigência e um elemento da condição humana. Escolher entre várias possibilidades e escolher diferentemente de outros permite o desenvolvimento de uma noção de indivíduo e conseqüentemente uma noção de eu entre os homens. Fertilizando estes novos elementos vamos assistir ao desenvolvimento da noção de vida privada. Estudos interessantes, existentes hoje, mostram como a vida coletiva vai dando lugar a um espaço privado de vida. As casas vão modificando sua arquitetura para reservar locais privados para os indivíduos; os nomes vão se individualizando; marcas vão sendo colocadas em roupas, guardanapos, lençóis permitindo identificação. A vida do trabalho vai saindo da casa para a fábrica, modificando o caráter da vida pública. A casa vai se tornando lugar reservado à família, que dentro de casa, vai também dividindo espaços e permitindo lugares mais individuais e privados. Os banheiros saem dos corredores para se tornarem lugares fechados e posteriormente individualizados. A noção de eu e a individualização vão nascendo e se desenvolvendo com a história do capitalismo. A idéia de um mundo “interno” aos sujeitos, da existência de componentes individuais, singulares, pessoais, privados vai tomando força, permitindo o desenvolvimento de um sentimento de eu. A possibilidade de uma ciência que estude este sentimento e este fenômeno também é resultado deste processo histórico. A Psicologia vai se tornando necessária. As idéias liberais, construídas no decorrer do desenvolvimento do capitalismo vão permitir a construção de uma determinada Psicologia. Essas idéias se caracterizam fundamentalmente por pensar o homem a partir da noção de natureza humana. Uma natureza que nos iguala e exige liberdade, como condição para o desenvolvimento das potencialidades das quais somos dotados como seres humanos. Importante notar que o liberalismo propiciou com estas idéias de igualdade natural entre os homens, o questionamento das hierarquias sociais e desigualdades características do período histórico da feudalismo. Ao homem deveriam ser dadas as melhores condições de vida para que seu potencial natural pudesse desabrochar. Frente às enormes desigualdades sociais do mundo moderno, o liberalismo produziu sua própria defesa, construindo a noção de diferenças individuais decorrentes do aproveitamento diferenciado que cada um faz das condições que a sociedade “igualitariamente” lhe oferece. Um fenômeno abstrato, visto como característica humana. Um fenômeno que existe em nós, como estrutura, processo, expressão, ou qualquer de suas conceituações, porque somos humanos e ele pertence a nossa natureza. Fica então naturalizado o fenômeno psicológico. Algo que lá está como possibilidade, quando nascemos; algo que deverá ser fertilizado por afeto, estimulações adequadas e boas condições de vida, mas que lá está, pronto para desabrochar. A Prática profissional surge então carregada de uma perspectiva corretiva e terapêutica. Não poderia ser outra, pois se já somos o que vamos ser, dada a natureza humana da qual somos dotados, a Psicologia só poderia se constituir enquanto prática profissional como um conhecimento e um conjunto técnico que detecta desvios do desenvolvimento humano (em relação ao que é concebido como natural), propondo-se como algo que reencaminha, realinha, adapta, cura. A Psicologia se associa a idéia de doença, mas nosso objeto de trabalho não é o corpo que adoece. Nosso objeto é o mundo simbólico. Nosso objeto é o registro que os sujeitos fazem do mundo que os cerca, do cotidiano. Esse mundo não fica doente. Esse mundo se estrutura, se desestrutura, sofre, mas não fica doente, no sentido de adquirir mal, moléstia ou enfermidade. Só uma noção naturalizante do mundo psicológico poderia ter chegado a essas noções. Pois, se o mundo psicológico é natural, é da espécie, é de nossa natureza humana, já está lá e será desenvolvido com o passar do tempo e das experiências. Aí sim, pode-se pensar que ele adoece. 21. Segundo a psicologia sócio-histórica, o que leva à uma visão naturalizada do fenômeno Psicológico? Vygotsky seguiu alguns pressupostos que guiaram suas teorias e que serviram à fundamentação e ao desenvolvimento, a partir de sua obra, da teoria Sócio-Histórica, Dentre eles, destaca-se a crítica da tentativa de compreensão de funções superiores por intermédio da psicologia animal, bem como da concepção de desenvolvimento natural humano, segundo a qual estas funções são resultado de um processo de maturação. Enfatiza-se a origem social da linguagem e do pensamento – e a visão das funções psicológicas como produto da atividade cerebral. Cabe ressaltar, ainda, a contribuição em nível de desenvolvimento de uma estrutura teórica marxista para a Psicologia: os fenômenos são compreendidos como processo em movimento e mudança; o homem é entendido como um ser que atua sobre a realidade por intermédio de instrumentos, transformando-a e a si própria; o conhecimento deve apreender, a partir do aparente, as determinações constitutivas do objeto; a origem e a base do movimento individual estão nas condições sociais de vida historicamente formadas. Assim, percebemos que se nega qualquer tentativa de explicação referente a uma concepção de natureza humana universal e imutável, a qual necessitaria apenas aflorar e se desenvolver ao longo da vida do indivíduo. Não há natureza humana; o humano se constitui pela relação do homem com a realidade, não só enquanto meio social imediato, mas enquanto processo cultural historicamente produzido. A condição humana é construída sócio-historicamente, nas relações sociais e na ação dos homens sobre a realidade. 22. Segundo a psicologia sócio histórica, como é possível superar o positivismo e o idealismo na psicologia? Durante muito tempo a Psicologia Social esteve marcada por um caráter e uma tradição pragmática, com seus trabalhos centrados nos estudo das atitudes, sua mensuração e suas transformações, bem como de aspectos e processos ligados ao funcionamento grupal. Segundo Lane (1984), a partir de meados da década de 1960 a eficácia desta psicologia começa a ser questionada, apontando-se para uma crise do conhecimento psicossocial, ineficiente em intervir, explicar e prever comportamentos sociais. Neste sentido, Lane (1995) afirma que os avanços da Psicologia Social na América Latina estão diretamente relacionados à época da crise teórica e metodológica da Psicologia Social, a qual assumiu um caráter político, dado o contexto das ditaduras militares e da repressão, bem como das injustiças e opressões vividas nas décadas de 1960 e 70. Questionava-se, então, como a Psicologia Socialpoderia trazer subsídios para transformações sociais, pensamentos não só em reformulações de caráter teórico, mas também em transformações de cunho metodológico e de atuação. Portanto, neste período, a revisão e a reformulação conceitual crítica apoiaram-se em fundamentos marxistas e em teorias neomarxistas, que partiam de sua proposição inicial para a realização de uma reflexão na qual o indivíduo tinha um papel fundamental. Neste contexto, conceitos como alienação, ideologia e dominação vão se tornando peças essenciais para a compreensão da subjetividade humana e de sua relação com a realidade social. As palavras de Lane (1974:15-16) esclarece o pensamento desta tendência: “É dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos encontrar os pressupostos epistemológicos para a reconstrução de um conhecimento que atenda à realidade social e ao cotidiano de cada indivíduo e que permita uma intervenção efetiva na rede de relações sociais que define cada indivíduo – objeto da Psicologia Social”. 23. Explique as seguintes proposições teóricas da Psicologia Sócio-histórica: a) Relação Homem e Sociedade: A psicologia Sócio-Histórica está fundamentada, basicamente, na concepção de homem como um ser histórico-social. Assim, o ser humano não nasce formado ou possuindo uma essência pronta e imutável; ao contrário, ele se constrói como homem a partir das relações que estabelece com o meio e com os outros homens, num movimento dialético em que faz parte de uma totalidade e vai transformando-se em sua essência por um processo de complexificação e multideterminação. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência (Marx & Engels 1980); é com base nesta proposição que Vygotsky (in Luria, 1987:21) defende que a origem e compreensão da vida consciente e do comportamento humano só podem ser encontradas na vida social, “nas formas histórico-sociais da existência do homem”. O homem é, portanto, um ser ativo, histórico e social. b) Zona de desenvolvimento proximal: Na medida em que cada ser humano é construído socialmente, na relação com a realidade e com os outros homens, ele se apropria também da história da humanidade; isto é, o homem não é construído apenas pelo meio social imediato, mas por todas as mediações nele contidas, pela história da humanidade e pela cultura que ele carrega. Ao relacionar-se com os objetos produzidos pela humanidade, o homem apropria-se da atividade histórica acumulada e cristalizada naquele objeto, inserindo no mundo humano. Como o homem está diretamente envolvido e é sujeito ativo da organização da sociedade, enquanto organização da produção dos meios de existência, ele é o sujeito construtor da história e neste processo constrói a si próprio. c) Linguagem: A linguagem é um instrumento essencial neste processo. Ela é produzida social e historicamente e o homem de também dela apropriar-se. É importante ressaltar que o desenvolvimento da linguagem e dos significados permite a representação da realidade e, assim, a possibilidade de se trabalhar com a atividade no campo da consciência. Contudo, não se pode perder de vista que a origem da consciência e da linguagem está na atividade concreta dos homens, ainda que estas se descolem aparentemente da atividade material. A linguagem materializa e constitui as significações construídas no processo social e histórico. Assim, ao apropriar-se dela, o homem tem acesso às significações historicamente produzidas. Este homem irá significar suas experiências e são estas significações que constituirão sua consciência, mediando assim suas formas de sentir, pensar e agir. d) Pensamento: A significação é construída na esfera social, de maneira que sua internalização dependerá da mediação externa, da relação com o outro. A transformação do social em subjetivo se dará sempre em um universo interpessoal, que se transforma em intrapessoal e intra-subjetivo, como resultado de um processo longo, processo pelo qual o plano subjetivo é criado. Portanto, a intersubjetividade é um espaço de construção do sujeito e é este espaço que permite a produção de sentidos. É sobretudo nas relações intersubjetivas que o indivíduo constrói sua subjetividade; e se as emoções estão presente nas ações, consciência, pensamento, linguagem e identidade do homem, podemos concluir que as formas de significação também são emocionadas, ou seja, mediadas pelas emoções e que as falas, pensamentos e ações dos homens sempre carregam em si uma emoção. Segundo Vygotsky (in Lane e Camargo, 1995:118), “o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva, que traz em si a resposta ao último porquê de nossa análise do pensamento”. Desta forma, o pensamento sempre será um fenômeno que terá em sua constituição uma emoção, e, sendo assim, o processo cognitivo nunca existirá sem ela também.
Compartilhar