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Um Curso de Geometria Esfe´rica Alexandre Teixeira Be´hague Suma´rio 1 G.E. parte 1 Fundamentos ba´sicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1.1 Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1.2 Operac¸o˜es com nu´meros reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1.3 Aplicac¸o˜es e func¸o˜es . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana . . . . . . . 11 2.1 Enumerac¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3.1 Distaˆncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 3.2 Coordenadas polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 3.3 Vetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3.4 Operac¸o˜es com vetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 4 G.E. parte 2 C´ırculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 4.1 Comprimento de arcos de c´ırculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 4.2 Parametrizac¸a˜o de c´ırculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 5.1 Polos de c´ırculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 5.2 Aˆngulo entre segmentos na esfera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 5.3 Algumas construc¸o˜es em Geometria esfe´rica . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 5.4 Triaˆngulos esfe´ricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 5.5 A´rea de triaˆngulos esfe´ricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 5.6 Quadrila´teros especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 5.7 Fo´rmulas fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 6 G.E. parte 2 Parametrizac¸a˜o de esferas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 6.1 A projec¸a˜o estereogra´fica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 6.2 Esferas em coordenadas polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 6.3 Paralelos e meridianos em esferas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 6.4 Milha na´utica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 6.5 O conceito de distaˆncia sobre esferas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 1 Suma´rio Suma´rio Uma ide´ia matema´tica abstrata, sem contato com a intuic¸a˜o e a natureza, e´ frequ¨entemente vista como uma �curiosidade matema´tica� e desprezada pelo ceticismo daqueles que valorizam somente a pra´tica, a aplicac¸a˜o dos nu´meros. Ocorre que a histo´ria registra inu´meros exemplos de �ide´ias curiosas�, desenvolvidas por matema´ticos despreocupados com a praticidade, e que se mostraram indispensa´veis em va´rias a´reas aplicadas do conhecimento humano. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 2 Geometria Esfe´rica Suma´rio Suma´rio Observac¸o˜es para o aluno ◦ Geometria esfe´rica e´ uma matema´tica pouco conhecida, e´ uma mate´ria dif´ıcil com argumentos incomuns, que exige muita dedicac¸a˜o e interesse. Na˜o existem livros completos sobre o assunto em portugueˆs. O texto disponibilizado aqui tem por objetivo resumir as partes centrais e os principais fatos dessa mate´ria, e mesmo assim trata-se de um texto bem longo, equivalente a um livro com 220 pa´ginas. ◦ Esse texto e´ completado com comenta´rios sobre sutilezas da teoria, feitos durante as aulas. Com regularidade, essas sutilezas sa˜o exploradas nas provas, logo a auseˆncia em uma determinada aula pode custar caro. ◦ Na˜o sa˜o disponibilizadas listas avulsas de exerc´ıcios, pois esse texto apresenta um bom nu´mero de exemplos e exerc´ıcios, sendo que esses sa˜o resolvidos em sala de aula. Cabe ao aluno estuda´-los e, havendo du´vida, procurar o professor fora do hora´rio de aulas. ◦ Sera˜o feitas duas provas e o crite´rio de avaliac¸a˜o para essa mate´ria e´ o definido pelo regimento interno da UERJ, me´dia M := P1 + P2 2 ≥ 7 aprova; se 4 ≤ M < 7, faz prova final e e´ aprovado se conseguir me´dia final Mf := M + Pf 2 ≥ 5, isto e´, Pf ≥ 10−M . ◦ Na˜o sa˜o feitas provas de reposic¸a˜o/substitutiva, a na˜o ser nos casos indicados pelo regimento interno dessa universidade. Fonte bibliogra´fica ◦ O u´nico livro indicado para apresentac¸a˜o de alguns to´picos dessa mate´ria e´ Con- vite a`s Geometrias na˜o-euclidianas, Coutinho, L., mas muito fraco na teoria matema´tica, completado pelo texto do curso. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 3 Geometria Esfe´rica Suma´rio Suma´rio Introduc¸a˜o A esmagadora maioria da populac¸a˜o mundial na˜o sabe que cieˆncia e´ conhecimento exato e racional de coisa determinada, e´ sistema de conhecimentos com um objeto determinado e um me´todo pro´prio. Muitas pessoas acham que Geometria e´ a parte da Matema´tica que se ocupa com desenhos, retas, triaˆngulos, c´ırculos, etc. Geometria e´ muito mais do que isso, e´ uma cieˆncia exata com nomenclatura e procedimentos pro´prios, que se subdivide em va´rios ramos teo´ricos, de acordo com o objeto de estudo. Existem: GeometriadeLobatchevski-Bolyai GeometriadeRiemann Teoriageométricadafolheações Sistemasdinâmicos Topologiadiferencial Topologiaalgébrica Análiseemumaouváriasvariáveis,reaisoucomplexas Teoriadegrupos Cálculodiferencialeintegral Álgebraelementarevetorial Geometriadiferencial Topologiageral Geometriariemanniana Geometriaeuclidiana Geometriadescritiva Geometriaprojetiva Geometriaanalítica Esse artigo e´ fornecido em cara´ter pessoal ao aluno inscrito em Matema´tica Especial I, IME03-1366, UERJ. O autor na˜o autoriza a transfereˆncia a terceiros e a divulgac¸a˜o na Internet de parte ou da integra desse documento A Geometria plana (axioma´tica, euclidiana) e´ a base da Matema´tica e surgiu no Egito e na Babiloˆnia, numa fase intuitiva, na˜o sistema´tica. Na Gre´cia, com Tales de Mileto (640-546 a.C.), Pita´goras (580-500 a.C.), Eudoxo de Cnide (408-355 a.C. ou 395-355 a.C.) e Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.), foi apoiada em proposic¸o˜es gerais, na˜o intuitivas. Foi o grego Euclides de Alexandria (330-275 a.C, provavelmente) quem primeiro sistematizou de modo axioma´tico aquilo que iniciou a Matema´tica. Sem du´vida alguma, os treze livros ’Os Elementos’ escritos por Euclides tiveram mais influeˆncia no desenvolvimento da civilizac¸a˜o do que qualquer outra criac¸a˜o anterior ou posterior. As ide´ias fundamentais da Geometria sa˜o divididas em axiomas ’1’ e postulados ’2’. Os axiomas originais sa˜o: A1. Coisas iguais a uma terceira sa˜o iguais entre si; A2. Se quantidades iguais sa˜o adicionadas a iguais, os totais sa˜o iguais; A3. Se quantidades iguais sa˜o subtra´ıdas de iguais, os restos sa˜o iguais; A4. Coisas que coincidem uma com a outra sa˜o iguais; A5. O todo e´ maior do que qualquer de suas partes. Os postulados originais sa˜o: P1. Uma reta pode ser trac¸ada de um ponto a outro, escolhidos a` vontade; 1 Do grego axioma, ’eu acredito ser verdadeiro’ - princ´ıpio aceito por todo os ramos do conhecimento 2 Do grego postulare, ’pedir, requerer, exigir’ - proposic¸o˜es geome´tricas espec´ıficas A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 4 Geometria Esfe´rica Suma´rio Suma´rio P2. Uma reta pode ser prolongada indefinidamente; P3. Um c´ırculo pode ser trac¸ado com centro e raio arbitra´rios; P4. Todos os aˆngulos retos sa˜o iguais; P5. Se uma reta transversal a duas outras forma aˆngulos, de um mesmo lado dessa transversal, cuja soma e´ menor que dois aˆngulos retos, enta˜o essas retas, se prolongadas suficientemente, encontrar-se-a˜o em um ponto desse mesmo lado. O 5o postulado e´ modernamentechamado postulado das paralelas e assim enunci- ado: Por um ponto exterior a` uma reta passa uma reta e somente uma paralela a` reta dada. Durante se´culos, matema´ticos tentaram provar essa ide´ia e somente 2104 anos apo´s Euclides, em 1829, e´ que Lobatchevski ’3’ mostrou a impossibilidade de se provar o 5o postulado e enta˜o enveredou por uma nova Geometria que o negava. Uma Geometria na˜o-euclidiana e´ definida precisamente pela substituic¸a˜o do 5o postulado euclidiano e existem duas, a Geometria hiperbo´lica ’4’ e a Geometria esfe´rica ’5’. Iremos tratar dessa Geometria, onde se troca o P5 euclidiano pelo seguinte riemanniano: Por um ponto exterior a` uma reta na˜o passa reta paralela a` reta dada. Geometria e´, antes de mais nada, a fusa˜o de um ambiente com resultados provados (teoremas e proposic¸o˜es) que surgem da considerac¸a˜o de certos axiomas e postulados. Se for mudado o 5o postulado, enta˜o o ambiente muda. Diz-se que um espac¸o (ambiente acolhedor de determinados objetos, tais como espac¸o me´trico, espac¸o vetorial, superf´ıcie de Riemann, etc.) e´ homogeˆneo quando suas pro- priedades permanecem invariantes em qualquer local sobre ele. E e´ isotro´pico quando suas propriedades independem da direc¸a˜o em que sa˜o consideradas. Valendo essas duas propriedades, diz-se que o espac¸o e´ uniforme. De todos os poss´ıveis espac¸os na˜o-euclidianos uniformes existem apenas dois, um suporta a Geometria hiperbo´lica e e´ a pseudo-esfera (horosfera), o outro suporta a Geometria esfe´rica e e´ claramente a esfera, nosso objeto de estudo nesse curso. Na ocasia˜o de seu teste para a posic¸a˜o de professor na Universidade de Go¨ttingen, Riemann apresentou treˆs assuntos aos membros do Departamento de Matema´tica, um dos quais era Gauss ’6’ que escolheu o assunto sobre Geometria (na˜o-euclidiana), pois queria 3 Nikolai Ivanovich Lobatchevski, matema´tico russo, 1792-1856 4 Ou Geometria de Lobatchevski-Bolyai, devido a Lobatchevski e Ja´nos Bolyai, matema´tico amador hungaro, 1802-1860 5 Ou Geometria de Riemann, devido a Georg Friedrich Bernhard Riemann, matema´tico alema˜o, 1826- 1866. E´ devido a ele o in´ıcio da generallizac¸a˜o da Geometria diferencial que seria conhecido como Geometria riemanniana, na qual os seus trabalhos em Geometria esfe´rica tiveram grande influeˆncia 6 Carl Friedrich Gauss, matema´tico, astroˆnomo e f´ısico alema˜o, 1777-1855. Professor de Riemann. E´, ao mesmo tempo, o u´ltimo dos matema´ticos cla´ssicos e o primeiro dos matema´ticos modernos, isso porque resolveu problemas cla´ssicos por meio de me´todos modernos A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 5 Geometria Esfe´rica Suma´rio Suma´rio Euclides???????V iète????????Girard???????Riemann testar a desenvoltura de Riemann em um assunto ta˜o complicado; este foi muito feliz em sua exposic¸a˜o ao juntar as te´cnicas de Gauss para descrever a Geometria das superf´ıcies curvas bi-dimensionais (tema de Geometria diferencial) e seu pro´pria ide´ia original sobre certos objetos geome´tricos multi-dimensionais, hoje chamados variedades n-dimensionais. Tal palestra foi posteriormente publicada com o t´ıtulo Sobre as hipo´teses subjacentes aos fundamentos da Geometria. Em 1851, ele desenvolveu essa nova Geometria, de um ponto de vista puramente teo´rico, e demonstrou que as Geometrias na˜o-euclidianas podem representar superf´ıcies curvas. Essa abordagem conduziu a enu´meras questo˜es, dentre elas saber se nosso espac¸o f´ısico (o Universo) e´ finito. E´ certo que na˜o somente Riemann foi o responsa´vel pelo desenvolvimento dessa Ge- ometria na˜o-euclidiana, antes dele outros contribu´ıram com a Trigonometria esfe´rica, Franc¸ois Vie`te ’7’, John Napier ’8’, Albert Girard ’9’, Giovanni Girolamo Saccheri ’10’, Simon Antoine Jean L’Huilier ’11’ e Carl Friedrich Gauss, dentre outros, mas ainda sem a preocupac¸a˜o de modelar uma Geometria na esfera. 7 Matema´tico e advogado franceˆs, 1540-1603. Em 1589, ele e´ encarregado de decifrar os co´digos se- cretos dos inimigos de Franc¸a, sendo importante na guerra contra Espanha. Mesmo que na˜o tivesse sido um matema´tico em tempo integral, pois dedicou quase toda sua vida profissional a` carreira jur´ıdica e pol´ıtica, suas descobertas alcanc¸aram a formalizac¸a˜o do Ca´lculo alge´brico, em In artem analyticam isagoge, de 1593, ele e´ o primeiro na histo´ria a utilisar letras para designar, por um lado quantidades conhecidas (consoantes B,C,D...) e, por outro, quantidades desconhecidas (vogais A,E, I...). Foi ele quem sistematizou o uso da a´lgebra para a resoluc¸a˜o de problemas de Geometria 8 Ou Neper, matema´tico, f´ısico, astroˆnomo, astro´logo e teo´logo escoceˆs, 1550-1617. Foi o criador dos logar´ıtmos, publicados em Mirifici logarithmorum canonis descriptio, e escreveu trabalhos em Trigonome- tria esfe´rica. Popularizou a notac¸a˜o do ponto separando a parte inteira da parte fraciona´ria de um nu´mero decimal 9 Matema´tico franceˆs, 1595-1632. Foi tambe´m engenheiro, se ocupando com a fortificac¸a˜o de con- struc¸o˜es militares. Preocupado com a causa das coisas, inovac¸o˜es da nova a´lgebra de Vie`te. Sa˜o deles, em 1626, as primeiras anotac¸o˜es sobre a func¸a˜o seno. Primeiro a tomar em conta ra´ızes complexos em equac¸o˜es polinomiais e enunciar que todo polinoˆmio de grau n admite n ra´ızes reais ou complexas (eventualmente iguais) 10 Matema´tico amador italiano e padre jesu´ıta, 1667-1733 11 Ou L’Huiller, matema´tico su´ıc¸o, 1750-1840 A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 6 Geometria Esfe´rica 1 G.E. parte 1 Fundamentos ba´sicos 1 G.E. parte 1 Fundamentos ba´sicos A leitura da parte 1 do texto - cap´ıtulos 1, 2, e 3 - e´ deixada sob responsabilidade do aluno. O professor se ocupara´ com a leitura e explicac¸a˜o minuciosas dos fundamentos da parte 2 - cap´ıtulos 4,5 e 6 -, bem com a elaborac¸a˜o dos exerc´ıcios propostos. 1.1 Conjuntos Conjunto e´ uma colec¸a˜o de coisas fundamentais, indivis´ıveis, minimais (em Geome- tria sa˜o chamados pontos, em A´lgebra sa˜o elementos), na˜o constitu´ıdos de nada menor e que possuem todos uma mesma propriedade matema´tica, que pode ser nume´rica (quan- titativa), ou na˜o nume´rica (qualitativa). A nomenclatura usual e´ ’s´ımbolo do conjunto’ = {’elemento do conjunto’; ’propriedade espec´ıfica do conjunto’} Um subconjunto Y de um dado conjunto X e´ uma colec¸a˜o de pontos particulares de X com uma determinada propriedade comum P, escreve-se Y = {pontos A ∈ X; A verifica P}, leia ’Y e´ formado dos pontos A que pertencem a X, tais que A verifica a propriedade P’.Esse artigo e´ fornecido em cara´ter pessoal ao aluno inscrito em Matema´tica Especial I, IME03-1366, UERJ. O autor na˜o autoriza a transfereˆncia a terceiros e a divulgac¸a˜o na Internet de parte ou da integra desse documento Usa-se a notac¸a˜o Y ⊂ X, leia ’Y esta´ contido em X’, ’Y e´ subconjunto de X’, para indicar que cada ponto de Y e´ tambe´m ponto de X. A ide´ia de igualdade em Matema´tica na˜o e´ ta˜o simples como muitos acham: quando se diz ’X e´ igual a Y’, quer-se dizer que todos os pontos do conjunto X sa˜o pontos do conjunto Y, e todos os pontos de Y sa˜o tambe´m pontos de X. Nesse caso, escrevemos X = Y. Mas basta um ponto de X na˜o ser ponto de Y, ou um ponto de Y na˜o ser ponto de X, para que os conjuntos na˜o sejam iguais e enta˜o escrevemos X 6= Y. Com dois conjuntos podemos formar treˆs tipos especiais de conjuntos: 1) A unia˜o de X e Y e´ o conjunto X∪Y = {pontos A; A ∈ X ou A ∈ Y}. 2) A intersec¸a˜o de X e Y e´ o conjunto X∩Y = {pontos A; A ∈ X e A ∈ Y}. Quando X∩Y = ∅, ou seja, quando X e Y na˜o teˆm ponto comum, diz-se que X e Y sa˜o disjuntos. Mas cuidado, em Matema´tica a palavra ou na˜o significa ’ou e´ P ou e´ Q’, pode ocorrer ’e´ P e e´ Q’. 3) O produto cartesiano de X e Y e´ o conjunto X×Y = {(x, y); x ∈ X e y ∈ Y} de pares ordenados, onde os conjuntosX e Y podem ter mesma natureza ou na˜o, um pode ser nume´rico e o outro na˜o nume´rico. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 7 Geometria Esfe´rica 1 G.E. parte 1 Fundamentos ba´sicos 1.2 Operac¸o˜es com nu´meros reais 1.2 Operac¸o˜es com nu´meros reais 1) Os nu´meros racionais Q = {x y ; x ∈ Z e y ∈ Z, y 6= 0} reunidos com os nu´meros irra- cionais {a0, a1a2...an... d´ızima na˜o perio´dica ; a0, a1, a2, ..., an, ... ∈ Z} formam o conjunto R dos nu´meros reais e nele tem destaque o subconjunto R+ dos nu´meros reais positivos, bem como R− = {−x; x ∈ R+}. As operac¸o˜es sobre R: 1. Adic¸a˜o, a cada (x, y) ∈ R×R se associa a soma x+ y; 2. Multiplicac¸a˜o, a cada par (x, y) se associa o produto x.y = xy; 3. Subtrac¸a˜o, (x, y) e´ associado a` diferenc¸a x− y := x+ (−y); 4. Divisa˜o, (x, y), com y 6= 0, e´ associado ao quociente x y := xy−1. Observe a diferenc¸a entre 1 2 3 = 3 2 e 1 2 1 3 = 1 6 e 1 2 1 3 = 3 1 1 2 = 3 2 . A adic¸a˜o e a multiplicac¸a˜o se relacionam atrave´s das seguintes regras de distribuic¸a˜o: x(y + z) = xy + xz e (y + z)x = yx+ zx = xy + xz,∀x, y, z ∈ R. A equac¸a˜o x− 3 5 = 7 2 se desenvolve via multiplicac¸a˜o em cruz, isto e´, multiplicando-se ambos membros da equac¸a˜o por 2 7 , logo x− 3 5 = 7 2 ⇒ (traduza essa flecha dupla ’⇒’ como ’implica em’) 2(x− 3) = 35⇒ 2x− 6 = 35⇒ x = 41 2 . Vale x0 = 0,∀x ∈ R: de fato, x0 + x = x0 + x1 = x(0 + 1) = x1 = x e, somando −x a ambos os membros da igualdade x0 + x = x, tem-se x0 = 0. Se xy = 0, enta˜o x = 0, ou y = 0: com efeito, se y 6= 0, enta˜o xyy−1 = 0y−1 ⇒ x1 = x = 0. Se, ao contra´rio, x 6= 0, enta˜o xx−1y = x−10 ⇒ 1y = y = 0. Isto significa que o u´nico divisor de zero em R e´ o nu´mero zero. Pode-se facilmente estabelecer as regras dos sinais, isto e´, x(−y) = −(xy) = (−x)y e (−x)(−y) = xy: de fato, x(−y) + xy = x(−y + y) = x0 = 0 e, somando −(xy) a ambos membros da igualdade x(−y) + xy = 0, tem-se x(−y) = −(xy). O mesmo e´ feito para (−x)y = −(xy). Por fim (−x)(−y) = −[x(−y)] = −[−(xy)] = xy. Segue, em particular, que (−1)(−1) = 1. 2) Potenciac¸a˜o. A n-e´sima poteˆncia de x e´ o nu´mero xn igual a x. x. . . x︸ ︷︷ ︸ n vezes , sendo que o nu´mero n se chama o expoente de x. Claro que x1 = x. (x+ y)2 e´ o segunda poteˆncia de x+ y, e´ o quadrado de x+ y, enquanto que x2 + y2 e´ a soma do quadrado de x com o quadrado de y. Claro que (x+ y)2 = (x+ y)(x+ y) = x2 + 2xy + y2 6= x2 + y2. (x − y)2 e´ o quadrado da diferenc¸a x − y, enquanto que x2 − y2 e´ a diferenc¸a do quadrado de x pelo quadrado de y. Note que (x− y)2 = (x− y)(x− y) = x2− 2xy+ y2 e x2 − y2 = (x+ y)(x− y). A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 8 Geometria Esfe´rica 1 G.E. parte 1 Fundamentos ba´sicos 1.2 Operac¸o˜es com nu´meros reais (2x+3)2 = (2x)2+2(2x)3+32 = 4x2+12x+9. Note que (3x−5)2 = (3x)2−2(3x)5+52 = 9x2− 30x+25 e´ diferente de (3x)2− 52 = (3x− 5)(3x+5) = (3x)2 +(3x)5− 5(3x)− 25 = 9x2 − 25. 3) Radiciac¸a˜o. A raiz n-e´sima de x e´ o nu´mero n √ x := x 1 n igual a y, no sentido que yn = ( n √ x)n = (x 1 n )n = x n 1 n = x. Observe que √ 4 = ±2 porque 22 = 4 e (−2)2 = 4. So´ se pode assumir √4 = 2 quando uma resposta negativa na˜o e´ conforme a` situac¸a˜o estudada, algo comum quando se opera distaˆncias, a´reas, volumes que sa˜o, por definic¸a˜o, nu´meros positivos. 4) Polinoˆmio. E´ uma expressa˜o alge´brica em que esta˜o envolvidas as operac¸o˜es de adic¸a˜o, subtrac¸a˜o e multiplicac¸a˜o, bem como expoentes inteiros positivos. Uma expressa˜o da forma f(x) = ax+ b e´ um polinoˆmio do primeiro grau, pois o maior exponente de x e´ 1, ja´ uma expressa˜o da forma f(x) = ax2 + bx + c e´ um polinoˆmio do segundo grau, visto que o maior exponente de x e´ 2. Encontrar uma raiz de f(x) = ax + b equivale a` se resolver a equac¸a˜o ax + b = 0. Assim, a raiz de f(x) = 3x+ 2 e´ obtida de 3x+ 2 = 0, ou seja, x = −2 3 . Encontrar uma raiz de f(x) = ax2 + bx + c consiste em se resolver a equac¸a˜o ax2 + bx + c = 0 via o Teorema de Ba´skara, o qual indica que x = −b±√b2 − 4ac 2a . Note que se b2 − 4ac > 0, enta˜o a equac¸a˜o ax2 + bx + c = 0 tera´ duas soluc¸o˜es, uma e´ x = −b+√b2 − 4ac 2a , a outra e´ x = −b−√b2 − 4ac 2a . A resoluc¸a˜o de f(x) = 3x2 − 4x + 1: escreva 3x2 − 4x + 1 = 0 e aplique o Teorema de Ba´skara, de sorte que x = −(−4)±√(−4)2 − 4.3.1 2.3 = 4± 4 6 e as ra´ızes sa˜o x0 = 4 3 e´ x1 = 0. 5) A relac¸a˜o de ordem para os nu´meros reais. Dados x, y ∈ R, escreve-se x < y (leia ’x e´ menor do que y’) quando y − x ∈ R+. Tambe´m podemos escrever y > x (’y e´ maior do que x’). Claro que x > 0 quando x ∈ R+ e x < 0 quando x ∈ R−. 6) O valor absoluto de x ∈ R, mo´dulo de x, e´ definido por |x| = max{x,−x} ={ x, se x ≥ 0 −x, se x < 0 e possui as seguintes propriedades: 1. |x| ≥ 0 e |x| = 0 se, e somente se, x = 0; 2. |x− y| = |y − x|; 3. |xy| = |x||y|; 4. |x y | = |x||y| , para y 6= 0; 5. |x+ y| ≤ |x|+ |y|. Como subproduto da definic¸a˜o, para qualquer x ∈ R, tem-se −x ≤ |x|, x ≤ |x| e A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 9 Geometria Esfe´rica 1 G.E. parte 1 Fundamentos ba´sicos 1.3 Aplicac¸o˜es e func¸o˜es −|x| ≤ x ≤ |x|. Exemplos, | − 4| = 4, | − pi + 3| = pi − 3 (pi: pi, ’p’ latino), |x − 3| ={ x− 3, quando x ≥ 3 −x+ 3 quando x < 3 . 1.3 Aplicac¸o˜es e func¸o˜es Por aplicac¸a˜o entende-se uma regra de associac¸a˜o matema´tica e dois conjuntos, tais que, a cada ponto de um, faz-se corresponder um ponto do outro. O conjunto onde a regra e´ aplicada chama-se domı´nio, o outro conjunto, que conte´m os resultados da aplicac¸a˜o da regra, e´ chamado contra-domı´nio. Em s´ımbolos, escrevemos f : X→ Y (leia ’f esta´ definida de X para Y’), em que f e´ a regra de associac¸a˜o, X e´ o domı´nio de f e Y e´ o contra-domı´nio de f . A cada x ∈ X, f associa um u´nico y ∈ Y e escrevemos y = f(x) (leia ’y e´ igual a f de x’). O ponto y e´ a imagem de x por f , o valor de f em x. O conjunto imagem de f e´ o conjunto f(X) = {f(x) ∈ Y; x ∈ X} (leia ’f de X’). O gra´fico de f e´ o conjunto G(f) = {(x, f(x)); x ∈ X} ⊂ X×Y e pode assumir uma infinidade de formas, dependendo da expressa˜o de f . A pre´-imagem de um subconjunto E ⊆ Y por f : X→ Y e´ o conjunto f−1(E) = {x ∈ X; f(x) ∈ E} (leia ’f a menos um de E’). O termo func¸a˜o e´ reservado exclusivamente para as aplicac¸o˜es que assumem valores reais ou complexos, ou seja, Y = R ou C = {x+ iy; x, y ∈ R e i = √−1 }. Alguns tipos gerais de aplicac¸o˜es: 1. Biun´ıvoca, x 6= y ∈ X⇒ f(x) 6= f(y) ∈ f(X). 2. Sobre Y, dado y ∈ Y, existe (ao menos) um x ∈ X tal que f(x) = y. Assim, f(X) = Y. 3. Correspondeˆncia biun´ıvoca quando e´ biun´ıvoca e sobre. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 10 Geometria Esfe´rica 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana 1) Segmento de reta AB e´ o conjunto de todos os pontos alinhados (colineares) com A e B e que esta˜o entre A e B. A B .. 2) Semi-reta −→ AB e´ o conjunto AB ∪ {pontos P ; B esta´ entre P e A}. . . A B Esse artigo e´ fornecido em cara´ter pessoal ao aluno inscrito em Matema´tica Especial I, IME03-1366, UERJ. O autor na˜o autoriza a transfereˆncia a terceiros e a divulgac¸a˜o na Internet de parte ou da integra desse documento E´ um conjunto com in´ıcio, a origem A, e que se estende infinitamente com uma determinada orientac¸a˜o (direc¸a˜o, indicac¸a˜o de rumo a seguir, sentido). 3) Reta ←→ AB e´ a reunia˜o −→ AB ∪ −→BA, conjunto infinito formada de infinitos pontos. . . A B Treˆs pontos sa˜o colineares se ha´ uma reta que os conte´m; sa˜o na˜o colineares se na˜o esta˜o simultaneamente em uma mesma reta. 4) A intersecc¸a˜o de duas retas e´ um u´nico ponto edetermina um plano. Isto e´, se retas r e s teˆm ponto comum A, escolha B ∈ r, C ∈ s e o plano que conte´m r e s, o plano que conte´m A,B e C na˜o colineares, e´ a reunia˜o {retas que passam por A e um ponto de BC} ∪ {retas que passam por B e um ponto de AC} ∪ {retas que passam por C e um ponto de AB}. . . .C A B Dados uma reta r e um ponto P 6∈ r, existe um u´nico plano Π (pi maiu´sculo, ’P’) que os conte´m. Duas retas sa˜o paralelas quando sa˜o coplanares (esta˜o em um mesmo plano) e disjuntas. Dois planos sa˜o paralelos quando sa˜o disjuntos, infinitos planos paralelos determinam o espac¸o, muitas vezes denotado pelo s´ımbolo R3, ou V3. Dados um plano Π e um ponto P 6∈ Π, existe um u´nico plano Σ (sigma maiu´sculo, ’S’) que conte´m P e e´ paralelo a Π. 5) Dadas duas semi-retas −→ AB e −→ AC, o plano que as conte´m fica dividido em duas partes, sendo que a parte convexa e´ chamada aˆngulo e denotado por B̂AC. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 11 Geometria Esfe´rica 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana . . . C A B O ponto A e´ o ve´rtice do aˆngulo, as semi-retas limitantes sa˜o as arestas do aˆngulo. 6) Dados uma reta r e um ponto P 6∈ r, existe uma u´nica reta s que conte´m P e e´ perpendicular a r, isto e´, ficam definidos quatro aˆngulos retos a partir do ve´rtice A = r ∩ s, e escreve-se r ⊥A s. . . P A s r Existem infinitas retas em um plano Π que conteˆm (passam) por um dado P ∈ Π e diz-se que uma reta r e´ perpendicular a Π por P (escreve-se r ⊥P Π) se for r perpendicular a duas quaisquer retas s, t ⊂ Π com s ∩ t = P . P retarperpendicularaoplano . s t 7) A projec¸a˜o (perpendicular) de uma reta r sobre um plano Π e´ o conjunto de pontos A′ ∈ Π, tais que ←→AA′ ⊥A′ Π, com A ∈ r. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 12 Geometria Esfe´rica 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana 2.1 Enumerac¸a˜o A rs Π . A’ . 8) Um triaˆngulo de ve´rtices A,B,C e´ a reunia˜o AB ∪BC ∪ AC. P A . B. C . 2.1 Enumerac¸a˜o 1) Imagine pontos em algum conjuto X onde e´ fixada uma unidade de medida de comprimento, um cent´ımetro (1 cm), um metro (1 m), etc. A cada par de pontos A,B ∈ X, fica estabelecido un nu´mero real na˜o-negativo que e´ chamado a distaˆncia entre A e B, ou ainda o comprimento de AB e que deve verificar as seguintes propriedades: D1. d(A,B) ≥ 0; D2. d(A,B) = 0 se, e somente se, A = B; D3. d(A,B) = d(B,A); D4. d(A,B) ≤ d(A,C) + d(B,C). Na pra´tica, quando se tratar de pontos em uma reta, em um plano, ou no espac¸o, podemos imaginar d(A,B) obtido atrave´s de uma re´gua, de uma fita me´trica, ou mesmo por meio de um raio laser. 2) Em uma reta sa˜o fixados um ponto O, dito a origem da reta, uma unidade de medida de comprimento (1 cm, 1 m, etc.) e um sentido de movimento, dito sentido positivo. Para um ponto A da reta que e´ alcanc¸ado a partir de O seguindo o sentido positivo, define-se a coordenada de A como sendo a distaˆncia de A ate´ O, denotada por a = d(A,O). E se um ponto B e´ alcanc¸ado a partir de O seguindo o sentido negativo, define-se a coordenada de B como sendo b = −d(B,O). A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 13 Geometria Esfe´rica 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana 2.1 Enumerac¸a˜o Para qualquer par A,B de pontos, com coordenadas a e b, respectivamente, se faz corresponder exatamente um nu´mero real d(A,B) = |a− b|, chamado a distaˆncia entre A e B, a distaˆncia de A a B, e que se identifica com o comprimento de AB. O b>c>a C A BD 0 a b-a . c . . . . Assim, qualquer reta r pode ser identificada com R, basta considerar a func¸a˜o biun´ıvoca e sobre f : r → R, tal que f(A) = a. 3) Fixados uma reta r e pontos A ∈ r, B 6∈ r, a coordenada da semi-reta −→AB e´ um nu´mero no intervalo fechado [0, 180] ’12’ (obtido pelo instrumento transferidor) e munido da unidade grau (o). Duas semi-retas −→ AB, −→ AC (C 6∈ r), de coordenadas a e b respectivamente, formam o aˆngulo B̂AC e se associa o nu´mero real |a − b| graus, valor absoluto da diferenc¸a de coordenadas das semi-retas, chamado a medida de B̂AC. Esse nu´mero e´ denotado por m(B̂AC) e tambe´m por med(B̂AC). O certo e´ escrever med(B̂AC) = 60o; na pra´tica, e por abuso de linguagem, pode-se escrever B̂AC = 60o. r . A . . C B . . 0º 180º Mas muito cuidado, observe na figura abaixo que B̂AC e ÊDF medem 45o e assim pode-se escrever B̂AC = 45o e ÊDF = 45o, o que na˜o significa que B̂AC = ÊDF , pois os dois aˆngulos sa˜o conjuntos diferentes. A D B C E F . . 45º . . 45º 12 O s´ımbolo [a, b] indica frequ¨entemente o intervalo fechado de nu´meros reais com extremos a e b, isto e´, o conjunto de todos os nu´meros reais x, tais que a ≤ x ≤ b A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 14 Geometria Esfe´rica 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana 2.1 Enumerac¸a˜o 4) O sistema nu´merico associado aos aˆngulos na˜o e´ decimal, mas sim sexagesimal. Isto significa que 1o (um grau) e´ subdividido em sessenta partes chamadas minuto (′), cada minuto e´ subdividido em sessenta partes chamadas segundo (′′). Assim, 1o = 60′, 1′ = 1o 60 = 60′′ e 1′′ = 1′ 60 = 1o 3600 . Dado um aˆngulo (nu´mero) medido em graus, podemos explicitar facilmente as sub- unidades (′) e (′′): basta multiplicar a d´ızima (numeral apo´s v´ırgula) por 60, se o resultado ainda apresentar d´ızima, essa e´ multiplicada por 60. Mesmo que ainda persista d´ızima, agora essa e´ mantida. Assim, por exemplo, 32, 452o e´ igual a 32o +0, 452o = 32o +0, 452.60′ = 32o +27, 12′ = 32o + 27′ + 0, 12′ = 32o + 27′ + 0, 12.60′ = 32o + 27′ + 7, 2′′. Lemos 32 graus, 27 minutos, 7,2 segundos e convenciona-se escrever 32o27′7, 2′′. Inversamente, 46o58′72′′ e´ igual a 46o + 58′ + 72′′ 60 = 46o + 58′ + 1, 2′ = 46o + 59, 2′ 60 = 46, 98666... graus. Outra unidade de aˆngulo e´ o radiano, obtido pela equivaleˆncia entre 360o e a circun- fereˆncia 2pi de um c´ırculo unita´rio (raio 1); 1 radiano = 360o 2pi = 57, 29577951...o. 5) As func¸o˜es seno, co-seno e tangente sa˜o muito utilizadas em Geometria esfe´rica e cada uma delas admite uma func¸a˜o inversa. A func¸a˜o inversa de seno e´ a func¸a˜o arco seno, que a cada nu´mero x ∈ [−1, 1] (isto e´, −1 ≤ x ≤ 1) corresponde o nu´mero arcsen x ∈ [−90o, 90o], assim definido: y = arcsen x⇔ x = sen y ′13′. Por exemplo, arcsen−0, 5 = −30o porque sen−30o = −0, 5. Outros s´ımbolos para o arco seno de x e´ sen−1 x e asen x. A func¸a˜o inversa de co-seno e´ a func¸a˜o arco co-seno, que a cada x ∈ [−1, 1] associa o nu´mero arccos x ∈ [0, 180o], assim definido: y = arccos x⇔ x = cos y. Por exemplo, arccos √ 3 2 = 30o porque cos 30o = √ 3 2 . Outros s´ımbolos para o arco co-seno de x e´ cos−1 x e acos x. E a func¸a˜o inversa de tangente e´ a func¸a˜o arco tangente, que para cada x ∈ R faz corresponder o nu´mero arctg x ∈ [−90o, 90o], assim definido: y = arctg x⇔ x = tg y. Outros s´ımbolos para o arco tangente de x e´ tg−1 x e atg x. 13 Imagine que P e Q sa˜o duas frases. O s´ımbolo P ⇒ Q e´ lido ’P implica Q’, e tambe´m ’se P, enta˜o Q’. Significa que se vale a frase P, enta˜o vale a frase Q. O s´ımbolo P ⇔ Q e´ lido ’P se, e somente se, Q’, indicando que tanto vale a afirmac¸a˜o P ⇒ Q, quanto a afirmac¸a˜o rec´ıproca Q ⇒ P A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 15 Geometria Esfe´rica 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana 2.1 Enumerac¸a˜o Exerc´ıcio 1. Calcule os arcos inversos (arccos, arcsen e arctg) de x = 0, 15 e x = 0, 3, respostas explicitando as unidades o, ′ e ′′. 6) A t´ıtulo de curiosidade, seguem algumas relac¸o˜es trigonome´tricas importantes. • sen2 u+ cos2 u = 1 (1o teorema fundamental da Trigonometria).• 1+tg2 u = sec2 u (2o teorema fundamental da Trigonometria), em que sec u = 1 cos u . • sen(u+ v) = senu cos v + cos u sen v. • sen(u− v) = senu cos v − cos u sen v. • cos(u+ v) = cos u cos v − senu sen v. • cos(u− v) = cosu cos v + senu sen v. • tg(u+ v) = tg u+ tg v 1− tg u tg v . • tg(u− v) = tg u− tg v 1 + tg u tg v . • sen2 u = 1− cos 2u 2 . • cos2 u = 1 + cos 2u 2 . Sejam x, y, z os comprimentos das arestas BC,AC e AB, respectivamente; a, b, c as medidas dos aˆngulos Â, B̂ e Ĉ, respectivamente. Na trigonometria do triaˆngulo, teˆm destaque as seguintes relac¸o˜es. • x2 = y2 + z2 − 2yz cos a, y2 = x2 + z2 − 2xz cos b, z2 = x2 + y2 − 2xy cos c (Lei dos co-senos, tambe´m conhecido como Teorema de al-Kashi). • x sen a = y sen b = z sen c (Lei dos senos, Teorema de Abu l’Wafa). • A a´rea do triaˆngulo e´ igual a √s(s− x)(s− y)(s− z) (Fo´rmula de Heron), em que s = x+ y + z 2 e´ o semi-per´ımetro do triaˆngulo. 7) Uma enorme quantidade de situac¸o˜es estudadas nesse curso faz uso de calculadora cient´ıfica e surge o problema de arredondamento. Para relacionar as arestas α (alfa, ’a’), β (beta, ’b’) e γ (gama, ’g’) de um triaˆngulo contido na esfera, usaremos muito a expressa˜o cosα = cos β cos γ + sen β sen γ cos a A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 16 Geometria Esfe´rica 2 G.E. parte 1 Um pouco da nomenclatura da Geometria plana 2.1 Enumerac¸a˜o conhecida como 1a fo´rmula fundamental. Suponha que a = 20o, β = 10o e γ = 30o, quanto vale α com precisa˜o de quatro casas decimais ? Alguns acham que se pode fazer arredondamentos a cada vez que se usa a calculadora, vejamos: cosα = cos 10o cos 30o + sen 10o sen 30o cos 20o = 0, 9848. 0, 866 + 0, 1736. 0, 5. 0, 9397 = 0, 9344 e α = 20, 8686o. Sem arredondamento ate´ a resposta, cosα = 0, 934456487... e α = 20, 85948658... graus. Com quatro casas decimais, α = 20, 8595o e a diferenc¸a 0,0091o parece irriso´ria, mas representa um erro de 1011 metros. Outra problema, calcular a tal que cos 30o = cos 10o cos 20o + sen 10o sen 20o cos a. Procedendo-se ao arredontamento em cada ca´lculo, cos a = 0, 866− 0, 9848.0, 9397 0, 1736.0, 342 = −1, 000764007 e na˜o existe tal nu´mero. Na verdade, sem arredondamento, chega-se facil- mente a cos a = 1 e a = 0o. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 17 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica O espac¸o cartesiano de dimensa˜o k ∈ N = {1, 2, 3, ..., 10, ...} e´ o conjunto de pontos, tais que, a cada ponto A, se faz corresponder biunivocamente uma colec¸a˜o de k nu´meros reais x1, ..., xk. O nu´mero x1 e´ a 1 a coordenada de A, x2 e´ a 2 a coordenada de A,..., xk e´ a k-e´sima coordenada de A. Nesse ambiente, escrevemos A = (x1, x2, ..., xk). . Ox A. 1 2 j Ox Ox A A A1 2 j . . O . Cada coordenada e´ obtida por projec¸a˜o perpendicular de A sobre um eixo (= reta munida de uma origem, de uma unidade de medida de comprimento e de um sentido positivo de movimento) e sa˜o considerados k eixos perpendiculares entre si, chamados eixo-x1 (ou Ox1), eixo-x2 (ou Ox2),..., eixo-xk (ou Oxk). O ponto comum a todos esses eixos e´ o ponto O identificado com a k-upla ordenada (0, 0, ..., 0).Esse artigo e´ fornecido em cara´ter pessoal ao aluno inscrito em Matema´tica Especial I, IME03-1366, UERJ. O autor na˜o autoriza a transfereˆncia a terceiros e a divulgac¸a˜o na Internet de parte ou da integra desse documento Assim, a projec¸a˜o de A sobre Oxj define um ponto Aj ∈ Oxj e a j-e´sima coordenada de A e´ xj = d(O,Aj) = comprimento do segmento OAj, sendo que a coordenada e´ positiva de acordo com o sentido positivo. Esses eixos e essas coordenadas formam o sistema cartesiano de coordenadas ’14’ e o ponto O e´ a origem desse sistema. Porque cada ponto do espac¸o cartesiano de dimensa˜o k e´ representado por k coorde- nadas reais (= k nu´meros reais), podemos considerar cada ponto como em um produto cartesiano R×...× R de k fatores iguais a R. Por isso, esse espac¸o e´ denotado por Rk. Para dar sentido ao sistema de coordenadas, o ponto Aj e´ identificado com a k-upla ordenada (0, 0, ..., xj , ..., 0), onde todas as coordenadas sa˜o nulas, a` excec¸a˜o da j-e´sima que vale xj e e´ igual a` distaˆncia de O ate´ Aj. Tambe´m cada eixo identifica-se com a reta real R = R− ∪{0} ∪ R+, assim, se A e´ projetado na parte R+, teremos xj > 0; se A e´ projetado na parte R−, teremos xj < 0. Isto condiz com um sentido de crescimento em cada eixo, de modo que −2 significa que Aj dista 2 de O e e´ alcanc¸ado, a partir da origem, percorrendo o eixo no sentido negativo. E 3 indica que Aj dista 3 de O, sendo alcanc¸ado, a partir da origem, percorrendo o eixo no sentido positivo. Aqui nesse curso usar-se-a´ sempre k = 3, pois vivemos em um mundo tridimensional. Suponha que A e´ projetado sobre eixo−x1, eixo−x2 e eixo−x3, de modo que x1 = 3, x2 = −5 e x3 = 1. Enta˜o escrevemos A = (3,−5, 1), so´ isso ! Esta˜o estabelecidas as seguintes regras operacionais: 1. P e Q ∈ R3 de coordenadas x1, x2, x3 e y1, y1, y3, respectivamente, sa˜o identificados se, e somente se, x1 = y1, x2 = y2, x3 = y3; 14 Ide´ia original de Re´ne´ Descartes, 1596-1650, matema´tico e filo´sofo franceˆs, fundador do racionalismo moderno, cr´ıtico da auseˆncia de fundamentos teo´ricos no ensino de cieˆncias. Publicou Discurso do me´todo em 1637 com ensaios sobre O´ptica geome´tria e refrac¸a˜o, Meteorologia e, o mais importante, sobre como ligar a Geometria (cla´ssica) ao Ca´lculo, criando a Geometria anal´ıtica, cieˆncia que estuda a Geometria euclidiana por meio da associac¸a˜o de equac¸o˜es aos entes geome´tricos e apoiado na Alge´bra linear A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 18 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.1 Distaˆncia 2. P e Q sa˜o somados, coordenada a coordenada, e o resultado e´ o ponto P + Q = (x1 + y1, x2 + y2, x3 + y3); 3. P pode ser multiplicado por um nu´mero real a ∈ R e o resultado e´ o ponto aP = (ax1, ax2, ax3). 3.1 Distaˆncia Motivados pelo importante Teorema de Pita´goras, os matema´ticos definiram uma maneira muito simples e pra´tica de se medir distaˆncias em R3. A distaˆncia euclidiana de A = (x1, y1, z1) a B = (x2, y2, z2), tambe´m distaˆncia euclidiana entre A e B, e´ o comprimento do segmento AB e toma a forma d(A,B) = √ (x1 − x2)2 + (y1 − y2)2 + (z1 − z2)2. Exemplo 1. A distaˆncia entre A = (−1, 5,−4) e B = (6,−4, 9) e´ o nu´mero [(−1− 6)2 + (5− (−4))2 + (−4− 9)] 12 = √299. C 3.2 Coordenadas polares A = (x1, y1) no plano R 2 tambe´m pode ser considerado como um par ordenado (r, φ) de nu´meros, tais que: 1. r e´ a distaˆncia de A ate´ a origem O; 2. φ (phi, ’f’) e´ uma orientac¸a˜o (a partir da semi-reta dos nu´meros reais positivos). x f B A. . . O y Essas coordenadas envolvendo aˆngulos sa˜o as coorde- nadas polares e muitas vezes sa˜o mais u´teis do que as coordenadas cartesianas. Os dois tipos de coordenadas, o cartesiano e o polar, sa˜o facilmente intercambia´veis. Projeta-se ortogonalmente A = (x1, y1) sobre o eixo Ox, o que determina B = (x1, 0). No triaˆngulo retaˆngulo ABO, tem-se cosφ = x1 r , senφ = y1 r e x21 + y 2 1 = (r cosφ) 2 + (r senφ)2 = r2(cos2 φ+ sen2 φ) = r2. Assim: 1. (r, φ)⇒ x1 = x1(r, φ) = r cosφ e y1 = y1(r, φ) = r senφ; 2. (x1, y1)⇒ r = r(x1, y1) = √ x21 + y 2 1 e φ = φ(x1, y1) = arctg y1 x1 , desde que x 6= 0. Portanto, os pares (x, y) e ( √ x2 + y2, arctg y x ) representam o mesmo ponto, cada um no respectivo sistema de coordenadas. Exemplo 2. Encontrar as coordenadas polares do ponto (−1,√3). Tem-se √ (−1)2 + (√3)2 = 2 6= 0, assim podemos calcular o aˆngulo entre Ox e o segmento de reta que liga 0 com o ponto. Pelo vistoacima, tgα = −√3 implica em α = 60o e A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 19 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.2 Coordenadas polares φ = 180o − α = 120o. Em consequ¨eˆncia, o ponto tem coordenadas cartesianas (−1,√3) e coordenadas polares (2, 120o). C Exerc´ıcio 2. Encontre as coordenadas cartesianas do ponto cujas coordenadas polares sa˜o (4, 135o). A = (x1, y1, z1) no espac¸o R 3 tambe´m e´ uma tripla ordenada (r, φ, θ) de nu´meros, tais que: 1. r e´ o comprimento de OA; 2. φ e´ uma orientac¸a˜o no plano Oxy a partir do semi-eixo Ox+; 3. θ (te´ta: ’q’) e´ uma orientac¸a˜o em R3 a partir da horizontal, do plano Oxy. Projeta-se A sobre o plano Oxy, o que determina B = (x1, y1, 0). x f q B A. . y z Enta˜o φ e´ o aˆngulo entre Ox e OB, θ e´ o aˆngulo entre OA e OB. Como antes, a passagem de coordenadas retangulares para polares e´ facilmente deter- minada: cosφ = x1 d(O,B) = x1√ x21 + y 2 1 , senφ = y1 d(O,B) = y1√ x21 + y 2 1 , cos θ = d(O,B) r =√ x21 + y 2 1√ x21 + y 2 1 + z 2 1 e sen θ = z1 r = z1√ x21 + y 2 1 + z 2 1 . Assim: 1. (r, φ, θ) ⇒ x1 = x1(r, φ, θ) = d(O,B) cosφ = r cosφ cos θ, y1 = y1(r, φ, θ) = d(O,B) senφ = r senφ cos θ e z1 = z1(r, φ, θ) = r sen θ. Assim, (x, y, z) = r(cosφ cos θ, senφ cos θ, sen θ). 2. (x, y, z) ⇒ r = r(x, y, z) = √ x2 + y2 + z2, φ = φ(x, y, z) = arctg y x e θ = θ(x, y, z) = arctg z√ x2 + y2 . Portanto, os ternos ordenados (x, y, z), (r cosφ cos θ, r senφ cos θ, r sen θ) e ( √ x2 + y2 + z2, arctg y x arctg z√ x2 + y2 ) representam o mesmo ponto, cada um no sem pro´prio sistema de coordenadas. A segunda coordenada polar e´ tambe´m conhecida por longitude, e a terceira coorde- nada e´ tambe´m chamada latitude. Retornaremos a`s coordenadas polares durante o estudo de esferas. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 20 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.3 Vetores Exerc´ıcio 3. Encontre as coordenadas cartesianas do ponto de coordenadas polares (6, 135o, 45o). 3.3 Vetores O segmento de reta desenhado de um ponto A para outro B e´ chamado segmento orientado (A,B), sendo que A e´ sua origem e B e´ sua extremidade. Diz-se que (C,D) e´ equipolente a (A,B), que ’e´ uma co´pia de’ (A,B), quando: (1) AB e CD sa˜o paralelos, isto e´, teˆm mesma direc¸a˜o, (2) AC e BD na˜o teˆm ponto comum, isto e´, AB e CD teˆm mesmo sentido, (3) d(A,B) = d(C,D), isto e´, AB e CD teˆm mesmo comprimento. O vetor −→ AB e´ o conjunto formado por (A,B) e todos os segmentos equipolentes a (A,B), ou seja, imaginamos −→ AB como formado por todas as co´pias de (A,B). vetor AB A B . . X Y . D C . . . A ide´ia de vetor surgiu da necessidade de se considerar (A,B) onde for necessa´rio, se na˜o esta´ no local ideal para um determinado estudo, troque-o por um segmento equipo- lente no local ideal. Muitas vezes na˜o e´ de interesse destacar qualquer segmento orientado para indicar um vetor, usamos enta˜o letras minu´sculas com uma seta superior tal como −→a ,−→b ,−→v , etc. v E´ muito comum ver em textos cient´ıficos a ilustrac¸a˜o que deve ser interpretada com cuidado: o s´ımbolo −→v ao lado do segmento orientado (flecha) esta´ somente nos lembrando que esse segmento orientado e´ um dos infinitos segmentos orientados que formam o vetor. Na˜o e´ o vetor propriamente dito ! Bem ao contra´rio do que muitos acham, na˜o podemos desenhar vetor simplesmente porque vetor na˜o e´ um segmento de reta.−→u e −→v sa˜o paralelos quando os segmentos orientados de um sa˜o paralelos aos seg- mentos orientados do outro, nesse caso se escreve −→u ‖ −→v . E os vetores sa˜o ortogonais quando os segmentos orientados de um sa˜o ortogonais (formam 90◦) aos segmentos orien- tados do outro, nesse caso se escreve −→u ⊥ −→v . A norma de −→ AB e´ o comprimento do segmento geome´trico AB e e´ denotado por |−→AB|. Assim, |−→v | = 3 significa que −→v e´ formado por uma infinidade de segmentos orientados todos medindo 3. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 21 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.4 Operac¸o˜es com vetores 3.4 Operac¸o˜es com vetores Ja´ vimos no in´ıcio desse cap´ıtulo 3 como se pode associar treˆs coordenadas cartesianas a um ponto em R3. Qualquer vetor pode tambe´m ser associado biunivocamente a treˆs nu´meros reais. Geometricamente, isso e´ feito assim: estando fixados os eixos Ox e Oy horizontais e o eixo Oz vertical, tomamos um segmento orientado contido em −→v , de origem A = (x1, y1, z1) e extremidade B = (x2, y2, z2), e enta˜o −→v = (x2 − x1, y2 − y1, z2 − z1). E se for considerado outro segmento orientado em −→v , com origem C = (x3, y3, z3) e extremidade D = (x4, y4, z4), enta˜o −→v = (x4 − x3, y4 − y3, z4 − z3) = (x2 − x1, y2 − y1, z2 − z1). Exemplo 3. Os segmentos orientados (A,B) e (C,D), comA = (1, 2, 3), B = (5, 3, 1), C = (−2, 1, 4) e D = (2, 2, 2), pertencem ao vetor −→v = (5 − 1, 3 − 2, 1 − 3) = (4, 1,−2), obtido com as coordenadas de A e de B. Se usarmos as de C e D, tem-se −→v = (2− (−2), 2− 1, 2− 4) = (4, 1,−2). C Soma de vetores A soma de−→a = (x1, y1, z1) e−→b = (x2, y2, z2) e´ o vetor−→a +−→b = (x1+x2, y1+y2, z1+z2), e valem as seguintes propriedades: 1. (−→a +−→b ) +−→c = −→a + (−→b +−→c ); 2. −→a +−→b = −→b +−→a ; 3. −→a + (−−→a ) = −→0 , de modo que −−→a = (−x1,−y1,−z1). Exemplo 4. Suponha −→a = (3, 2,−1),−→b = (−2, 2, 1) e −→c = (6, 0, 2). −→a + −→b = (3, 2,−1) + (−2, 2, 1) = (1, 4, 0) e (−→a + −→b ) + −→c = [(3, 2,−1) + (−2, 2, 1)] + (6, 0, 2) = (1, 4, 0)+(6, 0, 2) = (7, 4, 2) e −→a +(−→b +−→c ) = (3, 2,−1)+[(−2, 2, 1)+(6, 0, 2)] = (3, 2,−1) + (4, 2, 3) = (7, 4, 2). −−→a = −(3, 2,−1) = (−3,−2, 1). C Diferenc¸a de vetores A diferenc¸a entre −→a = (x1, y1, z1) e −→b = (x2, y2, z2) e´ o vetor −→a −−→b = −→a + (−−→b ) = (x1 − x2, y1 − y2, z1 − z2). Exemplo 5. Sejam −→a = (1, 1, 1) e −→b = (7, 5, 3). −→a −−→b = (1, 1, 1)−(7, 5, 3) = (−6,−4,−2). E −→b +−→c = −→0 implica que (7, 5, 3)+(x, y, z) = (0, 0, 0) e (7 + x, 5 + y, 3 + z) = (0, 0, 0), logo x = −7, y = −5, z = −3. De fato, −→c = (−7,−5,−3) = −−→b . C A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 22 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.4 Operac¸o˜es com vetores Norma de vetor Visto que os eixos coordenados Ox,Oy,Oz sa˜o perpendiculares entre si, a norma de−→a = (x, y, z) e´ o nu´mero |−→a | = √ x2 + y2 + z2. E se −→a = −→AB, com A = (x1, y1, z1), B = (x2, y2, z2) 6= O, enta˜o |−→a | = |−−→OB − −→OA| = |(x2, y2, z2)− (x1, y1, z1)| = √ (x2 − x1)2 + (y2 − y1)2 + (z2 − z1)2. Quando dois vetores sa˜o ortogonais, vale |−→a +−→b |2 = |−→a |2 + |−→b |2. Exemplo 6. −→a = (4, 3, 1) tem norma √42 + 32 + 12 = √26. C Produto de nu´mero real por vetor O produto de x ∈ R por −→a = (x1, y1, z1) e´ o vetor x−→a = (xx1, xy1, xz1), e valem as seguintes propriedades: 1. |x−→a | = |x||−→a |, isto e´, todos os segmentos orientados que pertencem a x−→a sa˜o paralelos aos segmentos orientados de −→a , mas medindo o comprimento de qualquer um desses multiplicado por |x|; 2. x−→a e −→a sa˜o de mesma direc¸a˜o e mesmo sentido se x > 0; e sa˜o de mesma direc¸a˜o e sentido contra´rio se x < 0. Assim, a multiplicac¸a˜o de um vetor por um escalar negativo implica que todos os segmentos orientados do vetor teˆm o sentido inicial invertido (rotac¸a˜o de 180o). 4. x(y−→a ) = (x.y)−→a ; 5. x−→a + y−→a = (x+ y)−→a ; 6. x−→a + x−→b = x(−→a +−→b ); 7. 0−→a = x−→0 = −→0 . Exemplo 7. Considere −→a = (10,−1, 1) e −→b = (3, 2, 5). Temos |−→a | = √102, 3−→a = 3(10,−1, 1) = (30,−3, 3),−2−→b = −2(3, 2, 5) = (−6,−4,−10), 3−→a +2−→a = 3(10,−1, 1)+ 2(10,−1, 1) = (50,−5, 5) = 5−→a . E 4−→a + 4−→b = 4(10,−1, 1) + 4(3, 2, 5) = (52, 4, 24) = 4(13, 1,6) = 4(−→a +−→b ). C Soma de ponto com vetor A soma de A = (x1, y1, z1) e −→v = (x2, y2, z2) e´ o ponto B = A + −→v = (x1 + x2, y1 + y2, z1 + z2) que se identifica com a extremidade de (A,B) pertencente a −→v , e valem as seguintes propriedades: 1. (A+−→u ) +−→v = A+ (−→u +−→v ); 2. A+−→u = A+−→v ⇒ −→u = −→v ; 3. A+−→v = B +−→v ⇒ A = B; 4. (A−−→v ) +−→v = A. Exemplo 8. Sejam A = (3,−1,−1),−→u = (2, 1, 2) e −→v = (3, 9, 2). Enta˜o A + −→u = (3,−1,−1) + (2, 1, 2) = (5, 0, 1) e (A+ −→u ) +−→v = (5, 0, 1) + (3, 9, 2) = (8, 9, 3). C A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 23 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.4 Operac¸o˜es com vetores Produto interno O produto interno de −→a = (x1, y1, z1) por −→b = (x2, y2, z2) e´ denotado pelo s´ımbolo −→a .−→b e corresponde ao nu´mero |−→a ||−→b | cosα , em que α e´ o aˆngulo formado por −→a e −→b . Prova-se que e´ igual tambe´m a x1x2 + y1y2 + z1z2 e valem as seguintes propriedades: 1. Se −→a e −→b sa˜o na˜o nulos, enta˜o −→a ⊥ −→b ⇔ −→a .−→b = 0; 2. −→a .−→b = −→b .−→a ; 3. k−→a .−→b = k−→a .−→b = −→a .k−→b ,∀k ∈ R; 4. (−→a +−→b ).−→c = −→a .−→c +−→b .−→c e −→a .(−→b +−→c ) = −→a .−→b +−→a .−→c . Exemplo 9. Se |−→a | = 4, |−→b | = 3 e cosα = 0, 5, enta˜o −→a .−→b = 4.3.0, 5 = 6. C Exemplo 10. Considere −→a = (5, 4, 1) e −→b = (−1, 1, 2). O produto interno e´ −→a .−→b = 5(−1)+4.1+1.2 = 1 e tambe´m |−→a ||−→b | cosα = √42√6 cosα, logo cosα = 1√ 42 √ 6 implica em α = 86, 3883◦. E −→a .5−→b = (5, 4, 1).(−5, 5, 10) = −25 + 20 + 10 = 5 = 5 −→a .−→b . Sendo −→c = (2, 3,−2), tem-se (−→a +−→b ).−→c = [(5, 4, 1)+(−1, 1, 2)].(2, 3,−2) = (4, 5, 3).(2, 3,−2) = 4.2 + 5.3 + 3.(−2) = 17. E −→a .−→c + −→b .−→c = (5, 4, 1).(2, 3,−2) + (−1, 1, 2).(2, 3,−2) = 20− 3 = 17. C Produto vetorial O produto vetorial de −→a = (x1, y1, z1) por −→b = (x2, y2, z2) e´ denotado pelo s´ımbolo−→a ∧ −→b e corresponde ao vetor (y1z2 − z1y2,−(x1z2 − z1x2), x1y2 − y1x2) . Valem as seguintes propriedades: 1. |−→a ∧ −→b | = |−→a ||−→b | senα, em que α e´ o aˆngulo formado por −→a e −→b ; 2. −→a ∧ −→b ⊥ −→a e −→a ∧ −→b ⊥ −→b ; 3. −→a ,−→b e −→a ∧ −→b verificam a regra˜o da ma˜o direita. ea bÁrea|???| c=xa+yb+za vb va b va b A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 24 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.4 Operac¸o˜es com vetores Valem mais algumas propriedades: 1. −→a ∧ −→b = −→0 se, e somente se, (1) ao menos um dos vetores e´ nulo ou (2) se sa˜o colineares; 2. −→a ∧ −→b = −−→b ∧ −→a ; 3. k−→a ∧ −→b = −→a ∧ k−→b = k−→a ∧ −→b ; 4. −→a ∧ (−→b +−→c ) = −→a ∧ −→b +−→a ∧ −→c e (−→a +−→b ) ∧ −→c = −→a ∧ −→c +−→b ∧ −→c . Exemplo 11. Vamos trabalhar com −→a = (3,−2, 2) e −→b = (1, 5, 5). O produto vetorial e´ −→a ∧ −→b = (−2.5 − 2.5,−(3.5 − 2.1), 3.5 − (−2).1) = (−20,−13, 17). Verificando a ortogonalidade dele com relac¸a˜o a −→a e −→b : (−→a ∧ −→b ).−→a = (−20,−13, 17).(3,−2, 2) = −60+26+34 = 0 e (−→a ∧−→b ).−→b = (−20,−13, 17).(1, 5, 5) = −20−65+85 = 0. Note que−→ b ∧ −→a = (5.2 − 5.(−2),−(1.2 − 5.3), 1(−2) − 5.3) = (20, 13,−17) = −(−20,−13, 17) = −−→b ∧−→a . Tem-se −→a ∧ 3−→b = (3,−2, 2)∧ (3, 15, 15) = (−2.15− 2.15,−(3.15− 2.3), 3.15− (−2).3) = (−60,−39, 51) = 3(−20,−13, 17) = 3 −→a ∧ −→b . Sendo −→c = (4, 4, 2), enta˜o −→a ∧ ( −→ b +−→c ) = (3,−2, 2)∧ (5, 9, 7) = (−2.7−2.9,−(3.7−2.5), 3.9− (−2).5) = (−32,−11, 37) e −→a ∧ −→b +−→a ∧ −→c = (−20,−13, 17) + (−12, 2, 20) = (−32,−11, 37). C Mais algumas situac¸o˜es Exemplo 12. −→v = (1, 4,−5) diz que os segmentos orientados que formam −→v sa˜o parale- los, de mesmo sentido e comprimento relativamente aquele segmento orientado que tem origem O = (0, 0, 0) e extremidade P = (1, 4,−5). Claro que −→OP = (1, 4,−5) = −→v . C Exemplo 13. Sendo A = (4, 2, 1) e B = (−2,−3, 5), enta˜o −→AB = (−6,−5, 4). E se C = (1,−3, 7), quais as coordenadas de D, de sorte que −−→CD = −→AB ? Escrevemos D = (x, y, z) e ocorre de −−→ CD = (x− 1, y − (−3), z − 7) = (−6,−5, 4) e assim D = (−5,−8, 11). C Exemplo 14. Sejam A = (3, 4, 2) e B = (−2, 6, 1). No caso dos vetores com origem em O = (0, 0, 0), temos −→ OA = (3, 4, 2) e −−→ OB = (−2, 6, 1). Quanto a −→AB, e´ igual ao vetor−−→ OB −−→OA = (−2, 6, 1)− (3, 4, 2) = (−5, 2,−1). C Exemplo 15. SupondoA eB do exemplo precedente, 4 −→ AB = 4(−5, 2,−1) = (−20, 8,−4), −1 3 −→ AB = −1 3 (−5, 2,−1) = (5 3 ,−2 3 , 1 3 ). C Exemplo 16. Se −→w = (1, 2, 6) e 3−→v = −→w , enta˜o −→v = 1 3 (1, 2, 6) = ( 1 3 , 2 3 , 2). C Exemplo 17. Resolva a equac¸a˜o vetorial 3−→u + 2(−→v +−→w ) = 5(−→w −−→v ) na inco´gnita −→w . O objetivo e´ bem simples, aplicar propriedades operacionais a fim de isolar −→w na equac¸a˜o. Com isso em mente, 3−→u + 2(−→v + −→w ) = 5(−→w − −→v ) ⇒ 3−→u + 2−→v + 2−→w = 5−→w − 5−→v ⇒ A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 25 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.4 Operac¸o˜es com vetores 3−→u + 2−→v + 2−→w + (−2−→w ) = 5−→w − 5−→v + (−2−→w )⇒ 3−→u + 2−→v +−→0 = 5−→w − 2−→w − 5−→v ⇒ 3−→u + 2−→v = 3−→w − 5−→v ⇒ 3−→u + 2−→v + 5−→v = 3−→w − 5−→v + 5−→v ⇒ 3−→u + 7−→v = 3−→w +−→0 ⇒ 1 3 (3−→w ) = 1 3 (3−→u + 7−→v )⇒ 1−→w = 1−→u + 7 3 −→v e −→w = −→u + 7 3 −→v . C Exemplo 18. Resolva o sistema de equac¸o˜es vetoriais nas inco´gnitas −→x e −→y . −→x − 3−→y = −10−→v −→x +−→y = 7−→u − 6−→v 1o me´todo. Isolar uma das inco´gnitas em uma das equac¸o˜es e substitui-la na outra equac¸a˜o. Vamos isolar −→x em −→x − 3−→y = −10−→v : −→x − 3−→y + 3−→y = −10−→v + 3−→y ⇒−→x + −→0 = −→x = −10−→v + 3−→y . Substitu´ındo −→x por −10−→v + 3−→y na segunda equac¸a˜o, (−10−→v + 3−→y ) +−→y = 7−→u − 6−→v ⇒ −10−→v + 4−→y = 7−→u − 6−→v ⇒ −10−→v + 4−→y + 10−→v = 7−→u − 6−→v + 10−→v ⇒ −10−→v + 10−→v + 4−→y = 7−→u + 4−→v ⇒ −→0 + 4−→y = 7−→u + 4−→v ⇒ 1 4 4−→y = 1 4 (7−→u +4−→v )⇒ 1−→y = 7 4 −→u +1−→v e enta˜o −→y = 7 4 −→u +−→v . Por fim substitua −→y por 7 4 −→u +−→v em −→x = −10−→v + 3−→y , ou seja, −→x = −10−→v + 3(7 4 −→u + −→v ) = −10−→v + 21 4 −→u + 3−→v = 21 4 −→u −10−→v +3−→v = 21 4 −→u −7−→v . Portanto, a resposta e´ −→x = 21 4 −→u −7−→v e −→y = 7 4 −→u +−→v . 2o me´todo. Multiplique os membros de uma das equac¸o˜es por um dado nu´mero e depois some ambas equac¸o˜es, membro a membro. Por exemplo, multiplicando a primeira equac¸a˜o por −1, teremos { −−→x + 3−→y = 10−→v −→x +−→y = 7−→u − 6−→v ⇒ − −→x +−→x + 3−→y +−→y = 10−→v + 7−→u − 6−→v ⇒ −→ 0 + 4−→y = 7−→u + 10−→v − 6−→v ⇒ 4−→y = 7−→u + 4−→v ⇒ 1 4 4−→y = 1 4 (7−→u + 4−→v ) ⇒ 1−→y = 7 4 −→u + 1−→v ⇒ −→y = 7 4 −→u + −→v . Agora, substitua −→y por 7 4 −→u + −→v em qualquer uma das duas equac¸o˜es originais e resolva com antes. Outra opc¸a˜o e´ multiplicar a 2a equac¸a˜o por 3, somar as equac¸o˜es e proceder como acima. C Exemplo 19. Se A = (−3,−2,−1) e B = (4,−7, 5), tem-se |−→AB| = [(4− (−3))2 +(−7− (−2))2 + (5− (−1))2] 12 = √110. C Exemplo 20. Sejam −→u = (4, 4,−20) e −→v = (−1, 1, 5), tais que −→u = a−→v . Enta˜o a = ±| −→u | |−→v | = √ 432√ 27 = ±4. Teste mostra que a = −4. C Exemplo 21. Dados −→a = (2,−7, 3),−→b = (−5, 1, 1), tem-se −→a .−→b = 2.(−5) + (−7).1 + 3.1 = −14. Essa informac¸a˜o por si so´ e´ pouco valiosa, mas e´ essencial no estudo do aˆngulo formado pelos vetores. De fato, −→a .−→b = |−→a ||−→b | cosα = x1x2 + y1y2 + z1z2 implica em α = arccos x1x2 + y1y2 + z1z2√ x21 + y 2 1 + z 2 1 √ x22 + y 2 2 + z 2 2 . A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 26 Geometria Esfe´rica 3 G.E. parte 1 Um pouco de Geometria anal´ıtica 3.4 Operac¸o˜es com vetores Os vetores (2,−7, 3), (−5, 1, 1) formam aˆngulo igual a arccos− 14√ 62 √ 27 = 110, 01o. C Exemplo 22. Determine o aˆngulo que −→a = (3,−6, 2) forma com os eixos coordenados. Vamos denotar por φ1 o aˆngulo entre −→a e −→e1 = (1, 0, 0) (esta´ em Ox),por φ2 o aˆngulo entre −→a e −→e2 = (0, 1, 0) (esse em Oy) e por φ3 o aˆngulo entre −→a e −→e3 = (0, 0, 1) (contido em Oz). Assim, −→a .−→e1 = 7 cosφ1 = 3 implica cosφ1 = 3 7 , φ1 = 64, 6231 o. Analogamente, −→a .−→e2 = 7 cosφ2 = −6 implica cosφ2 = −6 7 e φ2 = 148, 9973 o, e −→a .−→e3 = 7 cosφ3 = 2 implica cosφ3 = 2 7 e φ3 = 73, 3985 o. C Exerc´ıcio 4. Os vetores −→a = (2,−2, 1) e −→b = (1, 2, 2) sa˜o ortogonais. Exemplo 23. O produto −→a ∧ −→b se for −→a = (2, 3,−1) e −→b = (1, 2, 1) e´ −→a ∧ −→b = (3.1− (−1).2,−(2.1− (−1).1), 2.2− 3.1) = (5,−3, 1). C A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 27 Geometria Esfe´rica 4 G.E. parte 2 C´ırculos 4 G.E. parte 2 C´ırculos Considerando um ponto S em um plano Π (pode-se pensar Π como sendo R2), o c´ırculo de centro S e raio r e´ o conjunto dos pontos de Π cuja distaˆncia de S e´ igual a r, em s´ımbolo S1(S; r) = {X ∈ Π; d(X,S) = r} = {X ∈ Π; |−→XS| = r}. Com a distaˆncia euclidiana, c´ırculos teˆm a forma esperada, aquela que se obte´m via compasso. Se S = (x0, y0), enta˜o um ponto X = (x, y) ∈ S1 verifica (x− x0)2 + (y − y0)2 = r2 , que e´ equac¸a˜o geral do c´ırculo de centro (x0, y0) e raio r. Exemplo 24. A equac¸a˜o do c´ırculo de centro (−2, 3) e que passa pelo ponto (4, 5). A distaˆncia entre esses pontos e´ r = √ (4− (−2))2 + (5− 3)2 = √36 + 4 = √40, logo a equac¸a˜o do c´ırculo e´ (x+ 2)2 + (y − 3)2 = 40. C (-2,3) (4,5) . . Ox Oy Esse artigo e´ fornecido em cara´ter pessoal ao aluno inscrito em Matema´tica Especial I, IME03-1366, UERJ. O autor na˜o autoriza a transfereˆncia a terceiros e a divulgac¸a˜o na Internet de parte ou da integra desse documento O conceito de vetor tangente a um c´ırculo e a` uma esfera e´ muito u´til em certas situac¸o˜es e esta´ associado ao conceito anterior de reta tangente a` uma curva, isto e´, ao fato (local) de uma reta tocar uma dada curva em um u´nico ponto. Vamos ver. f?a gráficodef a a = f’atg (?) a x (?) f?x(?) dx dy yD } } } 0,b(??) . . A derivada de uma func¸a˜o f : X ⊆ R → R avaliada em um ponto a ∈ X nada mais e´ do que o coeficiente angular da reta tangente a G(f) em (a, f(a)), isto e´, a reta que tangencia G(f) em (a, f(a)) tem equac¸a˜o y = f ′(a)x+ b, em que b e´ o coeficiente linear da reta, ou seja, o ponto intersec¸a˜o entre a reta e Oy tem coordenadas (0, b). Define-se a diferencial de x em a como dx = x− a. A passagem de x para a faz com que (x, f(x)) ∈ G(f) passe para (a, f(a)) ∈ G(f). Assim, a reta tangente sobre ou desce dy = f ′(a)dx = f ′(a)(x − a), em que dy e´ a diferencial A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 28 Geometria Esfe´rica 4 G.E. parte 2 C´ırculos de y em a. Ja´ o gra´fico de f sobre ou desce ∆y = f(x)− f(a), em que ∆y e´ o incremento de y em a. Claro que ∆y 6= dy, mas se dx ≈ 0, enta˜o ∆y ≈ dy. Exemplo 25. Func¸a˜o f : R→ R definida por f(x) = x3 + 3x2 − x− 7. A reta que passa pelo ponto (2, f(2)) = (2, 11) tem coeficiente angular f ′(2) = (3x2 + 6x − 1)|x=2 = 23 = tgα, logo esta´ inclinada de α = arctg 23 = 87, 51o. A equac¸a˜o ponto-coeficiente angular de uma reta e´ y − y0 = m(x− x0), em que (x0, y0) e´ um ponto conhecido dela e m e´ seu coeficiente angular. Assim, y− 11 = 23(x − 2) leva a y = 23x − 35, que e´ a equac¸a˜o geral da reta tangente ao gra´fico de f no ponto (2, 11). C Exemplo 26. Determinar o coeficiente angular das retas tangentes ao c´ırculo de equac¸a˜o (x+ 2)2 + (y − 3)2 = 40 nos pontos (4, 5), (−2 +√40, 3) e (−2, 3−√40). Na˜o existe uma u´nica func¸a˜o f : R→ R cujo gra´fico seja esse c´ırculo (ou qualquer outro), mas se pode definir duas func¸o˜es: • f1 : (−2− √ 40,−2 +√40) ⊂ R→ R; x 7→ f1(x) = 3 + √ 40− (x+ 2)2 • f2 : (−2− √ 40,−2 +√40) ⊂ R→ R . x 7→ f2(x) = 3− √ 40− (x+ 2)2 Essas coincidem (f1 = f2) nos extremos (−2 − √ 40, 3) e (−2 + √40, 3) do diaˆmetro horizontal. O semi-c´ırculo superior e´ igual a G(f1), o semi-c´ırculo inferior e´ G(f2). A func¸a˜o f1 tem derivada f ′ 1(x) = − x+ 2√ 40− (x+ 2)2 , enquanto que f2 tem derivada f ′ 2(x) = x+ 2√ 40− (x+ 2)2 , ambas na˜o definidas nos pontos (−2 − √ 40, 3) e (−2 + √40, 3), isto e´, nesses pontos encontramos f ′1, f ′ 2 = +∞. Ponto (4, 5): o coeficiente angular e´ f ′1(4) = −3 (inclinac¸a˜o de −71, 5651o) e a reta t tem equac¸a˜o y = −3x+ 17. Vamos testar a tangeˆncia por dois me´todos, (1) usando t e a reta r que passa por (−2, 3) e (4, 5), (2) usando um vetor −→t em t, com ponto inicial em (4, 5), e o chamado vetor raio −→r , de (−2, 3) ate´ (4, 5). A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 29 Geometria Esfe´rica 4 G.E. parte 2 C´ırculos r t x y (-2,3) . (4,5) . (1) A Geometria anal´ıtica nos ensina que uma condic¸a˜o necessa´ria e suficiente para que uma reta r de coeficiente angular mr seja perpendicular a` outra t, coeficiente mt, e´ que mr.mt = −1. E´ evidente que mr = 1 3 e que 1 3 (−3) = −1. (2) A Geometria euclidiana tambe´m ensina que outra condic¸a˜o necessa´ria e suficiente para t tangente e´ que essa seja perpendicular ao raio que conte´m o ponto de tangeˆncia. Precisa-se enta˜o de um A ∈ t, digamos A = (2, 11). Seja −→t = (2, 11) − (4, 5) = (−2, 6). Claro que −→r = (4, 5)− (−2, 3) = (6, 2) e −→r .−→t = 0. Ponto (−2+√40, 3): lim x→−2+ √ 40 f ′1(x) = +∞ indica que a inclinac¸a˜o de t e´ igual a 90o. De outro modo, e´ bem evidente que −→r e´ horizontal, logo −→t e´ vertical. Ponto (−2, 3−√40): f ′2(−2) = 0 e t e´ horizontal. C Exerc´ıcio 5. Considere, pois de fato e´ isso mesmo, que cada ponto de S1(S; 3), S = (3,−4), e´ a extremidade de um segmento orientado com origem em O. Qual e´ o ponto sobre S1 mais pro´ximo de O, qual e´ o ponto mais afastado, respostas em coordenadas cartesianas. Exemplo 27. Considere P = (2, 4,−1) e S1(S; 3) horizontal, S = (6,−1, 1). Mostre que por P na˜o ha´ reta algum que cruza com S1 em dois pontos. Descreva {a−−→PX, com X ∈ S1}. Qualquer ponto X sobre S1 verifica (x − 6)2 + (y + 1)2 = 9 e tem cota 1. Como P tem cota −1, as retas por P na˜o podem interceptam S1 de modo secante. Por outro lado, a −−→ PX = a(x − 2, y − 4, 2), com a percorrendo R, descreve a reta que passa por P e X, e como nos ensina a Geometria anal´ıtica, a reunia˜o de infinitas retas por um ponto dado e por uma curva dada e´ uma superf´ıcie coˆnica. C A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 30 Geometria Esfe´rica 4 G.E. parte 2 C´ırculos 4.1 Comprimento de arcos de c´ırculo 4.1 Comprimento de arcos de c´ırculo Considerando-se um ponto S em um plano Π, o c´ırculo de centro S e raio r e´ o conjunto S1(S; r) dos pontos de Π cuja distaˆncia de S e´ igual a r. Toda reta em Π que passa pelo centro do c´ırculo, o intercepta em dois pontos A e B, assim AB e´ um diaˆmetro, AS e BS sa˜o dois raios. P S . A . B . t A reta t em Π que intercepta o c´ırculo apenas em A e´ a reta tangente ao c´ırculo em A e tem-se t ⊥A AS. Tambe´m se pode dizer que o c´ırculo e´ tangente a` reta em A. Pontos A e B formam raios AS e BS que determinam dois aˆngulos no c´ırculo, o aˆngulo menor ÂSB e´ o aˆngulo central do arco _ AB. A B Arcomenor Arcomaior Ângulocentral S A medida de _ AB e´ igual a` medida de ÂSB, mas tambe´m e´ igual a` distaˆncia entre A e B ao longo do menor arco desde A ate´ B. A medida de _ AB e´ diretamente proporcional a` medida do aˆngulo central α que o define, assim como a circunfereˆncia e´ igual a 2pir. Logo, _ AB mede α graus e tambe´m mede 2pirα 360o = pirα 180o . Isto quer dizer que para arcos de c´ırculos existem duas maneiras diferentes de medic¸a˜o, uma angular (α graus), outra linear ( pirα 180o ). Embora α e pirα 180o sejam nu´meros de natureza diferente, diz-se que α corresponde a pirα 180o . Cuidado, corresponde 6= igual.A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 31 Geometria Esfe´rica 4 G.E. parte 2 C´ırculos 4.2 Parametrizac¸a˜o de c´ırculos Por exemplo, se r = 3 cm e ÂSB = 50o, enta˜o _ AB mede 50o e tambe´m mede 5pi 6 cm. E´ comum dizer ’o arco _ AB tem medida α’, ’o arco _ AB mede α’, ’α e´ a medida de _ AB’. Denota-se a medida de _ AB por m( _ AB) e tambe´m por med( _ AB). Em teoria, escreve-se med( _ AB) = 80o; mas na pra´tica, e por abuso de linguagem, pode-se escrever _ AB= 80o. Observe que, de acordo com a figura abaixo, _ AB e _ CD medem 115o, assim podemos escrever _ AB= 115o e _ CD= 115o. Mas na˜o podemos escrever _ AB= _ CD, pois os dois arcos sa˜o conjuntos diferentes. A B C D 115º 115º 4.2 Parametrizac¸a˜o de c´ırculos Vamos estudar a parametrizac¸a˜o de c´ırculos, pois esta serve como preparac¸a˜o e mo- tivac¸a˜o da parametrizac¸a˜o de esferas. Embora na˜o haja uma u´nica func¸a˜o que defina um c´ırculo, existe uma curva que o faz, isto e´, uma aplicac¸a˜o cont´ınua ’15’ f : [a, b] ⊂ R→ R2 definida em um intervalo real e cujo conjunto imagem na˜o e´ subconjunto de R. De fato, se x0 = y0 = 0, enta˜o f : [0, 360 o] → R2 dada por f(t) = (r cos t, r sen t) tem o c´ırculo S1(O; r) de equac¸a˜o x2 + y2 = r2 como imagem. No caso geral, x0, y0 6= 0, a curva f : [0, 360o]→ R2 dada por f(t) = (x0, y0) + r(cos t, sen t) = (x0 + r cos t, y0 + r sen t) tem o c´ırculo S1((x0, y0); r) de equac¸a˜o (x− x0)2 + (y − y0)2 = r2 como imagem. 15 Uma aplicac¸a˜o f : X→ Y e´ cont´ınua no ponto a ∈ X quando lim x→a f(x) = f(a), ou seja, se um ponto x ∈ X se aproxima de a, enta˜o a imagem f(x) se aproxima de f(a). Diz-se que f e´ cont´ınua quando f e´ cont´ınua em cada um dos pontos de seu domı´nio A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 32 Geometria Esfe´rica 4 G.E. parte 2 C´ırculos 4.2 Parametrizac¸a˜o de c´ırculos 0 2pt t Ox Oy 0 0 f?t=x?,y?+?cost,sent(?) (?????????)(???) 0 0 (???)x?,y . . . r Observe que: 1. |f(t)−(x0, y0)| = |(r cos t, r sen t)| = √ r2 cos2 t+ r2 sen2 t = r e assim f(t)−(x0, y0) e´ um vetor raio. 2. Derivando-se f com respeito a` varia´vel tempo t, tem-se o vetor τ(t) = (−r sen t, r cos t) (τ : tau, ’t’). 3. (f(t) − (x0, y0)).τ(t) = (r cos t, r sen t).τ(t) = −r2 cos t sen t + r2 sen t cos t = 0 implica que (r cos t, r sen t) e τ(t) sa˜o ortogonais. Como existe um vetor igual a τ(t) com ponto inicial f(t), pensamos τ(t) como sendo o vetor ortogonal ao raio em f(t) e o chamamos o vetor tangente ao c´ırculo em f(t). 0 2pt t Ox Oy cost,sent(?????????) 0 0 (???)x?,y . . r t(?)t t(?)t“???“ Exemplo 28. Seja S1((−2, 3);√40) de equac¸a˜o (x+ 2)2 + (y − 3)2 = 40. A curva que o determina e´ dada por f(t) = (−2, 3)+√40(cos t, sen t) = (−2+√40 cos t, 3+√ 40 sen t), cuja derivada e´ τ(t) = √ 40(− sen t, cos t). Vamos considerar t = 0, pi 3 , pi 2 , pi, isto e´, os pontos (−2+√40, 3), (√10,√30), (−2, 3+√40) e (−2−√40, 3) sobre o c´ırculo. Para esses valores de t obte´m-se τ(0) = (0, √ 40), τ( pi 3 ) = (−√30,√10), τ(pi 2 ) = (−√40, 0) e τ(pi) = (0,−√40), todos vetores tangentes de norma √40. C A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 33 Geometria Esfe´rica 4 G.E. parte 2 C´ırculos 4.2 Parametrizac¸a˜o de c´ırculos (-2,3) 2 _p . . (?) p(?) _p(?) 3 pf (?) . f 2 _p(?) . f (?)0 (?)0. f _p(?) 3 t t t t Exemplo 29. Qual e´ a expressa˜o da equac¸a˜o do c´ırculo de centro (3, 2,−1), raio 2, contida no plano de equac¸a˜o geral 2x+ y + 3z − 5 = 0 ? Um pontoX = (x, y, z) sobre o plano e sobre o c´ırculo deve verificar a condic¸a˜o d2(C,X) = (x− 3)2 +(y− 2)2 +(z+1)2 = 4. Como suas coordenadas satisfazem 2x+ y+3z− 5 = 0, temos (x− 3)2 + (y − 2)2 + (8− 2x− y 3 )2 = 4 e enta˜o a equac¸a˜o do c´ırculo em ana´lise e´ 7x2 + 4y2 − 4xy − 50x− 28y + 67 = 0. C Exerc´ıcio 6. Determine a curva que parametriza o c´ırculo de centro (2, 5), raio 3. Qual e´ o valor do paraˆmetro t para que o vetor tangente associado forme 30o com a vertical ? A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 34 Geometria Esfe´rica 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica O que e´ reta ? Estamos acostumados com a ide´ia conforta´vel de reta da Geometria plana, sendo automa´tica a vinculac¸a˜o da palavra reta com a figura (ilustrada via re´gua) de uma linha formada de pontos alinhados entre si e com extensa˜o infinita. Pore´m, na˜o e´ o fato da linha ter pontos alinhados que faz dela uma reta, ha´ oculta uma caracter´ıstica mais importante ! Em uma plano e dados pontos A e B, a reta (da Geometria euclidiana) liga A com B e determina um pedac¸o de linha (segmento de reta) de extensa˜o d. Qualquer outra linha que ligue A com B vai estabelecer um pedac¸o de linha medindo > d. E´ isso que caracteriza uma reta, o fato de ligar dois pontos dados em uma determinada superf´ıcie (plano, esfera, etc.) e estabelecer o segmento mais curto com extremos definidos !Esse artigo e´ fornecido em cara´ter pessoal ao aluno inscrito em Matema´tica Especial I, IME03-1366, UERJ. O autor na˜o autoriza a transfereˆncia a terceiros e a divulgac¸a˜o na Internet de parte ou da integra desse documento Se os pontos forem posicionados sobre algo diferente de um plano, enta˜o o objeto matema´tico que liga aqueles pontos e´ a reta, mas sua forma na˜o e´ mais como a da reta da Geometria plana: reta e´ um conjunto de pontos que depende intrinsecamente do ambiente, mude-o e a forma da reta muda. nãoéumar etadasuperfície éumar etadoespaço éumar etadasuperfície nãoér etadoespaço A . B . Na Geometria esfe´rica/Geometria de Riemann, o postulado das paralelas e´ substitu´ıdo pelo postulado riemanniano, que admite os seguintes enunciados equivalentes: • Quaisquer duas retas teˆm um ponto em comum; • Por um ponto exterior a uma dada reta na˜o e´ poss´ıvel uma reta paralela; • Todas as retas que passam por um ponto exterior a` uma dada reta acabam por intercepta´-la. Imagine a seguinte situac¸a˜o: uma reta ←→ AB que e´ perpendicular a` outra reta r em A, bem como uma reta s perpendicular a ←→ AB em B. Seja X o ponto onde s corta r, existe tal ponto pois ja´ esta´ valendo o postulado riemanniano. De acordo com o 1o postulado de Euclides ’16’ (por dois pontos passa uma reta e uma so´), X deve ser u´nico, mesmo quando 16 Somente o 5o postulado de Euclides e´ negado na Geometria esfe´rica A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 35 Geometria Esfe´rica 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica se move sobre r. A reta r se acha assim fechada e, consequ¨entemente, finita. O mesmo vale para s. Portanto, em Geometria esfe´rica, as retas sa˜o fechadas, mas na˜o podemos dizer que elas sa˜o limitadas, porque na˜o existem pontos onde elas comec¸am ou terminam. Ao se trocar o 5o postulado, ocorre enta˜o que na˜o valem os resultados da Geometria euclidiana que dependem do postulado das paralelas, em particular, na˜o valem o bem conhecido Teorema de Pita´goras, o Teorema do aˆngulo externo e o Teorema segundo o qual a soma das medidas dos aˆngulos internos de qualquer triaˆngulo e´ igual a pi ' 180o. Cuidado, e´ um absurdo dizer ’a menor distaˆncia entre dois pontos e´ uma reta’. Esta´ er- rado, pois distaˆncia e´ um nu´mero, enquanto que reta e´ um conjunto. Nu´meros e conjuntos sa˜o objetos inconfund´ıveis. Fixado um ponto S no espac¸o, a esfera de centro S e raio r e´ o conjunto S2(S; r) dos pontos no espac¸o cuja distaˆncia a S e´ igual a r. Visualmente, se assemelha a uma ’bolha de saba˜o’. Mais adiante trataremos dessas superf´ıcies em termos de coordenadas. Dois pontos A e B na esfera sa˜o ditos ant´ıpodas quando sa˜o diametralmente opostos, isto e´, A,B e S esta˜o alinhados. Considerando-se uma linha cont´ınua (ininterrupta)(em verde) sobre a esfera e com extremos A e B, inscrevemos uma poligonal retil´ınea AA1∪A1A2∪...∪AnB (em vermelho), bem como a poligonal _ AA1 ∪ _ A1A2 ∪...∪ _ AnB (em azul) formada por arcos de grandes c´ırculos (centro igual ao da esfera, raio igual ao da esfera). S . jA. A . A1. . j+1 A B . Quando o nu´mero n de pontos e´ aumentado sem limite (n→∞) na linha curva com extremos A = A0 e B = An+1, dois pontos consecutivos Aj e Aj+1 ficam mais e mais pro´ximos, cada arco _ AjAj+1 e cada segmento AjAj+1 fica mais e mais curto, tendendo a um ponto. A raza˜o entre a medida αj de _ AjAj+1 e o comprimento mj de AjAj+1 e´ sempre maior do que 1, ficando mais e mais pro´ximo de 1, o mesmo se da´ com a raza˜o α0 + α1 + ...+ αn m0 +m1 + ...+mn > 1 entre o comprimento da poligonal curva e o comprimento da poligonal retil´ınea, de sorte que essas duas quantidades teˆm mesmo limite. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 36 Geometria Esfe´rica 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica Assim, o comprimento de uma linha cont´ınua sobre a esfera e´ o limite para o qual tende o comprimento de uma poligonal formada de arcos de c´ırculos de raio ma´ximo, quando cada um desses arcos tendem a um ponto. Se desde o in´ıcio a linha com extremos A e B for um arco de c´ırculo de raio ma´ximo, concluiremos que essa e´ a mais curta dentre todas as linhas com extremos A e B. Ale´m disso, esse arco de c´ırculo esta´ contido no u´nico c´ırculo de centro S e que conte´m A e B. Esta´ provado o seguinte. Teorema 5.1. Sobre a esfera, somente um c´ırculo tem raio ma´ximo e conte´m dois pontos na˜o ant´ıpodas. E de todos os arcos de c´ırculo que podem ser trac¸ados ligando aqueles pontos, o de raio ma´ximo e´ a linha mais curta. Ta˜o importante esse resultado, que sa˜o apresentadas mais treˆs demonstrac¸o˜es. Demostrac¸a˜o. (geome´trica) Existe uma infinidade de c´ırculos que conteˆm A e B, alguns sa˜o indicados na figura. S. B. A . Um u´nico c´ırculo (em vermelho) conte´m A e B e tem centro S, ou seja, tem raio igual ao da esfera. Suponha agora um c´ırculo de centro C 6= S que passa por A e B. Faz-se uma co´pia dele no plano de ABS e contendo ainda A e B. Ficam evidentes dois arcos com extremos em A e em B, um contido no c´ırculo de centro S, o outro no c´ırculo de centro C. O ponto me´dio do primeiro arco encontra-se mais pro´ximo de AB quando comparado ao ponto me´dio do segundo arco, isto indica que o arco de c´ırculo de raio ma´ximo e´ mais curto do que o arco de c´ırculo de raio menor. � Demostrac¸a˜o. (geome´trica) Subdivide-se sucessivamente _ AB e sa˜o criados arcos menores de mesma medida. Isso e´ feito considerando um pontoA1, depoisA2, A3, depoisA4, A5, A6, A7, etc., todos sobre _ AB. Em cada etapa, os ı´ndices dos pontos sa˜o permutados, a fim de poˆ-los em ordem crescente. A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 37 Geometria Esfe´rica 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica . . .. . B . . . .A . A 1 B 1 . . 2 3 4 5 2 3 4 5 6 A A A A B B B B C S . . . . . B. A B a b 6 7 7 A A figura mostra a situac¸a˜o com 7 pontos. Na quarta divisa˜o ter-se-a˜o 15 (= 24 − 1) pontos, na quinta divisa˜o sera˜o 31 (= 25−1), etc. Em cada etapa, mede-se AA1 que serve de marcador para pontos B1, B2..., Bn, etc, sobre o arco de centro C. Desse modo, as poligonais AA1 ∪A1A2 ∪ ...∪An−1An e AB1 ∪B1B2 ∪ ...∪Bn−1Bn teˆm mesma extensa˜o, sendo que An e´ equidistante de An−1 e de B, mas Bn na˜o e´ equidistante de Bn−1 e de B. Isto ocorre precisamente porque o arco de grande c´ırculo e´ menor. � Demostrac¸a˜o. (anal´ıtica) A esfera de centro S tem raio s, o c´ırculo de centro C tem raio r ≤ s, ÂSB = α < β = ÂCB. Um primeira tentativa e´ escrever a = pisα 180o , b = pirβ 180o e b a = rβ sα , mas na˜o se consegue concluir diretamente um relac¸a˜o de ordem entre a e b. E´ preciso trabalhar um pouco mais. Fixados S = O e C no eixo−x, A acima e B sime´trico a A embaixo, tem-se que a segunda coordenada de A tanto e´ igual a s sen α 2 , quanto a r sen β 2 , de sorte que β = 2 arcsen( s r sen α 2 ) . Isso estabelece β como uma func¸a˜o de r, em que r pode variar de um mı´nimo s sen α 2 , quando o c´ırculo tem centro no ponto me´dio M de AB, a um ma´ximo s. Consequ¨entemente, ter-se-a` rβ sα ≥ 1⇔ β ≥ sα r ⇔ h(r) = 2 arcsen(s r sen α 2 )− sα r ≥ 0. Note que h(s) = 0 e uma ana´lise detida permite verificar que h(s sen α 2 ) = pi− α sen α 2 > 0. Tambe´m, um estudo detalhado indica que h′(r) = − 2s r2 √ 1− s 2 r2 sen2 α 2 sen α 2 + sα r2 < 0. Assim sendo, h e´ estritamente decrescente (x < y ⇒ h(y) < h(x)), e´ cont´ınua ’17’, tem valor ma´ximo h(s sen α 2 ) > 0 e valor mı´nimo h(s) = 0, de sorte que o h nunca assume valor negativo. � 17 lim r→t h(r) = h(t). O gra´fico de h e´ uma linha cont´ınua, sem interrupc¸o˜es A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 38 Geometria Esfe´rica 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica Exemplo 30. Sobre uma esfera de raio 5, tem-se _ AB= 30o. Analise os c´ırculos de raio r0 = 3 e r1 = 1, no sentido do que se fez na demonstrac¸a˜o precedente. Note que r0 = 3 ≥ 5 sen 15o e assim o c´ırculo tem diaˆmetro suficiente para interceptar A e B, estabelece arco de aˆngulo central β = 51, 1084o, cuja extensa˜o linear e´ b = 2, 676. Note que _ AB mede a = 2, 618. Por outro lado, r1 = 1 < 5 sen 15 o indica que o c´ırculo e´ pequeno demais para interceptar A e B. C A t´ıtulo de curiosidade, sobre o planeta Terra com s = 6378 km e utilizando um c´ırculo de raio r = 4000 km, a diferenc¸a de extensa˜o sera´ b − a = pirβ 180o − pisα 180o = pi 180o (4000 48, 7475o − 6378 30o) = 63, 7 km. Exemplo 31. Alguns ca´lculos expl´ıcitos com s = 3. • α = 30o. C´ırculos com raio 3 sen 15o = 0, 7765 ≤ r ≤ 3. h(3 sen 15o) = 2 arcsen( 3 3 sen 15o sen 15o)− 3 3 sen 15o 30o = 64, 0889o, b = 0, 7764pi > a = pi 2 . h(2) = 2 arcsen( 3 2 sen 15o)− 3 2 30o = 0, 6886o, b = 0, 5077pi > a. h(3) = 0. • α = 60o. C´ırculos com raio 1, 5 ≤ r ≤ 3. h(3 sen 30o) = 60o, b = 1, 5pi > a = pi. h(2) = 7, 1808o, b = 1, 0798pi > a = pi. • α = 90o. C´ırculos com raio 2, 1213 ≤ r ≤ 3. h(3 sen 45o) = 52, 7208o, b = 2, 1213pi > a = 1, 5pi. h(2, 5) = 8, 1039o, b = 1, 6123pi > a. • α = 120o. C´ırculos com raio 2, 5981 ≤ r ≤ 3. h(3 sen 60o) = 41, 4359o, b = 2, 5981pi > a = 2pi. h(2, 8) = 7, 6434o, b = 2, 1189pi > a. • α = 150o. C´ırculos com raio 2, 8978 ≤ r ≤ 3. h(3 sen 75o) = 24, 7086o, b = 2, 8978pi > a = 2, 5pi. h(2, 9) = 20, 341o, b = 2, 8277pi > a. C A. T. Be´hague - Prof. Doutor IME/UERJ 39 Geometria Esfe´rica 5 G.E. parte 2 A Geometria esfe´rica Pode-se resumir a informac¸a˜o principal da u´ltima demonstrac¸a˜o como segue: • Raio do menor c´ırculo que pode conter os extremos do segmento dado: s sen α 2 . • Diferenc¸a entre a extensa˜o linear do arco de c´ırculo e do segmento de reta: b− a = pi 180◦ (2r arcsen( s r sen α 2 )− sα). O queˆ se depreende de todas essas informac¸o˜es ? Imagine um c´ırculo cujo centro C se move (pontos 1, 2, 3, 4, 5) em direc¸a˜o ao centro S da esfera. Seu raio r e´ crescente no intervalo fechado [s sen α 2 , s] e enta˜o ocorre que o arco definido com extremos A e B tem extensa˜o decrescente e assume valor mı´nimo precisamente quando r = s ! 2 3 4 1 2 3 4 S 5 5 . A B. 1 . . . . . . Mais adiante, veremos o teorema 6.1 que estabelece mesmo fato, pore´m no caso par- ticular em que o c´ırculo de raio r e´ horizontal (um paralelo). A Geometria plana se baseia na existeˆncia de uma u´nica