Buscar

TCC reincidencia

Prévia do material em texto

A REINCIDÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO COMO UM RESQUÍCIO DO DIREITO PENAL DO AUTOR 
Inicialmente, cabe expor que o instituto da reincidência, conforme predispõe os artigos 61, inciso I, e artigos 63 e 64, do Código Penal, se configura em uma circunstancia agravante. O doutrinador Rogério Greco preleciona no sentido de que: 
A Reincidência é a prática de uma nova conduta criminal cometida por um autor já condenado em um processo com trânsito em julgado, prevista no artigo 63 do Código Penal. Dessa forma, são três os requisitos para o reconhecimento da reincidência: “1°) prática de crime anterior; 2°) trânsito em julgado da sentença condenatória; 3°) prática de novo crime, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” (GRECO, 2004, p. 572).
Ao invocar a reincidência como agravante de um novo crime cometido, nos deparamos com um direito penal que é do autor e não do fato, tendo em conta que o que se condena, ao invocar o instituto como agravante da pena, é a atual condição de ser do apenado, ou seja, a sua personalidade, e não o crime cometido, analisado isoladamente, individualmente, o que se traduz em clara ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e da ultima ratio, que, por sua vez, determina que o direito penal deve ser usado como última opção, buscando antes dele alternativas menos ofensoras à liberdade do individuo. 
Mas, é de fácil percepção, ao longo do tempo em que este instituto vigora na nossa legislação, a gradual harmonia que se criou entre ele e outros dispositivos do Código Penal. Neste sentido, como se não bastasse o aumento da pena que acarreta, tal instituto, o seu reconhecimento enseja várias outras restrições a direitos que o réu faria jus caso não existisse a recidiva. Ou seja, a reincidência funciona mais como uma punição pelo passado do agente do que uma pena por um fato atual, o que nos leva a crer que existe ai o bis in idem, que se configura no fato de o indivíduo ser punido mais de uma vez, por um fato em função do qual já foi imposta uma condenação no passado, sem considerar que deve-se olhar somente para o fato atualmente praticado, para o crime cometido no presente, focando-se o fato, não o autor do fato e sua condição. A proibição de se punir um mesmo fato por mais de uma vez se traduz em verdadeira proteção ao indivíduo em face do poder punitivo que o Estado detém. 
Dentre as inúmeras limitações, que surgem como consequência da reincidência, pode-se apontar as seguintes: a impossibilidade do cumprimento inicial da pena, em regime semiaberto ou aberto, salvo o caso de detenção, consonante o disposto no artigo 33, parágrafo 2º, alíneas b e c do Código Penal; a impossibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito ou multa, conforme artigos 44, inciso II e 60, parágrafo 2º do Código Penal; torna-se ainda, inviável a concessão de suspensão condicional da pena, em se tratando de crimes dolosos, consoante artigo 77, inciso I, do Código Penal; inviabilidade da suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da Lei 9.099, dentre várias outras. 
Em suma, percebe-se que a agravante, além de utilizada como algo que busca punir o autor, aquilo que ele é e representa perante a sociedade, é também utilizada como uma restrição ao exercício de benefícios dos quais a legislação penal dispõe, a fim de amenizar os efeitos da pena privativa de liberdade que são tão devastadores. O que nos leva a entender que o instituto se presta a piorar um pouco mais a situação daquele que acaba de cometer um crime, pois não bastasse a pena imposta ao delito, um “plus” deve ser acrescentado, já que, no passado, esse mesmo indivíduo cometeu um ilícito e, por isso, merece um olhar diferenciado, um olhar punitivo, ofendendo-se assim, o princípio constitucional da isonomia. 
 	Dessa maneira, deve-se ter em mente que sempre que se tratar deste instituto, mister se faz levar em conta não somente a aplicabilidade do mesmo diante das normas que o regem, mas principalmente e primordialmente, sua comunicação com as demais normas a que se encontra vinculado, sobretudo nossa Carta Magna, que é recheada de princípios garantidores que se mostram contra qualquer tipo de tratamento que, de alguma forma, julgue antecipadamente ou leve em conta qualquer outro fato, que não o cometido, para punir o agente, o que, por sua vez, em breve espaço de tempo, fará com que a recidiva seja extinta do ordenamento jurídico, pois que totalmente contraditório com o Estado Democrático de Direito. Ao menos é o que se espera. 
Porém, embora seja grande o número de doutrinadores que entendem o direito penal do autor como patente violação à nossa ordem constitucional, não são raras as vezes em que deparamo-nos com normas que nos remetem a esse conceito tão repugnante. A exemplo disso podemos citar a embriaguez, a vadiagem, que são contravenções penais, e que levam em conta a condição de ser do apenado, o estado em que se encontra, e não um fato em especifico cometido pelo acusado. É como se o Estado dissesse ao individuo, que o está punindo por aquilo que acabara de cometer e também por algo que ele fez no passado, como forma de castigo, a fim de que não o faça novamente. É como se a pena funcionasse como algo cumulativo, em se tratando de pessoas que já cometeram, em algum momento, outro crime, o que chega a soar inquisitivo. Ninguém deve ser condenado pelo seu passado, pois uma vez lançado sobre um ser humano um olhar diferenciado, levando em conta aquilo que ele fez ou foi, trazendo para o mesmo um peso de acusação, sérias consequências e prejuízos irreparáveis podem vir a se concretizar, além de clara afronta aos princípios constitucionais, que se encontram em posição de regência de todo o nosso ordenamento. 
Uma dificuldade que pode nos surgir é que, ao tratarmos da problemática, reincidência como resquício do direito penal do autor, pode não ser fácil definir o que seja, exatamente, o direito penal do autor, mas, não obstante inexista um consenso sobre tal conceituação, é perfeitamente possível afirmar que ele se configura “quando a reprovabilidade social, bem como a aplicação das sanções penais, são baseadas, não na ocorrência de um fato ilícito, mas sim no modo de ser do agente. Nesse sentido, a sanção, de acordo com o direito penal do autor, deve ser aplicada, fundamentando-se na personalidade do agente, na atitude interna jurídica corrompida do agente. Para tal teoria, “a conduta realizada seria apenas uma das características inerentes àquele ser que nasceu para delinquir”. [1: 1 MOTTA, Alessandra Costa da Silva. Uma análise sobre a aplicação do direito penal do autor nos dias atuais relacionada ao pensamento de Lombroso. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 118, nov 2013. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13862>. Acesso em nov 2014.]
Enfim, o direito penal do autor atribui uma culpabilidade ao autor não pelo que ele fez e sim pelo que é. A esse respeito, com propriedade pondera Zaffaroni e Pierangeli:
[...] um Direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. [...] Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação. (1997. p. 118-120). 
Em contrapartida, o direito penal do fato determina que ninguém é culpado de uma forma geral, mas tão somente em relação a um ato em específico. Segundo ROXIN, “um ordenamento jurídico que se baseie em princípios próprios de um Estado de Direito liberal se inclinará sempre em direção a um Direito penal do fato”. (ROXIN, 1997, p. 177).
Nessa mesma linha de raciocínio, é possível afirmar a ilegitimidade do direito penal do autor que se revela, entre outros, na adoção do instituto da reincidência. Com isso, fica nítida que a distinção entre direito penal do fato e direito penal do autor tem grande relevânciana prática, em que pese a existência de vários dispositivos legais que se encaixam em uma concepção do direito penal que busca punir o individuo retirando deste direitos e princípios fundamentais, dos quais só fazem jus aqueles considerados cidadãos, ou aqueles que estão pela primeira vez cometendo um crime, mas não aqueles que são considerados inimigos do Estado e que portanto, devem ser rechaçados da sociedade. Assim sendo, percebe-se que é impossível a convivência das duas concepções de direito num mesmo ordenamento jurídico, uma vez que são adversas, gerando, assim, um verdadeiro paradoxo. Logo, é necessário que seja eliminado da ordem jurídica vigente toda e qualquer norma ou instituto, como é o caso da reincidência, que se paute no direito penal do autor, que flagrantemente viola a nossa Constituição e seus princípios garantidores ao tratar a liberdade do cidadão que é o que de fato está em jogo, sem a devida observância das garantias penais e processuais penais. 
1.1 A Teoria do direito penal do autor 
Desta forma para melhor ilustrar o que acima foi dito, cabe esclarecer que o direito penal do autor, muito utilizado nos tempos antigos, buscava fundamentar a aplicação da pena na razão de “ser” do individuo que praticava o crime e não em razão do fato praticado.
De acordo com essa teoria o que era criminalizado era a personalidade do agente, sua forma de ser, seu estado, e não a conduta em si. O fato, por sua vez, não era desprezado, porém, servia apenas como um pressuposto para a aplicação da pena, viabilizando assim a criminalização de um estado perigoso, independente de fato criminoso, isso, em função de certas características do autor, dentre elas, a reincidência. 
Em tempos antigos, no período do positivismo, a justificativa para aplicar uma sanção à alguém era a personalidade do agente, ou seja, fatores que lhe eram inerentes, isto, vale ressaltar, sem cometer ao menos, algum delito.
Assim, acreditavam os positivistas que o autor se tratava de alguém que já nascia com a personalidade voltada à prática do crime. 
Entretanto, após uma histórica evolução, foi possível afastar a aplicação do direito penal que baseava-se na personalidade do agente e passou-se a punir os fatos por ele praticados. Não obstante, ainda hoje é possível enxergar resquícios da teoria do direito penal do autor em nosso ordenamento, e como exemplo disso, é possível citar a vadiagem, que ainda é considerada infração penal e punida pela Lei de Contravenções Penais – Decreto Lei 3688/41 em seu artigo 59, e por que não falar da reincidência que leva em conta o estado atual do agente para lhe aplicar a sua pena. Tudo isso é incompatível com nosso atual ordenamento jurídico que preza pela dignidade da pessoa humana e a individualização da pena. 
2 APLICAÇÃO DA REINCIDÊNCIA NA FIXAÇÃO DA PENA
O princípio da individualização da pena determina que o magistrado deve fixar a pena nos limites da cominação legal, de forma a atender sua finalidade precípua que é a recuperação social do transgressor. Esse princípio encontra-se positivado no artigo 5º,inciso XLVI, da Constituição Federal, que de uma forma geral determina que a sanção imposta ao acusado deve ser individualizada, personalizada e particularizada de acordo com as circunstâncias e natureza do delito e não do agente. Em outras palavras, a pena deve ser justa e proporcional, proibida a padronização.
Baseado no princípio da individualização da pena, o Supremo Tribunal Federal já proferiu julgamentos de grande repercussão e, inclusive, atualmente, na jurisprudência da Suprema Corte, não tem se admitido a aplicação de normas que furtem do juiz a viabilidade de individualizar a pena de acordo com cada caso concreto. É o que se constata dos entendimentosda Suprema Corte, a começar, pela decisão com relação a discussão suscitada em função da Lei de Crimes Hediondos, n.º 8.072/90, que trouxe na sua redação original a previsão de que os crimes hediondos ou os equiparados a estes deveriam ter sua pena cumprida integralmente no regime fechado, conforme se confere abaixo:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
 I - anistia, graça e indulto;
II - fiança e liberdade provisória.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.(grifo nosso)
§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (BRASIL. Lei 8.072/90, art. 2 º, redação original).
Com a vedação do parágrafo primeiro, antes transcrito, para que o condenado pudesse progredir de regime, há a vinculação do juiz à legislação, não permitindo que o julgador realize seu juízo de valor face ao caso concreto. Diante disto, foi impetrado no Supremo Tribunal Federal o Habeas Corpus n.º 82.959, em 01/04/2004, no qual o paciente questionava a decisão do Superior Tribunal de Justiça que lhe vedou a progressão de regime, observando a literalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, agindo de forma extremamente legalista. Assim sendo, após forte debate no Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou-se a inconstitucionalidade da cláusula que restringe a atuação do magistrado no momento de adequar a pena ao caso concreto, nos seguintes termos:
 
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § lº, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006).
Após a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo primeiro do artigo 2º da Lei 8072/90, o legislador alterou sua redação, passando a dispor: “§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”. Mas, ainda assim, o cidadão viu violado seu direito constitucional à individualização da pena e, através do Habeas Corpus n.º 111.840/ES, no qual figurou como paciente um condenado por tráfico de drogas, que pediu a concessão do habeas corpus para que pudesse iniciar o cumprimento de sua pena de seis anos em regime semiaberto, alegando a inconstitucionalidade da norma que, até então, determinava que condenados por tráfico devessem cumprir a pena em regime inicialmente fechado, sob o argumento de que ainda com a alteração do dispositivo, o juiz continuava submisso a uma cláusula fixa, o referido julgado proferiu decisão no seguinte sentido: 
HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CRIME PRATICADO  DURANTE A VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.464/07. PENA INFERIOR A 8 ANOS DE  RECLUSÃO. OBRIGATORIEDADE DE IMPOSIÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO.  DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI  Nº 8.072/90. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA  PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA (CP,  ART. 33, § 3º, C/C O ART. 59). POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO, NO CASO EM EXAME, DO  REGIME SEMIABERTO PARA O INÍCIO DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE  LIBERDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da  Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposiçãodo  regime inicialmente fechados aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os  critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar  com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a  fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo  ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir  pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas  favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o  semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado,  em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a  estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito, ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado (HC 111840, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/2012).
Assim sendo, por mais de uma vez, tivemos que ter a interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, no que concerne ao seu apelo punitivo que por um tempo buscou atender o anseio punitivo da sociedade, violando, desta forma, o princípio da individualização da pena. Em contrapartida à tal violação, esses são alguns julgados da Suprema Corte, que claramente não permitem a aplicação de normas que inviabilizem a atuação do juiz de forma a valorar cada caso concreto no momento de aplicação da pena. 
Uma vez conceituado o princípio da individualização da pena, pode-se afirmar que é da lei que nasce a pretensão punitiva do Estado, e que o mesmo é o responsável, por reprimir atos descritos no diploma legal, o que não quer dizer, porém, que a lei penal preveja apenas sanções e garantias para os que ajam em desacordo com as condutas tipificadas, mas também assegura pretensões para o Estado e para os próprios infratores da lei. Consequência direta disto é que o Estado não pode punir conduta que não esteja prevista em lei, e por outro lado o agente só pode ser punido em decorrência de atos comissivos ou omissivos determinados pela lei. Ou seja, a lei penal é a garantia de liberdade para todos e, portanto, deve ser aplicada observando sempre os princípios constitucionais, pois, do contrário, ela se torna ilegítima e consequentemente inaplicável. 
O artigo 5º inciso XLVI da Constituição Federal preconiza que: 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
A partir da leitura deste artigo podemos chegar à conclusão de que primeiramente é feita uma individualização, sobre a qual discorreu-se acima, baseada numa análise politica do legislador a respeito das condutas ali descritas valorando os bens que são objeto de proteção pelo direito penal. Trata-se de valoração política, no sentido de ser uma garantia constitucional, dos direitos do homem. Além disso, há também a valoração jurídica ao aplicar o discutido princípio,uma vez que ele fixa o conteúdo da norma incriminadora, impedindo uma definição genérica e sem prévia fixação da conduta que será punida, bem como a sanção jurídica a ser aplicada. Nessa etapa judicial, o magistrado, guiando-se pela norma positivada pelo legislador, vai fixar a pena in concreto, determinando seu tempo de duração e o regime inicial de cumprimento (aberto, semi-aberto ou fechado). É nessa fase que o juiz verifica se o condenado faz jus ou não à possibilidade de gozar de determinados benefícios. Os mais comuns são a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ou o sursis (suspensão condicional da pena). Em se tratando de um reincidente, vale lembrar que, em regra,o mesmo estará fora do rol de beneficiados, salvo nos casos de reincidência não específica e de ser socialmente recomendável. Sendo assim, percebe-se que o princípio da individualização da pena vem para consagrar a isonomia material em todas as suas etapas: legislativa, judiciária e executória, buscando resguardar os direitos humanos, que por sua vez são a essência do nosso Estado Democrático de Direito. Dessa forma, normas ou institutos e sua forma de aplicação que estiverem em desacordo com esse e outros princípios constitucionais devem ser banidos do ordenamento jurídico.
Em paralelo à colocação feita sobre a importância do principio da individualização da pena, existe, de outro lado, o fato do agravamento da pena pela aplicação da reincidência, que condena por mais de uma vez o mesmo individuo, por crime praticado anteriormente, opondo-se, dessa forma, ao referido princípio constitucional, além de impedir o acusado de gozar de diversos benefícios e o estigmatizar, acreditando que quem cometeu crime por mais de uma vez mereça sanção maior que um réu primário, objetivando assim a aplicação da pena e não a individualizando, levando em conta caso a caso. O instituto da reincidência chega a abalar a própria coisa julgada, e o que é pior, sob o argumento da aplicação do princípio da igualdade, pois nessa linha de raciocínio, torna-se legítimo que aquele que pratica mais de uma atividade criminosa tenha que sofrer uma sanção mais severa.Contudo, clara fica a ofensa ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que determina que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, ofendendo ainda aos princípios da proporcionalidade e da legalidade da pena, tendo em conta que cada crime contém em seu preceito secundário a pena que lhe é correspondente, e não a pena do crime e outra pena somada à primeira como forma de punição exarcebada, configurando-se mediante nova reprovação do delito anterior, fazendo com que sua aplicação constitua intolerável afastamento dos princípios penais e constitucionais.
Como adverte Adauto Suannes (1996, p.320-321), uma sentença que já tenha transitado em julgado não pode servir de parâmetro para reformar posterior sentença condenatória aplicável ao condenado, pois que tal reforma se dará em desfavor do condenado. Nesse sentido, a reincidência se mostra incompatível com a Carta Magna, pois permite uma alteração in malam partem. 
Cabe ressaltar que a reincidência pressupõe a existência de uma sentença penal condenatória com transito em julgado, o que torna possível admitir, que uma futura sentença condenatória possa ser agravada mesmo diante do trânsito em julgado da sentença anterior, o que seria violar o instituto da coisa julgada material, que por sua vez, faz com que o Estado perca a legitimidade que tem de punir, ao desrespeitar a certeza e a segurança que a coisa julgada material proporciona ao cidadão.
Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sede de apelação criminal, o Desembargador Relator Sylvio Baptista Neto afastou a agravante da reincidência por entender que esta viola o princípio em questão: 
EMENTA:PENA. FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. ISONOMIA AO ROUBO DE IGUAL QUALIDADE. Tendo em vista os princípios da proporcionalidade e isonomia previstos de forma imanentena Constituição Federal, e diante da necessária releitura do Código Penal face aos novos mandamentos constitucionais, a punição pela prática de furto qualificado deve ser idêntica ao do roubo com a mesma qualidade. PENA. DOSIMETRIA. REINCIDÊNCIA. DESVALOR DE AGRAVAMENTO. Afasta-se o agravamento da punição pela reincidência, pois, além do 'bis in idem', inclui-la como causa de agravação da pena, não leva em conta que o delinqüente reincidente nem sempre é mais perverso, mais culpável, mais perigoso, em confronto com o acusado primário. Depois, não pode o próprio Estado, um dos estimuladores da reincidência, na medida em que submete o condenado a um processo dessocializador, exigir que se exacerbe a punição a pretexto de que o agente desrespeitou a sentença anterior, desprezou a formal advertência expressa nessa condenação e, assim, revelou uma culpabilidade mais intensa. (Apelação Crime Nº 70001014810, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 08/06/2000).
Por todo o exposto, conclui-se que, embora a Constituição Federal não tenha explicitamente vedado o bis in idem, qual seja aquele que proíbe que o Estado puna um individuo mais de uma vez por um único fato, este princípio existe no nosso ordenamento pátrio, pois pode ser considerado um corolário do princípio da legalidade, que por sua vez exige lei prévia à punição e requer também todas as outras garantias como condições necessárias da legalidade penal, não podendo, dessa forma, existir pena sem culpa, sem lesividade, e no caso específico do instituto da reincidência, sem necessidade (FERRAJOLI, 2010).
Na nossa doutrina pouco se discute sobre a reincidência, mas na Corte Suprema da Argentina tramitou o processo 6.457/09 (Caso Taboada Ortiz), no qual o Ministro Raúl Zaffaroni se opôs ao agravamento da pena em razão da periculosidade do agente, enfatizando, para tanto, a incompatibilidade com o direito penal do fato, julgando inconstitucional o dispositivo legal que cuida do referido agravamento, por violação a princípios constitucionais. 
No referido caso, o ministro condenou o réu, Víctor Taboada Ortiz, pelo crime de porte de arma de uso civil sem a devida autorização legal, sendo que ele também já havia sido condenado, no passado, por outros crimes, o que lhe ensejava a condição de reincidente, de acordo com a previsão do artigo 189, II, parágrafo 8º do Código Penal Argentino. Entretanto, ao final de sua decisão, Zaffaroni declara a inconstitucionalidade da previsão da reincidência, e se recusa majorar a pena do agente com base na agravante, por entender que a mesma é incompatível com o direito penal do fato, além de violar o princípio da culpabilidade. 
Deste modo, quando em face de um direito penal de garantias, absolutamente nenhum dos argumentos que buscam fundamentar a recidiva conseguem camuflar seu despautério (KARAM, 1994).
3 ASPECTOS JURISPRUDENCIAIS 
 Ao contrário do que a maioria da doutrina tem sustentado, ou seja, a inconstitucionalidade do instituto da reincidência, a jurisprudência, a seu turno, mostra-se em peso a favor da manutenção da agravante na aplicação da pena.
O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados debruçaram-se em questões que giram em torno da reincidência, partindo do pressuposto de sua aplicabilidade.[2: 1 Vide HC 94816 .][3: 2 Vide: HC 200901291663.3 Vide: TRF 1ª Região - HC 200801000283916; TRF 2ª Região - ACR 200351015424181; TRF 3ª Região - ACR][4: 200361050053294; TRF 4ª Região - ACR 200671000077143 e TRF 5ª Região - ACR 200082000074315.]
Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por alguma de suas Câmaras Criminais, já se posicionou no sentido de que ora a reincidência deve ser relativizada, ora inaplicada.[5: 4 Vide Apelação Crime n. º 699911050, 5ª Câmara Criminal do TJ/RS, em julgamento prolatado em 11/08/1999 e Apelação Crime de nº 70001014810, Sexta Câmara Criminal do TJ/RS, julgado em 08/06/2000. ]
Desta forma, existem argumentos pela sua aplicabilidade, mas também pela sua inaplicabilidade. Argumentos estes travados em debates por grandes doutrinadores. 
3.1 Argumentos a favor da aplicabilidade do instituto da reincidência
Ora fundamentando-se em critérios subjetivos, ora em aspectos objetivos, o instituto da reincidência acabou sendo recepcionando pelo nosso ordenamento jurídico. Dentre os vários argumentos que foram apresentados pela aplicabilidade da agravante, podemos citar o fato de que o comportamento do individuo reincidente implicaria numa maior repercussão social, o que, por sua vez, nos forçaria a dar maior atenção a este indivíduo que persiste em rejeitar a lei. 
No tocante às justificativas dadas pelos autores a fim de legitimar a aplicação da reincidência, Heleno Cláudio Fragoso, nos ensina que:
[...] Os autores modernos costumam justificar o aumento de pena afirmando maior culpabilidade na rebeldia, frente à ordem social, na contumácia da inimizade ao direito (MAURACH). Diz MANZINI (Tratado, II, 670) que a reincidência demonstra, com o novo crime, tanto a vontade do delinqüente de violar o respectivo preceito penal, quanto a vontade persistente de delinqüir, ou seja, além da vontade de lesar ou expor a perigo aquele interesse determinado que constitui objeto jurídico do crime, também a vontade repetida de não se conformar à ordem jurídica geral penalmente sancionada. [...] (FRAGOSO, 2003, p.416)[6: 5 FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 416.]
 Ou seja, a reincidência tornar-se-ia legítima, face a falta de eficiência da pena aplicada anteriormente, uma vez que a recidiva estaria afirmando o descaso do agente pela pena que lhe fora aplicada anteriormente, provando ainda que não serviu para corrigir seu comportamento antes repreendido. 
Assim, seria possível perceber que o agente que comete novo crime, pode perfeitamente ter sua pena majorada, sob a justificativa, de que a primeira restou insatisfatória para retribuir a conduta praticada.
Também é colocado como justificativa da aplicação do instituto da reincidência a periculosidade do agente que é reincidente. Atentando-se assim à personalidade do delinquente no momento de individualizar sua pena. 
Larissa Rosier defende essa justificativa, argumentando que o fato de o agente cometer novamente um crime legítima uma punição maior:
[...] A reincidência, por sua vez, é compreendida como um instituto penal que permite diagnosticar esse estado de grave desajustamento do homem às normas fundamentais da co-existência social que manifesta-se principalmente na capacidade de uma pessoa tornar-se com probabilidade autora de delito. Desta forma, buscando justificar o cabimento de pena pela reincidência muitos autores afirmam que a recaída do crime dá sentido a uma maior punição, tendo em vista que presume-se perigoso aquele que repete a culpa já punida uma vez que demonstrou com seu deteriorado caráter, inclinação para a prática delitiva e a maior probabilidade de que venha a infringir as normas protetivas dos interesses da sociedade, como solução capaz de inibir a recidiva, pune-se uma segunda vez com mais rigor convicto que de fato este é o melhor tratamento. [...] (ROSIER, 2004, p. 39 – 40).[7: 6 ROSIER, Larissa Veloso, A reincidência e o sistema penal brasileiro: uma abordagem crítica, 2004, monografia de graduação, Unifacs, pp. 39 e 40.]
Outro argumento utilizado pelos defensores da aplicação da reincidência é a maior culpabilidade. Com este argumento defende-se que, para aquele que recai na prática de novo delito, é justo que seja tratado com maior rigor, uma vez que já teve ciência da repercussão penal face a um crime cometido 
Salo de Carvalho nos esclarece que o que predomina aqui, na justificação da reincidência, é a reprovação por parte do delinquente a se arrepender de seu ato e pelo desprezo da condenação anterior[8: 7CARVALHO, Salo de. Reincidência e antecedentescriminais. In http://www.direitocriminal.adv.br/pdfs/artigo10.pdf. Acessado em 27 de fevereiro de 2015.]
3.2 Argumentos contra a aplicabilidade da reincidência 
Mesmo diante da predominante jurisprudência pela aplicabilidade e sustentabilidade deste instituto, diversos autores pregam pela não aplicação da agravante alegando ser a mesma incompatível com nossa Constituição e inaceitável em um Estado Democrático de Direito. Dentre os referidos autores podemos citar posicionamentos de Maria Lúcia Karam e Alberto Silva Franco.
Maria Lúcia Karan, em verdadeira apelação por uma nova política da justiça criminal no tocante a aplicação da pena, apresenta variados argumentos pelo desaparecimento do instituto face ao seu autoritarismo e irracionalidade que faz com que a punição do Estado recaia sobre a personalidade do agente. Pontua que, se olharmos o verdadeiro sentido do princípio da igualdade, no momento da aplicação da pena, não é aceitável que o autor do fato seja visto de forma diversa de outro autor de fato análogo, é o que se percebe abaixo:
[...] A dignidade é um valor concreto atribuído a todo ser humano, estendendo-se a qualquer pessoa, independentemente de seu status jurídico (não delinqüente ou delinqüente, reincidente ou primário). Não pode, assim, no momento da aplicação da pena, o autor de um determinado fato ser visto de forma desigual ao autor de fato análogo, impondo-se a ele a posição de inferior, porque supostamente “perigoso”, ou dando-lhe tratamento distinto, porque apresentaria um traço diferente em sua personalidade. [...] (KARAM, 2006, p.126)[9: 8 KARAN, Maria Lúcia, “Aplicação da Pena: por uma nova atuação da justiça criminal”. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 126.]
Alberto Silva Franco é outro autor que, numa interpretação jurisprudencial, em sua obra, posiciona-se pela inconstitucionalidade da agravante alegando para tanto clara violação ao princípio do nem bis in idem, que por sua vez está ligado ao princípio constitucional da legalidade. O autor pondera, ainda, que o Estado é o maior estimulador da reincidência e que não necessariamente existe uma maior culpabilidade no agente reincidente e que isso se traduz em manifesta contradição, num Estado Democrático de Direito, uma vez que através de tal postura, adota-se um direito penal do autor.
 Franco destaca que, embora primário, um autor de diversos estupros, demonstra uma culpabilidade muito maior do que aquele reincidente em lesões corporais leves:
[...] Tem-se discutido acirradamente, em nível doutrinário, o tratamento punitivo dispensado à reincidência e que a reposta penal tradicional tem sido a de incluir a reincidência como causa de agravação de pena, sem se levar em conta que o delinqüente reincidente nem sempre, referindo-se à Muñoz Conde, “é o mais perverso, nem o mais culpável, nem o mais perigoso em confronto com o primário”.O autor de diversos estupros, embora primário, revela uma culpabilidade muito maior do que o reincidente em lesões corporais leves. Por outro lado, o próprio Estado, que pune, não deixa de ser um dos estimuladores da reincidência, na medida em que submete o condenado a um processo dissocializador. Não parece, por isso, razoável que, depois o mesmo Estado exacerbe a punição sob o pretexto de que o agente desrespeitou a sentença anterior, desprezou a formal advertência expressa nessa condenação e, assim revelou uma culpabilidade mais intensa. [...] (FRANCO, 1995, p. 781).[10: 9 FRANCO, Alberto Silva, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 781.]
 O referido autor questiona a constitucionalidade da reincidência, ao pontuar que o fato ensejador da primeira condenação não pode, futuramente, ser fundamento de agravação obrigatória da pena, em relação a um outro fato delitivo, nos seguintes termos:
[...] Por outro lado, mostra-se, hoje, bastante duvidosa, em sua constitucionalidade, a agravação obrigatória da pena, em razão do agente ser reincidente, na medida em que, o princípio do ne bis in idem , que se traduz na proibição da dupla valoração fática, tem hoje seu apoio no próprio princípio constitucional da legalidade. Não se compreende como uma pessoa possa, por mais vezes, ser punida pela mesma infração. O fato criminoso que deu origem à primeira condenação não pode, depois, servir de fundamento a uma agravação obrigatória de pena, em relação a um outro fato delitivo, a não ser que se admita, num Estado Democrático de Direito, um Direito Penal atado ao tipo de autor (ser reincidente), o que constitui uma verdadeira e manifesta contradição lógica. [...] (FRANCO, 1995, p. 781). [11: 10 FRANCO, Alberto Silva, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 781.]
 Para o autor não é admitido pelo princípio da legalidade, a imposição de uma pena superior ou diversa daquela prevista para o crime, o que de fato ocorre quando da utilização da reincidência. 
		Analisando todos esses argumentos, a favor e contra a aplicação da reincidência, chegamos à conclusão de que há uma extrema necessidade de repensarmos os fundamentos que a legitimam.
		Um dos argumentos mais utilizados pela doutrina e jurisprudência a fim de justificar a aplicação da recidiva, tem sido a maior culpabilidade, baseando-se no raciocínio de que o fato de o sujeito já ter sofrido uma sanção anterior faz com que ele tenha uma maior consciência do que a norma lhe impõe, exigindo-lhe assim, comportamento diverso, não violador da lei. Mas é nesse ponto que questiona-se a validade de tal raciocínio, uma vez que é duvidoso o fato de que a pena atinja suas finalidades quando da sua atuação na realidade prática, realidade esta que não pode ser maquiada e deixada no esquecimento, pois que a atuação estatal, de fato, criminaliza e estigmatiza o indivíduo. Seria possível, diante disto, exigir um comportamento diverso de alguém que foi dissocializado pelo próprio sistema penal que promete corrigir a forma de agir em sociedade desse indivíduo? Claramente que não. 
		Ou seja, o Estado, reconhecendo sua impotência em oferecer efetivas condições para reintegrar o sujeito, encontra um caminho mais fácil, que é afastá-lo da sociedade, segregá-lo. Pois, torná-lo cada vez mais distante da vida em sociedade, fazer dele invisível, parece uma forma mais fácil de “ressocialização”.
		Ademais, é inaceitável que os indivíduos sejam divididos em “tipos” de pessoas, por três razões básicas: a primeira seria porque não há a oferta de idênticas condições e oportunidades; a segunda, seria o fato de que o Estado não concretiza as finalidades atribuídas à pena e a terceira, seria a ofensa a própria dignidade da pessoa humana.
		Assim sendo, constata-se que o instituto da reincidência se mostra ofensor, desproporcional e sem nenhuma razoabilidade, e este diagnóstico é uma realidade que bate à porta do Estado e principalmente dos operadores do direito que devem tentar o recomeço de uma nova história no direito penal.
4 A REINCIDÊNCIA SOB UMA ÓTICA GARANTISTA 
	Em um Estado Democrático de Direito é extremamente importante que haja um limite na intervenção estatal, e paralelo a isto, existam critérios racionais no ato de punir, bem como a redução da atuação do direito penal e a consequente maximização das garantias do indivíduo. (CARVALHO, 2004).
	Tal concepção é idealizada na teoria do garantismo penal, que, por sua vez, se propõe a instituir critérios para uma intervenção penal mais racional, servindo de proteção dos direitos face à irracionalidade dos poderes tanto públicos quanto privados. (CARVALHO, 2004).Se trata de um modelo que tem por base restringir o poder punitivo e proteger o cidadão contra qualquer tipo de violência arbitrária. (CARVALHO, 2004).
O direito penal mínimo vale lembrar, não defende a extinção total de todos os meios de controle, mas sim uma intervenção mínima do sistema penal na solução dos conflitos. Desse modo, o que é priorizado é a soluçãodos conflitos mediante o emprego de outros ramos do direito, deixando o direito penal como ultima ratio, ou seja, em último caso, quando não suficientes as outras soluções. (MELO, 2003). Atualmente é justamente esta a ideia que se propaga, a de que, para ter-se um Estado Democrático de Direito concretizado, é necessário obedecer ao princípio da intervenção mínima. (MELO, 2003)
	O direito penal mínimo não prega somente a máxima tutela da liberdade dos indivíduos em relação ao poder punitivo, mas também um ideal de certeza e racionalidade, e é justamente por esse motivo, que sempre que existe incerteza, a responsabilidade penal é excluída. Logo, é de se perceber que há íntima ligação entre garantismo e racionalismo, uma vez que exclui-se ou reduz-se a intervenção estatal quando há a inexistência de argumentos seguros e bem definidos para a sua aplicação. (FERRAJOLI, 2010).
	Está mais do que claro, que não há lugar, em um Estado democrático, que encontra fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana, e no qual prevalece o garantismo, para um tratamento autoritário e inquisitório, que aplique ao reincidente uma pena que vai além do fato típico, ilícito e culpável. (YAROCHEWSKY, 2005). O instituto da reincidência definitivamente extrapola todos os limites do direito penal do fato, uma vez que o agente tem sua pena agravada por fatores alheio ao fato por ele praticado, justificando-se este aumento apenas por sua tendência criminosa, ou por sua personalidade voltada ao crime. Ou seja, evidente é, que há rompimento entre a proporcionalidade do crime e a pena. Quando alguém comete um crime, deve ter analisado, aquilo que efetivamente fez, e não sua moral. 
	Assim sendo, o mais razoável e proporcional, é que o direito penal moderno deixe de lado qualquer atitude punitiva do modo de ser do agente, fundado no seu modelo de vida ou personalidade, transpassando desta forma, a conduta ilícita praticada. (YAROCHEWSKY, 2005)
	Desta feita, tendo em conta que o princípio da culpabilidade é entendido como a culpabilidade pelo fato, é violador de tal princípio o fato de encarar a reincidência como culpabilidade pela conduta de vida.(YAROCHEWSKY, 2005). Na reincidência, inexiste a relação entre o fato e o agente, sendo que o aumento da pena se dá em razão de um requisito subjetivo, qual seja o caráter do agente, de ser ou não reincidente, o que, é no mínimo, contraditório com nosso ordenamento jurídico e com os princípios basilares consagrados em nossa Constituição como já exposto anteriormente. 
Pode-se ainda afirmar que o simples fato de ser reincidente não afeta bem jurídico algum, uma vez que a lesão ao bem jurídico não se torna mais grave porque o crime foi cometido por um reincidente. (YAROCHEWSKY, 2005). Em um sistema que pretende-se garantista, não há espaço para a periculosidade ou qualquer outra justificativa subjetiva para punir. Se desse modo for, a lei não cumpre sua função reguladora de comportamentos, ao contrário, aponta status passíveis de incriminação.
Uma observação interessante, é que o fato de ser o agente reincidente não o torna mais perigoso ou mais propício ao cometimento de crimes, isto porque a lei determina que o instituto só se configura após uma sentença condenatória com transito em julgado. Ou seja, é perfeitamente possível existir um indivíduo, que esteja respondendo a inúmeros processos, porém, não tenha tido sua sentença ainda, transitado em julgado, e nesse ínterim, venha a cometer um outro crime, o que fará dele um agente primário já que não há nenhuma sentença condenatória com transito em julgado contra ele, e com o transcurso do tempo venha a ser condenado nesses inúmeros processos. Da mesma forma que, de outro lado, pode existir um individuo que por ter praticado apenas um crime, porém já existir contra ele um sentença transitada em julgado, seja considerado reincidente. (QUEIROZ, 2008). Dai concluir-se que a reincidência não se apresenta como critério seguro de maior periculosidade para fins de maior punição. 
Conforme já dito, a reincidência só pode se configurada após o transito em julgado, por uma questão de respeito ao princípio da presunção de inocência, e assim, notório se faz, que o instituto perdeu seu fundamento diante da não aceitação da maior periculosidade para o aumento da pena, uma vez que nem sempre o réu reincidente é mais perigoso que o primário. (QUEIROZ, 2008).
	Por mais repugnante que tenha sido o efeito causado pelo crime praticado pelo agente, ele deve ser punido na exta medida do mal que causou, sem olhar, o julgador, para o passado, sem que haja uma marginalização eterna daquele que praticou o crime. 
	A pena restaura ao condenado sua condição de inocente, de quem está em dia com a sociedade e com o Estado, pois que extingue por completo o delito praticado, não sendo possível que ninguém o atribua ou o culpe mais por aquele mal causado, porém devidamente pago. (FERRAJOLI, 2010). Tal afirmação pode remeter-nos a um trecho bíblico em Hebreus 10 – 17 e 18 que diz “... E jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniquidades. Ora, onde há remissão destes, não há mais sacrifício pelo pecado...”. O fato de ser reincidente, não o torna culpado para sempre.
Dessa forma, não há uma sustentação coerente, justa e razoável para que a reincidência constitua uma agravante da pena. O dano causado pelo agente primário e pelo reincidente é o mesmo e por isso, devem ser tratados da mesma forma. 
CONCLUSÃO
Assim sendo, infere-se que, ao punir mais severamente um indivíduo levando em conta o fato de ser reincidente, não há bem jurídico nenhum sendo tutelado, senão uma sensação de “justiça feita”, na sociedade, que pretende a separação de delinquentes dos “bons sujeitos”, bem como uma presunção de que, caso o sujeito cometa novo crime, e seja severamente mais punido do que na primeira, isso lhe sirva de lição e de solução para a sociedade. Essa é uma falsa impressão de segurança que faz as pessoas acreditarem que o fim dos problemas é o individuo ficar mais tempo afastado do convívio social para que todos tenham paz.
No entanto, após uma análise feita, tanto sob o ponto de vista doutrinário, quanto do ponto de vista jurisprudencial, fica claro que a reincidência se traduz em grave violação ao princípio do non bis in idem, no que diz respeito a uma forma maquiada de punir um indivíduo, duas vezes ou mais, em razão da mesma conduta. É inegável que há uma mudança na pena anterior, que inclusive já se encontra coberta pelo manto da coisa julgada e da segurança jurídica.
Quanto as justificativas apresentadas por quem defende a aplicação do instituto, cabe dizer que ferem os princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, do non bis in idem, dentre outros já citados ao longo deste trabalho, afrontando assim a Constituição Federal, que por sua vez, se apresenta como lei suprema, que rege todo o resto do ordenamento jurídico. 
Ademais, não cabe falar em ineficácia da medida, uma vez que no Brasil, adota-se a reincidência ficta, na qual, não é necessário que o agente tenha cumprido a pena anterior para ser considerando reincidente.
Vale ressaltar que a reincidência afronta também o princípio da legalidade, tendo em conta que nossa Carta Magna estabelece que devemos construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem que haja preconceitos de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Logo, o direito penal como instrumento de controle social, deve se submeter ao princípio da legalidade, e por outro lado, servir de garantia dos direitos fundamentais do cidadão, de forma a concretizar os objetivos legais acima apontados. 
Por fim, é de se concluir que o instituto está sendo aplicado em total desarmonia como nossa ordem jurídica vigente, tornando assim, cada vez mais difícil e mais distante, os objetivos traçados pelo Estado.

Continue navegando