Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
INSTITUTO SUPERIOR DE MÚSICA DE SÃO LEOPOLDO PAULA GONÇALVES NOZARI A BATERIA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO FÍSICA E EMOCIONAL DAS PESSOAS COM PARALISIA CEREBRAL São Leopoldo 2007 PAULA GONÇALVES NOZARI A BATERIA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO FÍSICA E EMOCIONAL DE PESSOAS COM PARALISIA CEREBRAL Trabalho de Conclusão de Curso Para obtenção do título Bacharel em Musicoterapia Instituto Superior de Música de São Leopoldo Orientadora: Laura Franch Schmidt da Silva São Leopoldo 2007 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................3 1 BATERIA...............................................................................................................................5 1.1 O histórico da bateria......................................................................................................5 1.2 O uso da bateria.............................................................................................................11 2 PARALISIA CEREBRAL..................................................................................................15 2.1 Conceitos de paralisia cerebral.....................................................................................15 2.2 O cérebro e o corpo........................................................................................................19 2.3 O cérebro e a música......................................................................................................21 3 A BATERIA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO FÍSICA E EMOCIONAL DE PESSOAS COM PARALISIA CEREBRAL........................................................................24 CONCLUSÃO.........................................................................................................................33 REFERÊNCIAS......................................................................................................................36 INTRODUÇÃO A motivação para a escolha deste tema deve-se às experiência da autora com o instrumento musical enfocado neste trabalho. Atuando como baterista profissional e professora deste instrumento, em 2005 estagiou em Musicoterapia no Instituto de Psicologia Clínica Profissional e Educacional (IPCEP)1, sob a supervisão da musicoterapeuta Ana Sheila Uricoechea. A partir de então, ao realizar um trabalho com um indivíduo paralisado cerebral usando a bateria como recurso terapêutico, percebeu que este instrumento musical poderia ultrapassar a dimensão da execução, que visa o horizonte estético, inserindo-a na dimensão terapêutica. O objetivo deste estudo é esclarecer como a bateria surgiu como recurso musical em Musicoterapia e, mais especificamente, de que forma ela tem sido usada e pode vir a ser, ao invés do “meio”, o próprio setting musicoterápico. Para atingir o objetivo aqui proposto, foi revisto o histórico, a composição e o uso da bateria em Musicoterapia com pessoas com paralisia cerebral e outras patologias, verificando-se através de uma revisão bibliográfica do uso deste instrumento na área de reabilitação física. As idéias aqui apresentadas estão divididas em três capítulos, precedidos da Introdução e finalizado pela Conclusão – seguindo-se, então, a Revisão Bibliográfica. Na primeira parte serão apresentadas a origem e a evolução da bateria, salientando-se suas principais configurações, instrumentos que foram agregados à sua estrutura e os principais movimentos utilizados para tocá-la. Neste capítulo inicial serão apresentadas as concepções do pesquisador Uirá Moreira. No segundo momento serão apresentados o campo conceitual acerca da Paralisia Cerebral e os efeitos provocados no cérebro pela música e pelas atividades musicais. Para a construção desse marco teórico foram consultados os seguintes autores, a saber: Catherine Trombly, António Damásio, Eckart Altenmüller, Even Rudd, Bryan Kold e Ian Wishaw. 1 Localizado na Rua Maria Eugênia, 138 – Humaitá – Rio de Janeiro. 4 No terceiro e último capítulo será inventariado a utilização da bateria em Musicoterapia e a importância do ritmo na reabilitação de pacientes portadores de paralisia cerebral com déficit motor. Serão apresentadas atividades que podem ser realizadas com esta clientela em outras terapias, de forma que possam ser adaptadas à maneira de se tocar bateria. Musicoterapeutas como Michael Thaut, Elizabeth Wong, Kenneth Bruscia, Rolando Benenzon, Thayer Gaston e outros foram pesquisados para o estabelecimento do marco referencial deste capítulo. 1 BATERIA 1.1 O histórico da bateria A bateria é um instrumento musical rítmico que consiste no agrupamento de vários instrumentos de percussão, ou seja, é o conjunto de vários tambores e pratos tocados por apenas uma pessoa. Esse instrumento se desenvolveu com o passar do tempo e não há registro do momento exato do agrupamento das peças que a compõe. A tradição diz que a bateria nasceu no Jazz, nas bandas de Nova Orleans, Estados Unidos, no início do séc. XX, enquanto outros pesquisadores não concordam com essa afirmação. Na perspectiva de Luís Antônio Giron1, os primeiros modelos de bateria surgiram nas orquestras de circo, no séc. XIX, com a finalidade de sintetizar vários instrumentos de percussão e economizar espaço na hora do transporte, ou seja, seriam menos músicos viajando na carroça que transportava os artistas do circo. Uirá Moreira2 sugere que a bateria poderia ter surgido com o objetivo de economizar espaço nos pequenos fossos das orquestras de Vaudeville e assim também de reduzir custos com a presença de um número menor de músicos. No The New Grove Dictionary of Jazz, a bateria é referida como instrumento usado pelas orquestras dos teatros para, somente depois, ser utilizada por ragtimes, jazzmen e grupos de dança. No início, os bateristas tocavam apenas o bumbo e a caixa (com baquetas) por não haver ainda o pedal de bumbo. Alguns percussionistas de teatro tocavam o double drums - bumbo com um prato no alto e uma caixa - que consistia no ato de tocar a caixa com duas baquetas na mão esquerda e o bumbo e o prato com uma baqueta na mão direita. Os primeiros modelos de pedal de bumbo eram feitos de madeira e foram inventados antes de 1850, por Cornelius Ward. Na década de 1880, outros modelos foram patenteados e em 1888, Albin Foerster criou um mecanismo que permitia tocar o bumbo simultaneamente 1 GIRON, L. Antônio. De Coadjuvante no Circo a Estrela do Jazz. O Estado de São Paulo. São Paulo, 25 jul. 1989. 2 MOREIRA, Uirá. A História da Bateria – Da Idade da Pedra ao Séc. XXI. São Paulo: [s/n], 2006. 6 com um par de pratos posicionados na horizontal sobre o grande tambor. Outro mecanismo que envolvia tocar bumbo e prato foi patenteado em 1894 por William J. Rappold3. A estante de caixa foi criada em 1898 pelo inventor Ulysses Leedy. Antes disso, a caixa era colocada sobre uma cadeira posicionada inclinada no espaldar desta. Feitas de madeira sólida como bordo (maple), mogno (mahogany) e nogueira (walnut), as dimensões das caixas claras utilizadas pelos primeiros bateristas variavam de 14”4 a 15” de diâmetro por4” a 8” de profundidade. Fig. 1 e 2 – primeiros modelos de pedal de bumbo5 Por volta de 1900, conforme o modelo de pedal, posicionava-se o clanger, prato que tinha 14” de diâmetro ou menos, afixado no aro do bumbo próximo ao chão, na parte inferior direita da borda do mesmo ou mais alto, na parte superior direita dela. Fig. 3 e 4 - clanger6 Em 1910, Willian Ludwig patenteou um modelo metálico - o qual serviu como base para todos os outros fabricantes. Era um novo acessório que se executava com a ponta do pé. Nele havia uma mola, a qual fazia voltar o batedor, permitindo que o baterista não se cansasse e, assim permanece mais tempo tocando. 3 MOREIRA, 2006, p. 37. 4 Polegadas. 5 Ilustrações de Fabiana Lima. 6 Ilustrações de Fabiana Lima. 7 A maior parte das baterias era equipada com bumbos de 26” a 30” de diâmetro por 14” de profundidade e as peles eram feitas de bezerro. Na década de 1900 a função do baterista era de sonorizar as cenas dos atos das peças teatrais, imitando os sons e ruídos que o momento necessitasse. Era necessário que o instrumentista incluísse no seu set de bateria woodblocks7, apitos, chocalhos, sirenes entre outros. Provavelmente influenciados por esses músicos de teatro, os ragtimers e jazzmen afixaram sobre o bumbo um ou dois cincerros e um woodblock, o que virou um padrão de bateria utilizada na década de 1910. Nessa época aumentou a tendência de inserir outros elementos na bateria como bigornas, triângulo, catraca e o tantã chinês – instrumento que provocava efeitos sonoros. Fig. 5 – bateria Ludwig Em 1918, as cordas de tripa de carneiro, parte integrante da caixa clara, foram substituídas pela esteira, proporcionando maior sensibilidade na resposta do som. Neste mesmo ano, William Ludwig lançou sua primeira bateria completa fabricada em série8. Em 1919, fabricou um aparato que consistia em um tipo de hi-hat9 com pratos posicionados face a face com um pedal para acioná-los com a ponta do pé. O baterista Baby Dodds tinha o costume de marcar o tempo da música batendo seu calcanhar esquerdo no chão. Ludwig, a partir desta observação, quis produzir algo que pudesse ocupar o pé esquerdo de Dodds com som, mas ele não gostou da idéia e nunca usou esse equipamento. A partir de 1920 surgiram 7 Pequeno bloco de madeira, instrumento de percussão. 8 Composta por bumbo de 24” de diâmetro por 8” de profundidade, caixa clara de 12” diâmetro por 3” de profundidade (ambos com parafuso de tensão que apertavam as duas peles ao mesmo tempo), clanger, prato suspenso e dois woodblocks cilíndricos. MOREIRA, 2006, p. 41. 9 Chamou-se assim o címbalo posicionado numa máquina acionadora com pedal, devido ficar em posição alta se comparado ao low-hat. Dois pratos com mesmo diâmetro e diferentes espessuras. MOREIRA, 2006, p. 135. 8 várias modalidades ou versões de aparatos que originaram o que atualmente chamamos de hi- hat. O snowshoe cymbal, também conhecido como charleston cymbal, referia-se a um mecanismo de madeira com duas peças. Na parte superior havia um pedal com uma correia para prender o pé e um prato de 10” localizado na parte de baixo desse mesmo pedal. Na parte inferior da peça havia um outro prato fixado também de 10”. Ao acionar o pedal, um prato ia ao encontro do outro. Fig.6 – snowshoe cymbal O low hat, que também ficava em posição baixa, aproximadamente 30 cm do chão, era tocado com o pé esquerdo auxiliado por um pedal, uma mola e uma haste. Os pratos tinham 10” de diâmetro e 5” de cúpula. O prato de cima ia ao encontro do de baixo, que era fixo. Em função da necessidade de tocar os pratos com baquetas, fabricantes aumentaram o tamanho da haste do low hat e assim, em torno de 1926, surgiu então o hi-hat. Fig. 7 – low hat Nesta época também, inicia-se a produção de baquetas específicas para bateristas, que anteriormente tinham que usar baquetas grandes e pesadas feitas para uso militar e a uma espécie de cavalete de metal reto ou curvo que, vinha do chão, passava por cima do bumbo e estendia-se de um lado ao outro do tambor chamado trap-rack10. A primeira marca de bateria a disponibilizar este acessório no mercado foi a Premier e entre as opções algumas possuíam 10Sua função era conectar os aparatos que antes eram anexados no aro do bumbo como pratos, tantãs, cincerros e woodblocks. MOREIRA, 2006, p. 42. 9 rodas - sendo dobráveis para facilitar o transporte. O trap-board era uma pequena tábua fixada no aro do bumbo que servia para colocar as baquetas e instrumentos de efeito. O clanger foi utilizado até 1920, mas perdeu sua popularidade por volta de 1925. No final desta década, bumbos, tantãs e caixas claras começaram a serem produzidos em compensado com o propósito de facilitar o transporte. Em alguns casos, uma bateria completa com todos os seus acessórios chegava a ocupar até seis metros quadrados, e por isso era considerado um objeto de luxo. Até 1927 os apetrechos usados para efeitos sonoros foram bastante úteis, principalmente no cinema mudo. Com o início do cinema falado, os bateristas começaram a se afastar dos efeitos sonoros e os cincerros, woodblocks, tantãs e catracas passaram a ser utilizados para dar outras nuances à música. Com a finalidade de reproduzir outras nuances e sons mais suaves, a vassourinha passou a ser mais usada. Nos anos 30, o hi hat se popularizou, mas com a substituição dos pares anteriores de pratos. Em 1936, Gene Krupa inaugurou os primeiros tantãs com parafusos para tensão nas duas membranas (de cima e de baixo). Nessa mesma época, os bateristas começaram escolher, conforme sua preferência, se queriam tocar com dois surdos e um tantã, ou dois tantãs e um surdo, o prato de condução11 ou ride cymbal. Surgiu um modismo, que é muito usado até hoje por músicos dos mais variados estilos: os bateristas começaram a utilizar as iniciais do seu nome ou o nome da orquestra à qual pertenciam na pele dianteira do bumbo. Houve também uma tendência de baterias gigantescas como, por exemplo, a de Sony Greer da orquestra de Duke Ellington, que tocava com um instrumento de mais de vinte peças12. Em função da Segunda Guerra Mundial, na década de 1940, houve uma lei que não permitia empregar mais de 10% de metal na fabricação de itens não essenciais. As baterias passaram a ser de madeira, com exceção apenas de parafusos para tensão e porcas. Após o conflito, cilindros de madeira sólida desapareceram do mercado, embora algumas marcas como a Leedy e Ludwig tivessem disponíveis caixas de bordo, mogno ou nogueira. Na década de 50, a configuração da bateria consistia de um bumbo, uma caixa, um tom (tantã), um surdo, um prato de condução e um prato de ataque. Por volta de 1957 surgiram as peles sintéticas substituindo então as peles de animais. Em temperaturas elevadas, as peles naturais se retesavam havendo a necessidade de umedecê-las, em temperaturas baixas 11Prato suspenso mais espesso cujo som não se prolonga tanto quanto os outros. MOREIRA, 2006, p. 44. 12A medida padrão do bumbo nessa época era de 22” de diâmetro por 14” de profundidade. MOREIRA, 2006, p. 45. 10 as membranas afrouxavam-se havendo a necessidade de aquecê-las com fogo para que voltassem ao normal. Fig.8 – bateria modelo anos 50 No início de 1960 fabricantes começaram a inserir mais um tom de mesma medida que o primeiro. A idéia foi popularizada quandoo segundo tambor foi substituído por outro de medida diferente13. Nesta época, alguns influenciados por Louie Bellson, acrescentaram em seu set mais um bumbo. Pela dificuldade no transporte, em 1964 inventaram o pedal duplo, patenteado em 1971. O modelo clássico da bateria com dois tons em cima do bumbo estabeleceu-se em 1970 e a utilização de dois bumbos tornou-se popular, principalmente, entre os roqueiros. Neste período os bateristas de jazz e jazz-rock ampliaram seu instrumentário. Alguns, como o grande John Bonham passaram a usar o cincerro e gongo. No final dessa década, com a intenção de obter um som mais pesado, passaram a utilizar roto-tons14 e octobans15 à bateria. Fig.9 – modelo clássico anos 70 13Foi em 1967 que fabricaram o primeiro modelo clássico de bateria com bumbo de 20”ou 22”, tom de 12’ e 13”, surdo de 16”, caixa de 14”, chimbal de 14” e prato de condução de 18” ou 20” e pratos de ataque de 16” a 18”. MOREIRA, 2006, p. 46. 14Vocábulo provavelmente de origem onomatopaica em virtude dos rufos que podem ser executados em tais tambores. Foram anexados à bateria num ou dois conjuntos de três peças. MOREIRA, 2006, p. 136. 15Conjunto de oito tambores pequenos, cuja profundidade é bem maior do que o seu diâmetro. MOREIRA, 2006, p. 136. 11 Os anos 80 foram marcados pelo surgimento da bateria eletrônica e podemos observar que nas gravações feitas nessa época, os timbres das baterias acústicas tinham essa sonoridade bastante artificial, mas era uma tendência da época. Nessa década surgiram as vassourinhas de nylon e baquetas fabricadas em material sintético. De 1990 pra cá, surgiram muitas novidades e recursos, sempre com a finalidade de facilitar a vida da/o baterista, seja na hora de tocar, de montar, ou de transportar o seu instrumento. O desenvolvimento tecnológico dos anos 90 contribuiu para o surgimento de baterias gigantescas levando o instrumento a ser alistado no livro dos recordes, o Guiness Book. A maior bateria do mundo foi montada em 1994 por Dan McCourt nos Estados Unidos: um instrumento com 308 peças. Fig.10 – modelo “gigante” anos 90 1.2 O uso da bateria Depois de tantas tendências em relação à montagem e às formas de tocar a bateria, hoje a escolha das medidas dos tambores, pratos e da configuração do set up estará sempre relacionada ao gosto pessoal, ao estilo musical e ou às suas influências musicais e às características físicas da/o baterista. Há uma tendência de retorno ao passado e com isso, muitas/os bateristas atuais optam por instrumentos que possuam características dos anos 50, 60 e/ou 70. Uma bateria com dois bumbos, muitos tambores e pratos, provavelmente caracterizaria uma bateria de heavy-metal ou alguma vertente desse estilo musical. É interessante observar que, com tantas possibilidades de adaptações em relação às preferências da/o baterista, é praticamente impossível se ver mais de uma bateria com a mesma montagem. Mesmo que existam duas baterias idênticas, com o mesmo número de 12 peças, com as mesmas medidas de tambores e pratos, a altura em relação ao solo, à distância em relação à/ao baterista e entre as próprias peças do instrumento, dificilmente elas serão as mesmas. Atualmente, as medidas dos tambores, pratos e a montagem da bateria, podem ser bem variáveis, mas em cada época houve uma tendência de configuração e características desse instrumento conforme a função do baterista, o estilo musical e também os recursos disponíveis. Cada elemento que a compõe tem sua história, posto que em outras épocas, eram tocados separadamente16. Na atualidade a/o baterista fica sentada/o posicionada/o em frente à bateria e, quando toca, usa todo o corpo. Os membros superiores são responsáveis pela caixa, pratos, tons, surdo e pelos pratos do hi-hat (parte de cima); enquanto os pés são responsáveis pelo bumbo e pela parte de baixo do hi-hat, ou seja, pelo mecanismo (pedal) que controla o ato de abrir e fechar esses pratos. Normalmente, o bumbo é tocado através de um pedal com o pé direito e o hi-hat com o pé esquerdo. São utilizadas baquetas17 para tocar a caixa, tantãs, surdo e pratos, que também já foram usadas para tocar o bumbo18. As baquetas também poderão variar de espessura e peso conforme o gosto pessoal, estilo musical e ou características físicas da pessoa. Os tons são posicionados da esquerda para a direita, do menor para o maior. O surdo fica à direita de quem toca e o prato de ataque (menor) à frente à esquerda e o de condução (maior) à frente à direita. Quando o baterista é canhoto, ele pode optar por inverter (espelhar) essas posições. Existem várias maneiras de se segurar as baquetas, mas as duas principais são: a) a Tradicional (Traditional Grip), que exige um tipo de pegada para cada mão; b) a Semelhante (Matched Grip), que consiste no mesmo tipo de pegada para as duas mãos. A Tradicional é mais adequada para tocar tambores quando estão inclinados, assim, fazem seu uso bandas marciais, percussionistas eruditos e a maioria dos bateristas de jazz. A Semelhante é mais fácil e nesta posição o pulso pode ser usado de forma mais natural. O polegar e o indicador são usados para segurar a baqueta em forma de pinça com uma leve pressão entre esses dois dedos e os três dedos restantes são levemente posicionados sobre a baqueta de forma natural. 16“O bumbo existe há pelo menos 5.500 anos, o címbalo (prato) há uns três milênios, a caixa e o surdo há uns oito séculos, o tom-tom (tantã) há uns 150 anos”. MOREIRA, 2006, p. 131. 17Vara de madeira com que se percutem os tambores. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 57. 18Double drumming – técnica empregada após o surgimento do pedal de bumbo. Usava-se duas baquetas para tocar na caixa e o bumbo, posicionado mais à direita do baterista, era golpeado com a ponta ou a parte mais grossa da baqueta direita, voltando-a imediatamente para a caixa. MOREIRA, 2006, p. 54. 13 Essa pressão não significa rigidez nem tensão e por isso há vários exercícios de técnica que aprimoram o controle das baquetas. O pulso normalmente controla o movimento inicial da baqueta enquanto os dedos ajudam a regular os vários aspectos do impacto e do rebote. A extremidade da baqueta deverá estender-se aproximadamente até o centro da linha do pulso. Isto permite ao pulso mover-se num relativo movimento para cima e para baixo. O braço e o antebraço, apesar de pouco usados, devem ficar soltos e relaxados. Estes são usados naquelas situações onde as exigências físicas do instrumento demandam grandes movimentos, como no caso de uma bateria com vários tom-tons e pratos. É fundamental que se tenha cuidado com a postura na hora de tocar, pois o equilíbrio do corpo estará centralizado no abdômen e nas costas para que braços e pernas possam ficar mais livres. Para isso, é essencial que quando se estiver sentada/o no banco, os quadríceps da/o baterista estejam paralelos ao chão, enquanto os pés se posicionam nos pedais. Na execução de um ritmo básico, a exemplo do rock, há uma coordenação de movimentos entre braços e pernas (pés). A mão esquerda toca a caixa, enquanto a mão direita cruza sobre a mão esquerda para tocar o hi-hat. Nesse momento, o pé esquerdo pressiona o pedal do hi-hat para que os pratos mantenham-se fechados e o pé direito aciona o pedal do bumbo. Os tom-tons em geral são usados para fazer as variações e as passagens de uma parte da música para outra (viradas) ou de um compasso19 para outro. O prato de ataque, na maioria das vezes, servepara dar ênfase ao primeiro tempo do compasso e o prato de condução dá uma outra expressão à levada. Em geral, se conduz numa parte em que se quer destacar algo na música. A escrita musical das partes da bateria usa a clave de percussão, sendo que cada peça do instrumento é representada em alturas distintas na pauta20, indicando assim, em quais as peças da bateria deve-se tocar. Usa-se no pentagrama os valores positivos e negativos das figuras musicais, sem a indicação das alturas. Neste capítulo, a bateria foi apresentada como um instrumento musical relativamente novo tendo como característica principal o agrupamento de vários instrumentos de percussão. Sua evolução esteve marcada pela função da/o baterista, pelos recursos disponíveis em cada época e pelas necessidades que as/os bateristas foram sentindo com o passar do tempo. Hoje, com tantos recursos, as adaptações também estarão relacionadas às características físicas de 19Unidade métrica formada de tempos agrupados em porções iguais. FERREIRA, 1985, p. 115. 20Sistema de uma a cinco linhas horizontais, paralelas, eqüidistantes, sobre e entre as quais se escrevem as notas musicais. FERREIRA, 1985, p. 356. 14 quem toca esse instrumento. No próximo capítulo, será apresentado o conceito de paralisia cerebral, principais causas e características desta patologia. 2 PARALISIA CEREBRAL 2.1 Conceitos de paralisia cerebral Na perspectiva da médica fisiatra Maria Ângela Gianni esse termo foi usado pela primeira vez por Sigmund Freud, em 1897, abrangendo um vasto conjunto de afecções que comprometem o sistema nervoso central imaturo e que têm em comum o distúrbio motor como uma de suas manifestações mais evidentes. Hoje em dia, a paralisia cerebral é classificada como: “um grupo não progressivo, mas freqüentemente mutável, de distúrbios motores (tônus e postura), secundários à lesão do cérebro em desenvolvimento. A lesão pode ocorrer desde a fase embrionária até os dois ou três anos de idade”.1 Tanto fatores de risco associados à mãe, como inerentes à gestação e ao parto em si têm papel importante na gênese da paralisia cerebral. A incidência mundial tem-se mantido constante nos últimos anos: 1,5 a 2,5 por 1000 vivos2. Se por um lado as melhores condições de atendimento materno-infantil diminuem o risco de agressão a crianças nascidas a termo, por outro lado, o avanço médico-tecnológico favorece a sobrevivência de crianças prematuras extremas, cujo sistema nervoso central (SNC) imaturo é altamente suscetível. “A incidência de paralisia cerebral entre prematuros com menos de 1500g é de 25 a 31 vezes maior que entre nascidos a termo”.3 As causas de origem pré-natal são responsáveis por 42% dos casos de paralisia cerebral em bebês a termo e 29% em prematuros. Dentre elas estão os fatores genéticos (hereditários) e as infecções congênitas (adquiridas durante a vida intra- uterina). As infecções congênitas mais comuns são: toxoplasmose, citomegalovírus, herpes, rubéola, HIV, entre outras. Cerca de um quarto das mães infectadas transmitem a doença ao feto, e quanto mais jovem ele for, tanto maior será o dano neurológico4. 1 GIANNI, Maria A. Paralisia Cerebral. In: TEIXEIRA, Érika; SAURON, Françoise; SANTOS, Lina; OLIVEIRA, Maria. Terapia ocupacional na reabilitação física. São Paulo: Roca, 2003. p. 89. 2 PIOVESANA, A.M.S.G. Paralisia cerebral: contribuição do estudo por imagem. In: RIBEIRO, M. V. L. M. Paralisia cerebral – Aspectos práticos. São Paulo: Memnon, 1998. p. 89. 3 PIOVESANA, 1998, p. 90. 4 PIOVESANA, 1998, p. 90. 16 Alguns aspectos relacionados à etiologia pré-natal da paralisia cerebral são: malformações do sistema nervoso central relacionado à fatores genéticos ou ambientais, traumas e infecções. Mesmo não havendo comprovação definida de fator genético associado à paralisia cerebral, há maior incidência entre gêmeos monozigóticos do que nos dizigóticos e a recorrência dessa patologia em uma mesma família, poderia sugerir a influência genética. A encefalopatia hipóxido-isquêmica é a agressão perinatal responsável pelo maior número de paralisia cerebral no Brasil. Entretanto, outros insultos perinatais, sejam tóxicos, metabólicos ou traumáticos - como manobras de parto mal sucedidas, uso inadequado de fórceps, complicações de cesariana, partos longos ou rápidos demais - também podem ocasionar a paralisia cerebral. A avaliação cuidadosa do recém-nascido pode ser um dado valioso na determinação de um prognóstico futuro: Grave – Recém-nascido geralmente comatoso ou flácido, com reflexos ausentes, bradicardia e hipotensão. Necessita de ventilação assistida e freqüentemente tem convulsões; Moderado – Recém-nascido geralmente hipotônico, letárgico e com reflexos exaltados e clônus. A aceitação alimentar é comprometida e podem ocorrer convulsões nas primeiras 24 horas de vida; Leve – Recém-nascido com alterações da consciência variando de letargia a irritabilidade e ciclos de sono alterados. A aceitação alimentar é prejudicada. Os reflexos primitivos geralmente são normais, com exceção do reflexo de Moro, que freqüentemente é exaltado e nunca ocorrem convulsões.5 A espasticidade é a manifestação clínica mais comumente associada à encefalopatia hipóxico-isquêmica. Outra causa perinatal bastante prevalente é a bilirrubínica (Kernicterus), onde, inicialmente, esses pacientes apresentam quadro de hipotonia, manifestando comprometimento do sistema extrapiramidal, com o aparecimento de movimentos involuntários posteriormente. A cognição geralmente é preservada. Os casos de paralisia cerebral de origem pós-natal estão relacionados a insultos ao sistema nervoso central, que ocorrem a partir da fase perinatal até o segundo ano de vida da criança. As causas mais comuns são as infecções adquiridas, como as meningoencefalites, convulsões decorrentes de temperaturas corporais elevadas, os traumas cranioencefálicos, os semi-afogamentos e, de certa forma, determinam quadros clínicos mais graves e de pior prognóstico de reabilitação. Tipos de paralisia cerebral: 5 GIANNI, Maria A. Paralisia Cerebral. In: TEIXEIRA, Érika; SAURON, Françoise; SANTOS, Lina; OLIVEIRA, Maria. Terapia ocupacional na reabilitação física. São Paulo: Roca, 2003. p. 91. 17 a) Espástico – cerca de 75% dos paralisados cerebrais (PCs) apresentam algum grau de espasticidade. Ela está presente quando a lesão compromete o sistema piramidal e caracteriza-se por hipertonia muscular relacionada à velocidade do movimento. A hipertonia de caráter permanente pode ser espástica ou plástica. A hipertonia plástica, também chamada de rigidez, é rara e caracteriza-se pela resistência imutável que o músculo oferece ao estiramento passivo em toda a amplitude tanto da flexão quanto de extensão. A espasticidade varia na intensidade e distribuição dos segmentos do corpo. Nos casos de espasticidade severa a contração é acentuada podendo fixar a criança em posturas típicas previsíveis e é muito freqüente que com o crescimento instalem-se deformidades osteoarticulares. Nesses pacientes são comuns o atraso nas aquisições motoras e a permanência de reflexos primitivos: Extrapiramidal – 15% a 20% dos pacientes apresentam comprometimento dos núcleos da base, que se manifesta pelo aparecimento de movimentos involuntários. Estes movimentos podem ser proximais (coréia), distais (atetose) ou amplos e fixos acarretando a postura bizarra (distonia). Na atetose, observa-se movimentosinvoluntários lentos com componente tônico acentuado, ou seja, a contração muscular prolonga-se a intervalos relativamente longos. Podemos descrever os movimentos atetóides como vermiculares, reptiformes, acentuando-se nas extremidades distais dos membros, no tronco, face e pescoço. Essas crianças geralmente demoram mais para adquirir as etapas motoras e convivem bem com a persistência dos reflexos primitivos, muitas vezes utilizando-os funcionalmente.6 b) Atáxico – é o tipo menos comum de PC, pois apenas 2% dos pacientes apresentam esse tipo clínico. Há um comprometimento do cerebelo e ou de suas vias e, por isso, caracteriza-se por alterações da coordenação e do equilíbrio. Existe uma incapacidade do atáxico em dosar o movimento voluntário que visa atingir um alvo. A decomposição dos movimentos é outra característica da ataxia, pois normalmente um movimento complexo é realizado simultaneamente por várias articulações. Neste caso, existe um desdobramento dos componentes, sendo o movimento realizado em etapas sucessivas e não em conjunto de forma organizada. A incidência de deficiência mental nesses casos é alta. c) Misto – na grande maioria dos casos a espasticidade, a movimentação involuntária e ou a ataxia se somam, geralmente com o predomínio de um desses quadros. Os três tipos descritos segundo a distribuição topográfica são: a tetraparesia, a diparesia e a hemiparesia. Nesta classificação o termo “paresia” significa uma diminuição da capacidade motora, pois na paralisia cerebral não existe verdadeiramente uma paralisia (plegia) da musculatura, mas sim uma coordenação anormal da ação da musculatura. Desta 6 GIANNI, 2003, p. 92. 18 forma, temos uma distribuição de acordo com os segmentos acometidos e seus aspectos mais comumente encontrados: Tetraparesia – Comprometimento simétrico dos quatro membros. Esses casos são geralmente os mais graves. O uso funcional dos membros superiores e a aquisição de deambulação são pouco freqüentes. Uma causa comum de tetraparesia espástica é o insulto hipóxico-isquêmico do recém-nascido. Diparesia – Comprometimento dos quatro membros com predomínio dos inferiores. Desde que não existam alterações graves cognitivas, os membros superiores serão utilizados de forma funcional e a possibilidade de deambulação é maior. A diparesia freqüentemente se deve a lesões isquêmicas no sistema nervoso do recém-nascido pré-termo. Hemiparesia – Há lesão de apenas um dos hemisférios cerebrais, muitas vezes por malformações, determinando o comprometimento de um dos lados do corpo. Nesses pacientes em geral é atingido um bom grau de independência tanto nas atividades da vida diária como na locomoção.7 Apesar do principal distúrbio da paralisia cerebral ser o déficit motor, quase sempre está associada a um ou mais distúrbios decorrentes da lesão neurológica: a) Convulsões aparecem em 25 a 30% dos casos e é o que podemos chamar de epilepsia sintomática, ou seja, a epilepsia decorrente de fontes de lesão geralmente conhecidas, pois difere da epilepsia idiopática, onde os fatores causais não são conhecidos. São descargas elétricas que um grupo de células nervosas descarrega de uma forma anormal em geral pela interferência no suprimento anormal de oxigênio ou sangue no cérebro ou por febres muito altas prolongadas; b) O Déficit cognitivo é visto em 50 a 65% dos casos de PC e pode variar desde a faixa limítrofe até a deficiência mental profunda. O retardo mental não é o produto final de um único processo patológico, mas também de condições ambientais, isto é, a falta de oportunidade de vivências normais para a criança, decorrentes de sua incapacidade física, pode acarretar um rebaixamento intelectual, criando uma defasagem entre sua idade cronológica e sua idade mental; c) A incidência de alterações oculares e visuais é grande, de 60 a 90% dos casos, variando entre estrabismo, nistagmo, ou seja, movimentos de oscilação do globo ocular, atrofias, ópticas, hemianopsia (redução do campo visual, metade em cada olho), fixação imperfeita, defeitos visuais perceptivos e outros; d) A anormalidade da fala e da linguagem pode ocorrer devido a vários fatores como: a falta de coordenação da musculatura dos órgãos da fala e ou respiratória (laringe, língua, diafragma); 7 GIANNI, 2003, p. 93. 19 e) Os transtornos auditivos e intelectuais, ocorrem devido à lesões corticais. A mal- formação da arcada dentária acarretará em disartrias, dislalias ou alalias, prejudicando assim a comunicação verbal do indivíduo; f) Os transtornos sensitivos podem alterar a sensibilidade tátil, térmica, dolorosa, estereognósica e cinético-postural. A estereognósica está relacionada com o reconhecimento de formas, texturas e tamanho de objetos e a cinético-postural implica no reconhecimento da relação dos movimentos dos segmentos do corpo com o espaço. g) As desordens da função motora oral, ou seja, o distúrbio da deglutição usualmente observados nesses casos: regurgitação, dificuldade de deglutir a própria saliva, tosse no momento da alimentação e instabilidade respiratória ou apnéia, que podem gerar aversão à determinados alimentos, grande tempo despendido com a alimentação e a necessidade de dieta especial, geram uma situação de tensão e ansiedade nos pais e no próprio indivíduo, tornando o ato de comer difícil, cansativo e de pouco prazer. h) Distúrbio do comportamento caracterizado pela presença de um comportamento dissocial ou agressivo. Essas alterações associadas interferem na evolução motora da criança, muitas vezes determinando modificações no prognóstico. Devem ser avaliadas precocemente, instituindo- se tratamento adequado para que se atinjam os objetivos. O nível sócio econômico da criança também deve ser levado em conta, já que esse é um dos principais obstáculos na reabilitação global da criança com paralisia cerebral. Problemas relacionados à nutrição, à higiene, à presença de patologias associadas, à dificuldade na inclusão na escola e mais tarde no mercado de trabalho, comprometem as atividades de vida diárias (AVD’s) e a qualidade de vida dessas pessoas. 2.2 O cérebro e o corpo Na perspectiva de Vania Brocoli8, o cérebro representa uma estrutura com trilhões de células que se desenvolvem, se diferenciam e se comunicam. Cada célula nervosa mantém, em média, dez mil contatos com outras células formando a gigantesca rede por onde são transmitidos os impulsos nervosos. Alguns desses sinais percorrem metros até atingir o alvo, como os prolongamentos dos neurônios do córtex motor. Eles iniciam a viagem pelo cérebro para alcançar as 8 Doutor e pesquisador em genética da Universidade de Bolonha e pesquisador dos modelos animais de doenças neurológicas humanas. 20 regiões mais distantes da medula espinhal, onde contatam o neurônio motor secundário que, associado diretamente ao músculo, controla o movimento voluntário.9 Cada área do cérebro é responsável por uma determinada função, como os movimentos dos braços e das pernas, a visão, a audição e a inteligência. Uma criança com paralisia cerebral pode apresentar alterações que variam desde a leve incoordenação dos movimentos, ou uma maneira diferente para andar, até inabilidade para segurar um objeto, falar ou deglutir10. Segundo o médico neurologista e pesquisador António R. Damásio “o cérebro e o corpo encontram-se indissociavelmente integrados por circuitos bioquímicos e neurais recíprocos dirigidos um para o outro.”11 Praticamente todas as partes do corpo, cada músculo,articulações ou órgãos internos, podem enviar sinais para o cérebro através dos nervos periféricos. Esses sinais entram no cérebro no nível da medula espinhal ou do tronco cerebral e são transportados para seu interior. As substâncias químicas que surgem da atividade do corpo podem alcançar o cérebro por meio da corrente sanguínea e influenciar seu funcionamento, diretamente ou pela estimulação de locais cerebrais especiais. Na direção oposta, o cérebro pode atuar, por intermédio dos nervos, em todas as partes do corpo. Os agentes dessas ações são o sistema nervoso autônomo (ou visceral) e o sistema nervoso músculo-esquelético (ou voluntário). Os sinais para o sistema nervoso autônomo têm origem nas regiões evolutivamente mais antigas (a amígdala, o cíngulo, o hipotálamo e o tronco cerebral), enquanto os sinais para o sistema músculo-esquelético têm origem em vários córtices motores e núcleos motores subcorticais.12 Edoardo Boncinelli13 afirma que no cérebro humano distinguem-se diversas áreas, dedicadas a tarefas distintas. O tálamo, por exemplo, constitui a primeira estação de recepção e classificação dos sinais provenientes dos órgãos sensoriais; os gânglios da base regulam, entre outras funções, os detalhes mais sutis de nossos movimentos; o sistema límbico controla respostas instintivas, a emotividade e consolidação de recordações. A função superior é desempenhada pelo córtex cerebral, a massa cinzenta que reveste os 9 BROCOLI, Vania. Limites e Mistérios do Cérebro Humano. Viver mente&cérebro, São Paulo, edição n° 5, p. 6, mar./abril 2006. 10PARALISIA CEREBRAL. Disponível em: http://www.sarah.br/paginas/doencas/po/p_01_paralisia_cerebral.htm Acesso em:20 abr. 2007. 11DAMÁSIO, António R. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 113. 12DAMÁSIO, 1996, p. 114. 13Diretor de pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa do Centro para Estudo da Farmacologia celular e Molecular e chefe do Laboratório de Biologia Molecular do Desenvolvimento do Instituto Científico do Hospital San Raffaele em Milão. 21 hemisférios, responsável pela última palavra a respeito de todas as operações do cérebro.14 O cérebro é dividido em dois hemisférios - direito e esquerdo - onde cada hemisfério controla a parte oposta do corpo humano. A região que separa os dois hemisférios é chamada de corpo caloso. Várias partes do cérebro são responsáveis pelos movimentos voluntários e em uma delas está a memória. O cerebelo é responsável pela coordenação, equilíbrio e regulação do tônus muscular. O tronco encefálico que é formado por bulbo, ponte e mesencéfalo é o responsável pela postura. O tálamo é responsável pela sensação, percepção, pela antecipação do movimento e influencia na motricidade. O hipotálamo participa da regulação do sistema endócrino, da termorregulação, do comportamento e, por fazer conexões com o sistema límbico, está relacionado com a vontade emocional de executar o movimento. O subtálamo relaciona-se à regulação da motricidade. A memória está na área pré-motora (antecipação do movimento). A área motora suplementar auxilia a pré-motora. A informação sai do córtex, de uma área chamada primária (eferente) e vai até a medula. O nome da via eferente é córtico espinhal – quando a informação chega no bulbo, ela cruza para o outro lado. No tálamo, há a transformação da informação em percepção. A execução do movimento é feita pela parte motora primária, a qual será coordenada pela informação que sairá do cerebelo e do tálamo. As doenças do cérebro colocam em perigo todas as atividades da psique e do corpo. Algumas delas se limitam a atingir áreas dedicadas ao controle das funções motoras, causando graves problemas físicos (caso da paraplegia espástica), outras prejudicam também a capacidade cognitiva, chegando a alterar a personalidade e a saúde psíquica do doente (Alzheimer, autismo, depressão).15 2.3 O cérebro e a música Os sons que ouvimos é apenas um produto do cérebro, pois a tarefa do sistema auditivo é converter as alterações na pressão do ar, associadas às ondas sonoras, em atividade neural transmitida para o cérebro. As ondas de alterações na pressão atmosférica são transformadas em atividades neural, percebidas como som. É importante lembrar que as ondas não produzem som. 14BONCINELLI, Edoardo. A formação do Córtex Cerebral. Viver mente&cérebro, São Paulo, edição n° 5, p. 9, mar./abril 2006. 15BROCOLI, 2006, p. 6. 22 A percepção de sons é apenas o início da experiência auditiva. Para obter informações sobre os eventos em seu meio, o cérebro interpreta os sons e analisa seus significados. Esses processos são ilustrados claramente no modo como você usa o som para se comunicar com outra pessoa, tanto pela linguagem verbal como pela música16. “Como os lobos temporais direito e esquerdo têm papéis na música e linguagem, podemos supor que os neurônios no córtex temporal direito e esquerdo participem na análise dos padrões nesses dois tipos de experiência auditiva.”17 O estudo da música como função cerebral é relativamente novo, mas algumas respostas começam a surgir. Sabe-se que ela é processada em várias áreas do cérebro, que mudam de acordo com o foco da/o ouvinte e com a sua experiência. Estudos realizados por Borchgrevink18 dizem que a fala, a escrita, a memória, o cálculo, o ritmo, a prosódia, a seqüência temporal, a discriminação do tipo de peça (assim como sua/seu compositor/a ou grupo musical) e, ainda o domínio motor na execução musical estariam relacionados mais ao hemisfério esquerdo (dominante nos casos das pessoas destras) desempenhando um papel altamente lógico. Desta forma, o hemisfério direito estaria ligado ao som (altura, tonalidade, o sentido ou reconhecimento melódico), a imagem, a orientação espacial e as emoções. Para o referido autor, tanto a sensação, a percepção e o processamento ocorrem nas partes mais atrás do cérebro. Já nas regiões frontais, encontram-se as funções de produção, ou seja, de resposta comportamental, controle de impulso, função motora e de atenção. Segundo Gregório Queiroz: A musicalidade não está localizada exclusivamente em nenhum dos dois hemisférios, pois certos elementos da música são processados pelo hemisfério direito e outros pelo esquerdo. Há determinados elementos que são processados ora por um, ora por outro hemisfério e isso pode depender se a pessoa teve ou não treinamento musical19. Na perspectiva de Eckart O. Altenmüller20, ouvir música vai muito além da audição, pois também envolvem experiências visuais, táteis e emocionais. Cada pessoa processa sons musicais em regiões diferentes do cérebro e há uma grande diferença entre leigos e músicos profissionais. Algumas horas de treino já demonstram o quão é variável a percepção musical. 16KOLD, Bryan; WISHAW, Ian Q. Neurociência do Comportamento. São Paulo: Manole, 2002. p. 324. 17KOLD; WISHAW, 2002, p. 334. 18BORCHEGREVINK, H. M. O cérebro por trás do potencial terapêutico da música. In: RUDD, Even. Música e Saúde. São Paulo: Summus, 1991. p. 69. 19QUEIROZ, Gregório J. P. Aspectos da musicalidade e da música de Paul Nordoff e suas implicações na prática clínica musicoterapêutica. São Paulo: Apontamentos, 2003. p. 27. 20Flautista e diretor do Instituto de Fisiologia da Música e da Medicina da Arte na Escola Profissional de Música e Teatro em Hannover, Alemanha. 23 Quando o cérebro de um músico amador processa relações rítmicas simples em uma melodia, como a variação na duração de certos sons, ele utilizaas áreas pré-motoras, ou preparadoras de movimento, assim como seções do lobo pariental no hemisfério esquerdo. Se as relações temporais entre sons são mais complexas, as áreas pré- motoras e do lobo frontal do hemisfério direito ficam ativas. Em ambos os casos, o cerebelo (comumente relacionado aos movimentos) também participa. Por outro lado, músicos que estejam fazendo distinções entre ritmo e métrica empregam predominantemente partes dos lobos frontal e temporal no hemisfério direito. Relações rítmicas apresentam um panorama similar: leigos musicais processam do lado esquerdo, enquanto músicos fazem o mesmo do lado direito.21 Quando uma pessoa leiga em música compara tons diferentes, a convolação dos lobos direito superior temporal e direito posterior frontal é ativada. Os sons são armazenados para uso futuro e para a comparação na memória auditiva de trabalho. As partes média e inferior do lobo temporal também ficam ativas quando processam estruturas musicais mais complexas ou estruturas musicais a serem guardadas na memória por um tempo maior. Por outro lado, “músicos profissionais mostram atividade maior no hemisfério esquerdo quando estão diferenciando tons ou percebendo acordes.”22 Seções diferentes do cérebro ficam ativas quando a/o ouvinte está concentrado na melodia como um todo em vez de em sons ou acordes isolados. Neste capítulo, foram abordados os tipos de paralisia cerebral, suas características e principais causas. Ilustrou-se como funciona a relação entre cérebro e corpo e de que forma a música age nessa relação. No capítulo seguinte será apresentada a inserção da bateria no processo de reabilitação física e emocional das pessoas paralisadas cerebrais. 21ALTENMÜLLER, Eckart O. Acordes na cabeça. Viver mente&cérebro, São Paulo, edição n° 3, p. 28, out. 2004. 22ALTENMÜLLER, 2004, p. 28. 3 A BATERIA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO FÍSICA E EMOCIONAL DAS PESSOAS COM PARALISIA CEREBRAL Na perspectiva de Kenneth Bruscia1, a Musicoterapia na Reabilitação é uma prática médica intensiva de tratamento e refere-se à utilização das experiências musicais e da relação cliente-terapeuta como veículo para as mudanças. Seus objetivos estão associados à recuperação das funções anteriores ou às necessidades de adaptação e necessidades emocionais do cliente. O tratamento de pessoas com paralisia cerebral2, em geral, é caracterizado pela busca de soluções para os aspectos do comportamento motor que interferem na realização das atividades funcionais. Em função da mutabilidade dos quadros clínicos, não existe um protocolo estabelecido que englobe todos os aspectos dessa patologia. A ação mais adequada para este tipo de trabalho é a prática clínica interdisciplinar, realizada em equipe, cujos objetivos para o tratamento do cliente são estabelecidos em conjunto. Além da/o musicoterapeuta, encarregada/o de todas as particularidades da bateria e da música, torna-se essencial o estabelecimento de parceria com fisioterapeuta, neurologista, psicomotricista, fonoaudióloga/o e ou terapeuta ocupacional. Dentre as várias definições de Musicoterapia, apresenta-se a de Boxill: Musicoterapia é a utilização da música como um instrumento terapêutico para a recuperação, manutenção e melhora da saúde psicológica, mental e fisiológica e para a habilitação, reabilitação e manutenção das atividades físicas, comportamentais, sociais e do desenvolvimento – numa relação cliente-terapeuta3. 1 Musicoterapeuta com vasta experiência clínica, PhD, professor do Curso de Musicoterapia da Temple University - Philadelphia – U.S.A. 2 Paralisia Cerebral – PC. 3 BOXILL. Definições de musicoterapia. In: BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000. p. 275. 25 Segundo Erwin Schneider4, ex-professor da Universidade de Ohio, Estados Unidos, e pesquisador na área de Musicoterapia, antes de 1960, já haviam pesquisas nessa área com paralisados cerebrais. Quando os objetivos eram relacionados ao desenvolvimento motor, as atividades musicais eram realizadas através da utilização de instrumentos rítmicos. Ele diz que a música e as atividades musicais possuem uma influência positiva sobre o nível de tensão, perturbação, sensibilidade e tônus de crianças com esta patologia. Estas atividades musicais facilitam a relação terapêutica, extremamente importante no processo de reabilitação, atraem atenção, aumentando o nível de concentração de pessoas espásticas, além de haver um fortalecimento dos músculos e melhora na coordenação motora. O ritmo é de extrema importância em função de sua capacidade organizadora e impulsora de energia. Thayer Gaston, um dos pioneiros da Musicoterapia diz que: O ritmo não é só o fator principal na organização da música, como também é ele que proporciona a energia, fator primitivo, impulsor da música. Quando o ritmo aparece através de sons de percussão, separados, a atividade muscular se estimula, especificamente se houver alguma variação no motivo musical. Se considerarmos as músicas dos povos primitivos, veremos que é de percussão e que as danças que a acompanham requerem muito movimento. O tambor é o melhor instrumento para essas danças como também para a marcha (tradução própria).5 A partir de 1969, no Brasil, uma das primeiras pessoas a trabalhar com Musicoterapia na área de reabilitação foi Gabriele de Souza e Silva6 na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR). Segundo as musicoterapeutas Anna Lúcia López e Paula Carvalho, este sempre foi um trabalho integrado à Fisioterapia, ou seja, o fisioterapeuta “deve atuar em função dos objetivos musicoterápicos”7 que podem ser das áreas emocional, de comunicação, memória e motora. Desde então, vários profissionais passaram pelo Setor de Musicoterapia daquela instituição, na qual Lia Rejane Mendes Barcellos8 trabalhou durante sete anos e, no período de novembro de 1973 até maio de 1976, utilizou a bateria com um paralisado cerebral. 4 SCHNEIDER, E. Musicoterapia para enfermos con paralisis cerebral. In: GASTON, Thayer E. Tratado de Musicoterapia. Buenos Aires: Paidos, 1968. p. 155. 5 El ritmo no es solo el factor principal em la organización de la música sino también es, hablando em general, el que lê proporciona la energia, el factor primitivo, impulsor de la música. Cuando el ritmo se enuncia com sonidos de percusión, separados, la actividad muscular se estimula, especificamente si em el motivo musical existe alguna variación. Si considerarmos la música de los pueblos primitivos, veremos que es de percusión y requiere que se la acompañe com danzas de mucho movimiento. El tambor es el mejor instrumentos para esas danzas, como también para la marcha. GASTON, 1968, p. 38. 6 Fundadora e Coordenadora do setor de Musicoterapia da ABBR – Rio de Janeiro. 7 LÓPEZ, A.Lúcia; CARVALHO, Paula. Musicoterapia com Hemiplégicos – Um trabalho integrado à fisioterapia. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. p. 18. 8 Docente e Supervisora de estágio do Curso de Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro. 26 Embora entre os objetivos também estivesse tratar as deficiências motoras, pois o cliente tinha uma hemiplegia do lado esquerdo, inicialmente os principais objetivos foram, além da relação terapêutica, a diminuição do comportamento agressivo, da hiperatividade e o desenvolvimento da percepção auditiva, visual, tátil e cinestésica9. Pesquisas científicas realizadas pelo musicoterapeuta, pesquisador em música, Neurociências e reabilitação, Michael Thaut10,descrevem achados científicos há mais de dez anos sobre a Musicoterapia Neurológica. Esta prática clínica consiste na aplicação terapêutica da música nas disfunções cognitivas, sensoriais e motoras. Seu grupo pesquisa sobre a ligação entre ritmo, funções cerebrais e seqüências de movimentos em pessoas com deficiências cerebrais, degenerativas ou traumáticas. Ao trabalhar com essa clientela, a/o musicoterapeuta integra movimentos corporais com música, promovendo uma facilitação fisiológica, além de motivação, propósito e estrutura através dos exercícios e atividades musicais. Thaut usa a música para estimular alguns mecanismos fisiológicos e para facilitar os exercícios físicos. Na sua perspectiva, ocorre uma estimulação sensorial através do padrão rítmico existente na música, porque há uma regularidade e uma seqüência e, desta forma, os acentos rítmicos podem ser previsíveis. O sistema motor é extremamente sensível a qualquer informação relativa ao tempo percebido pelo sistema auditivo. O que faz com que qualquer pessoa se balance ao ouvir uma música, em essência, é o compasso, pois “ele funciona como um relógio externo de sincronização de movimento e ritmo.”11Quando move-se o braço sincronizado com o som de uma batida, de um ponto de uma superfície a outro ponto dessa mesma superfície, por exemplo, o cérebro sincroniza o movimento do braço entre atingir os pontos e os intervalos de tempo entre as batidas. Então, a sugestão rítmica do movimento, não é apenas uma marcação de tempo sugerindo o movimento referente a uma batida, mas sim a sugestão de estabilizar toda a trajetória desse movimento. Essa descoberta é extremamente importante para a terapia, pois assim pode-se entender porque o ritmo melhora toda a relação de tempo, espaço e aspecto de força relacionado ao padrão de movimento.12 Através de tomografia, os pesquisadores registraram quais as áreas do cérebro de pessoas testadas se tornam mais ativas durante a sincronização de movimentos a um determinado compasso. 9 BARCELLOS, Lia Rejane M. A Musicoterapia no Tratamento do Distúrbio de Conduta do Paralisado Cerebral. Rio de Janeiro, 1976. Monografia (Graduação em Musicoterapia), Conservatório Brasileiro de Música. 10 Diretor do Centro de Pesquisa Biomédica em Música da Universidade do Colorado – U.S.A. 11 SCHALLER, Katrin. Acordes Curativos. Viver mente&cérebro, São Paulo, n. 149, p. 68, jun. 2005. 12THAUT, Michael. Music Therapy with Physical Déficit. In: DAVIS, William; GFELLER, Kate; THAUT, Michael. An Introduction to Music Therapy – Theory and Practice. The McGraw-Hill Companies: U.S.A, 1999. p. 238. 27 Quando as pessoas adequavam de modo inconsciente o ritmo dos dedos a uma mudança de compasso, eram ativadas as áreas inferiores do córtex pré-frontal, assim como partes laterais do cerebelo, responsáveis pela coordenação do movimento. No caso de uma reação consciente, a atividade cerebral de desloca para cima no córtex pré-frontal e para trás no cerebelo, além disso, duas outras áreas do cérebro se ativam: o giro do cíngulo frontal e o córtex pré-motor, que prepara os movimentos voluntários.13 O conceito do movimento através da música refere-se à execução de um instrumento musical para fazer a função física, como por exemplo, exercício com os dedos, mãos, braços, etc. A/O musicoterapeuta deve selecionar o instrumento apropriado e específico para cada cliente, escolhendo aquele que poderá proporcionar os movimentos que necessitam ser reabilitados. Para Michael Thaut, ainda existem mais três fatores adicionais no uso de instrumentos musicais que são: a) o feedback auditivo e o movimento com um propósito; b) a afetividade - pois pode ser estimulante para o paciente tocar um instrumento e assim, uma motivação para o programa de reabilitação física; c) a memória motora – o ritmo e a melodia produzidos pela/o cliente enquanto faz exercícios com o instrumento musical ajudará o indivíduo a lembrar-se do movimento muscular. A exemplo de quando a/o pianista toca em seqüência várias notas, são “os dedos que lembram da música.”14 No primeiro capítulo foi visto que para tocar bateria é preciso movimentar várias partes do corpo, principalmente os membros superiores e inferiores. Sabe-se que para executarmos qualquer movimento ativamos muitas áreas do cérebro. Com isso, pode-se entender que quando se toca bateria há a estimulação de várias áreas do cérebro de quem toca. Essas estimulações não estão relacionadas apenas aos movimentos e à coordenação desses movimentos, mas também à percepção, ao equilíbrio, à memória e ao emocional. Atividades que proporcionam simetria, coordenação dos movimentos, propriocepção, incluindo flexo-extensão do cotovelo, são de extrema importância no processo de reabilitação física, assim como atividades que “requisitem variação no tamanho, formato, peso, temperatura, textura, necessidade de uni e bimanualidade e que exijam diferentes preensões, possibilitarão que as informações sensoriomotoras sejam recebidas, decodificadas e somadas no engrama motor.”15 O controle do movimento e da força, o ajustamento da abertura das mãos conforme o tamanho do objeto, a conformação dos dedos e do polegar envolvendo 13SCHALLER, Katrin. Acordes Curativos. Viver mente&cérebro, São Paulo, n. 149, p. 69, jun. 2005. 14THAUT, 1999, p. 239. 15ZERBINATO, Luciana; MAKITA, Lucy; ZERLOTI, Priscila. Paralisia Cerebral. In: TEIXEIRA, Érika; SAURON, Françoise; SANTOS, Lina; OLIVEIRA, Maria. Terapia ocupacional na reabilitação física. São Paulo: Roca, 2003. p. 518. 28 objetos, o controle do tempo entre apreensão e soltar também fazem parte do processo de reabilitação de paralisados cerebrais. Todas essas atividades relacionam-se diretamente à forma de tocar bateria. A musicoterapeuta Elizabeth Wong, integrante da Associação Americana de Musicoterapia, profissional com vasta experiência na área de reabilitação física com adultos, fala de diversas técnicas e sugestões em relação à essa área de trabalho16. Segundo ela, tocar bateria é excelente para se fazer atividades motoras porque requer a habilidade de controlar o movimento para cima, para baixo e para os lados, variando as direções, dependendo do ângulo que o instrumento está posicionado. Entre as atividades que propõe, algumas podem ser feitas com ou sem o uso de baquetas e, em geral, ela tem preferência por baquetas com feltro na ponta, semelhante àquelas utilizadas para tocar tímpano. Quanto mais firme a pegada do indivíduo, menores objetos ele poderá segurar. Em função disso, a pessoa que não tem uma pegada firme pode usar um artifício adaptado ao redor da baqueta para deixar a pegada mais firme. Dois exemplos são: a) uma espuma ao redor da baqueta; b) uma fita emborrachada que engrosse a espessura da baqueta, facilitando assim a pegada. Wong sugere ainda que, dependendo das habilidades físicas e mentais da/o cliente, ela/e pode tocar bateria com ou sem o auxílio de música, pois a música pode determinar ou realçar a atividade ou exercício, devendo ser usada sempre com um objetivo terapêutico. A escolha da música é muito importante e não deve provocar confusão ou desviar a/o musicoterapeuta de suas metas. Conforme o caso, se a pessoa só consegue fazer movimentos lentos e pequenos, uma música rápida e instável não é apropriada, pois ela/e não conseguirá acompanhar o andamento nem o ritmo musical e, provavelmente, criará apenas barulho. Outra técnica utilizada por Elizabeth Wong é o improviso de textos cantados enquanto se toca bateria com o objetivo de sugerir à/ao cliente que ela/e também utilize a voz. Para ela, colocar a vozpode ser mais um estímulo em relação à música. As várias possibilidades de montagem da bateria é um fator de extrema importância quando se trabalha com pessoas com algum tipo de limitação. No primeiro capítulo, a bateria foi apresentada como sendo um instrumento que pode e deve ser totalmente adequada e adaptada às necessidades, capacidades e características físicas do indivíduo. É possível aproximar ou afastar os tambores e pratos, ajustar a altura e, conforme o caso, reduzir o número de peças conforme os objetivos a serem alcançados. 16WONG, Elizabeth H. Clinical Guide to Music Therapy in Adult Physical Rehabilitation Setting. Silver Spring: The American Music Therapy Association, 2004. 29 Segundo o Dr. Rolando Benenzon17: Um instrumento musical será de interesse para a Musicoterapia se tiver as seguintes características: for de simples manejo, de fácil deslocamento, de grande potência sonora, que tenda a expansão e não à introversão, que suas possibilidades sonoras sejam de estrutura rítmica, melódicas, inteligíveis e claras e que a sua simples presença seja suficiente estímulo como objeto intermediário.18 Em função dessa versatilidade, entende-se que a bateria torna-se um instrumento de simples manejo e que possui várias características consideradas importantes para Bezenzon, pois é um instrumento de grande potência sonora, tem uma tendência a expansão e sua presença é suficiente como objeto intermediário. Além de ser considerado por muitos um instrumento atraente pela sua aparência e tamanho, ela também poderia estimular o interesse dos portadores de paralisia cerebral, principalmente por ser um instrumento musical de retorno imediato, ou seja, mesmo se a pessoa não tem nenhum conhecimento da técnica de como se toca, poderá executá-la se percutir (bater) em qualquer peça que a compõe, obtendo algum tipo de resposta sonora. Em relação às suas possibilidades sonoras, são de estruturas rítmicas predominantemente utilizadas na área de reabilitação física. Além das possíveis adaptações na bateria e os possíveis ajustes nas baquetas, a utilização, de um dispositivo aplicado a qualquer parte do corpo da/o cliente, quando necessário, pode ser uma solução para corrigir deformidades ou maximizar a função do membro. Esse dispositivo chama-se órtese, sua indicação é normalmente feita por um/a terapeuta ocupacional e seu uso pode facilitar muito o trabalho da/o musicoterapeuta. Existem as órteses pré-fabricadas, que são produzidas em série, e as órteses modeladas que podem ser confeccionadas em gesso de Paris, gesso sintético ou termoplástico de baixa temperatura, diretamente sobre a/o cliente. A mais utilizada é a órtese modelada que “atenderá as necessidades do cliente, desde que seja corretamente indicada, prescrita, confeccionada e tenha seu uso devidamente controlado.”19 A adaptação referente à bateria ou ao membro de quem toca visa à valorização as capacidades e eficiências do indivíduo. Um exemplo de adaptação a ser realizada é a bateria usada por Rick Allen, da banda Def Leppard que, após sofrer um acidente de carro em 1984 e 17Médico psiquiatra, Musicoterapeuta Argentino, fundador da Associação Argentina de musicoterapia e um dos fundadores da Associação Brasileira de Musicoterapia em 1968. 18BENENZON, Rolando. Teoria da Musicoterapia – Contribuição ao conhecimento do contexto não-verbal. São Paulo: Summus, 1998. p. 76. 19SAURON, F. Nicole. Órteses para membros superiores. In: TEIXEIRA, Érika; SAURON, Françoise; SANTOS, Lina; OLIVEIRA, Maria. Terapia ocupacional na reabilitação física. São Paulo: Roca, 2003. p. 270. 30 ter o braço esquerdo amputado, hoje toca com um instrumento adaptado, utilizando mecanismos para tocar a caixa e tons com os pés. Rick atualmente tem tido muito mais destaque entre os bateristas e o público em geral do que antes de sofrer o acidente, pois além de ser um exemplo de determinação, coragem e superação, mostrou que é possível ser um grande baterista mesmo não tendo um dos membros. A superação só foi possível porque, independente dos desafios e dificuldades, acima de tudo, havia um forte desejo. Michael Thaut descreve em suas pesquisas o quanto pode ser estimulante para a/o cliente tocar um instrumento. Então, o aprendizado e a execução da bateria poderiam ser um meio para a reabilitação física e emocional do indivíduo com paralisia cerebral, mas para que isso aconteça é fundamental que a/o cliente deseje fazê-lo. A Terapia Ocupacional define como movimento desejado aquele movimento na qual a pessoa presta atenção de uma forma consciente, ou seja, faz esforço para consegui-lo e assim atingir uma meta. Esta definição está em congruência com os conceitos da Psicomotricidade que diz que: a/o cliente como sujeito desejante dá sentido ao movimento facilitando assim a terapia. Sigmund Freud “mostrou como no ser humano o psicológico nasce a partir do biológico, como a necessidade fisiológica cria o desejo psíquico, e a satisfação da necessidade, o prazer.”20A psicóloga e psicodramaticista Jussara Orlando, salienta que “o homem se movimenta a fim de satisfazer uma necessidade e que através de seus movimentos e ações demonstra o desejo de atingir certos fins e objetivos.”21 Assim, o aspecto afetivo-emocional relacionado à vontade de tocar bateria pode ser um facilitador no processo terapêutico com música, na música e através da música, pois no caso, o som e o ritmo poderiam ser esse fim e objetivo como forma de estímulo para que o indivíduo execute o movimento desejado. Certamente, todo o esforço para executar o movimento, e as repetições desse movimento, faz parte do processo de reabilitação física que depende do aspecto emocional. Inicialmente, o aprendizado e a execução da bateria podem representar um grande desafio para o PC que com resultados positivos se sentirá certamente compensada/o e gratificada/o havendo assim uma grande melhora em sua auto-estima. 20LAPIERRE, Andre; AUCOUTURIER, Bernard. A Simbologia do Movimento - Psicomotricidade e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. p. 31. 21ORLANDO, Jussara. Corpo x Movimento. In: THIERS, Solange. Sócio-psicomotricidade Ramai-Thiers. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. p. 57. 31 A musicoterapeuta carioca Ana Sheila Uricoechea22 refere-se à “Musicalização Terapêutica”23 como sendo a utilização de experiências da educação musical para atender às necessidades terapêuticas do cliente, ou seja, a aprendizagem musical é secundária aos objetivos terapêuticos. Em sua experiência profissional, ela utiliza instrumentos como flauta- doce, teclado, violão, piano e bateria e a indicação desta abordagem relaciona-se ao desejo e interesse da/o cliente com necessidades especiais em querer aprender um instrumento musical. Segundo ela, esse trabalho além de oferecer uma nova opção de atendimentos musicoterápicos, pode ser realizado em Escolas de Música e Conservatórios, proporcionando a inclusão dessa clientela em ambientes freqüentados por pessoas que não necessitam de cuidados especiais. A prática de exercícios de controle de baquetas (stick control) em um processo comum de aprendizagem é utilizada para a aquisição de técnica e velocidade das mãos. Na Musicoterapia, estas atividades, além de facilitar o desenvolvimento motor, podem trabalhar e desenvolver a lateralidade. Pessoas que não tenham capacidade de controlar e identificar os dois lados do corpo juntos ou separadamente, dificilmente conseguirão praticar os exercícios de controle de baquetas, por isso, utilizar baquetas com cores diferentesou algum tipo de marcação em cada uma delas, pode ser um recurso visual para diferenciação entre as mãos. Ex: Numa prática normal de TOQUE DUPLO: A seqüência das mãos será: mão direita (2x), mão esquerda (2x), já com a utilização de cores poderá ser substituída por: Vermelho (2x), Verde (2x). Sendo que no caso das cores, a/o cliente irá visualizar a marcação nas baquetas e não precisará ativar a área do cérebro responsável por identificar qual dos lados do corpo - direito ou esquerdo - mesmo assim, executará o movimento corretamente e conseqüentemente aos poucos irá adquirir uma memória motora da seqüência deste movimento. 22Docente e Supervisora de estágio do Curso de Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro. 23URICOECHEA, A. S. Musicalização Terapêutica. Rio de Janeiro: Conservatório Brasileiro de Música, 2005. 32 Muitos portadores de PC, pela dificuldade de mover-se e de se comunicar, apresentam problemas de socialização, destes emergem problemas psicológicos, principalmente na adolescência. O aprendizado e a execução da bateria podem proporcionar a/ao cliente a interação e participação em um grupo musical. Segundo John Bixler24, a música é uma atividade significativa que pode prosperar em uma situação de grupo, principalmente nas relações grupais, ajudando a pessoa a formar uma imagem mais clara e precisa de si mesmo e dos fins da reabilitação. A bateria assume espaços diferentes no setting terapêutico e, de acordo com cada cliente, é montada focando-se o que ela/e pode realizar e, gradativamente, a inserção de novas peças podem ir somando-se conforme a evolução do trabalho de reabilitação. Propor a uma pessoa com tetraparesia para que ela toque algum instrumento musical, poderia significar oferecer uma meta inatingível, pois o uso funcional dos membros superiores e a aquisição de ambulação são pouco freqüentes. Com esta clientela, a bateria poderia ser tocada pela/o musicoterapeuta com o intuito de estimular fisiologicamente o corpo do indivíduo através da execução de ritmos variados, até obter alguma resposta corporal como resultado. Já em um caso de diparesia, onde há alguma possibilidade de deambulação, o trabalho de musicoterapia seria focado inicialmente na funcionalidade dos membros superiores, adaptando a posição do bumbo de forma que possa ser tocado com uma das mãos - assim como antes do surgimento do pedal de bumbo - e se possível, conforme a evolução do trabalho, inserir o pedal de bumbo para tocá-lo com o pé. Com pessoas com hemiparesia, a/o musicoterapeuta buscaria soluções para a montagem do instrumento conforme o lado do corpo paralisado, e nestes casos poderia ser utilizado um set up de bateria mais completo e, independente do tempo de cada pessoa, habilidades em relação à técnica de se tocar bateria poderiam ser desenvolvidas. Neste capítulo, foram apresentados trabalhos e pesquisas em Musicoterapia na área de reabilitação física, com e sem o uso da bateria. Verificou-se da importância do ritmo, a diversidade de formas para se trabalhar com paralisados cerebrais e as conexões com a maneira de tocar bateria. 24BIXLER, John W. Musicoterapia para ninôs con paralisis cerebral. In: GASTON, Thayer E. Tratado de Musicoterapia. Buenos Aires: Paidos, 1968. CONCLUSÃO Um dos principais desafios da/o musicoterapeuta é primeiramente observar e avaliar cada cliente de forma individual. A partir desta avaliação, a/o musicoterapeuta tem condições para determinar quais metas poderão e ou deverão ser alcançadas. Já que vários movimentos utilizados para habilitar ou reabilitar pessoas com paralisia cerebral assemelham-se à forma de como tocar bateria e, ao se executar este instrumento musical são estimuladas várias áreas do cérebro de quem toca, o seu uso é adequado para o tratamento dessa clientela, desde que a/o musicoterapeuta domine o instrumento musical em questão e tenha discernimento dos tipos de paralisia cerebral. Verificou-se que, em certos casos, a bateria será utilizada, inicialmente, apenas para estimular fisiologicamente o cliente e os resultados serão medidos conforme o nível de gravidade de cada caso. No que se refere à reabilitação física, instrumentos de percussão quase sempre estão associados ao desenvolvimento motor, mas conforme o que fora anteriormente apresentado em relação à bateria e seus diferenciais, pode-se afirmar que ela é mais do que um instrumento musical rítmico que integra o setting de Musicoterapia. Conclui-se então, que a inserção e o uso da bateria em Musicoterapia com a clientela aqui apresentada, pode atingir outras metas que perpassam os propósitos do desenvolvimento motor, a bateria pode ser o próprio setting musicoterápico. Em geral, se o setting musicoterápico é organizado ou adaptado a partir das avaliações e objetivos, a bateria entendida como o seeting será igualmente organizada e adaptada conforme às necessidades e preferências da/o cliente. Para o estabelecimento do vínculo terapêutico, tão importante no processo de reabilitação, cabe ao profissional buscar soluções para desenvolver habilidades específicas no indivíduo, focando no que há de saudável nela/e. As atividades esteticamente prazerosas e compensatórias lhe proporcionam a motivação necessária para o início do trabalho. Descreveu-se que, embora a paralisia cerebral tenha como principal característica o déficit motor, é comum haver distúrbios associados e, a partir deste princípio, a/o 34 musicoterapeuta deve ter a capacidade de atingir também objetivos emocionais e sociais através do uso da bateria de forma criativa. Para que isso ocorra, é fundamental que a/o profissional tenha experiência nesta área, domínio da técnica de tocar bateria, profundo conhecimento da estrutura de suas peças e das possibilidades de montagem que ela oferece. Entende-se que somente aquelas pessoas que têm acesso a essas informações poderão fazer adaptações, tanto em relação ao instrumento como em relação às atividades de forma eficiente. Na Musicoterapia os aspectos motores nunca estarão separados dos aspectos emocionais, e por esta afirmação, o sucesso da terapia dependerá do desejo da/o cliente. As atividades e objetos que estimulam a percepção tátil são importantes na integração do reflexo de preensão palmar ativa e voluntária de paralisados cerebrais, então baquetas com espessuras diferentes, além de facilitar a pegada, quando revestidas com materiais diversos ou feitas de outros materiais que possibilitem a variação da temperatura, favorecem a estimulação tátil. Além disso, baquetas de madeira, metal, com ponta de nylon, de feltro ou vassourinhas, estimulam também a percepção auditiva, assim como o uso de tambores de tamanhos e afinações variadas e pratos com diferentes dimensões. Configurações distintas podem proporcionar também o desenvolvimento da percepção visual e da memória. As memórias, a curto e a longo prazo, podem ser desenvolvidas através da execução de padrões rítmicos propostos e repetidos com freqüência pela/o musicoterapeuta. Palavras, nomes, cores ou situações sugeridas pela/o própria/o cliente ativam aspectos cognitivos. Quando têm algum significado ou valor afetivo para o indivíduo, se associadas às batidas ou padrões rítmicos, facilitam o armazenamento de informações. A/O terapeuta pode utilizar instrumentos como violão e teclado para re-criar canções que façam parte do ISO da/o cliente afim de instigá-la/o a acompanhar a duração da canção na bateria. Esse tipo de atividade exigirá do indivíduo atenção, percepção,
Compartilhar