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Ferrell Morte ao Método [Dilemas] (1)

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Os criminólogos estão diante de duas crises con-temporâneas. Da primeira, desdobramento das crises do capitalismo global e de governabilidade, 
resulta a espiralização de danos como a desorganização 
social, o encarceramento, o empobrecimento e a degra-
dação ambiental. Dentre essas espirais, também emerge, 
infelizmente, uma série de novos fenômenos que deman-
dam dos criminólogos um olhar crítico: novas formas de 
irrupção da violência, de vigilância e de controle estatais, 
crimes decorrentes da incerteza econômica e existencial, 
condutas ilegais na administração das corporações e ten-
sões relativas à sustentabilidade social e ambiental. Essa 
crise talvez indique a promessa de mudanças progressivas. 
Mas se Marx e Merton estiverem razoavelmente certos, ela 
certamente contém o tipo de contradição a partir da qual 
emergem novas formas de crime e de predação.
A segunda crise é a da própria criminologia. Atualmen-
te mutilada por sua metodologia, seu potencial de análise e de 
crítica resta perdido em um emaranhado de questionários de 
pesquisa tipo survey, de conjuntos de dados e tratamentos es-
tatísticos. Pior: a criminologia se rendeu ao fetiche dessas me-
todologias. Tais métodos são não apenas ampla e acriticamente 
utilizados pelos pesquisadores contemporâneos, mas também 
detalhados e reificados a ponto de, para muitos criminólogos, 
substituir o próprio crime e seu controle, que deveriam ser os 
objetos de facto da disciplina. A criminologia, assim, se volta 
duplamente contra si mesma: primeiro, abraça métodos com-
pletamente inadequados e inapropriados para o estudo das re-
lações humanas; depois, os torna seu evangelho.
Morte ao método: Uma provocação1 
Jeff Ferrell
Professor da Texas Christian University
Traduzido por: Salo de Carvalho e Simone Hailliot
DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 5 - no 1 - JAN/FEV/MAR 2012 - pp. 157-176 
1 “Kill Method: A Provoca-
tion”, publicado originalmen-
te no Journal of Theoretical 
and Philosophical Criminolo-
gy, Vol. 1, no 1, 2009.
 
DILEMAS158 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS158 Morte ao método Jeff Ferrell
A segunda crise exclui o engajamento da criminologia com 
os problemas apresentados pela primeira. Passadas algumas 
décadas, questionários, estatísticas e outras metodologias “obje-
tivas” serviram para uni-la cada vez mais à “Justiça Criminal”, 
seja como pseudodisciplina ou prática estatal. Transformada em 
acessório da Justiça, a criminologia não apenas conspira para 
“policiar a crise”, como sustenta instituições subjacentes a ela. 
Além disso, a criminologia está afastada da teoria crítica e volta-
da para as práticas de controle do crime, de cálculo de riscos e de 
gerenciamento de dados. Essa trajetória torna a pesquisa crimi-
nológica ainda mais impenetrável – para não dizer desagradável 
e inútil – a cidadãos, movimentos urbanos progressistas, jovens 
ativistas políticos, e a outros grupos que poderiam ser incorpo-
rados ao projeto criminológico de enfrentamento da crise con-
temporânea global. Casada com o Sistema de Justiça Criminal 
e divorciada das nuances políticas da vida cotidiana, a crimino-
logia estreita sua visão exatamente no momento em que mais se 
necessita de um engajamento amplo e crítico.
Enquanto Roma ardia em chamas, Nero tocava violino. 
Enquanto nosso mundo sucumbe, a criminologia calcula.
O entrelaçamento de crises – a da política global, do crime 
e da economia e a incapacidade metodológica da criminologia 
de enfrentar criticamente essa situação – pode ser abordado de 
diversas formas. Os seminários de estatística avançada ou de 
elaboração de questionários poderiam ser cancelados suma-
riamente e seus participantes enviados para adornar praças ou 
participar de programas de atendimento a crianças carentes. A 
criminologia poderia ser declarada um fracasso ou uma fraude 
como disciplina acadêmica, e os programas de pós-graduação 
e publicações poderiam ser transformados em cursos de arte, 
história ou teatro – ou, se a atual orientação se mantiver, pode-
riam simplesmente ser transformados em programas de ciên-
cia atuarial. Como alternativa, ela pode continuar sendo uma 
disciplina, mas, como tal, os pesquisadores da área podem or-
ganizar seminários sobre prática política revolucionária, mídia 
do-it-yourself e economia autossustentável. Afinal de contas, 
tempos perigosos demandam pensamentos perigosos.
Aqui, pois, ofereço distintos tipos de proposições e pro-
vocações para salvar a criminologia e promover seu engaja-
mento crítico na atual crise global. 
Morte ao método.
 
DILEMAS 159Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 159Jeff Ferrell Morte ao método
 
O fetichismo da metodologia
O termo fetichismo geralmente sugere duas formas de 
relação entre significado e mundo material. A primeira é a 
atribuição de vitalidade a objetos inanimados: é como se o 
objeto mesmo fosse visto como materialização daquilo que, 
de outra maneira, poderia ser compreendido como ação 
humana ou prática cultural. A segunda forma, de modo 
semelhante, é o fetichismo como um tipo de preocupação 
artificial com fragmentos de uma totalidade. Para o antropó-
logo, portanto, o fetichismo pode ser investigado como um 
tipo de misticismo religioso em que vários grupos atribuem 
força espiritual aos objetos fetichizados. Para os marxistas, 
o “fetichismo da mercadoria” significa não tanto misticismo 
quanto mistificação – uma ideia capitalista essencial segun-
do a qual as mercadorias personificam os valores, de modo 
que o trabalho humano que cria o valor é esquecido. Para o 
fetichista sexual, o dedo do pé ou o lóbulo da orelha emerge 
como objeto de afeto, um substituto para a dinâmica mais 
ampla da sexualidade e da sedução.
A cultura metodológica da criminologia contemporânea 
opera exatamente dessa forma. Criminólogos ortodoxos acre-
ditam que a pesquisa por questionários e a análise estatística 
estão de alguma forma misticamente dotadas do poder da “ob-
jetividade”, que personificam o espírito da investigação cien-
tífica, da precisão matemática e da análise não passional. Eles 
acham que esses métodos operam sem influência das emoções 
e das ações humanas, que eles podem extrair “dados” objetivos 
e conhecimento útil daqueles que são seus alvos, podem pro-
duzir resultados válidos “reproduzíveis” independentemente 
do pesquisador, podem expurgar “erros” e “subjetividades” do 
processo de investigação. E, assim como o fetichista sexual, o 
criminólogo ortodoxo restringe seu olhar apenas às minúcias 
de sua metodologia e às minúcias sociais que seu método pro-
cura analisar, quase sempre se esquecendo da dinâmica maior 
do crime, da transgressão, do saber e do poder. 
Não é assim, porém, que a criminologia deve ser, nem 
é o modo como sempre foi. Historicamente, muitos dos tra-
balhos fundamentais da criminologia surgiram de abordagens 
idiossincráticas, impressionistas e “indisciplinadas” que pou-
co se assemelham a qualquer tipo de metodologia formalizada 
 
DILEMAS160 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS160 Morte ao método Jeff Ferrell
(ADLER e ADLER, 1998). Quando, nas décadas de 20 e 30, 
os acadêmicos da Escola de Chicago pesquisavam, o faziam 
basicamente respeitanto seus sentimentos e compromissos. 
A pesquisa para o livro de 571 páginas de Frederic Thrasher 
(1927, p. XIII, 79), A gangue, “durou um período aproximado 
de sete anos”, e o autor não apenas apresenta em detalhe suas 
impressões sobre “a emocionante vida na rua das gangues”, 
como também inclui suas próprias fotos in situ de rituais e do 
cotidiano da vida juvenil das gangues. Décadas mais tarde, 
pesquisadores vinculados à National DeviancyConference da 
Grã-Bretanha (YOUNG, 1971, e COHEN, 1972, por exem-
plo) e pesquisadores norte-americanos como Howard Becker 
(1963) e Ned Polsky (1967), igualmente desenvolveram pes-
quisas que se mantêm na base da criminologia, pesquisas que 
surgiram não de metodologias preconcebidas, mas do estilo 
de vida marginal e das predileções (i)morais de seus autores. 
Ainda assim, passadas cerca de seis décadas – sobretu-
do nas mais recentes – a criminologia absolutamente não 
abandonou a tradição de pesquisa engajada e fluida em prol 
do fetichismo da metodologia. Essa trajetória iniciou-se em 
parte após a Segunda Guerra Mundial, com o direcionamen-
to de verbas governamentais para a academia. “Vasto finan-
ciamento, professores empreendedores e agentes de políticas 
públicas ávidos por algo que se parecesse com conhecimento 
técnico formaram a mistura que forneceu o combustível”, diz 
o historiador Mark Mazower (2008, pp. 36-42). 
Enormes somas de dinheiro foram subitamente despejadas nas 
universidades... Os cientistas sociais que receberam as verbas ofe-
receram a assistência técnica que simplificou o mundo e o tornou 
governável, utilizando as ciências comportamentais ou os mode-
los econômicos matemáticos. Transformaram questões humanas 
em bancos de dados; padrões culturais em formulários de reação 
comportamental. E substituíram a confusa multiplicidade de pala-
vras e idiomas pela linguagem quantificável e universal da ciência.
 
Na sociologia, acrescenta Chapoulie (1996, p. 11), “a uti-
lização de ferramentas estatísticas e da linguagem das ciências 
naturais centrada na comprovação foi claramente uma forma 
de aumentar a legitimidade científica de uma disciplina não 
reconhecida plenamente nem na universidade nem fora dela”.
 
DILEMAS 161Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 161Jeff Ferrell Morte ao método
 
Especialmente para a criminologia, essa tendência se 
acelerou nos últimos anos, com a ascensão da “justiça crimi-
nal”, os imperativos de investimento do National Institute of 
Justice2 e outras burocracias, e a consequente demanda por 
pesquisas metodologicamente vendáveis, politicamente fi-
nanciáveis e burocraticamente úteis para gestores públicos e 
agentes da Justiça Criminal. Nesse ambiente criminológico 
de conhecimento racionalizado e de aspiração monetária, 
há pouco espaço para pesquisas impressionistas, inovadoras 
e emergentes. De fato, nesse ambiente, não há lugar para os 
trabalhos fundamentais da criminologia. Não seriam finan-
ciados; não teriam permissão de serem desenvolvidos sob as 
diretrizes do Institutional Review Board3; não seriam acei-
tos por editores para publicação; não teriam valor para as 
comissões de titulação e promoção. Seriam rejeitados como 
pesquisa de campo, ensaio especulativo ou interpretação 
subjetiva − tudo em decorrência de sua falta de − digamos − 
rigor metodológico.
Assim, no lugar das vívidas etnografias de Thrasher e 
Becker, no lugar das teorizações inovadoras de Merton e 
Sutherland, o que a criminologia ortodoxa oferece hoje? 
Colocado de outra forma: que tipo de discurso é produzi-
do pelo rigor metodológico, por uma criminologia viciada 
em questionários, bancos de dados e estatísticas? Qual é o 
som ambiente do fetichismo metodológico? As respostas 
não são difíceis de encontrar: são apresentadas em edição 
após edição da Criminology, a principal publicação da cri-
minologia norte-americana.
Crimes cometidos contra o patrimônio de vizinhos produz um im-
pacto de 0.132, comparável àqueles com vitimização do próprio 
patrimônio (0.121). (WADSWORTH e ROBERTS, 2008, p. 827)
É importante lembrar que uma das principais vantagens do mo-
delo Tobit é que ele trata explicitamente do valor mínimo da me-
dida de delinquência acumulada... (OUSEY e WILCOX, 2007, p. 340)
Um coeficiente de regressão como o y11 para a diferenciação 
de papéis indica o aumento na tendência de ser um ofensor 
versus uma vítima, com o aumento de cada unidade em uma 
variável explicativa (X1), que é expressa como a medida à qual a 
2 O National Institute of Jus-
tice é um programa do De-
partamento de Justiça dos 
Estados Unidos voltado para 
o financiamento de pesqui-
sas de temas relacionados à 
Justiça Criminal. (N.T.)
3 O Institutional Review Board 
é o comitê formalmente de-
signado para aprovar, monito-
rar e revisar as pesquisas que 
envolvem seres ou agrupa-
mentos humanos nos Estados 
Unidos. Trata-se de instituição 
de avaliação das pesquisas 
acadêmicas, inspirada nos câ-
nones da bioética. (N.T.)
 
DILEMAS162 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS162 Morte ao método Jeff Ferrell
probabilidade da ofensa excede a de vitimização, ajustada a dife-
renças nas classificações básicas entre todos os itens. (SCHRECK, 
STEWART e OSGOOD, 2008 p. 886)
Seria o baixo desempenho de MM decorrência, em parte, da falta 
de adaptação ao modelo de associação de RC? (WADSWORTH e 
ROBERTS, 2008, p. 860)
Pode-se argumentar que estes trechos estão sendo uti-
lizados injustamente para representar e criticar os estudos 
dos quais foram extraídos, retirados do contexto substanti-
vo ou teórico mais amplo da pesquisa. Na realidade, no en-
tanto, não é nem o foco substantivo nem o enquadramento 
teórico que contextualiza esse tipo de criminologia, mas sim 
a metodologia de manipulação de dados e de análise quan-
titativa. A análise estatística orienta e define essa pesquisa. 
Como os autores deixam claro, a investigação se sustenta ou 
é abortada em razão de medição e cálculo. Como mostrado 
inúmeras vezes em extensas tabelas, em elaboradas equa-
ções matemáticas que ocupam páginas inteiras e em lon-
gas exposições metodológicas que contrastam com breves 
seções de “discussão” ou “conclusões”, esse tipo de pesquisa 
criminológica é orientada primordialmente para a edifica-
ção de monumentos estatísticos – sobre dados superficiais e 
uma debilíssima fundação epistemológica. 
A citada pesquisa sobre delinquência, por exemplo, 
direcionada a 9.488 alunos da sétima série no estado de 
Kentucky, Estados Unidos, obteve menos de 4 mil questio-
nários preenchidos, que, por sua vez, forneceram respostas 
limitadas e prédefinidas a declarações como “eu converso 
com minha mãe” e “eu não consigo ficar quieto”. Além dis-
so, os pesquisadores admitiram que “nossa amostra de fato 
parece não representar os homens”, mas que “sem informa-
ções explícitas sobre os não respondentes, entretanto, não 
podemos saber com precisão em que medida se diferem 
dos respondentes” (OUSEY e WILCOX, 2007, pp. 322-323, 
351-352). No estudo de 2008 sobre os papéis de infrator e 
vítima, os pesquisadores usaram dados do Instituto de So-
ciometria de uma pesquisa feita mais de uma década antes 
(1994-1996) com alunos do ensino fundamental e médio. 
Embora tenham constatado ambiguidades no instrumento 
 
DILEMAS 163Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 163Jeff Ferrell Morte ao método
 
– de modo que delito e vitimização podem ser confundidos 
nas próprias perguntas do questionário (!) – os pesquisa-
dores se sentiram à vontade para recodificar a classificação 
ordinal dos dados da pesquisa original em uma dicotomia 
sim/não e para “omitir a variável ‘disputa entre gangues’ da 
lista”, uma vez que “a variável ‘disputas entre gangues’ pare-
cia gerar mais confusão que esclarecimentos.” (SCHRECK, 
STEWART e OSGOOD, 2008, pp. 871, 881-2). Não satisfei-
tos, os autores do estudo de 2008 sobre crime/vitimização 
da propriedade e da mobilidade utilizaram dados do Natio-
nal Crime Survey produzidos décadas antes (1980-1985) – 
dados que não incluíam trailers, “hotéis ou motéis ocupados 
por hóspedes em deslocamento” ou “alojamentos coletivos(tais como dormitórios ou pensões), porque poucas obser-
vações foram encontradas para embasar análises distintas” 
(WADSWORTH e ROBERTS, 2008, pp. 809, 816-17).
São essas as informações – uma marcação de lápis de 
uma criança colegial em uma caixa de resposta, um conjunto 
de dados do Instituto de Sociometria, uma pesquisa de déca-
das atrás repleta de ambiguidade e omissão – que os pesqui-
sadores depois recodificam e manipulam para chegar a con-
clusões quantificáveis sobre crime e controle do crime. São 
questionários respondidos por crianças que podem ou não 
compreender as perguntas, que podem ou não estar dispostas 
ou habilitadas para traduzir suas memórias a grupos de res-
postas codificadas, que podem ou não representar as outras 
crianças que não responderam ao questionário. Os questio-
nários são cotejados, armazenados e posteriormente recupe-
rados para novas interpretações e codificações. Esses regis-
tros são então recodificados novamente em gráficos, tabelas e 
equações. Imagina-se que isto constitua o conhecimento sobre 
crime e delinquência e as conclusões sobre suas causas e con-
sequências? Quão distante está essa metodologia de medição 
da experiência de crime e vitimização vivida e da profunda 
compreensão dos criminólogos dessa experiência?
“Oh minh’ alma, constrói para ti majestosas moradas” 
(HOLMES, 1858) – mas não com números densos como tijo-
los e não sobre fraudulentas fundações epistemológicas.
Por vezes, as fundações epistemológicaS fraudulentas são 
até mesmo sobrepostas. Conforme recomendação do Departa-
mento de Justiça Juvenil e Prevenção da Delinquência (OJJDP, 
 
DILEMAS164 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS164 Morte ao método Jeff Ferrell
sigla do nome em inglês) da Secretaria Nacional de Justiça dos 
Estados Unidos, a Pesquisa Nacional sobre Grupos de Jovens 
em Conflito com a Lei4 calcula o número de gangues e de seus 
membros em todo o país e identifica fortes tendências nas 
suas características e atividades. De fato, os relatórios oficiais 
baseados nos questionários da pesquisa estão tomados por ta-
belas, quadros, gráficos e fórmulas. No entanto, para adquirir 
o conhecimento estatístico e longitudinal, o OJJDP envia os 
questionários não a membros de gangues ou a pesquisadores 
da comunidade, mas apenas às agências que aplicam as leis. 
As pessoas designadas a preencher os questionários em cada 
agência são então instruídas a responder com base em “regis-
tros ou em seu conhecimento pessoal”, embora seja “impos-
sível determinar qual”. E mais: “nenhuma definição do que 
constitui um membro de gangue ou um incidente com uma é 
dada”, pois “não há consenso acerca do que constitui uma gan-
gue, um membro de uma gangue ou um incidente com uma 
gangue...” (OJJDP, 1999, p. 7). Dessa forma, a metodologia do 
OJJDP produz o conhecimento criminológico oficial de uma 
questão crítica relacionada ao crime – gangues, seus membros 
e atividades – que talvez seja melhor resumida da seguinte for-
ma: “O que não pode ser estudado diretamente pode, contudo, 
ser levantado com base nos registros ou talvez nas percepções 
pessoais daqueles cujo trabalho é exatamente erradicar o que 
não podem definir com precisão” (FERREL, HAYWARD e 
YOUNG, 2008, p. 174).
Claro que tudo isso é risível e absurdo, a menos que seu 
trabalho seja acreditar no contrário, ou seja, que ele dependa 
de um fetiche metodológico politicamente conveniente que 
substitui o conhecimento criminológico mundano por nú-
meros e fórmulas5. A propósito: e se seu trabalho for, além 
disso, estimular a masturbação entre universitários? Em 2006, 
na Conferência Sutherland da Sociedade Norte-Americana 
de Criminologia, o professor de políticas públicas e estatísti-
ca Daniel Nagin (2007, p. 265) citou um experimento clínico 
recente no qual jovens universitários do sexo masculino fo-
ram “instruídos a se masturbar, mas não a ponto de ejacular, 
enquanto respondiam a uma série de questões relacionadas a 
sexo”. Ao citar o estudo como “o tipo de investigação sobre a 
tomada de decisões que, acredito, vai esclarecer temas impor-
tantes da criminologia”, auxiliando a “colocar o tema da esco-
4 Do original, “National 
Youth Gang Survey”. A tra-
dução ajusta o nome aos 
parâmetros nacionais de 
forma a permitir ao leitor 
a contraposição entre as 
formas de abordagem do 
tema da delinquência ju-
venil no Brasil e nos Esta-
dos Unidos. (N.T.)
5 O autor utiliza o termo 
“on-the-ground criminolo-
gical knowledge”. A tradu-
ção literal sugere um saber 
criminológico fundado nas 
experiências humanas e, 
portanto, distinto da ra-
cionalidade atuarial das 
criminologias neopositi-
vistas. Utilizou-se o termo 
“mundano” para reforçar a 
ideia de um saber crimino-
lógico antimetafísico. (N.T.)
 
DILEMAS 165Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 165Jeff Ferrell Morte ao método
 
lha para o centro da pesquisa teórica e empírica da crimino-
logia”, Nagin (2007, pp. 262, 266, 269) continua e levanta uma 
interessante questão metodológica. “Experiências de teorias 
de amplo alcance”, salientou, “dependem, com frequência, de 
dados obtidos a partir de pesquisas em que os entrevistados 
respondem com calma, em estado de desestímulo...”. Já o ex-
perimento masturbatório “sugere que as respostas em estado 
de tranquilidade para a escolha de considerações importantes 
como julgamentos morais e vínculos sociais podem fornecer 
uma medição bastante infiel desse fator no estado emocional 
que comumente acompanha o comportamento criminal.”
Mesmo desconsiderando a questão sobre o que Nagin 
pode realmente entender sobre os “estados emocionais” tan-
to das pessoas que respondem a questionários quanto crimi-
nosos, seus comentários oferecem uma importante crítica às 
metodologias criminológicas fetichizadas. Até mesmo um cri-
minólogo professor de estatística e autor de mais de um artigo 
sobre “modelos Poisson semiparamétricos alterados”, mesmo 
um criminólogo à vontade com a artificialidade forçada dos 
julgamentos clínicos e da masturbação controlada não pode 
deixar de fazer uma indagação básica sobre os dados estatisti-
camente manipulados que os criminólogos ortodoxos utilizam 
para testar teorias e medir o crime: que ligação emocional esses 
dados têm com a realidade do crime e da vitimização? Tais “da-
dos” são não apenas muito suspeitos em termos de clareza, per-
cepção, memória e conhecimento, como muito provavelmente 
provenientes do registro emocional equivocado.
Nagin e seus masturbadores clínicos confirmam o feti-
che masturbatório que é a metodologia criminológica orto-
doxa. Contra toda a lógica, criminólogos ortodoxos atribuem 
a suas pesquisas e sumários estatísticos poderes que, de fato, 
não se apresentam: precisão, discernimento e avaliação ob-
jetiva. Como outros fetichistas, focam nos objetos de fetiche 
com um tipo de intensidade artificial, revirando-os obsessiva-
mente em suas mentes e computadores, e esquecendo assim o 
mundo para além de dados e formulários. E de fato tudo isso 
é essencialmente masturbatório – sobretudo para o prazer de 
um pequeno círculo de editores de revistas acadêmicas, comi-
tês de pesquisa e funcionários do governo – e especialmente 
incomum no enorme e perigosíssimo mundo para além do 
carreirismo acadêmico e de burocráticas políticas. 
 
DILEMAS166 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS166 Morte ao método Jeff Ferrell
A criminologia, e o enorme mundo circundante, ficaria 
bem melhor sem isso tudo. 
Uma alternativa de... método?
Uma alternativa a tudo isso já foi encontrada – uma al-
ternativa que talvez possa nutrir um comprometimento críti-
co da criminologia com o mundo contemporâneo e suas cri-ses: a tradição de trabalho de campo etnográfico abrangente 
e profundamente engajado praticado pelos pesquisadores da 
Escola de Chicago, por gerações de metodólogos qualitativos 
posteriores e por alguns criminólogos dos dias de hoje. No 
entanto, mesmo para eles, os efeitos debilitantes do fetichis-
mo permanecem perigosos. Décadas depois de Thrasher e 
Becker, a pesquisa etnográfica tem sido caracterizada como 
uma espécie de metodologia alternativa radical e fechada em 
si mesma, um contrapeso cuidadosamente ajustado para os 
métodos da survey e da estatística. Essa reificação dos mé-
todos qualitativos reflete, em parte, a tendência identificada 
pelo filósofo da ciência Paul Feyerabend (1975): a tendência 
de imaginar, post hoc, que o trabalho da disciplina no pas-
sado deve ter antecipado a disciplina atual, de modo a lhe 
atribuir a racionalidade e a certeza teleológica que ela nunca 
teve. Esse sentimento totalizador presente no campo da pes-
quisa etnográfica deriva também, ironicamente, do estigma 
da disciplina que os etnográficos de hoje carregam; como 
em Jovens delinquentes, de Albert Cohen (1955), eles sabem 
muito bem que o parâmetro de medição da criminologia 
ortodoxa não os considera bons o bastante. E, então, eles o 
invertem, reivindicando que a etnografia constitua o padrão 
real de método rigoroso. Para outros pesquisadores qualita-
tivos, o estigma disciplinar não leva à inversão pela imita-
ção, na esperança de que, se a pesquisa qualitativa puder de 
algum modo se assemelhar mais à pesquisa quantitativa, se 
ela puder ser melhorada por esquemas científicos e autovali-
dada, ela poderá ser legitimada.
Assim, por uma série de razões históricas e disciplinares, 
a etnografia corre o risco de se tornar apenas mais um fetiche 
metodológico, apenas outro capítulo nos manuais de meto-
dologia, apenas mais um conjunto de procedimentos dis-
 
DILEMAS 167Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 167Jeff Ferrell Morte ao método
 
poníveis para pesquisa, merecedores de infinitas reificações, 
refinamentos e discussões. Como sabem todos os bons etnó-
grafos – embora nem sempre o admitam abertamente por ra-
zões de sobrevivência acadêmica –, o profundo engajamento 
do pesquisador de campo com os temas e os cenários torna 
qualquer prescrição metodológica prévia a mais provisória 
possível. Em realidade, as técnicas de pesquisa etnográfica 
não são implementadas; elas são negociadas com os temas, 
inventadas e reinventadas in loco, e não raro descartadas no 
perigoso, ambíguo e interativo processo de pesquisa de campo 
(FERREL e HAMM, 1998). “A regressão OLS” pode ser uma 
técnica de análise estatística e, “fazendo um bom diário de 
campo”, uma técnica de etnografia. Mas enquanto a primeira 
segue o protocolo para a manipulação de dados, a segunda 
segue os ritmos incertos das interações humanas embaixo das 
pontes, nos becos e nos tribunais. Manuais de metodologia e 
seminários de pós-graduação em pesquisa qualitativa à parte, 
a viabilidade etnográfica permanece mais próxima das expe-
riências “impressionistas, humanistas e artísticas” (ADLER e 
ADLER, 1998, p. xii) de Becker (1963), no embalo do jazz, ou 
de Polsky (1967), circulando por salões de sinuca imundos, 
do que as metodologias formalizadas das pesquisas de opi-
nião ou das experimentações clínicas. 
Com o surgimento das orientações pós-modernas e 
reflexivas/autoetnográficas nas últimas décadas, pelo me-
nos alguns pesquisadores e teóricos agora admitem que a 
etnografia é, por natureza, um empreendimento fluido e 
idiossincrático. Nesse contexto, há, para alguns estudio-
sos, um crescente reconhecimento – e até mesmo cele-
bração – da etnografia como uma perspectiva diferente 
da rigidez abstrata dos métodos “científicos” sociais. Essa 
percepção de fluidez e de abertura se aplica inclusive ao 
tema da pesquisa etnográfica; enquanto antes se imagina-
va que o rigor etnográfico poderia capturar a totalidade 
de um grupo ou uma cena claramente definida, atual-
mente muitos pesquisadores falam de pesquisa etnográ-
fica como um processo incerto em sintonia, em paralelo, 
com a incerteza dos grupos contemporâneos e suas cir-
cunstâncias. Ao contrastar a tradição da ciência social 
de “orientação técnica” com as noções pós-modernas de 
fluidez e ambiguidade, Peter Manning (1995, p. 246) ar-
 
DILEMAS168 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS168 Morte ao método Jeff Ferrell
gumenta que essas noções podem ser úteis para orientar 
a etnografia para o “caráter emergente, frágil e reflexivo 
da vida moderna...” Percebe Manning (1995, pp. 249-251) 
que etnografias de tais circunstâncias podem, por sua vez, 
explicar as “perversidades fundamentais e a imprevisibi-
lidade da conduta humana” por meio da compilação de 
“fragmentos e pedaços de eventos” em uma “etnografia 
da experiência” inacabada. Imprevisibilidade, fragilidade 
e fragmentação constituem um contraponto revigorante 
para qualquer fetichização da etnografia como conjunto 
mágico de manobras técnicas. 
Juntamente com a revitalização da pesquisa etnográ-
fica em geral, a emergência da criminologia cultural igual-
mente provocou uma certa reinvenção da prática etno-
gráfica. Em sua recente publicação Cultural Criminology: 
An Invitation, Ferrell, Hayward e Young (2008) delineiam 
duas espécies de etnografias que surgem da criminologia 
cultural em resposta ao turbilhão de possibilidades da tar-
dia e líquida modernidade (Bauman, 2000). A etnografia 
do instante denota uma etnografia de momentos e signi-
ficados efêmeros. Ela confronta ainda outra hipótese con-
vencional subjacente à noção de método etnográfico como 
experiência totalizadora: a noção de que grupos sociais e 
situações estáveis devem ser estudados com investigação 
etnográfica contínua. Fazendo eco à conceituação de Katz 
(1988) sobre as seduções situacionais dos crimes e aos tra-
balhos de Lyng (1990, 2005) e de Ferrell (1996, 2005) sobre 
os momentos de risco e adrenalina das atividades ilícitas, 
a etnografia do instante sugere documentar não grupos 
ou organizações, mas, em vez disso, os momentos preci-
sos em que crime e controle do crime são negociados. E 
isso implica, ainda, que o etnógrafo deve se tornar parte 
dessas negociações, deve “mergulhar na vizinhança do cri-
me” (FERRELL, 1996), penetrar no interior de instantes 
tão frágeis e fugazes, que os envolvidos frequentemente 
acreditam serem efêmeros e inefáveis (FERRELL, MILO-
VANOVIC e LYNG, 2001). Nesse sentido, a etnografia do 
instante igualmente se torna uma etnografia das perfor-
mances (CONQUERGOOD, 2002, GAROT, 2007), por 
meio das quais integrantes de gangues, policiais ou vítimas 
constroem e afirmam suas identidades. 
 
DILEMAS 169Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 169Jeff Ferrell Morte ao método
 
A etnografia líquida, de modo semelhante, também 
sugere uma útil desestabilização do “método” etnográfico 
e das fronteiras que separam pesquisadores dos temas e 
sujeitos pesquisados6. A etnografia líquida é a etnografia 
das populações libertadas da estabilidade do tempo e do 
espaço em virtude da imigração global, do emprego tem-
porário e das comunicações virtuais; é a etnografia sinto-
nizada menos com as afiliações duráveis do que com as 
fidelidades transitórias. Além disso, a etnografia líquida 
flui com a interação mutável entre imagens em ambientes 
midiáticos saturados, com a interação entre o pesquisa-
dor, os temas etnográficos e o ativismo social que dá vida 
ao melhor da pesquisa de campo. A recente fusão reali-
zada por Ferrell (2006, p. 1) entre “pesquisas de campo e 
estilos de vida alternativos”, como o caso de um catador 
de lixo desempregado, pode ser um exemplo. Apesqui-
sa de David Brotherton, Luis Barrios e seus assistentes 
certamente constitui outro exemplo (BROTHERTON e 
BARRIOS, 2004, 2009). Ela documenta a interação políti-
ca entre as “gangues”, a política de imigração norte-ame-
ricana, a mobilização nas ruas e o ativismo global – tudo 
isso ao mesmo tempo em que critica as imagens conven-
cionais das gangues e incorpora representações visuais 
alternativas. De igual maneira, Maggie O’Neill (2004, 
p. 220) e seus assistentes utilizam “pesquisas participati-
vas”, “práticas performáticas” e variadas formas de arte e 
fotografia em um trabalho colaborativo com prostitutas, 
imigrantes, pessoas que buscam asilo político e outras 
populações marginalizadas, inventando, assim, formas de 
trabalho de campo que podem afiliar o próprio pesquisa-
dor às comunidades mais transitórias e eventuais.
Se a experiência prática da pesquisa etnográfica de cam-
po distancia a criminologia do “método” – entendido como 
conjunto de protocolos e técnicas dos quais se pode lançar 
mão –, essas reconceitualizações recentes os afastam ain-
da mais. Ao tornar menos precisas as fronteiras entre pes-
quisador e sua pesquisa, confundir pesquisa engajada com 
engajamento político e desestabilizar a moldura temporal e 
espacial do processo de pesquisa, elas prenunciam a morte 
do próprio método e sugerem que a etnografia, em lugar de 
existir como “método” de pesquisa, na verdade apresenta-se 
6 O termo utilizado pelo 
autor é “research subjects”. 
Ocorre que “subjects in-
dica tanto pessoas como 
temas ou assuntos. Desta 
forma, optou-se por inse-
rir na tradução ambos os 
termos, pois o texto utiliza 
“subjects” de forma a com-
preender ambos os signifi-
cados. (N.T.)
 
DILEMAS170 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS170 Morte ao método Jeff Ferrell
mais útil como sensibilidade sobre o mundo exterior e como 
sensitividade a suas ambiguidades matizadas. Essa sensibili-
dade etnográfica orienta o criminólogo na contínua e sim-
bólica construção de significados, bem como nos ambientes 
emocionais compartilhados em que esses significados são 
produzidos, sempre promovendo uma sensitividade de pes-
quisa para a abertura, a atenção e a humildade epistemoló-
gica. Conceituar a etnografia como algo entrelaçado com a 
performance e a persuasão a reposiciona, por sua vez, como 
parte de um objetivo mais amplo: o objetivo máximo do et-
nógrafo de comunicar-se com os outros – leitores, observa-
dores e membros da comunidade – em favor do engajamento 
humanístico e da progressiva transformação social. Ao ser 
vivenciada pelos etnógrafos e incorporada nas novas orien-
tações voltadas à inquirição instantânea e à pesquisa líquida, 
a etnografia desaparece como método e emerge como forma 
de viver e de ser no mundo, mais como orientação ontológi-
ca do que como técnica metodológica.
Uma outra reorientação certamente aplica o coup de 
grace a qualquer fetichismo metodológico, a qualquer crença 
persistente de que grupos-controle e dados cuidadosamen-
te quantificados – ou, nesse caso, técnicas preordenadas de 
pesquisa etnográfica – constituem vias adequadas para a 
compreensão criminológica. Para dizer claramente: essa 
nova reorientação implica reconhecer que, mais vezes que se 
costuma admitir, a boa pesquisa constitui aquilo que pode-
ríamos denominar “um esplendoroso engano” (O’CONNOR 
e PIRRONI, 1990). A etnógrafa Stephanie Kane (1998, pp. 
142-43), por exemplo, faz eco à ideia de Manning sobre a 
“perversidade fundamental e a imprevisibilidade da conduta 
humana”, argumentando que “momentos caóticos, de condi-
ções extremas ou inusitadas” invariavelmente oferecem va-
liosos insights sobre as condições sociais. Indica a autora que 
erros e desvios de rotas na pesquisa e momentos de acasos 
fortuitos devem ser valorizados – talvez até mesmo buscados 
pelos pesquisadores. Ninguém menos que o criminólogo (e 
sociólogo da ciência) Robert Merton (apud Cullen e Mess-
ner, 2007, p. 6) percebeu as “diferenças entre as versões finais 
dos trabalhos científicos e o verdadeiro curso da pesquisa. 
O artigo ou monografia científica parece, de modo geral, 
imaculado. Ele pouco ou nada reproduz dos saltos intuitivos, 
 
DILEMAS 171Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 171Jeff Ferrell Morte ao método
 
dos falsos inícios, dos erros, das conclusões equivocadas e 
dos acidentes felizes da desordem que a investigação é na 
verdade”. E ainda é possível invocar Kandinsky, Man Ray, 
Duchamp, Rauschenberg, Pollock e Kooning, artistas cujos 
trabalhos inovadores – agora sabemos – nasceram de erros e 
falsas percepções, de máquinas de impressão quebradas e de 
tubos de tinta rompidos, embora, como diz o crítico de arte 
Carter Ratcliff, “esses fatos não fizessem parte do caminho 
que propuseram traçar” (apud LOVELACE, 1996, p. 119).
Morte ao método, portanto. 
Esses exemplos sugerem, como também o faz Feyera-
bend (1975) em sua história crítica da ciência moderna, que 
o “método” e aqueles que o fetichizam como salvaguarda 
contra o erro e a subjetividade, invariavelmente ignoram os 
insights e inibem a criatividade. No fim das contas, o fra-
casso do método acaba sendo o melhor método (FERRELL, 
2004, 2009). Ou, como indicou o anônimo punk contraven-
tor autor do livro Evasion (2003, p. 12): “eu sempre desejei 
secretamente que as coisas não saíssem como planejado. 
Dessa maneira, eu não ficava limitado por minha imagina-
ção. Assim, tudo pode e sempre pôde acontecer”.
Coda, conforme apresentado pelo Schwarze Kapelle
E então, mais uma vez, quando nada sai como planeja-
do, você acaba na prisão.
Durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo forma-
do por cidadãos, diplomatas e oficiais alemães decidiu que a 
única esperança para a Alemanha – e para o mundo – era de-
por Hitler, inclusive assassiná-lo se necessário. O nome dado 
pela Gestapo a este grupo informal era Schwarze Kapelle – a 
Orquestra Negra. Entre seus integrantes estava o brilhante 
teólogo Dietrich Bonhoeffer. Devido a uma séria de infor-
túnios, os planos para matar Hitler falharam. Os membros 
do grupo foram cercados, aprisionados, torturados e mortos.
Mesmo depois de ser capturado, sentado na cela, aguar-
dando sua execução, Bonhoeffer (1972, p. 280) não questio-
nou seu comprometimento com o plano, mas começou a re-
considerar a natureza da religião, da fé e da existência. Em 
uma carta enviada a seu amigo Eberhard Bethge, escreveu 
 
DILEMAS172 Amor e sexo na internet Mirian Goldenberg
 
DILEMAS172 Morte ao método Jeff Ferrell
que talvez a religião fosse somente “uma forma historicamen-
te condicionada e passageira da expressão humana”, que não 
deveria ser confundida com o Cristianismo em si. Indagou a 
Bethge: “Se a religião é apenas o manto do Cristianismo – e 
sendo esse manto percebido de modo diferente em diferentes 
épocas – então o que é o Cristianismo sem a religião?”
Este ensaio não coloca em questão o curso da vida ou da 
morte; nem faz quaisquer considerações teológicas. Ainda 
assim, o paralelo é irresistível. Sentado na prisão intelectual 
que a criminologia ortodoxa representa nos dias de hoje, não 
podemos evitar o questionamento: seria o ”método” apenas 
um manto da criminologia, uma construção transitória, que 
não deve ser confundida com a imaginação criminológica 
em si? E se o for, o que pode a criminologia se tornar sem ela? 
 
DILEMAS 173Mirian Goldenberg Amor e sexo na internet DILEMAS 173Jeff Ferrell Morte ao método
 
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