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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS – FFLCH 
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS 
FLC0201 – LITERATURA BRASILEIRA II 
PROF.ª DR.ª YUDITH ROSENBAUM 
NOME: GUILHERME RABELO FERNANDES 
Nº USP: 8981285 
 
Os círculos de intimidade: análise do conto “Laços de Família” 
 
É candente o seguinte aspectos nos contos da obra Laços de Família 
(1960): mulheres cuja vida tem uma rotina em detrimento de suas intimidades, 
até que passam por um ponto de ruptura com tal situação. É curiosa a percepção 
que os pontos de ruptura em alguns exemplos são obras do acaso, ocasionando 
para as protagonistas a epifania, uma das marcas da escrita da escritora 
brasileira. 
 Além de pensar nesse ponto importante do fazer literário de Lispector, é 
igualmente relevante olhar para a quebra da situação de solidão das 
protagonistas femininas, que configura uma possibilidade de retorno às 
intimidades. 
 Através dos dois aspectos buscaremos analisar o conto homônimo da 
obra, procurando enxergar a progressão afetiva pela qual passa protagonista – 
os círculos íntimos em etapas – e como a obra do acaso possibilita que ela 
empenhe essa jornada íntima – epifania como ponto de partida. 
 A premissa do conto é que Catarina levará sua mãe até a estação para 
pegar o trem. A matriarca, cujo nome é Severina, passou um período de dias na 
casa da filha, espaço este que não se desenrolou de maneira harmônica entre 
sogra e genro. A narradora apenas conta que a despedida entre a mãe de 
Catarina e seu marido foi uma situação de paz após a tensa estadia. 
Lispector permeia o conto com relacionamentos conflituosos: na primeira 
parte a relação mãe-filha e na segunda o conflito entre esposa-marido. Sem 
esquecermos da personagem do filho, que é um objeto de reflexão de Catarina 
e de discussão com a mãe e parte vital dos derradeiros acontecimentos do conto 
que envolvem Antônio, o marido. Tendo em mente tais informações podemos 
analisar o conto de maneira pormenorizada. 
 
1.SEVERINA 
 
Mãe e filha dividem um táxi quando o motorista precipitadamente freia o 
veículo e ocorre a ação que será divisora de águas na narrativa: o choque, a 
ação e reação física, o lançamento dos corpos de Catarina e da mãe Severina. 
Se nos períodos anteriores a narradora conta que mãe e filha não tiveram dias 
tão agradáveis, aqui há uma virada, com destaque para como a filha pode reviver 
uma relação de intimidade com a mãe – perdida em algum momento da infância. 
 Somos informados que Catarina teve um melhor relacionamento com o 
pai, figura de maior abertura e compreensão, enquanto a mãe era mais 
resignada e severa. Este acontecimento implica num momento que, além de 
estar perdido nos tenros anos da protagonista, não era tão comum e de extrema 
frequência devido a barreira existente entre as personagens. No parágrafo, 
Lispector procura colocar que a postura entre mãe e filha não é a mesma, já que 
ambas mal conseguem se olhar da mesma maneira severa e identicamente 
pensar nas suas posições de mãe e família. O que podemos definir é que esse 
momento de epifania permite que Catarina tenha a compreensão e o 
conhecimento de algo oculto e de relevância para o seu futuro, em relação à 
epifania na literatura acaba por ser uma experiência de revelação para o 
indivíduo nos objetos e fatos mais simples (SANT’ANNA, 1990). O que anotamos 
por consequência que esse estreitamento de laço entre mãe e filha é o primeiro 
movimento de círculos íntimos que a protagonista conquistará nas páginas 
seguintes. 
 
 
 
 
2. A CIDADE 
 
No texto de Sant’Anna (1990, p. 161) quando destaca a relação social 
abordada nos textos de Clarice diz que “sua literatura não é realista, mas 
simbólica, na medida em que o texto é o instaurador de seus próprios referentes 
e não se interessa em refletir o mundo exterior [...]”. Logo, o aspecto ressaltado 
é que a cidade na prosa de Clarice não cumpre uma função de espaço para 
observação de desigualdades sociais e econômicas. Apesar da utilização de 
bairros cariocas conhecidos, os referentes geográficos, não existe a pretensão 
de ser realista e realizar um trabalho mimético. Por outro lado, o espaço urbano 
nos contos da autora confecciona parte integrante da epifania das protagonistas 
Em Amor, conto presente em Laços de Família, no momento de epifania 
de Ana, a protagonista descreve que 
Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia 
de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto 
a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e 
misterioso rodeava-lhe o rosto (LISPECTOR, 2009, p. 24). 
 Dois elementos fundamentais da epifania são vistos e podem ser 
enumerados do trecho acima: 1. Estranhamento pelo comum – Ana percorria 
aquele trajeto com frequência e uma instabilidade se apodera de si, de maneira 
que já não reconhece o que está em volta, 2 – Percepção da realidade – os 
detalhes que antes estavam fora do campo de visão da protagonista agora são 
possíveis de serem notados; conseguindo dimensionar, mensurar e cromatizar 
a realidade exterior. 
Mesmo sem a riqueza de detalhes e o mergulho profundo na 
subconsciência, Laços de Família também mostra a relação de uma figura 
feminina com a cidade, o que é o segundo momento de intimidade da 
protagonista e prosseguimento da epifania. No trecho explica que 
tudo estava tão vivo e tenro ao redor, a rua suja, os velhos bondes, 
cascas de laranja – a força fluía e refluía no seu coração com pesada 
riqueza. Estava muito bonita neste momento, tão elegante; integrada na 
sua época e cidade onde nascera como se a tivesse escolhido 
(LISPECTOR, 2009, p. 98). 
Catarina experimenta de sensações semelhantes às de Ana: a vivacidade 
de objetos que outrora foram encarados mórbidos; a caracterização, adjetivação 
dos cenários, onde podemos subentender que a protagonista teve a sua 
percepção da realidade aumentada e o que é intrínseco no comum se deu por 
revelado; no último período é posto que ela estava integrada à cidade, o que 
alude a um simbolismo do espaço urbano como um corpo ordenado e sincrônico, 
sendo a mulher uma espécie de engrenagem bem sucedida neste maquinário 
ideal. 
Uma característica que a autora a atribui a Catarina e que faz que a 
protagonista tenha uma peculiaridade no olhar é o estrabismo. O que podemos 
perceber é que são olhos diferentes que percorrem as ruas, diferença que reside 
no enxergar além. Lispector também constrói uma lírica em torno dessa 
peculiaridade presente no olhar da protagonista, vista nas frases “nos olhos 
vesgos qualquer pessoa adivinharia o gosto que essa mulher tinha pelas coisas 
do mundo” e “um ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria e 
frieza” (LISPECTOR, 2009, p. 94). 
 
3. O FILHO 
 
 Ao retornar para a casa, Catarina observa o filho. Tratado como menino 
durante todo o conto é caracterizado por ser “magro e nervoso”. Lispector relata 
que a mãe sentiu o calor do filho, que era bom (LISPECTOR, 2009, p. 99) e o 
acontecimento que mais revela a intimidade entre mãe e filho vem por ocorrer: o 
menino diz “mamãe”, de uma maneira espontânea e carinhosa. Se recorrermos 
aos acontecimentos precedentes veremos que o amor materno foi reconquistado 
e a consequência é a confiança, a altivez com que Catarina empenha seus 
passos pela cidade. A mesma confiança é a que a protagonista tem de que o 
filho mesmo com apenas quatro anos já lhe demonstraria afetividade. Há 
também a tentativa de que não se repita o mesmo relacionamento que teve com 
a mãe: dotado de barreiras; ao passo que percebemos que o vocativo, quando 
ouvido por Catarina dessa maneira espontânea,revela que o significado de ser 
mãe é diferente e a correspondência dada pelo filho cria uma terceira situação 
de intimidade para a protagonista. 
 Como bem explica Gotlib (1994, p. 97) esse trecho da narração é onde 
em pleno estado de liberdade a mãe quer compartilhá-la com o filho, pois 
Catarina toma o menino pelas mãos e sai para passear, sem a anuência do 
marido. O olhar das personagens é firme e seus corpos plasmam-se na 
superfície, numa imagem poderosa de uma importante etapa da consumação da 
materialidade do amor entre mãe e filho. 
 
4. ANTÔNIO 
 
 O marido é quem vai inquietar-se com a mudança de rumos e atitudes da 
esposa. Entendemos que é um engenheiro bem sucedido e mantenedor do lar, 
quando pensamos nas finanças, providenciando uma vida confortável para a 
família, porém esse ambiente de ordenação é cansativo para Catarina e isso é 
vislumbrado no êxtase que a personagem experimenta no momento de epifania 
e quando sai somente com o filho para o passeio. 
 É justo quando dizemos que o marido também era um possível fator de 
dificuldade para o reatamento da intimidade entre mãe e filha, pois não 
apresentava bom relacionamento com a sogra e Catarina terminava sendo um 
elemento neutro nesta disputa. 
 Lispector nesta coletânea apresenta críticas ao papel que é praticamente 
outorgado para as mulheres nas situações familiares. Num determinado trecho 
diz que o dia de sábado era o “momento do marido”, que preferia não ser 
incomodado e passar a tarde enclausurado em suas leituras e no final do conto 
é evidente seu incômodo com a abrupta saída de mãe e filho. Esse desconforto 
é uma quebra da ordem: o marido divaga a perguntar sobre o que deveria ter 
acontecido no caminho entre o apartamento e a estação e sobretudo o quanto 
era delicado envolver o menino na situação de liberdade. Ressaltemos que o 
desejo dele apenas é realizado: passar o momento solitário, disperso de 
preocupações com a família, contudo o fator que lhe propicia a dúvida é a falta 
de correspondência da esposa, que o coloca numa situação de vazio (GOTLIB, 
1994). 
 A personagem termina o conto buscando restaurar a ordem ao planejar 
que “–“Depois do jantar iremos ao cinema”, resolveu o homem. Porque depois 
do cinema seria enfim noite, e este dia se quebraria com as ondas nos rochedos 
do Arpoador.” (LISPECTOR, 2009, p.103), em um visível movimento para que 
este dia em que sua mulher experimentou a liberdade termine e tudo se 
normalize. 
 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 Se considerarmos os contos presentes em Laços de Família e outras 
obras de Clarice a autora parecerá repetitiva, pois como constatamos neste 
trabalho dois contos seguem um usual percurso narrativo que é adotado por 
Lispector. Contudo aqui não pretendemos criar um juízo de valor e muito menos 
criticar a autora, pois seria necessário elucidar e explicar tais mecanismos de 
linguagem da brasileira. 
 O que nos interessa é que dentro deste modelo narrativo clariceano 
alguns fatos nos saltam aos olhos e que devem ser rememorados. Há uma 
aparente progressão afetiva da protagonista e a resolução de conflitos familiares, 
logo, o que foi matéria de discussão aqui nesta pesquisa, o estreitamento das 
intimidades da protagonista. Isso é visto no plano individual – a relação do eu 
com seu interior – e coletivo – o eu e o mundo. A epifania que é recurso presente 
em tantos textos da prosa clariceana mostra-se um dos mais interessantes 
artifícios utilizados: o vislumbre revelador de uma nova realidade até então 
desconhecida. Ligado ao recurso convém que pontuemos a quebra da solidão e 
como a autora discute isso no século XX, período histórico de intensa 
transformação das cidades e das psiques das pessoas. A falta de intimidade 
familiar e com a cidade acabam sendo duas faces de um mesmo problema. 
 Existe também a já referida crítica ao papel masculino dentro do lar, 
demonstrado e construído na personagem do patriarca, e ao olharmos por 
determinado prisma é possível que existe certa idealização no desfecho do conto 
– com a caminhada libertadora de Catarina e o menino. O conto apresenta êxitos 
nestes aspectos e faz jus ao título: prova que os indivíduos estão ligados por 
laços familiares, que podem tanto aprisionar ou libertar; restando que venha a 
revelação para que enxerguem a verdadeira natureza destes vínculos. 
 
6. BIBLIOGRAFIA 
 
GOTLIB, Nádia Battella. Os Difíceis Laços de Família. In: FUNDAÇÃO CARLOS 
CHAGAS. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, 1994. n. 91, p. 93-99. 
LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 135 p. 
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Análise Estrutural de Romances 
Brasileiros. 7. Ed. São Paulo: Ática, 1990.