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Estranhas Entranhas. 
Psicanálise e Depressão na Gravidez 
 
Marcia Zucchi 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2000 
 ii 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ZUCCHI, Marcia Aparecida 
 
“Estranhas Entranhas. Psicanálise e Depressão na 
Gravidez.” 
1. Psicanálise. 2. Feminino. 3. Gestação 4. Maternidade. 5. 
Depressão. 6. Transtornos afetivos na gravidez. 
 
 
 iii 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 À Rita Leucci Zucchi, 
 minha mãe, 
pelo amor da vida inteira 
 
 
 
 
 1
Indice 
 
1. Psicanálise e Depressão na Gravidez. 
Apresentação................................................................................................................2 
 
2. As bordas do caminho. 
Considerações preliminares.........................................................................................16 
Porque uma descrição metapsicológica.......................................................................21 
Método da pesquisa.....................................................................................................24 
 
3. Sobre um dos nomes da tristeza... 
A depressão no campo dos saberes.............................................................................27 
Alguns aspectos epistemológicos da conceptualização da depressão.........................28 
A organização dos saberes sobre o mental em sistemas classificatórios: implicações 
clínicas.........................................................................................................................32 
Os estudos sobre a depressão na gravidez...................................................................35 
Depressão como experiência afetiva...........................................................................38 
 
4. A Metapsicologia da maternidade. 
Proposições freudianas acerca da sexualidade feminina e da maternidade.................42 
 O complexo de Édipo feminino em Freud..................................................................45 
 O estatuto do objeto filho...........................................................................................53 
 
5. À procura da especificidade feminina. 
O debate de 20 e a produção de Helene Deutsch........................................................59 
As divergências com relação a Freud.........................................................................63 
O apoio da função reprodutiva para organização da sexualidade feminina................64 
O afeto deprimido na gravidez....................................................................................68 
Um narcisismo feminino.............................................................................................70 
 
6. A metapsicologia da melancolia como modelo de compreensão do afeto 
deprimido. 
A teoria de Freud........................................................................................................76 
Amor e Melancolia: os domínios do objeto...............................................................82 
Uma concepção metapsicológica da depressão.........................................................87 
 Algumas articulações com a depressão na gravidez..................................................91 
 A dor psíquica, um trabalho de objeto.......................................................................94 
 
7. Estranhas Entranhas. 
Um corpo estranho...................................................................................................102 
Estranhos afetos........................................................................................................108 
Estranhar, uma prática feminina...............................................................................113 
 
8. Considerações finais...........................................................................................119 
 
9. Bibliografia.........................................................................................................123 
 
 
 
 2
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicanálise e Depressão na Gravidez 
 
Mulher, como te chamas? – Não sei. 
Quando nasceste, tua origem? – Não sei. 
Por que cavaste um buraco na terra? – Não sei. 
Há quanto tempo estas aqui escondida? – Não sei. 
Por que mordeste o meu anular? - Não sei. 
Sabes, não te faremos mal nenhum. – Não sei. 
De que lado estás? – Não sei. 
É tempo de guerra, tens de escolher. – Não sei. 
Existe ainda a tua aldeia? – Não sei. 
E estas crianças, são tuas? – Sim. 
 
Wislawa Szymborka1 
 
1 SZYMBORKA , “Vietnã”, publicado no Jornal do Brasil de 4 de outubro de 1996. A autora recebeu o Prêmio 
Nobel da Literatura em 1996. 
 3
Apresentação 
 
Ao enunciar o tema deste livro – a depressão na gravidez – tanto no 
ambiente acadêmico como fora dele a reação foi sempre de embaraço, como se aos 
meus interlocutores tal tema desconcertasse. Importante ressaltar que esta reação 
foi muito acentuada nas mulheres. Inicialmente reagiam manifestando um misto de 
espanto e curiosidade, para em seguida demonstrarem uma “familiaridade aliviada”. 
Este alívio parecia se dever à possibilidade de delineamento ou contorno de uma 
experiência vivida, ainda que tal nomeação carecesse de precisão. Chamar de 
depressão o entristecimento que ronda a gravidez, embora soasse estranho, seria 
melhor do que o silêncio que, em geral, permeia esta experiência. Concluí que a 
ligação entre depressão e gravidez despertava, então, algo simultaneamente familiar 
e estranho - Unheimlich2 - a associação dos termos sendo possivel, mas não 
perfeitamente cabível 
 Cabe perguntar se tal estranheza se explicaria exclusivamente pela 
pressão cultural em direção a uma “felicidade na maternidade” como único modo 
possível da mulher viver a gravidez quando desejada. Modo esse que impediria não 
só a expressão, mas o próprio reconhecimento de qualquer sentimento oposto. 
Tomei esta hipótese como um fato pois, ainda que não universalizável, é um dado 
constatável ao nível do senso comum. Uma pesquisa com maior grau de 
detalhamento quanto a esta questão seria pertinente ao campo sociológico, fugindo 
ao âmbito deste livro. Além disso, não seria coerente com as suposições 
psicanalíticas atribuir-se valor de determinação exclusiva a um fator externo à 
subjetividade. 
Permanece, então, a questão: quais seriam os fatores subjetivos 
determinantes desse estranhamento vivenciado, muitas vezes, com o afeto da 
tristeza, podendo chegar até a depressão? Na perspectiva das mulheres que 
engravidam desejando estas gravidezes, a estranheza estaria relacionada ao filho 
ou às proprias mulheres? Se a estas últimas, qual o eixo ou o núcleo da estranheza, 
a “identidade materna” ou a “identidade feminina”? A identificação ao papel materno 
é uma via “normal” do feminino ou sua construção exige algum trabalho específico 
 
2 Das Unheimliche, termo alemão utilizado por Freud no título de sua obra de 1919, referente à experiência de 
estranhamento, onde algo aparece simultanêamente como íntimo e profundamente estranho, por efeito de 
recalque. 
 4
do aparelho psíquico? Qual o estatuto do objeto filho, durante a gravidez? Como 
este é incluído, assimilado, “incorporado”, no eu da gestante? 
O encaminhamentode possíveis respostas a estas questões requer que 
se contextualize, de modo metapsicológico, tanto a maternidade – corolário psíquico 
da gestação desejada -, quanto a depressão – nomeação sob a qual reuniu-se um 
conjunto de experiências subjetivas perpassadas pela tristeza. 
 
A maternidade tem um aspecto enigmático que ora a tem feito participar 
do sacro, ora a torna objeto de atenção científica, além de ser constantemente 
abordada pelas linguagens artísticas. Seja no âmbito do relato jornalístico, na 
poesia, na construção mítica, ou na ciência, a experiência humana da procriação, 
especialmente a vertente da relação entre a mulher e seu filho, é sempre descrita 
como um precipitado extremo de paixões. Alguns exemplos permitem que se o 
constate. O exemplo em epígrafe é um deles. Vivendo uma situação limite, a 
guerra, a mulher em questão perdeu todas suas referências identitárias. Sabe, 
apenas, de sua condição de mãe. Sabe, somente, que aqueles são seus filhos. 
Nada mais. Este é o único saber que a referencia. Há um apontamento, pela autora 
do poema, no sentido da perenidade e força deste vínculo, enquanto ancoradouro 
subjetivo para mulher. 
Roberto Pompeu de Toledo, num Ensaio escrito à revista Veja de 5 de 
agosto de 98, apresenta a confrontação de duas situações extremas, vividas por 
mulheres, onde, em cada uma delas, o leitor é tomado por uma fina e aguda 
sensação de divisão entre o espanto e a amarga ternura. Compara as histórias de 
Christine Malèvre e Roberta Magnani, apresentadas pela imprensa em 98: a 
primeira, autora de uma série de assassinatos a idosos em estado terminal; a 
segunda, uma mulher que após conseguir realizar o sonho de uma gravidez se 
descobre com câncer e abre mão do tratamento e da vida para que a criança nasça. 
Histórias passadas em contextos culturais bastante diferentes, uma numa região 
próxima a Paris, a outra no norte da Itália. Uma, a história de uma enfermeira, a 
outra, a de uma funcionária pública. Ambas guardando uma relação de profunda 
intimidade com o extremo, com o limite, com a lei, mas também com um além dela. 
Ambas protagonizadas por mulheres. 
O estilo do autor, elegante, sensível, contribui muito para evocar os 
sentimentos descritos acima. Há, porém, algo que ultrapassa as questões estilísticas 
 5
e parece advir das realidades descritas. Não que sejam mártires ou heroínas, muito 
ao contrário, as condutas dessas mulheres não deixam de ter um aspecto 
“reacionário”, como lembra o autor, pois decidem, de modo solitário, sobre a vida e a 
morte de outrem, caracterizando um arbítrio, se não um certo “delírio” onipotente. 
Há, porém, algo de semelhante entre essas duas situações, talvez a pungência que 
evocam, a coragem que implicam, certamente o caráter afetivamente extremo que 
portam. 
As duas histórias têm a ver com sofrimento físico e 
morte. Uma delas tem a ver com nascimento. Na soma, cobrem 
os dois extremos da vida, o nascimento e a morte. Não é por 
acaso que são protagonizadas por mulheres.(...)Roberta e 
Christine têm em comum, no entanto, algo de nobremente 
arquetípico. Suas histórias são histórias de mulheres em 
estado visceral, colocadas num extremo, muito delas, de 
paixão e compaixão. São histórias de mulheres. (TOLEDO, 
1998: 162). 
 
 
 
As produções acadêmicas de diferentes áreas retratam, também, a 
pluralidade de aspectos que envolve a mulher e a maternidade. 
Num estudo relativo a representações mitológicas da maternidade, 
CHEVALIER e GHEERBRANT, apontam como as grandes deusas mãe, foram 
também deusas da fertilidade, simbolizando, entretanto, a ambivalência entre a vida 
e a morte: para os gregos, Gaia, Réia, Hera, Deméter, dentre outras; entre os 
egípcios e nas religiões helenísticas, Ísis; para os assírios-babilônicos, Istar; Astart 
para os fenícios e Kali entre os hindus (1988: 580). Os autores discutem as várias 
vertentes da figura simbólica da mãe tanto no cristianismo, como nas religiões 
célticas, e em algumas religiões orientais. No caso do cristianismo, por exemplo, 
afirmam que a simultaneidade da condição da Virgem Maria de mãe e filha de Deus, 
atesta sua dupla vinculação, humana e divina. Além disso, o dogma em torno da 
virgindade de Maria reveste sua maternidade com um duplo contorno: factual 
(histórico) e simbólico. Já nas artes e religiões indianas as deusas são estritamente 
símbolos, porém, também, com aspectos ambivalentes como no caso de Kali com 
sua aparência hedionda, considerada a Mãe Divina e representando, de modo 
concomitante, a criação, a manutenção e a destruição. Ainda nas religiões célticas a 
mulher desempenha simultaneamente o papel de “mensageira Outro Mundo”, e de 
“divindade guerreira” (1988: 581). 
 6
Em diferentes expressões simbólicas, especialmente naquelas oriundas 
das culturas antigas, há uma associação entre a Mãe, a Terra e a Água, claramente 
vinculada aos enigmas em torno das origens e dos destinos, seja do homem, seja do 
cosmo. Na modernidade, no entanto, as associações da identidade feminina aos 
fenômenos “naturais”, especialmente às ocorrências do corpo como a reprodução, 
têm sido duramente criticada pelos estudiosos das questões de gênero3, dado o 
caráter de exclusão da subjetividade da mulher que uma concepção essencialista da 
maternidade pode sugerir. 
É sabido que o sentimento da maternidade é construído na história da 
cultura ocidental (BADINTER, 1981). Mesmo sendo a “chave do estatus feminino em 
cada época histórica, a maternidade não é um fato biológico inalterável cuja 
consideração possa isolar-se das transformações sociais.” (IRIARTE, 1996: 77)4. Os 
significados sociais que a gravidez e a maternidade podem assumir, diferem no 
tempo e espaço, caracterizando, assim, uma especificidade cultural. Mesmo o corpo, 
em sua complexidade biológica e subjetiva - mediatizada pela linguagem -, participa 
de uma realidade historicizável. As manifestações humanas nas diferentes 
expressões semióticas atestam a diversidade das concepções de corpo na história 
da humanidade. 
 
Num interessante estudo antropológico acerca do papel e do valor da 
maternidade na democracia da Grécia antiga, IRIARTE (1996) busca demonstrar, 
através das personagens das tragédias gregas, o papel que a maternidade ocupa 
na sustentação da organização social patrilinear. De algumas das tragédias, a 
autora deduz um desejo masculino de apropriação das funções reprodutivas 
femininas e apoia aí sua tese de que o enaltecimento da reprodução não 
corresponde à valorização da mulher como cidadã. Em suas próprias palavras: 
Do ponto de vista do estatus feminino, a relevância 
que, em nome da paternidade, o discurso político dá à função 
reprodutora, constitui uma faca de dois gumes, pois se a 
intervenção da mulher – concretamente, da mulher-mãe – se 
reconhece explicitamente como imprescindível para definir a 
 
3 Esta não é uma posição hegemônica. Sobre isto ver, por exemplo, Camille PAGLIA (1992) em Personas 
Sexuais. Arte e Decadência de Nefertite a Emily Dickinson. 
3 Tradução da autora. 
 
 7
empresa política, este reconhecimento implicará um maior 
controle da esposa legítima. (IRIARTE, 1996: 78)5 
 
A autora demonstra que embora a maternidade fosse revestida de caráter 
cívico pois gerava cidadãos para pólis, embora lhe fosse atribuído um estatuto 
heróico tanto pelos sofrimentos implicados no parto (as dores, o risco de morte), 
como pela entrega dos filhos à cidade e à guerra (em Esparta, por exemplo, a 
maternidade era equivalente à experiência bélica), estas representações tão 
valorativas da maternidade não garantiam o direito civil das mulheres em relação a 
seus filhos. Esteanseio feminino era vivido como ameaçador à ordem social e 
política na democracia patriarcal da Grécia antiga. Poder-se-ia considerar que frente 
à potência natural da mulher, expressa em sua capacidade geradora, a organização 
social (patrilinear) frespondia retirando-lhe o poder no campo da cidadania. 
 
Uma outra autora, Silvia FINZI (1996), em seu artigo sobre os mitos de 
origem e suas relações com a construção da identidade feminina, aponta que o 
caráter enigmático de potência geradora é ponto de enlace dos grandes saberes da 
antigüidade. Segundo Finzi, estas produções discursivas se orientam no sentido de 
desvendar e exorcizar poder tão ameaçador. Sem consegui-lo, porém, “como 
demonstra a persistência de um imaginário monstruoso acerca do corpo e das 
funções femininas e a reiteração de uma interrogação insistente”6 ( FINZI, 1996: 
129). A autora supõe a existência de figuras primordiais que participam tanto do 
imaginário da cultura como do imaginário individual. A mãe arcaica seria uma delas. 
Imagem pré-edípica, fantasma de origem que é suposto preceder a experiência 
individual e humana. Suas representações permanecem enigmáticas tanto nas 
expressões individuais como culturais por remeter a algo que escapa à possibilidade 
de transmissão pela linguagem, a linearidade do tempo das narrativas impedindo 
que se as circunscreva. 
 Partindo da constatação freudiana de que as imagens gozam de 
privilégios em relação às palavras quanto à censura, Finzi considera que a 
estatuária pode bem representar a força desta figura da mãe arcaica. Analisa, então, 
as Matres Matutae, um conjunto de estátuas encontradas em Santa María Capua 
 
5 Tradução da autora. 
6 Tradução da autora. 
 8
Vetere, região que foi ponto de ligação entre a antiga Etrúria e a Magna Grécia. Tais 
estátuas, provavelmente construídas entre os séculos VII e IIa.c., representam a 
maternidade em seus vários aspectos. As mais antigas apresentam uma imponência 
fria e distante, aparentando algo de imemorial, atemporal: suas vestimentas são 
apenas esboçadas, o material é aspero, faltam expressões no rosto e gestos; os 
filhos são pequenos e numerosos, também só esboçados. A autora, bem como os 
arqueólogos que a elas se dedicam, as descrevem como tendendo ao inorgânico, 
contendo vida mas sem estarem vivas. Estão esculpidas como se estivessem num 
trono real, e o trono se confunde com seus corpos. Nas palavras da autora, 
“nenhuma mulher se identifica a elas porque representam a alteridade nelas 
mesmas, o radicalmente outro.”7 (FINZI, 1996:142). Arqueólogos consideram que 
estas figuras representam as grandes deusas da fecundidade, amalgamando em si 
o corpo e a terra, a vida e a morte. Por outro lado, as estátuas construídas mais 
recentemente parecem se humanizar. São menores e apresentam gestos e 
expressões plenos de relação e afetividade, como na amamentação. A mulher 
moderna já encontra elementos de identificação com estas imagens. A autora 
ressalta, porém, que estas últimas perdem um pouco de seu caráter enigmático, em 
relação às anteriores. 
 O conjunto destas estátuas parece visar um complexo de representações 
da maternidade, indicando desde o aspecto impessoal e atemporal desta, enquanto 
origem de vida, até sua expressão singularizada na relação entre uma mãe e seu 
filho. Segundo Finzi, a importância da análise da maternidade representada nos 
mitos, é destacar a questão da origem como vinculada à alteridade. 
 
A maioria dos estudos atuais, que enfatizam o caráter histórico da 
maternidade e sua procedência como resultado de operações simbólicas, visa 
desconstruir ideais identitários da mulher apoiados na ilusão de uma singularidade 
sustentada pela experiência da maternidade. Na fuga de uma naturalização 
opressiva da maternidade e do feminino, corre-se, às vezes, o risco da 
ideologização do caráter cultural de ambas. 
 
 
7 Tradução da autora. 
 9
A posição que se pretende manter neste livro é a de sustentar a tensão 
entre os aspectos biológicos e subjetivos da maternidade. Na apresentação que faz 
a Figuras de mãe, coletânea de textos antropológicos, sociológicos e psicanalíticos 
referentes à maternidade, Silvia TUBERT descreve a concepção de maternidade 
sob a qual é construída aquela coletânea e que se aproxima bastante da que se 
quer como fundamento deste livro: 
(...) se é reducionista subsumir a feminilidade à 
categoria da maternidade, também existe a possibilidade da 
redução oposta, que supõe a separação simples e irredutível 
de ambas as categorias. O feminino e o maternal mantêm 
relações lógicas complexas: nem coincidem totalmente nem 
são completamente dissociáveis. 
Se a maternidade não se reduz à transmissão de um 
patrimonio genético senão que se situa no plano da 
transmissão simbólica da cultura, tampouco se pode negar que 
o processo biológico da gestação se realiza segundo uma 
ordem que escapa à vontade da mulher em cujo corpo tem 
lugar. 
Se falamos de uma maternidade assumida pela 
mulher como sujeito desejante, não podemos ignorar que a 
gestação requer a aceitação de uma posição de passividade 
frente ao desenvolvimento embrionário e fetal. O exercício da 
maternidade supõe a articulação do corpo na cultura. A 
autonomia do sujeito feminino se acha limitada em sua 
singularidade quando seu corpo passa a ser lugar de origem de 
outro ser humano; o domínio sobre o próprio corpo – a 
maternidade voluntariamente escolhida -, se acha por sua vez 
limitado por ter sido aquele construído como corpo significante 
pelas práticas e discursos dominantes na sociedade, através 
da linguagem e dos vínculos sociais.” 8(1996: 11) 
 
 considera-se que as pressões modeladoras da maternidade, tanto 
biológicas quanto culturais, sofrerão as marcas distintivas do desejo inconsciente, as 
quais vão caracterizar a particularidade das experiências subjetivas de cada mulher. 
Pretende-se, no entanto, manter no horizonte um fio de indecidibilidade, onde essas 
realidades se tocam. 
 
Camille PAGLIA (1992) num belíssimo ensaio denominado Sexo e 
Violência ou Natureza e Arte, analisa, dentre outras coisas, o extremo 
desenvolvimento da cultura ocidental, o qual considera o resultado da relação 
 
8 Tradução da autora. 
 10 
agonística entre o masculino e o feminino, e, ali, ao referir-se à relação da mulher 
com seu corpo afirma: 
O corpo feminino é uma máquima ctônica, 
indiferente ao espírito que o habita. (...) O corpo da mulher é 
um mar sobre o qual atua o movimento lunar das ondas. 
Indolentes e adormecidos, seus tecidos adiposos encharcam-
se de água, e depois se enxugam de repente na maré alta 
hormonal. O edema é nossa recaída de mamífero no vegetal. A 
gravidez demonstra o caráter determinista da sexualidade da 
mulher. Toda mulher grávida tem o corpo e o ego tomados por 
uma força ctônica além de seu controle. (1992: 21-22) 
 
 Alguns reparos são cabíveis nesta concepção: a máquina ctônica9 sofre 
sim e também provoca efeitos no espírito que a habita, não lhe sendo, portanto, 
indiferente. Entretanto, na concepção do feminino que a autora apresenta, a 
valorização da mulher na cultura não se faz às expensas de sua natureza ctônica, 
mas numa dialética muito mais complexa entre masculino e feminino cujo resultado 
é “a distorção da realidade”, distorção esta promovida pela ótica feminina dos fatos. 
A realidade “deve ser distorcida; quer dizer, corrigida pela imaginação”, segundo 
PAGLIA (1992: 23). Tal concepção se aproxima da concepção psicanalítica do 
feminino que norteia este trabalho. A gravidez, parece ser um ponto de especial 
exemplificação desteentrincamento, na subjetividade da gestante, entre o ctônico e 
o cultural. 
 
O objeto cuja pesquisa resultou neste livro é a ocorrência de afeto 
deprimido em relação à gravidez, que por rigor conceitual e metodológico será 
abordado dentro dos limites do campo psicanálitico. A posição aqui adotada está 
em consonância com a concepção de que os efeitos subjetivos da gravidez se 
inscrevem no trajeto entre os valores imaginários e simbólicos que o filho pode 
assumir para a mulher. Acredita-se, no entanto, que o real do corpo, 
especificamente na gestação, seja um forte propulsor de trabalho psíquico em 
relação à reconfiguração narcísica que a passagem à condição de mãe exige da 
mulher, especialmente considerando-se que pode estar em jogo, alí, um possível 
 
9 O têrmo ctônico é relativo às entranhas da terra . (PAGLIA,1992:17) 
 11 
gozo feminino na maternidade, gozo este que pode ser experimentado como 
“estranho”.10 
 
 Em seu conjunto, este livro se constitui do modo como se descreverá a 
seguir. 
 
O 2º capítulo trata de questões metodológicas gerais envolvidas no 
trabalho de pesquisa, especialmente psicanalítica. 
 Discute-se o reducionismo necessário a toda abordagem teórica, 
especialmente em se tratando de objetos complexos como é o caso da depressão 
na gravidez. Neste segundo capítulo discute-se tanto os esforços de Freud para 
manter sua obra no campo da cientificidade, quanto os limites deste 
empreendimento. 
 A produção de testemunhas fidedignas que atestem a veracidade da 
realidade abordada – as manifestações do inconsciente – não se dá, na psicanálise, 
de um modo que satisfaça os critérios de cientificidade. Entretanto, sua produção 
conceitual, organizada num corpo metapsicológico, é o instrumento de abordagem 
do real, que se dá no exercício clínico. Tal instrumento , quando renovado 
criticamente, permite uma maior eficácia da psicanálise frente às novas realidade 
clínicas. Além disso, por maiores que sejam as diferenças entre as escolas 
psicanalíticas, a metapsicologia enquanto organização conceitual própria da(s) 
psicanálise(s), mantém a possibilidade de distinção entre este campo de saber e os 
outros, possibilitando sua participação nas produções transdisciplinares. 
 
Através da revisão da literatura psicanalítica em torno dos diferentes 
temas que envolvem o objeto em pauta, busca-se descrever a depressão na 
gravidez em termos metapsicológicos, isto é: em termos de operações subjetivas, ou 
níveis de trabalho do aparelho psíquico, implicados no quadro clínico em questão. 
 
A partir de uma questão proveniente da clínica – como uma gravidez 
desejada pode ser vivida com afetos depressivos? – analisa- se, no 3º capítulo, a 
 
10 Imaginário, Real e Simbólico, são categorias destacadas por Lacan quanto à estruturação do aparato psíquico. 
Tais categorias definem os planos de operação da subjetividade e seus limites, representados por outra categoria, 
 12 
propriedade do têrmo depressão para descrição deste evento clínico. Com este fim, 
avalia-se seu uso em alguns contextos teóricos subdivididos em duas grandes áreas 
de abordagem dos fenômenos mentais: as que tem como eixo uma concepção 
orgânica do mental e as que centralizam suas conceituações no aspecto simbólico 
do aparato mental. Embora esta classificação possa correr o risco da imprecisão 
dada sua generalidade, ela parece útil para destacar algumas questões 
epistemológicas que envolvem o problema da depressão do ponto de vista 
conceitual, conforme o contexto de uso. Neste capítulo levanta-se, ainda, as 
principais diferenças entre os estudos epidemiológicos e os psicanalíticos quanto a 
depressão na gravidez. 
 
Passa-se, então, especificamente, ao campo psicanalítico. O 4º capítulo 
trata da metapsicologia da maternidade. Busca-se, ali, apresentar como a 
maternidade se localiza no contexto teórico freudiano. Percorre-se os 
desenvolvimentos da teoria de Freud quanto à femininilidade, enfocando as 
particularidades do complexo de Édipo feminino, em especial as retificações 
posteriores a 1920. Destaca-se o fato da maternidade inscrever-se, na teoria 
freudiana, no plano da identidade sexual, isto é, do “tornar-se mulher”, orientada 
pela lógica fálica. Procura-se salientar, também, os estatutos que assume o filho 
enquanto objeto relativo à subjetividade da mãe. 
 
Como a teoria freudiana da sexualidade psíquica se construiu numa certa 
ênfase de sua modalidade masculina, um efeito imediato, no campo teórico então 
nascente, foi a busca da especificidade da sexualidade feminina. A década de 20 
caracterizou-se pela profusão de produções sobre este tema. No 5o capítulo, toma-
se as proposições de Helene Deutsch, autora deste período, que se dedicou 
intensamente ao estudo da sexualidade feminina. Outros autores como Karen 
Horney, Jones, Brunswick, Lampl de Groot, por exemplo, envolveram-se também 
com esta temática. Porém, a inclusão de Deutsch nesta pesquisa se deve à ênfase 
que a autora dá a aspectos como o narcisismo e a maternidade na subjetividade 
feminina. Além disso, a revisão bibliográfica preliminar nos levou a esta autora como 
primeira referência à depressão na gravidez interpretada psicanaliticamente. Foi em 
 
a de Gozo. O valor de operadores destes conceitos no escopo deste trabalho se escalrecerá em capítulos 
 13 
sua obra que se encontrou um aprofundamento de algumas indicações freudianas 
quanto ao lugar de ideal de eu que o filho pode ocupar para subjetividade da mãe. 
 
No 6º capítulo discute-se a teoria metapsicológica de Freud, sobre a 
melancolia, buscando-se extrair dela os elementos conceituais para compreensão 
do afeto deprimido na gravidez. Parte-se do Rascunho G de 1895, passa-se por Luto 
e Melancolia de 1915, indo até Inibição, Sintoma e Ansiedade [Angústia] de 1926, 
destacando-se as permanências e transformações da teoria freudiana sobre o tema. 
Alguns aspectos da teoria da melancolia são ressaltados, o primeiro deles é a 
questão da chamada “identificação narcísica ao objeto perdido”, onde se busca 
compreender como a relação entre o eu e o objeto pode ser de ordem a inibir a 
diversidade dos comparecimentos simbólicos. 
O segundo aspecto ressaltado é a dinâmica dos ideais como origem de 
estados melancólicos e depressivos. Parte-se da teorização sobre a melancolia, 
proposta por M.C. Lambotte, autora de orientação lacaniana, onde se destacam as 
proposições quanto ao estádio do espelho na abordagem da melancolia. A autora 
extrai destas proposições uma particularidade no caso dos melancólicos, a 
identificação do sujeito ao objeto, porém na sua vertente de resto, ficando o ideal de 
eu deslocado para os objetos. A ausência de um investimento materno desejante 
sobre a imagem do filho, responderia por esta identificação. 
 A partir destes elementos teóricos busca-se estabelecer algumas 
relações com o que ocorre entre a gestante e seu bebê, retomando a indicação de 
Deutsch quanto ao filho ocupar o lugar de ideal de eu da mãe. 
 
Neste ponto da pesquisa, a questão do objeto toma um valor pregnante. 
Considerando-se a precisão conceitual que Lacan oferece à questão do objeto, 
apresenta-se alguns tópicos de suas proposições. 
Passa-se, então para ao terceiro aspecto ressaltado, o problema da dor 
psíquica envolvida nos processos de luto, patológico ou não. A questão 
metapsicológica da dor intrigou Freud durante todo seu trabalho com as diferentes 
formas de luto. A revisão bibliográfica, mais uma vez conduziu a umautor que 
dedica um trabalho exclusivo a esta problemática, J.D.Nasio, cuja produção também 
 
subsequentes. 
 14 
é de orientação lacaniana. Nasio tratará da dor como objeto pulsional, não só na 
perspectiva de um masoquismo perverso, mas, especialmente, como indicador de 
uma quebra fantasística que deixa o eu convulsionado pela desorientação pulsional, 
indicador esse que se situa no limite entre o corpo e o psiquismo. 
 
Finalizando, no 7º capítulo, parte-se especialmente da experiência 
corporal da gestação para desenvolver o sentido de “estranho” que o filho pode 
assumir para subjetividade materna. Toma-se as relações estabelecidas por Freud 
na segunda tópica entre ego e corpo para dali deduzir a faceta de estranheza que o 
filho como objeto pode assumir para o eu materno. 
 O estranhamento é tratado em consonância com a abordagem freudiana 
do tema, apresentada em seu artigo de 1919, O Estranho. Quanto à questão do 
objeto, ela é aqui tratada conforme as proposições freudianas do Projeto..., 
especialmente no que se refere às diferentes formas de trabalho que o objeto 
promove no aparelho psíquico para seu reconhecimento (juízos). Aproxima-se, 
então, este trabalho àquele exigido à subjetividade materna para o reconhecimento 
do filho enquanto objeto simultaneamento idêntico e estranho ao eu materno. 
 
Propõe-se ao final que o “estranhamento” seria uma prática peculiar ao 
feminino. A concepção de feminino formulada por Lacan parece oferecer elementos 
para essa proposição uma vez que ela contempla o ultrapassamento da lógica e do 
gozo fálicos. A dor que algumas experiências de estranhamento podem provocar 
estaria ligada à pressão por inscrição desse gozo na ordem fálica, ou no campo do 
sentido. 
 
No 8º capítulo é apresentado um breve mapeamento do caminho 
percorrido, ressaltando-se tanto os pontos de corte, como os aspectos de ligação 
que definem o território abordado por esta pesquisa. 
 
 
 15 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As bordas do caminho 
 
 
A porta da verdade estava aberta, 
mas só deixava passar 
meia pessoa de cada vez. 
 
Assim não era possível atingir toda a verdade, 
porque a meia pessoa que entrava 
só trazia o perfil de meia verdade. 
E sua segunda metade 
voltava igualmente com meio perfil. 
E os meios perfis não coincidiam. 
 
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. 
Chegaram ao lugar luminoso 
onde a verdade esplendia seus fogos. 
Era dividida em metades 
diferentes uma da outra. 
 
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. 
Nenhuma das duas era totalmente bela. 
E carecia optar. Cada um optou conforme 
seu capricho, sua ilusão, sua miopia. 
 
 Carlos Drummond de Andrade1
 
1C. D. ANDRADE, (1984: 41-42). “Verdade”. In: Corpo. 
 16 
 
Considerações preliminares 
 
 
A explicitação dos referenciais norteadores de qualquer pesquisa 
demarcam a posição do pesquisador no tocante às possibilidades de produção do 
conhecimento ou de abordagem do real. Isto implica não só o recorte do objeto, 
como a forma escolhida para essa abordagem (método em sua vertente de técnica) 
e, ainda, a finalidade deste conhecimento ou produção. Se, de um lado, uma 
determinada concepção de conhecimento ou de ciência engendra concepções 
específicas de objeto, certos objetos empurram o pesquisador à utilização de eixos 
de compreensão diversos. De qualquer modo, sejam quais forem os referenciais 
adotados, sempre se procederá a uma forma de redução2 ( ATLAN, 1991). Este é o 
caso na presente pesquisa. Falar em depressão na gravidez é falar de um objeto 
híbrido3 (LATOUR, 1994), impreciso em seus contornos e paralelamente complexo 
em suas articulações. Conforme indica MORIN: 
 Pode dizer-se que o que é complexo releva de uma parte 
do mundo empírico, da incerteza, da incapacidade de estar 
seguro de tudo, de formular uma lei, de conceber uma ordem 
absoluta. Releva de outra parte algo de lógico, quer dizer da 
incapacidade de evitar contradições...a complexidade é 
diferente da completude. Julga-se muitas vezes que os 
defensores da complexidade pretendem ter visões completas 
das coisas. Por que o pensariam eles? Porque é verdade que 
pensamos que não se pode isolar os objetos uns dos outros. 
No limite tudo é solidário. Se tendes o sentido da complexidade 
tendes o sentido da solidariedade. Além disso, tendes o sentido 
do caráter multidimensional de qualquer realidade. (1991: 82-
83). 
 
 
 Em se tratando de um estudo acerca de processos subjetivos, mesmo 
que se os compreenda como efeitos complexos das articulações entre linguagem, 
 
2 Atlan se refere ao valor pragmático do reducionismo, de circunscrever o domínio de legitimidade da ciência, 
indicando os limites do procedimento científico, ”o qual só pode progredir obrigando-se a ser reducionista, 
‘jogando o jogo’ reducionista, porém, ‘crer nele’ certamente testemunharia uma grande ingenuidade” 
(ATLAN, op. cit. : 83). 
3Híbrido esta sendo utilizado aqui, no sentido atribuído por Latour: relativo simultaneamente à natureza e à 
cultura. 
 
 17 
biologia e relações sociais, será necessária alguma sorte de redução que permita 
abordá-los. Nesta pesquisa tal redução se fez a partir do referencial psicanalítico. 
 
 As origens da psicanálise estão assentadas no empirismo. O projeto 
freudiano de construção de uma psicologia profunda foi marcado, durante toda sua 
produção, pelo anseio de incluí-lo no campo das ciências. É interessante notar como 
as marcas do método de John Stuart Mill , filósofo da ciência empírica do século 
XIX, aparecem nos trabalhos psicanalíticos iniciais de Freud (este último foi, 
inclusive, tradutor das obras daquele, para língua alemã), onde busca respeitar as 
principais regras de uma produção empírica, os métodos da “concordância”, da 
“diferença”, “da variação concomitante” e dos “resíduos”, propostos por Mill, 
conforme descrito por CASTIEL (1996) num capítulo de sua obra Moléculas, 
Molestias e Metáforas... denominado “Freud e Mill: a histeria e a empiria”. 
Pode-se considerar ainda a adesão freudiana ao empirismo em função da 
prevalência dada à clínica como fundamento epistemológico da teoria. Em um de 
seus últimos trabalhos – Esboço de Psicanálise -, escrito em 1938, FREUD afirma 
num curto prefácio: 
Os ensinamentos da psicanálise baseiam-se em um 
número incalculável de observações e experiências, somente 
alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e 
em outras pessoas acha-se em posição de chegar a um 
julgamento próprio sobre ela. (1975: 168). 
 
 
Todavia, a concepção freudiana de ciência foi bem além do positivismo. 
Num dos principais textos metapsicológicos, Os instintos e suas vicissitudes, 
tratando da importância do conceito de pulsão para organização do aparato teórico 
da psicanálise, Freud (1974c) dá absoluta prioridade à formulação do conceito como 
instrumento de abordagem do real, e portanto, como base da construção teórica 
(BOURGUIGNON, 1991). Em suas próprias palavras: 
O verdadeiro início da atividade científica consiste 
antes na descrição dos fenômenos, passando então a seu 
agrupamento, sua classificação e sua correlação. Mesmo na 
fase de descrição não é possível evitar que se apliquem certas 
idéias abstratas ao material manipulado (...) Tais idéias - que 
depois se tornarão os conceitos básicos da ciência- são ainda 
mais indispensáveis à medida que o material se torna mais 
elaborado. Devem, de início, possuir necessáriamente certo 
grau de indefinição; (...) Enquanto permanecem nessa 
 18condição, chegamos a uma compreensão acerca de seu 
significado por meio de repetidas referências ao material de 
observação do qual parecem ter provindo, mas ao qual de fato 
foram impostas. Assim, rigorosamente falando, elas são da 
natureza das convenções – embora tudo dependa de não 
serem arbitrariamente escolhidas mas determinadas por terem 
relações significativas com o material empírico, relações que 
parecemos sentir antes de podermos reconhecê-las e 
determiná-las claramente. (1974c: 137). 
 
 
Este texto parece evidenciar a relação dinâmica entre observação e 
conceituação, que permeia toda obra freudiana. A construção do saber psicanalítico 
se faz num processo dialético entre a clínica (que não é, exatamente, fonte de 
observação empírica no sentido sensorial , porém é empírica no sentido de 
experienciada) e a teorização, cuja finalidade é sempre o retorno à clínica, e assim 
sucessivamente... Conforme indica FREUD em seu artigo de 1926, A questão da 
Análise Leiga: 
 Na psicanálise tem existido desde o início um laço 
inseparável entre cura e pesquisa. O conhecimento trouxe êxito 
terapêutico. Era impossível tratar um paciente sem aprender 
algo de novo; foi impossível conseguir nova percepção sem 
perceber seus resultados benéficos. Nosso método analítico é 
o único em que essa preciosa conjunção é assegurada. 
(1976m,: 291). 
 
L. CHERTOK, e I. STENGERS (1990), conjugando suas respectivas 
experiências de psicanalista e epistemóloga, realizaram um interessante estudo 
acerca do projeto freudiano de cientificidade. Acompanham as origens da 
psicanálise na hipnose, e o processo de sua construção como campo de saber em 
relação às ciências modernas, a partir do abandono da técnica sugestiva pela da 
associação livre e pelo processo elaborativo. Aí demonstram o meticuloso trabalho 
de Freud para garantir condições de produção de um testemunho fidedigno que 
pudesse fazer da psicanálise uma ciência de pleno direito. Comparam, então, a 
evolução da psicanálise à da química, comparação indicada pelo próprio FREUD em 
Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica (1976 a), onde apontam a passagem 
realizada por Lavoisier estabelecendo o estatuto da química como técnica 
experimental ou ciência operatória (em oposição a seus antecessores que lhe 
reservariam o estatuto de arte da experiência). A proposição de criação dos fatos 
químicos e dos protocolos de abordagem destes, visava garantir seu 
 19 
reconhecimento e sua reprodutibilidade por qualquer um que dispusesse destes 
instrumentos. 
Chertok e Stengers julgam que, de modo semelhante, Freud buscou 
estabelecer a psicanálise como um campo de produção científica ao substituir a 
hipnose pelo trabalho de elaboração. A cena analítica viria a se transformar numa 
espécie de laboratório onde o objeto de experimentação seria a neurose de 
transferência. 
Tal como o químico do século XIX “criava seu 
objeto”, em vez de tomá-lo no mundo natural, não mais 
estudando as matérias-primas não purificadas que o artesão 
transformava, o analista “[instaurava] um estado que tem todos 
os aspectos de uma doença artificial”. E essa doença, na 
medida em que tinha por arena única o “campo circunscrito” da 
cena analítica, tornava-se acessível a suas intervenções 
.(CHERTOK e STENGERS, 1990: 76). 
 
 
 Os autores concluem que o objetivo freudiano de fazer da psicanálise 
uma técnica científica de abordagem do inconsciente onde a verdade e a sugestão 
fossem claramente distingüíveis, não se produziu. Afirmam que os textos finais da 
obra de Freud atestam o “fracasso da experiência” de produzir testemunhas 
fidedignas pela cura dos pacientes através da clínica psicanalítica (única a lhes 
permitir um verdadeiro acesso a sua verdade em oposição às técnicas sugestivas). 
Impossibilidade que se revelou freqüente em função das resistências e da 
compulsão à repetição, que impediam os sujeitos de reconhecer e aceitar sua 
verdade inconsciente. Consideram, entretanto, que a posição freudiana frente a este 
“fracasso” foi de valorizar a teoria (o conceito) por esta ser capaz de explicar os 
fracassos da técnica. Os referidos autores pretendem destacar a insistência do 
passo freudiano na busca do caráter científico da experiência analítica. Cabe 
ressaltar que a posição destes autores não é de elogio ao cientificismo, ao contrário, 
pretendem assinalar como o desprezo dos “testemunhos falsos” (como os 
produzidos pela hipnose, por exemplo) pode ser empobrecedor do processo de 
conhecimento. Assinalam que tais testemunhos e fracassos experimentais deveriam, 
na perplexidade que evocam, convocar os cientistas a uma prática da 
transdisciplinariedade. 
 
 20 
Ainda em outro trabalho, Quem Tem Medo da Ciência..., STENGERS 
(1990), referindo-se à esta mesma temática, afirma que o que se põe aos 
psicanalistas como questão é “quais são as práticas a serem produzidas, inventadas 
para trabalhar juntos e transformar um fenômeno em ator de discussão, sem o ideal 
judiciário da testemunha fidedigna que concluirá a controvérsia, que dirá quem tem 
razão e quem está errado.”(1990: 139). Indica, ainda, que o fato dos psicanalistas 
lidarem com “seres que estão interessados na produção de saber operado a seu 
sujeito”(1990: 140), aponta para necessidade de se ultrapassar a diferença entre 
fato e artefato4, uma vez que é inevitável (e não totalmente controlável) a 
participação do analista na produção dos efeitos da análise. Na neurose de 
transferência, a natureza do fato clínico é a de um artefato enquanto criação de uma 
certa realidade - a que implica analista e analisando -, realidade esta que mantêm 
estreitas relações com os fatos ou realidades psíquicas do sujeito em análise. 
STENGERS reafirma sua posição epistemológica de que fazer ciência é 
um processo coletivo, e parece indicar como caminho para a psicanálise a 
ampliação do trabalho conjunto entre escolas e entre campos de saber, “produzindo 
intrigas cada vez mais sutis (...) e ficções cada vez mais pertinentes, cada vez mais 
exigentes quanto aos múltiplos sentidos de seu conhecimento ‘patético’”(1990 : 141). 
 
É na perspectiva proposta por Stengers que este trabalho foi concebido. 
Buscar descrever um dado clínico – o surgimento de afetos de tristeza relacionados 
à gravidez – em diferentes perspectivas da teoria psicanalítica, parece ser um modo 
não só de ampliar as possibilidades de compreensão deste dado, como, também, de 
experimentar-se os limites do aparato conceitual. 
Considera-se, em princípio, que as realidades humanas, individuais e 
sociais, só são compreendidas e/ou explicadas através de recortes teóricos de 
alcance específico e limitado, abarcando diferentes graus de complexidade do real, 
sem que haja diferença de valor entre eles. A pertinência das construções teóricas 
pode ser verificada na coerência interna de suas premissas e categorias - na lógica 
de sua racionalidade5 -, no “interesse”6 que geram entre os pares, bem como na 
eficácia da praxis7 que produz. 
 
4 O artefato é considerado um testemunho extorquido pelo experimentador, portanto cientificamente inválido. 
5 Racionalidade é, segundo MORIN, “o estabelecimento de uma adequação entre uma coerência lógica 
(descrita, explicativa) e uma realidade empírica.”(1990: 121). 
 21 
 
Porque uma descrição metapsicológica. 
 
 
A razão de estabelecer-se que o produto desta pesquisa deveria incluir-se 
no campo da metapsicologia, se deve ao fato de considerar-se que esta define o 
campo onde se organizam os conceitos e as experiências relativas à psicanálise. 
A idéia de que o que Freud produzia era uma metapsicologia (têrmo 
formulado por equivalência a metafísica), estáligada ao campo onde emergem suas 
pesquisas. Voltado para sintomas mentais de origem enigmática, é além da 
consciência que Freud vai buscar a razão destes. Em sua correspondência a Fliess 
(1977) , são vários os momentos em que se questiona, através de seu interlocutor, 
quanto à propriedade deste termo (metapsicologia) para suas construções teóricas. 
No período em torno de 1914/15, Freud realiza um trabalho de sistematização de 
suas proposição referentes ao aparelho psíquico, o qual nomeia explicitamente 
Metapsicologia. Embora declare compor-se de um conjunto de 12 textos, parece ter 
escrito somente 5: Os instintos [pulsões] e suas vicissitudes, Repressão [recalque], 
O inconsciente, Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos e Luto e 
Melancolia. Entretanto, há um certo consenso no campo quanto à pertinência da 
inclusão de outros textos neste conjunto, tais como O Projeto para uma psicologia 
científica, Capítulo 7 da Interpretação dos Sonhos, Formulações sobre os dois 
princípios do funcionamento mental, O Narcisismo. Uma introdução e O Ego e O Id. 
Como se pode perceber, são considerados metapsicológicos os trabalhos de 
organização conceitual. 
Em 1915, quando escreve sua Metapsicologia, Freud adverte aos seus 
leitores que as descrições metapsicológicas devem envolver três modos de 
descrição dos fenômenos. Uma descrição dinâmica explicando os conflitos 
subjacentes a eles, uma descrição econômica apresentando as vicissitudes das 
forças ou quantidades de excitações que respondem pela formação de tal fenômeno 
e, finalmente, uma descrição topográfica, isto é, a localização das estruturas 
psíquicas envolvidas na produção do fenômeno em questão. 
 
6 Uma das hipóteses desenvolvidas por STENGERS (1992) em La Volonté de Faire Science. À propos de la 
Psychanalyse, é de que o “interesse” que desperta uma proposição científica é condição para que ela possa ser 
considerada “ verdadeira”, no sentido de organizar forças e meios de prova em torno desta proposição. 
7 O termo praxis é utilizado aqui, no sentido dado por Marx, de união entre teoria e prática. A praxis humana 
constituindo o fundamento de toda possível teorização ( FERRATER-MORA, 1986: 2661). 
 22 
Não será descabido dar uma denominação especial 
a essa maneira global de considerar nosso tema, pois ela é a 
consumação [vollendung] da pesquisa psicanalítica. Proponho 
que, quando tivermos conseguido descrever um processo 
psíquico em seus aspectos dinâmico, topográfico e econômico, 
passemos a nos referir a isso como uma apresentação 
metapsicológica. (FREUD, 1974e: 208).8 
 
 
 O termo ao qual se referiu Freud em 1915, para designar o que a 
descrição nestes tres níveis produz foi – vollendung – “acabamento”. A descrição 
metapsicológica produziria, então, o acabamento, a conclusão conceitual explicativa 
sobre um fenômeno psíquico assim abordado. Entretanto, a teorização psicanalítica 
quando referida à prática clínica, se mostra freqüentemente arredia a estes 
acabamentos. Não só pelas dificuldades de reprodução experimental dos 
fenômenos inconscientes, nem também pela extrema implicação do observador nos 
fenômenos observados, mas pela própria riqueza e variabilidade das produções do 
inconsciente. 
Parece claro que o projeto de organização do campo teórico da 
psicanálise nos termos de uma metapsicologia responde, dentre outras coisas, aos 
anseios freudianos de cientificidade. Conforme esclarece LE GAUFEY: 
Em sua preocupação de tornar a psicanálise 
reconhecida como ciência, Freud por vezes promoveu o ideal 
de uma apresentação conceitual “completa” da psicanálise; e 
só seu respeito pelas imposições inerentes ao objeto de sua 
démarche o afastou constantemente deste ideal.(...) O projeto 
metapsicológico talvez seja o melhor atestado desta tensão 
presente na obra de Freud entre um acabamento conceitual, 
que permitiria à psicanálise alcançar um certo Olimpo da 
cientificidade, e um inacabamento conceitual que é prova de 
um traço fundamental de seu objeto, traço que nenhum 
conceito particular consegue subsumir e que no entanto seria 
fatal ignorar.(1996: 340). 
 
 
A tensão entre o fechamento e a abertura do campo conceitual 
psicanalítico é o que parece caracteriza-lo. É nesse intervalo que a metapsicologia - 
essa “bruxa” como a caracterizou Freud em Análise Terminável e Interminável (1975 
 
8 Importante salientar que ao nomear-se alguns capítulos subseqüentes com o termo “metapsicologia” 
(metapsicologia da maternidade ou metapsicologia da melancolia), foi mantido o caráter descritivo apontado por 
Freud nesta citação. 
 23 
a) -, pode fazer “surgir” respostas especulativas aos limites da clínica, empurrando-a, 
certamente, adiante. 
 
Daniel WIDLÖCHER (1994) num artigo denominado Metapsicologia e 
Auto-Análise, apresenta três concepções da metapsicologia. Na primeira, o quadro 
teórico é compreendido como o organizador dos dados clínicos, permitindo a 
descrição mais precisa possível dos processos que ali ocorrem. Na segunda 
concepção a metapsicologia é um meio de explicar a vida mental. No primeiro caso 
propõe-se uma nova leitura dos fenômenos do mundo a partir do inconsciente; no 
segundo, trata-se de articular a concepção do inconsciente às outras concepções de 
aparelho psíquico (as neurobiológicas, por exemplo). Segundo o autor, estas 
concepções não se opõem. As divergências que produzem só aparecem quando 
articuladas a outros aparatos conceituais de explicação da vida mental. O autor 
ressalta que a metapsicologia possibilita uma interdisciplinariedade. Ressalva, 
porém, os riscos de um reducionismo descaracterizante quando as assimilações são 
feitas de modo simplificador. Entretanto, “explicar o inconsciente” ou “explicar pelo 
inconsciente” são ambas posições encontradas em Freud. 
Widlöcher apresenta, ainda, uma terceira concepção de metapsicologia. 
Partindo da articulação feita por Didier Anzieu quanto à relação entre a auto-análise 
de Freud e sua construção metapsicológica, o autor propõe que, assim como a 
análise de seus próprios sonhos teria fornecido a Freud o complexo teórico básico 
da psicanálise, assim também cada análise fornece uma teoria da vida mental do 
analisante, a qual se constrói na transferência. Toda análise constitui-se, então, 
numa construção metapsicológica. 
 
SOUZA (1998), num artigo no qual discute uma certa tendência atual das 
produções psicanalíticas em direção a questões sociais, aponta o empobrecimento 
do campo conceitual psicanálitico provocado pelo deslocamento do olhar da 
psicopatologia dos sujeitos para psicopatologia do social. Através da análise de 
alguns textos freudianos, mostra a especificidade do modo pelo qual Freud aborda a 
vinculação entre subjetividade e cultura com sua metapsicologia. Na obra freudiana 
não ocorre o deslocamento descrito acima, o que se observa é um movimento 
recursivo entre as dimensões sociais e individuais de produção de subjetivação, “as 
condições contemporâneas de subjetivação desempenham um papel etiológico 
 24 
importante mas não absolutamente decisivo no espectro psicopatológico do qual o 
psicanalista se ocupa.”(1998:86). O autor propõe, então, que a metapsicologia possa 
exercer um papel moderador na avaliação dos psicanalistas quanto à incidência de 
suas práticas na cultura. A “renovação criativa dos conceitos metapsicológicos” é o 
que poderia oferecer aos psicanalistas saídas para os impasses que a clínica 
apresenta, sejam eles movidos por transformações sociais ou não. 
 
 
 
Método da pesquisa 
 
O objeto desta pesquisa – o afetodeprimido durante a gravidez – foi 
resultado de questões sucitadas pela clínica. Embora esta não seja uma pesquisa 
de campo, parece importante salientar que as elaborações conceituais aqui 
estabelecidas sofreram o balizamento desta experiência clínica. 
O objetivo geral da presente pesquisa foi buscar elementos teóricos que 
permitissem a compreensão da ocorrência de afetos deprimidos durante a gravidez, 
a partir das teorias psicanalíticas. 
Para que tal objetivo fosse atingido procedeu-se uma pesquisa básica de 
revisão da literatura psicanalítica. Tal revisão se processou através de fontes 
primárias - a obra freudiana - e secundárias, ou seja: artigos e livros de línguas 
inglesa, francesa, espanhola e portuguesa. O material foi coletado em bibliotecas e 
através de sistema eletrônico de pesquisa (ex.: sistema Medline). A pesquisa deste 
material foi feita em torno de 3 núcleos temáticos9 (Complexo de Édipo/Castração; 
Gravidez/Maternidade/Feminino e Depressão/Melancolia). Estes temas não se 
encontram isolados na teoria, porém foram destacados diferentemente nos vários 
períodos e pelas diversas escolas psicanalíticas. Foi necessário, então, que se 
buscasse suas principais conceptualizações em Freud, bem como algumas 
reformulações teóricas, propostas por autores que tenham contribuído para a 
teorização destas temáticas. 
Alguns outros temas surgiram como contingências dos caminhos 
percorridos na pesquisa. O estudo do feminino e da maternidade conduziu aos 
 25 
diferentes estatutos que o filho ocupa enquanto objeto na subjetividade da mãe. A 
pesquisa em torno da depressão conduziu à questão da formação do eu e seus 
ideais. O anseio de encontrar uma explicação para os afetos deprimidos durante a 
gravidez que não se restringisse a efeitos de uma estrutura neurótica ou psicótica, 
levou à análise do fenômeno do estranhamento, o qual se tornou, por fim, a linha de 
costura do tecido deste livro. 
 
 
 
 
9 Tema é aqui compreendido no sentido descrito por Bardin como “a unidade de significação que se liberta 
naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura.” (BARDIN 
apud MINAYO, 1992: 208) 
 26 
 
 
 
 
 
 
 
Sobre um dos nomes da tristeza 
 
“Quando me dei conta de que fora vencido pela 
doença, senti a necessidade de, entre outras coisas, 
registrar um protesto contra a palavra “depressão”. 
(...) “Melancolia” pode ainda ser adequada e 
evocativa para definir as formas mais graves da 
doença, mas foi destronada por uma palavra de 
conotações mais brandas, sem ar professoral, usada 
indiferentemente para descrever uma economia em 
declínio ou uma vala na estrada, uma palavra 
realmente sem cor considerando uma doença dessa 
importância. Talvez o cientista a quem geralmente é 
atribuida essa denominação, nos tempos 
modernos(...) – o psiquiatra nascido na Suiça, Adolf 
Meyer – não tivesse um ouvido capaz de captar os 
rítmos mais sensíveis da língua inglesa e por isso 
não percebeu que estava perpetrando um desastre 
semântico quando propôs a palavra “depressão” 
para descrever uma doença tão terrível. Seja como 
for, por mais de setenta e cinco anos a palavra tem 
deslizado inocuamente através da língua como uma 
lesma, deixando poucos sinais indicadores da sua 
malevolência e impedindo, devido à sua extrema 
insipidez, o conhecimento generalizado da terrível 
intensidade da doença quando não é controlada”. 
William Styron1 
 
1 STYRON (1990: 43-44). Perto das Trevas 
 27 
A depressão no campo dos saberes. 
 
O quadro clínico que deu origem a esta pesquisa emergiu da clínica 
psicanalítica. Em alguns casos, mulheres que durante suas análises expressavam 
intenso desejo de engravidar, ao realizarem esse projeto foram acometidas de um 
estado de tristeza, com alterações de sono e apetite, num período que abrangia os 
primeiros meses da gestação. Tal quadro pode ser aproximado àquele classificado 
pela psiquiatria moderna como episódio depressivo ( D.S.M. IV) (AMERICAN 
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1995). O motivo deste estado de tristeza ou dor 
psíquica que se está qualificando como depressão na gravidez não parecia ser o 
bebê – este continuava sendo extremamente desejado, nos casos observados - 
mas algo relativo à própria subjetividade daquelas mulheres em vias de se tornarem 
mães. Cabe ressaltar que as mulheres em questão eram primíparas e não tinham 
diagnóstico de psicose. Chamar-se-á inicialmente este estado afetivo de depressão 
por esta semelhança descritiva. Pretende-se, no entanto, discutir, ao longo do 
trabalho, a adequação (ou não) da utilização desta nomenclatura. 
Embora se reconheça a existência de imensa literatura relativa à 
depressão como quadro psiquiátrico, bem como a profusão de obras referentes à 
melancolia como estrutura clínica, o que se busca, aqui, é poder recortar a 
experiência do afeto deprimido durante a gravidez não como efeito de uma estrutura 
subjetiva melancólica ou deprimida, mas como efeito do processo de subjetivação 
feminino em relação à maternidade. 
 
Uma primeira questão relativa à propriedade do uso do termo depressão 
para qualificar uma ocorrência clínica deste tipo diz respeito a seu caráter 
diagnóstico e à pertinência de seu uso na clínica psicanalítica. O termo depressão 
aparece nas produções psicanalíticas desde seu início, sem que tenha o estatuto de 
um conceito teórico da psicanálise. Nas vezes em que Freud se utiliza deste termo, 
o faz com o caráter que lhe atribui a psiquiatria da época. Todavia, mesmo na 
psiquiatria, a definição do que seja a depressão e sua posição no campo da 
patologia tem sido trabalhosa e permanentemente alterada. 
Seja como entidade nosográfica, seja como experiência fenomenológica, 
a depressão adquire interesse nesta pesquisa, tanto por seu “poder definidor” ou 
“poder explicativo” junto ao senso comum (o têrmo depressão é utilizado de forma a 
 28 
representar quase toda sorte de estados de “dor psíquica”), como pela freqüência 
com que tem sido associada aos mais diversos quadros clínicos, complexificando 
suas explicações etiológicas, bem como sua terapêutica. 
Sabe-se que os fenômenos depressivos são objeto de diferentes áreas do 
saber cujos contornos são, por vezes, muito pouco definidos: as psicologias, as 
psiquiatrias, as psicanálises, as ciências sociais, além da genética, da neurologia e 
outras... (nenhuma delas hegêmonica no domínio do saber sobre o mental ou 
psíquico - este objeto pouco preciso, complexo ou pluriobjeto). Nesse sentido, são 
inevitáveis as intersecções e interfaces (ex.: psiquiatria psicanalítica, 
psiconeuroimunologia, psicobiologia, neuropsiquiatria, etc...) onde os conceitos se 
organizam em sintaxes que se diferenciam tanto das fontes originais (uma psicologia 
ou uma psiquiatria específicas), quanto das possíveis combinações de saberes. 
 
Além da abundância de literatura científica, nas mais diversas tendências, 
acerca do tema depressão, há, também, uma profusa literatura não científica sobre 
este tema. Ele é presença freqüente na imprensa escrita, falada ou televisiva, 
comparece nos discursos dos representantes de qualquer classe social (pelo menos 
nos países cuja cultura é ocidentalizada), é apresentado, inclusive, em home pages 
de redes computacionais. Na última década, a circulação das informações científicas 
tem se dado de forma ampla, independente da qualidade destas ou do quanto de 
incerteza escamoteiam..., e o senso comum vem se construindo sobre esta forteinfluência da divulgação dos saberes científicos (GRANGER, 1993: 16-19). 
 
 
Alguns aspectos epistemológicos da conceptualização da Depressão 
 
Tratar de aspectos epistemológicos é, antes de mais nada, tratar da 
lógica sob a qual um conhecimento se processa. Se o conhecimento só se faz por 
mediação, a razão é o mediador que caracteriza o conhecimento científico. MORIN 
descreve a razão como: 
 (...) um método de conhecimento baseado no 
cálculo e na lógica (na origem, ratio quer dizer cálculo), 
empregado para resolver problemas postos ao espírito, em 
função dos dados que caracterizam uma situação ou um 
 29 
fenômeno. A racionalidade é o estabelecimento de uma 
adequação entre uma coerência lógica (descrita, explicativa) e 
uma realidade empírica. ( 1990: 121). 
 Compreender os périplos da noção de depressão implica reconhecer a 
racionalidade do uso deste conceito em diferentes contextos teóricos. 
 O estudo da depressão coloca o pesquisador - clínico ou teórico - em 
confronto com problemas epistemológicos como o da multiplicidade de definições de 
depressão conforme os referenciais teóricos utilizados. A escolha de tais referenciais 
tem implicações tanto no campo teórico como prático. 
Do ponto de vista epistemológico é importante se ressaltar a diferença de 
recorte do objeto mente ou psiquismo, sede da depressão. Conceber a depressão 
como ocorrência de um aparelho psíquico forjado no embate entre moções 
pulsionais e as pressões culturais, é completamente diferente, por exemplo, de 
compreendê-la como efeito de processos bioquímicos num aparato neuronal. Para 
as neurociências o mental se circunscreve nos processos de cognição e nas 
estruturas cerebrais (ex.: circuitos neuronais, bioquímica cerebral) (ANDREASEN, 
1997: 1586) enquanto nos saberes psicodinâmicos a ênfase do mental está na 
subjetividade, portanto, na organização particular, simbólica, do que quer que seja o 
mental (neurônios, gens, relações sociais ou traços de linguagem). Nesse sentido, a 
categoria ou conceito depressão, sofre os efeitos lógicos de estar vinculada a uma 
ou outra concepção do mental. Não seria necessário demonstrar, portanto, as 
enormes diferenças na clínica da depressão conforme o modelo teórico que se 
utilize. 
Se é possível relacionar o mental orgânico, com o mental simbólico, como 
pretendem, especialmente, os pesquisadores das neurociências (ANDREASEN, op. 
cit.,1586), é necessário que antes se considere os ganhos e as perdas que tal 
junção pode trazer. Essas relações só se fazem através de reduções, que, por 
vezes, custam a perda do objeto em si (SAMAJA, 1992: 15). Por outro lado, a 
finalidade pode justificar esta tentativa. A clínica do mental (e suas dificuldades...) é, 
sem dúvida, um forte estimulante para criação destas interfaces. Porém, aqui 
também (clínica do mental), há diferenças marcantes: umas caminhando no sentido 
da eliminação ou controle dos sintomas e transtornos; outras, considerando os 
sintomas como discursos subjetivos cuja decisão sobre seu destino (eliminação ou 
não) não é devida, nem possível para o profissional que conduz a clínica. 
 30 
Parece importante destacar-se a mudança de perspectiva de um 
fenômeno (a depressão, no caso) quando vinculado a um ou outro desses objetivos, 
de modo que se possa decidir sobre a propriedade de seu uso no contexto clínico 
abordado por esta pesquisa. Tais objetivos, ou sentidos da intervenção clínica, têm 
sua determinação (ao menos em parte...) no privilégio à vertente subjetivante ou 
objetivante da produção de conhecimento. O objetivismo poderia ser sintetizado 
como uma visão do mundo constituído de objetos com características e 
propriedades independentes dos seres que com eles se relacionam, possibilitando, 
assim, seu conhecimento verdadeiro, através de métodos e linguagem claros e 
objetivos como pretendem ser o método e a linguagem científicos. Já o subjetivismo 
compreende o conhecimento dos objetos do mundo através das relações entre os 
seres e os objetos, enfatizando todas as formas de manifestação subjetiva.(LAKOFF 
& JOHNSON, 1980). 
 
Outra questão epistemológica relevante na análise de um conceito é a 
dificuldade em se rastrear as semelhanças ou linhas de continuidade internas a um 
saber, ou entre saberes diversos, no que tange ao uso desse conceito, em função 
das mudanças de estatuto que este sofre no seu contexto de uso. A depressão, por 
exemplo, tem sido tratada ora de modo substantivo ora adjetivo. Conforme descreve 
PALMEIRA, em sua tese de mestrado acerca das relações entre psiquê e cancer: 
 (...) em alguns casos a “depressão” é 
entendida como algo que o sujeito sofre, em outros é 
interpretada como algo inerente à própria natureza do sujeito. 
(1994: 47) . 
 
Uma tentativa de neutralização deste problema tem sido feita pela 
epidemiologia psiquiátrica com seus sistemas de classificação, nos quais estados 
como os de depressão seriam sempre adjetivos, resultado de um somatório de 
sinais. 
 
Na perspectiva mais estritamente neurobiológica, a depressão é 
associada a fatores tais como alterações de processos cerebrais adaptativos 
(ANDREASEN, 1997:1588), ou intercorrências nos sistemas de transmissão 
noradrenérgicos do sistema nervoso central (s.n.c.); ou processo de recaptação da 
serotonina ao nível sináptico do referido sistema (s.n.c.); ou ainda deficiência de 
 31 
dopamina no sistema nigroestriatal ( SIMÕES et alii, 1996: 4-5). Outra vertente da 
pesquisa biomédica associa a depressão a fatores hormonais, como o estrogênio, 
por sua “ação direta e indireta sobre os neurônios do s.n.c.” (SIMÕES et alii, op. 
cit.:5), condição considerada como uma das prováveis responsáveis pela freqüência 
de depressão, duas vezes maior, nas mulheres do que nos homens.(PAYKEL, 
1991). Fica evidenciado, aqui, que a depressão, independente da hipótese que a 
explique, é compreendida como um fenômeno adjetivo, resultante de processos 
neurobiológicos ou genéticos. Os modelos de produção de conhecimento acerca da 
depressão, nestas áreas, são objetivos. Seja o que for, a depressão é suposta 
exterior àquele que a pesquisa. 
 
 
 A depressão como experiência vivida - subjetiva - é tratada pelos 
saberes psicodinâmicos (incluindo aqui os culturais). Seria temerário, entretanto, 
conceber qualquer universalidade nas formas de pensar a depressão, pelas diversas 
correntes de saber que têm as experiências psíquicas como seus objetos. 
 Para os saberes teóricos que descrevem a subjetividade e suas 
manifestações (as psicanálises, as antropologias etc..) a depressão também tende a 
ser vista de modo adjetivo, como resultante de processos - agora não mais 
biológicos - mas psíquicos ou sociais. A pretensão do conhecimento objetivo acerca 
dessa experiência é, no entanto, abandonada e substituida por uma racionalidade 
que supõe encontrar a verdade do fenômeno depressivo intrinsecamente delineada 
no contexto particular , subjetivo, de sua manifestação. 
 Referindo-se às diferenças de racionalidade do saber científico e do 
saber filosófico (não positivista), ATLAN faz afirmações que podem ser úteis para 
esclarecer a racionalidade dos saberes psicodiâmicos: 
 Assim, contrariamente ao ideal das filosofias 
neopositivistas, que procuravam imitar a física e a sua forma 
lógico-mátemática, o papel da filosofia seria falar daquilo que 
não pode ser formalizado, utilizar uma linguagem natural, com 
as suas metáforas, as suas analogias e a indefinição que as 
acompanha, sem, por isso, renunciar a continuar racional; e 
para tal, distinguir as boas das más analogias, as metáforas 
enriquecedoras das metáforas enganadoras, o pouco vago, 
que oculta o que deveria serdito, do demasiado vago, 
potencial de criação. (1991: 101). 
 
 32 
 
A organização dos saberes sobre o mental em sistemas classificatórios: 
algumas implicações clínicas. 
 
 Conforme apresentado no prefácio à edição brasileira da Classificação 
Internacional de Doenças - descrições clínicas e diretrizes diagnósticas - da 
Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) CID 10 (1993: XI), o esforço sistemático de 
classificação dos transtornos mentais, orientado por esta entidade, data da década 
de 60 e vem se ampliando e se especificando desde então. 
 Esta última versão de 1992, junto com o Diagnostic and Statistical 
Manual of Mental Disorders (DSM IV -AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 
1994), representam os resultados mais recentes desta tendência taxônomica que 
vem buscando instrumentos que permitam a comunicação entre os diferentes 
profissionais envolvidos na clínica, na pesquisa e na educação em saúde mental. 
 Estas classificações se caracterizam pela descrição de sinais e 
sintomas, com um declarado abandono da noção de doença mental e a opção pelos 
conceitos de episódios e transtornos . Este último é definido como “um conjunto de 
sintomas ou comportamentos, clinicamente reconhecível, associado, na maioria dos 
casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais.” (O.M.S. - CID10, 1993:5). 
Outros dois eixos utilizados nas classificações são: a distribuição dos sinais e 
sintomas no tempo (episódica ou recorrente) e sua intensidade (grave, moderada ou 
leve). 
 Esta opção pelo modelo sindrômico em detrimento do modelo 
nosológico se dá, especialmente, em função da ausência de certezas quanto à 
etiopatogenia dos transtornos mentais, e/ou, da complexidade que envolve a 
causalidade do psíquico. O objetivo apresentado para estas categorizações é: 
“melhorar o diagnóstico e a classificação dos transtornos mentais”, facilitando a 
clínica, a pesquisa e a comunicação entre profissionais da área de saúde mental ( 
O.M.S. op.cit.: XI ). Por outro lado, dependendo da finalidade que se atribua a um 
diagnóstico, este esforço classificatório será de maior ou menor valia. 
 ZARIFIAN define um diagnóstico como um instrumento que “permite 
comunicar acerca de um doente, (...) permite comparar grupos de pacientes entre si, 
(...), [não sendo necessário na clínica, entretanto] pois a abordagem é 
essencialmente intuitiva.” (1989: 45-47). Nesta mesma linha LAJEUNESSE afirma 
 33 
que: “o interesse de um diagnóstico fiel e válido é condensar uma informação com 
virtude prognóstica e, por conseguinte, condicionar a orientação terapêutica” (1989: 
72). Segundo este autor, tal “fidelidade” se obtém às custas da retirada das 
sintomatologias puramente subjetivas, quando da descrição das categorias. 
Procedimento que, segundo o próprio autor, não garante a objetividade e, ainda, 
acirra a dicotomia entre os praticantes da clínica do mental (subjetivistas e 
objetivistas). 
 O abandono da posição nosográfica, nos dois sistemas classificatórios 
citados acima, se deve, também, a uma opção pela não utilização de qualquer 
referencial teórico específico, no bojo, ainda, de um projeto de objetividade de tais 
classificações. Se por um lado esta postura “suprateórica” gera a clareza dos 
sintomas descritos, por outro os multiplica de forma progressiva, dificultando sua 
utílização clínica como instrumento de projeto terapêutico (o capítulo dos transtornos 
mentais do CID 9 tinha 30 categorias, a atual versão - CID 10 - tem 100). 
 Quanto à categoria depressão, os organizadores da CID. 10 advertem que a 
atual versão ainda é fonte de muita discordância entre psiquiatras. Supõem, 
entretanto, que tais discordâncias serão dirimidas com “medidas fisiológicas e 
bioquímicas, ao invés (...) de descrições clínicas de emoções e comportamentos.” 
(O.M.S., op.cit.: 13). 
 
 Uma perspectiva nosológica implica modelos teóricos de interpretação 
dos eventos. A “costura” dos dados parece fundamental na própria caracterização 
dos fenômenos. Esta ausência de organização teórica dos sintomas leva, por vezes, 
a situações bizarras, onde qualquer sujeito pode ser incluído sob certos 
diagnósticos. O transtorno depressivo é um caso exemplar deste tipo. Na 
classificação do DSM IV, a depressão é classificada como um transtorno afetivo do 
humor envolvendo episódios depressivos, em um período mínimo de duas semanas 
e mais, pelo menos quatro dos seguintes sintomas: queixas de tristeza, 
desesperança, perda de prazer generalizada, perda de apetite, perturbações do 
sono, alterações psicomotoras, diminuição de energia, sentimentos de desvalia ou 
culpa e pensamentos suicidas (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994). 
Seria quase impossível encontrar um adulto ocidental que não se enquadrasse 
nestes critérios, especialmente aqueles que vivem nos grandes centros urbanos... 
 34 
 Em relação aos critérios fisiopatológicos, bioquímicos ou genéticos 
como fontes de especificação diagnóstica, é preciso que se destaque a subversão 
que tal caminho pode criar na compreensão (e consequente abordagem) dos 
fenômenos mentais. Sobre isso ZARIFIAN afirma: 
 Os psicotrópicos tiveram papel importante, e 
não inocente, na evolução dos conceitos diagnósticos. 
Responsável por isso é sobretudo o marketing farmacêutico. 
(...) Se bem que os psicotrópicos não sejam senão tratamentos 
sintomáticos e não específicos de uma afecção mental, o 
cenário está armado. As classificações de psicotrópicos 
reforçam a situação. Há antipsicóticos, antidepressivos e 
ansiolíticos: então há psicoses, depressões e ansiedade. ( 
op.cit: 49-50). 
 
 
 Poder-se-ia objetar que as versões atuais dos sistemas classificadores 
minimizam este problema abrindo mão das grandes categorias nosográficas. 
Todavia, a intenção de objetivação através de critérios estritamente biológicos 
permanece, como foi mostrado alguns parágrafos acima. Conta-se, atualmente, 
com instrumentos poderosos para esses fins: além da fidedignidade da bioquímica , 
desfruta-se agora da precisão e do rigor das imagens (tomografia de emissão de 
pósitrons, por exemplo...). Mais ainda, corre-se o risco de identificar fenômenos de 
uma esfera (os afetos deprimidos, por exemplo), com achados de outra esfera (as 
possíveis alterações de imagens tomográficas quando de estados afetivos 
deprimidos), incorrendo em inevitável engano e confusão, com evidentes 
conseqüências clínicas. 
 
 Outra fonte de dificuldades no estabelecimento e uso clínico de um 
sistema classificador são as diferenças culturais. Estas são reconhecidas, nos dois 
sistemas a que estamos nos referindo (DSM.IV e CID.10), porém, dada a 
dificuldade em transformá-las em variáveis indicáveis objetivamente , elas não são 
consideradas. Mais uma vez isso não ocorre sem prejuízo clínico. A esse respeito 
LUTZ afirma: 
Argumentarei, entretanto, que a distinção entre o o 
quê e o como da experiência depressiva (...) somente faz 
sentido no contexto cultural Euro-Americano dentro do qual foi 
desenvolvido(...) O que é mais notável na visão ocidental da 
depressão é a afirmação implícita do carater de oposição à 
alegria, ou pelo menos aos afetos positivos, em relação a um 
 35 
estado normal. (...) O que é particularmente desviante nos 
deprimidos é sua desistência em buscar a felicidade ou o amor 
de si, considerados objetivos básicos e normais das pessoas. 
Estas metas aparentemente naturais são, de fato, moldadas 
culturalmente, em contraste com outras possiveis definições de 
normalidade nas quais, por exemplo, a ênfase pode ser posta 
no cuidado de crianças ou parentes, ou em vivenciar emoções 
de caráter moral, corretas porém não prazeirosas... ( 1985: 63-
70). 
 
 
 Parece então que estaobjetivação das classificações diagnósticas, se 
traz vantagens tais como a abertura de espaço para a consideração de 
configurações complexas, no interior de sistemas dinâmicos (BASTOS et al., 1994: 
108), traz também alguns riscos clínicos como o de se confundir “os signos 
recolhidos com a realidade da doença” (CLAVREUL, 1983:202). O fato dos sistemas 
classificadores terem abandonado a concepção de doença, não significa que as 
pessoas (o senso comum) a tenham abandonado também, muito pelo contrário... 
Prova disso são os serviços clínicos, cada dia mais lotados de autodenominados 
“doentes do pânico” ou “deprimidos”... 
BENETI (1997), em seu artigo DSM-IV: El “McDonald’s de la Psiquiatría”, 
faz notar o risco de inversão clínica quando à singularidade do paciente é 
sobreposta a universalidade do sistema diagnóstico. Parece possível supor que o 
caráter de saber universalizador dos sistemas diagnósticos pode oferecer ao senso 
comum o frágil conforto (no caso das afecções subjetivas) da pertinência a um 
grupo, onde o diagnóstico (depressão, no caso) sutura, parcialmente, a pressão 
pela busca das razões individuais do sofrimento. 
 
 
 Os estudos sobre Depressão na Gravidez 
 
Numa revisão preliminar da literatura médica sobre o tema, foram 
encontrados estudos conjuntos nas áreas de obstetrícia, psiquiatria e psicologia 
demonstrando a ocorrência de estados depressivos durante a gravidez normal 
(SÉGUIN et alli, 1995; KONIAK-GRIFIN et alli 1996; KITAMURA et alli, 1996). Tais 
estudos poderiam ser subdivididos em dois grandes grupos: 
• aqueles que pesquisam os fatores de risco para depressão na 
gravidez. 
 36 
• os que buscam associar a depressão como fator de risco para certos 
desfechos obstétricos, tais como a prematuridade, o baixo peso ao 
nascer, a irritabilidade do bebê (ZUCKERMAN et alii, 1990) ou mesmo 
a mortalidade neonatal (BUSTAN et al, 1994). 
 
Nestes trabalhos, a depressão é quase sempre ligada a situações como 
estresse, falta de suporte social, baixa renda, enfim, fatores denominados 
psicossociais. Em relação aos fatores de risco mais freqüentemente associados à 
depressão na gravidez, encontram-se as dificuldades econômicas e a falta de 
parceiro ou de suporte familiar e social (MILLÁN, et alii, 1990; JADRESIC, et alii, 
1993; HOBFOLL, et alii 1995; SÉGUIN, et alii, 1995). Nesse sentido, a prevalência 
da depressão na gravidez é maior em grupos de mulheres de baixa renda, negras, 
com baixos níveis de escolaridade (ZUCKERMAN, et alii, 1989; SÉGUIN, et alii, 
1995; ORR et al, 1995; COPPER, et al 1996). A depressão é ai descrita, 
predominantemente, como vinculada a condições de desequilíbrio ou desadaptação 
social. Estes estudos não tecem considerações sobre a dinâmica psíquica 
subjacente à depressão na gravidez. 
 
 
No campo psicanalítico a consideração de qualquer fenômeno sofre os 
efeitos de “refração” da existência de diferentes escolas. A teoria psicanalítica não é 
unívoca, seu desenvolvimento tem se dado a partir do privilégio ou da ênfase de 
aspectos diferentes da teorização freudiana, estes ora mais, ora menos evidentes, 
na obra do fundador da psicanálise. 
Os artigos de orientação psicanalítica tendem a abordar estados 
depressivos em gestantes na perspectiva da reorganização psíquica imposta à 
mulher pelo estado gestacional (BIBRING et al, 1976; WELDON, 1991). Não foram 
encontrados, porém, trabalhos específicos acerca da depressão na gravidez , na 
literatura psicanalítica. Alguns fatores parecem poder explicar tal ausência. Em 
primeiro lugar, o fato da depressão não ser uma entidade nosográfica, nem mesmo 
um conceito, do campo psicanalítico. O transporte deste termo da psiquiatria para 
psicanálise se fez através dos psicanalistas com formação psiquiátrica dita clássica, 
a qual se baseava na “observação cuidadosa”, no “dialógo sustentado e atento com 
o doente” (MILLAS, 1997: 96), onde as entidades clínicas eram descritas de modo 
 37 
minucioso e criterioso a partir da referência à psicopatologia fenomenológica 
(BENETI, 1997). 
 É o estudo do quadro clínico da melancolia, realizado por Freud em 
diferentes momentos de sua obra, que serve à psicanálise como modelo para 
compreensão dos afetos deprimidos. A melancolia também é uma entidade 
nosográfica da psiquiatria (distinta da depressão), ora considerada uma afecção 
mental em si, ora associada à psicose (especialmente à psicose maníaco-
depressiva, atualmente denominada transtorno bipolar). Freud, porém, aborda o 
problema da melancolia buscando descrevê-la nos termos de suas teorias, 
conforme se exporá mais adiante. 
Outra razão para a falta de trabalhos psicanalíticos específicos quanto a 
depressão na gravidez parece ser o fato de os trabalhos sobre a maternidade 
estarem predominantemente centrados em duas grandes temáticas: a frigidez e a 
infertilidade. A depressão é estudada , alí, numa relação mais específica a estes 
fenômenos. 
 Na primeira metade do século a discussão em tôrno da infertilidade já se 
centrava nos aspectos da psicologia feminina. A inexistência, naquele momento, de 
técnicas de reprodução sofisticadas, permitiu o avanço das pesquisas em torno dos 
chamados fatores psicogênicos. Se para a medicina tais fatores, embora com 
aspecto de caixa preta, serviam de escoadouro para o não-sabido emanado da 
clínica, para a psicanálise, era a possibilidade de expandir seus construtos 
explicativos. As discussões sobre esta questão se fizeram em torno do 
desenvolvimento da sexualidade feminina no complexo de Édipo. De modo geral, as 
teses falavam de um infantilismo quanto à sexualidade psíquica. Quer fosse por 
inveja do pênis como propôs Freud, ou por temor de um submetimento masoquista à 
mãe, como teorizou Deutsch, ou por ansiedade paranóide em relação às partes más 
deste objeto mãe, como observou Klein, os conflitos eram, geralmente, referidos à 
dificuldade de identificação com a mãe. As angústias e depressões eram abordadas 
na perspectiva das dificuldades em tornar-se mulher. 
Como a maternidade foi tratada por Freud no contexto da organização 
sexual feminina e considerada seu alvo evolutivo, alguns estudiosos das questões 
de gênero, deduziram, por parte da psicanálise, uma proposição normativa, redutora 
da mulher à condição de mãe. Quanto a isso cabe lembrar que a questão central 
sobre a qual Freud se debruçou foi a sexualidade no seu duplo intrincamento, o 
 38 
indivíduo e a espécie, sendo a reprodução e a maternidade indissociáveis nesse 
plano de pesquisa. 
 
Na última década, a ênfase dos trabalhos psicanalíticos relativos à 
gravidez recai sobre as práticas de inseminação artificial. A tendência desta 
discussão se faz em torno do desconhecimento da vertente inconsciente do desejo 
destas mulheres cuja infertilidade tem causa desconhecida ou “psicogênica”, e que 
se submetem às técnicas de reprodução assistida. A suposição subjacente a estes 
trabalhos é de que as práticas médicas sustentam, por vezes, este 
desconhecimento, no atendimento da demanda de uma gestação. Se o filho é 
esperado no lugar de metáfora do que é ser mulher, a resposta a esta demanda 
representará a negação da castração2 e a valorização de idealizações imaginárias 
quanto ao papel da maternidade na identificação da mulher ao feminino. Tais 
trabalhos buscam evidenciar, ainda, que a falta de um significante que especifique a 
mulher no campo das diferenças sexuais psíquicas, diz respeito à pluralidade das 
suas possibilidades representativas e não a qualquer sorte de carência real, que 
possa ser resolvida pelo imaginário biológico. Nestes trabalhos o afeto deprimido é 
abordado, então, em relação ao fracasso queestas gravidezes assistidas podem 
representar quanto ao sentido plurívoco do desejo das mulheres em questão. 
(CHATEL, 1995; TUBERT, 1996). 
 
 
Depressão como experiência afetiva 
 
A versão dicionarizada do vocábulo depressão - “ato de deprimir-se; 
abaixamento de nível resultante de pressão ou de peso; baixa de terreno; 
diminuição, redução; (...); psiq: distúrurbio mental caracterizado por adinamia, 
desânimo, sensação de cansaço(...); fig: abatimento moral ou físico, letargia.” 
(HOLLANDA, 1966: versão eletrônica) - parece evidenciar uma relação analógica 
entre os movimentos mecânicos de pressão com efeito de diminuição ou redução 
numa quantidade qualquer, e o que se observa nas descrições semiológicas dos 
quadros ditos depressivos. Sustentando esta relação analógica buscar-se-á 
 
2 O têrmo Castração está sendo utilizado aqui numa das acepção propostas por Lacan, como condição estrutural 
da subjetividade, como ausência de um significante que possa circunscrever, em termos de saber, toda a verdade 
referente ao sujeito e a seu desejo. 
 39 
evidenciar que tipo de pressão e sob que aspectos da subjetividade da mulher 
grávida, poderá resultar num rebaixamento de sua alegria. 
 
Como já sublinhado no início deste capítulo, esta pesquisa da depressão 
associada à gravidez não pretende enfocar um quadro nosográfico, mas uma 
manifestação subjetiva passível de ocorrer em mulheres de variadas estruturas 
psíquicas. Parece, entretanto, que o tratamento metapsicológico que se pretende 
dar à questão pode autorizar sua extensão à clínica psicanalítica de quadros de 
depressão na gravidez vínculados a estruturas melancólicas ou depressivas. Porém, 
a ocorrência de um período depressivo durante a gravidez não indica, 
necessariamente, uma estrutura subjetiva melancólica3: É possível a presença de 
afeto deprimido na gravidez de mulheres sem uma história pregressa deste tipo de 
episódios. 
Poder-se-ia objetar que a utilização do termo depressão está aqui, então, 
sustentada apenas no afeto da tristeza, o que não caracterizaria uma depressão ou 
um quadro melancólico. A intenção de manter tal termo, todavia, se deve à 
associação entre a tristeza e um sentimento de perda inefável, ocorrida ou por 
ocorrer, desvinculada de qualquer perda objetiva, relatada nos casos que serviram 
de fonte para esta pesquisa. A semelhança com as situações de melancolia - e de 
luto, por decorrência - onde o afeto triste e a inibição generalizada dão o aspecto 
depressivo aos sujeitos por eles acometidos, determinou a manutenção do termo. 
A depressão será aqui considerada como uma ocorrência relativa ao 
campo do afeto, gerada na passagem da condição subjetiva de mulher à condição 
de mãe. Buscar-se-á discutir em capítulos subseqüentes a relação entre a angústia 
a estranheza e o sentimento de depressão, na experiência da gravidez desejada . 
Parece necessário ressaltar que, se toda angústia se refere à fundação 
do sujeito como desejante, então, as diferentes experiências que remetem o sujeito 
 
3 A referência a uma estrutura melancólica visa estabelecer diferença entre uma posição subjetiva transitória e 
outra prevalente. A idéia de que a melancolia poderia ser uma estrutura específica, independente das neuroses, 
das psicoses e das perversões, permeia atualmente a obra de alguns psicanalistas. Embora nesta pesquisa não 
tenha sido encontrada referência explícita a essa posição, alguns indícios apontam nessa direção. Na obra de 
Marie-Claude LAMBOTTE (1997), por exemplo, a opção é por um discurso melancólico. Entretanto, tratando-
se de autora com orientação lacaniana, sua referência ao discurso a aproxima da concepção de estrutura uma vez 
que para LACAN (1992) a noção de discurso diz respeito a posições estáveis na linguagem. De modo 
semelhante, o trabalho de PINHEIRO (1998) O estatuto do objeto na melancolia, embora não explicite a 
proposição de uma estrutura melancólica, refere-se a uma metapsicologia específica da melancolia, envolvendo 
um modo particular de vinculação da subjetividade ao objeto, que seria menos de desejo e mais de mimese 
identificatória. 
 40 
a esta fundação são de extremo interesse na clínica psicanalítica. Supõe-se que a 
gravidez seja uma delas. 
 41 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A metapsicologia da maternidade 
 
 
 
 
 
“De acordo com sua natureza peculiar, a 
psicanálise não tenta descrever o que é a mulher - 
seria esta uma tarefa dificil de cumprir -, mas se 
empenha em indagar como é que a mulher se forma, 
como a mulher se desenvolve desde a criança 
dotada de disposição bissexual.” 
 Sigmund Freud1 
 
 
 
 
 
1 S. FREUD (1976n). A FEMINILIDADE .p. 144 
 42 
Proposições freudianas acerca da sexualidade feminina e da maternidade 
 
Estudar a gravidez através da psicanálise implica fazê-lo mediante o 
recorte específico com que esta compreende o vivido humano, como experiências 
cuja realidade é centralmente psíquica, essencialmente simbólica. As duas áreas da 
psicanálise às quais a gestação se liga de modo mais imediato são a sexualidade 
feminina e a maternidade. No propósito de teorizar a sexualidade, por concebê-la 
como constitutiva da subjetividade humana, Freud descreve sua organização, 
porém, com maior ênfase na vertente masculina. Esbarra, entretanto, no 
desenvolvimento da sexualidade psíquica nas mulheres. O feminino entra na 
psicanálise desde os primórdios, como campo de enigmas, equívocos e muita 
fecundidade teórica. 
Quanto à gestação, seu principal tratamento no campo, tem se dado 
através da perspectiva da maternidade. Esta, por sua vez, tem sido abordada, 
especialmente, sob dois prismas: como manifestação do desejo inconsciente de um 
sujeito mulher ou como função relativa à constituição simbólica da subjetividade (do 
filho). Nesta última visada a função materna comparece no conjunto de operações 
psíquicas que respondem, de modo mítico, pela origem do sujeito. Esta foi a 
vertente sob a qual Freud abordou preferencialmente a questão da maternidade. 
 O conjunto de operações que respondem pela sexuação psiquica é, 
segundo FREUD (1970), o Complexo de Édipo, processo que resulta no 
engajamento do sujeito na ordem social através de sua identificação a uma posição 
sexual, que lhe possibilita a participação na partilha dos objetos sexuais. É através 
do complexo de Édipo que o sujeito se reconhece (como homem ou mulher) e pode 
fazer vínculos de natureza sexual e social. Os fundamentos sobre os quais Freud 
constrói a teoria edípica são: a bissexualidade constitucional, a falta de um 
demarcador psíquico quanto à diferença sexual, e a necessidade de orientação do 
sujeito na ordem transgeracional . 
A idéia de uma lógica edípica subjacente aos processos subjetivos 
remonta aos primeiros trabalhos psicanalíticos de FREUD (1974a), produzidos entre 
1895 e 97. A teoria da sedução, de valor etiológico na estruturação das neuroses, já 
indicava que os adultos que faziam parte da cena relatada pelos pacientes, cenas de 
excitação sexual na infância, eram, freqüentemente, os próprios pais. A teoria da 
sedução é depois substituída pela teoria da fantasia, no entanto, o conteúdo sexual 
 43 
envolvendo os pais ou seus representantes permanece. Freud passa, 
progressivamente, a atribuir valor determinante ao complexo de Édipo, não só na 
estruturação das neuroses, mas na estruturação psíquica mesma (FREUD, 1976g). 
A formalização da teoria edipiana da subjetivação não se desenvolveu de 
forma linear no que diz respeitoaos homens e às mulheres. Embora a primazia do 
falo na orientação do desenvolvimento psíquico da sexualidade estivesse assentada 
na teoria desde 1905 nos Três Ensaios Sobre a Sexualidade (FREUD: 1972a), os 
efeitos diversos desta primazia só foram teorizados nos artigos posteriores a 19202. 
Importante ressaltar que um dos reflexos da bissexualidade original (tese que dá 
fundamento à teoria do Édipo) é a presença universal, com forças individualmente 
variáveis, de um complexo de Édipo completo - em sua forma direta ou positiva, e 
em sua forma invertida ou homossexual - em todos os indivíduos. 
O que está em questão no Complexo de Édipo é um jogo de 
investimentos e desinvestimentos libidinais, entre a criança e um dos pais (ou seu 
representante), acompanhado de identificações ao outro elemento do par parental. 
O resultado é a identificação a uma posição sexual (feminina ou masculina), que 
possibilita a participação do sujeito nas trocas sociais, as quais são mediadas pela 
posição sexual que caracteriza o modo de abordagem dos objetos. Essa trama se 
dá em torno da ausência e presença do pênis como representante do falo3. Num 
jogo dialético entre ser e ter o falo e seus correlatos (ter e perder, não ter e receber), 
constrói-se a posição sexual subjetiva bem como o ingresso na ordem social. O falo 
tem função de indicador de haver diferença sexual. A presença do pênis nos 
meninos em associação a sua ausência nas meninas (e somente nesta estrita 
associação) conduz a criança a produzir hipóteses acêrca de seu próprio sexo, bem 
como do sexo oposto, uma vez que não há reconhecimento psíquico imediato, inato, 
da diferença sexual. A diferença corporal (ter pênis - não ter pênis) é um indicador 
imaginário da diferença simbólica que se constroi em torno do falo (fálico – 
 
 2 Especialmente nos artigos A Organização Genital Infantil de 1923 (FREUD, 1976g), A Dissolução do 
Complexo de Édipo de 1924 (FREUD, 1976h), Algumas Consequências Psíquicas Da Diferença Anatômica 
Entre os Sexos de 1925 (FREUD, 1976i) e nos trabalhos dedicados à sexualidade feminina Sexualidade 
Feminina FREUD (1974f) e a ConferênciaXXXIII Feminilidade (FREUD,1976n). 
 
3 Em psicanálise o falo é o elemento simbólico por excelência. Seu uso esta ligado à função simbólica 
desempenhada pelo pênis na dialética intra e inter-subjetiva. Estão referidas ao falo todas as significações 
subjetivas. (LAPLANCHE & PONTALIS: 1986). LACAN (1993A), em sua repostulação do inconsciente 
freudiano enquanto estruturado como linguagem, atribuiu ao falo valor de significante fundador do espaço 
 44 
castrado). A oposição presença / ausência marca uma diferença que faz trabalhar a 
linguagem, daí o valor simbólico do falo. 
 A castração é o operador em torno do qual se desenvolve o complexo de 
Édipo. A lógica subjacente ao complexo de castração é a da ameaça de perda de 
algo valioso – o falo – como norteador das escolhas possíveis para o sujeito. 
FREUD (1972b) descreve este complexo pela primeira vez em 1908 quando do 
estudo do pequeno Hans. O temor da castração passa a ser descrito nos trabalhos 
psicanalíticos como relacionado, de modo especial, à clínica das neuroses. Depois 
de 1920, com o aparecimento do texto freudiano A organização genital infantil (Uma 
interpolação na Teoria da Sexualidade) (FREUD, 1976g) a castração passa a ser 
considerada a lógica prínceps sob a qual é abordada a diferença sexual e suas 
conseqüências: o posicionamento sexual psíquico e as escolhas identificatórias e 
objetais. Como explicitado por LAPLANCHE & PONTALIS: 
É que o papel que a psicanálise atribui ao complexo 
de castração não se compreende sem ser relacionado com a 
tese fundamental – constante e progressivamente afirmada por 
Freud – do caráter núclear e estruturante do Édipo. (...) O 
complexo de castração deve ser referido à ordem cultural em 
que o direito a um determinado uso é sempre correlativo de 
uma interdição. (1986: 114-115) 
 
 
Nesta teorização onde a consideração dos genitais femininos se dá a 
partir do pênis, a mulher está na condição de desprovida ou provida de forma falha 
(clitóris como um pênis pouco desenvolvido ou amputado). FREUD reconhece que o 
clitoris é a zona de atividade sexual genital para menina, porém sua comparação 
com o pênis dos meninos estabelece uma lógica de inferioridade ou falta, do lado 
das mulheres: 
Entre as zonas erógenas que formam parte do corpo 
da criança há uma que certamente não desempenha o primeiro 
papel e que não pode ser o veículo dos impulsos sexuais 
ulteriores mas que é destinada a grandes coisas no futuro. 
Tanto nos meninos quanto nas meninas ela é posta em 
conexão com a micção (na glande e clitóris)(...) (1972a: 192). 
A suposição de que todos os seres humanos têm a 
mesma forma (masculina) de órgão genital é a primeira das 
muitas teorias sexuais notáveis e momentosas das crianças. 
Pouco adianta a uma criança que a ciência da biologia 
 
subjetivo, significante este que, na interrelação aos outros significantes do campo da linguagem, promove 
sentido à subjetividade. 
 45 
justifique seu preconceito e tenha sido obrigada a reconhecer o 
clítóris como um verdadeiro substituto do pênis. ( 1972a: 201). 
 
Esta noção de falta relacionada à sexualidade das mulheres será 
retomada, mais tarde, por Lacan, que lhe atribuirá um estatuto de fonte do 
ultrapassamento do gozo fálico. 
 
 
O Complexo de Édipo Feminino em Freud 
 
A teorização de Freud sobre o Édipo feminino se inicia pela postulação de 
sua equivalência ao masculino, em conseqüência da predominância dada por ele à 
lógica fálica no estabelecimento e desenvolvimento da sexualidade psíquica. Até a 
década de 20 Freud postula uma simetria entre o Édipo masculino e o feminino. Ao 
modo especular, as relações edípicas entre o menino e seus pais se oporiam às da 
menina. Ao amor devotado à mãe pelo menino, corresponderia o amor ao pai 
destinado pela menina. À rivalidade do menino ao pai, ocorreria, de modo análogo, a 
rivalidade da menina à mãe. Toda esta tese será modificada depois de 1925, como 
descreveremos mais adiante. Freud4 reconheceu, porém, várias vezes, que o seu 
conhecimento acerca do desenvolvimento da sexualidade das mulheres era 
precário. 
No trabalho de 1923 a Organização genital Infantil (Uma interpolação na 
Teoria da Sexualidade) FREUD reafirma pontos como a primazia fálica na 
organização genital das criança e a renegação inicial da diferença sexual constatada 
na observação clínica dos meninos. Introduz, entretanto, um aspecto importante 
para o conjunto da teoria e de especial interesse em relação a este trabalho: a 
associação entre a maternidade e a percepção das mulheres como castradas: 
Não se deve supor, contudo que a criança efetua 
rápida e prontamente uma generalização de sua observação 
de que algumas mulheres não tem pênis. (...) Mulheres a quem 
ela respeita, como sua mãe, retêm o pênis por longo tempo. 
Para ela, ser mulher ainda não é sinônimo de não ter pênis. 
Mais tarde, quando a criança retoma o problema da origem e 
nascimento dos bebês e adivinha que apenas as mulheres 
podem dar-lhes nascimento, somente então também a mãe 
perde seu pênis. E juntamente, são construídas teorias 
 
4 Sobre isso ver Introdução do Editor Inglês, J. Strachey ao artigo de FREUD (1976i) Algumas Conseqüências 
Psíquicas da Diferença Anatômica entre os Sexos. 
 46 
bastante complicadas para explicar a troca do pênis por um 
bebê. Em tudo isso, os órgãos genitais femininos jamais 
parecemser descobertos. (1976g: 183-184 ). 
 
Em 1924 FREUD escreve A Dissolução do Complexo de Édipo, onde 
discute especialmente a função da ameaça de castração na dissolução do Édipo e a 
permanência de seus traços através da estrutura superegóica. Se o 
desenvolvimento suposto normal ou ideal do complexo de Édipo seria que as 
primeiras escolhas ou investimentos libidinais sucumbissem ao recalcamento, a 
pressão para este recalcamento, no entanto, parecia advir de fontes diferentes 
conforme o sexo anatômico da criança. Para os meninos a ameaça de castração por 
parte do pai seria o principal propulsor do recalcamento do amor pela mãe, restando 
no inconsciente as marcas deste jogo entre desejo incestuoso e ameaça de 
castração na forma de núcleo do superego. Para menina tal hipótese seria 
inadmissível. Freud chega a propor um alongamento indefinido na situação edípica 
da mulher, uma fragilidade no recalcamento de seu amor pelo pai, provocado por 
seu anseio de obtenção de um pênis, o qual lhe seria doado por aquele, seja na 
forma de pênis seja na forma de seu substituto, um filho. A ausência de um temor e 
a prevalência de uma inveja responderiam por certa fragilidade do superego 
feminino. 
Estando assim excluído, na menina, o temor da 
castração, cai também um motivo poderoso para o 
estabelecimento de um superego e para a interrupção da 
organização genital infantil. (FREUD,1976h: 223). 
 
 No caso das meninas, ressalta que a castração (não como ameaça mas 
como constatação) ocorre numa fase inicial do desenvolvimento libidinal. Em função 
da inserção da menina na lógica fálica esta continuará, entretanto, aspirando ao 
desenvolvimento de um pênis ou de algo que se equacione a ele simbolicamente, 
um filho especialmente. O abandono (quando há) do projeto edípico e o término da 
organização genital infantil aconteceriam graças a sua não realização, ou seja, por 
desistência. A formação do superego ocorreria através da ameaça de perda do 
amor de um dos pais. Nesse sentido a simetria entre os Édipos masculino e feminino 
já não se sustentava. 
 
 47 
Na década de 20 a pesquisa psicanalítica na área da sexualidade 
feminina produziu trabalhos de peso como os de Abraham, Helene Deutsh, Karen 
Horney, Jeanne Lampl de Groot, Ernest Jones e Melanie Klein, dentre outros, 
estudos que parecem ter exigido um reposicionamento de Freud quanto à teorização 
sobre o feminino. Freud começa a responder a esta exigência especialmente em 
seu trabalho de 1925 Algumas Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica 
Entre os Sexos (1976i). Neste artigo estão apresentados, de modo sintético, os 
principais pontos de suas reformulações teóricas sobre o tema, os quais serão 
desenvolvidos em dois trabalhos na década de 30 - Sexualidade Feminina 
(FREUD,1974f) e Conferência XXXIII (FREUD,1976n). Importa ressaltar que tais 
reformulações respondem mais a uma exigência de coerência teórica da própria 
produção freudiana do que a uma adaptabilidade de Freud aos dados trazidos por 
estes pesquisadores, o que pode se observar no último capítulo do artigo sobre a 
Sexualidade Feminina, no qual Freud se dedica a rebater as proposições de cada 
um dos autores citados acima. Essas críticas já vinham se esboçando desde o artigo 
de 1925. Em suas próprias palavras: “(...) existe muita coisa que toca de perto 
naquilo que escrevi, nada contudo, que coincida com ele completamente (...)” ( 
FREUD, 1974f: 320). 
As principais reformulações que as pesquisas sobre a sexualidade 
feminina trouxeram à teoria freudiana dizem respeito a dois aspectos: à intensa 
ligação da menina à mãe nas fases iniciais de sua organização libidinal, exigindo 
assim uma troca de objeto (da mãe pelo pai) para que o complexo edípico se instale, 
e à mudança da zona genital (do clitóris para vagina). A nuclearidade do complexo 
de Édipo e da angústia de castração são mantidas por Freud acrescentando-se um 
período pré-edípico, onde meninas e meninos teriam o mesmo objeto de 
investimento libidinal, a mãe. Este é, portanto, um ponto não de simetria mas de 
semelhança entre os Édipos masculino e feminino. Outra questão que se esclarece 
no texto de 1925 é a diferença da função da castração no desenvolvimento dos 
vínculos edípicos em meninas e meninos. Para as primeiras, a constatação da 
castração inaugura o complexo de Édipo, para os segundos, ela o encerra. 
 
Um ponto fundamental para Freud desde o início de sua teorização é a 
idéia da necessidade de uma operação de deslocamento da fonte de excitação, do 
clítoris para a vagina, para que esta possa ser tomada como fonte de prazer (e 
 48 
melhor servir à reprodução ). A ênfase da sexualidade genital infantil feminina é toda 
no clitóris em equiparação ao pênis, o que sustenta a primazia fálica na organização 
psíquica da sexualidade. Nesta vertente fálica, a menina não é, em princípio, mas 
pode vir a se tornar mulher. A este ponto se oporão autores como Ernest Jones e 
Karen Horney por suporem um conhecimento precoce da vagina (no sentido de 
experiência psíquica) por parte das meninas. 
Quanto ao desejo de um filho pela mulher, na perspectiva freudiana, ele é 
um desejo essencialmente fálico. A maternidade é compreendida no espectro do 
desenvolvimento da sexualidade fálica. Freud toma como ponto de partida a 
masturbação clitoridiana infantil e seu correspondente psíquico – as fantasias – que, 
senão nos seus primordios, mas desde muito cedo, se orientam para os pais. 
Considera que a interrupção desta atividade (a masturbação) e o recalcamento das 
representações a ela ligadas promovem o sentimento de humilhação da menina na 
comparação das possibilidades de atividade da vagina em relação ao pênis. As 
chances de um exercício erótico ativo ou masculino são então percebidas pelas 
meninas como menores em comparação com os meninos. O desejo de um filho 
entra no campo psíquico da menina como uma espécie de desejo de reparação 
desta humilhação ou inferioridade, no universo fálico: 
Não posso explicar a oposição que por esse modo é 
levantada pelas meninas à masturbação fálica, exceto supondo 
existir algum fator concorrente que faça a menina voltar-se 
violentamente contra essa atividade prazerosa. Esse fator está 
bem à mão. Não pode ser outra coisa senão seu sentimento 
narcísico de humilhação ligado à inveja do pênis, o lembrete de 
que afinal de contas , esse é um ponto no qual ela não pode 
competir com os meninos e assim seria melhor para ela 
abandonar a idéia de fazê-lo. (...) 
(...) Agora, a libido da menina desliza para uma nova 
posição ao longo da linha – não há outra maneira de exprimi-lo 
– da equação ‘pênis-criança’. Ela abandona seu desejo de um 
pênis e coloca em seu lugar o desejo de um filho; com esse fim 
em vista toma o pai como objeto de amor. A mãe se torna o 
objeto de seu ciúme. A menina transformou-se em uma 
pequena mulher. (1976g: 317-318) 
 
 
 No artigo de 1931 Sexualidade Feminina FREUD (1974f) teoriza três 
modos através dos quais as meninas lidariam com a constatação da diferença 
sexual. Um primeiro modo seria através do abandono de toda atividade sexual caso 
 49 
o sentimento de inferioridade fálica fosse percebida como irreparável. Um segundo 
modo seria pela intensificação da masculinidade que poderia configurar-se 
duplamente: na manutenção da suposição de posse de um órgão fálico (por 
negação da castração), podendo levar a um vínculo objetal de caráter homossexual; 
ou na expectativa de recebimento deste órgão. O terceiro modo de administração da 
castração pela menina se daria pelo ingresso no complexo de Édipo, via através da 
qual atingiria “a atitude feminina normal final” (FREUD, 1974f: 264). Neste artigo o 
desejo de um filhoaparece como efeito dos dois modos que não o do abandono da 
sexualidade: é um projeto de obtenção fálica (portanto, masculino), no âmbito do 
complexo de Édipo (pênis-filho recebido do pai). Esta retificação teórica, em relação 
ao texto de 1925, parece indicar uma sorte de contradição: desejar um filho seria, 
afinal, para mulher, um projeto masculino ou um projeto da feminilidade? Sob este 
aspecto afirma LAPLANCHE: 
São essas soluções contraditórias para responder à 
constatação de uma certa disparidade dos órgãos genitais que 
foram agrupadas sob o têrmo inveja do pênis, termo cujo 
caráter equívoco, multívoco (que deve ser conservado), tem 
sido freqüentemente sublinhado: tanto é a inveja de ter um 
pênis no lugar pubiano quanto o desejo de receber um no coito, 
por exemplo, ou ainda a vontade de arrancá-lo do outro, ou a 
vontade de recebê-lo ou de produzir um substituto dele, por 
exemplo, sob a forma do filho. Esse equívoco do têrmo “inveja 
do pênis” significa justamente essa coexistência possível, na 
menina, daquelas soluções contraditórias que Freud, por mais 
de uma vez, enumera quando fala das soluções do complexo 
de castração feminino. (1988: 79) 
 
Ainda no artigo sobre Sexualidade Feminina Freud discute longamente as 
transformações profundas no caráter da vinculação da menina à mãe, durante a 
organização de sua sexualidade infantil. Estes processos são de interesse para a 
presente pesquisa, especialmente no que se refere às vicissitudes da imagem 
materna enquanto objeto de investimento libidinal, em função do papel que a 
imagem de mãe assume como elemento de identificação para menina. 
As transformações da imagem materna, para as meninas, poderiam ser 
sintetizadas da seguinte maneira: inicialmente a mãe é o objeto de todo investimento 
libidinal, trata-se de uma mãe fálica (não castrada) cujo falo, no caso, é a própria 
menina. A criança vive os cuidados maternos como estímulos sexuais, o que dá à 
mãe o papel de sedutora, e esta passa a ocupar o lugar de objeto das fantasias 
 50 
sexuais da filha. Sendo em geral a própria mãe que limita a prática masturbatória da 
criança, ela (a mãe) acabará por assumir um valor contraditório: simultaneamente 
sedutora e proibidora. A constatação da diferença sexual acrescenta uma outra 
característica negativa à representação da mãe para menina: teria sido ela - mãe - 
a responsável pela ausência de seu pênis e, portanto, por sua inferioridade. 
 Freud enumera ainda os sentimentos de insuficiência do amor materno 
ligados a fantasias de ter sido pouco aleitada; ou de ter tido que se submeter à 
repartição do amor materno com outros além de si (irmãos em geral). Enfatiza, no 
entanto, que o deslocamento objetal da mãe para o pai se deve, especialmente, à 
natureza ambivalente das ligações libidinais. O menino pode manter sua ligação 
afetuosa à mãe dedicando os sentimentos de rivalidade ao pai, e, assim, 
desenvolver sua masculinidade nos parâmetros do complexo de Édipo. Já a menina 
não ingressará no percurso tortuoso da identificação à feminilidade caso não 
abandone a mãe como objeto, o que só se dará se prevalecer, em relação à mãe, a 
vertente rivalitária de seu amor infantil. Este é, segundo Freud, o caminho para que 
a menina possa se tornar mulher e, possivelmente, mãe; para que cumpra então a 
anatomia seu destino... 
Observa-se na clínica psicanalítica um reavivamento deste conjunto 
fantasístico durante a gravidez . 
 
Outra vertente importante na discussão acerca do feminino é a oposição 
atividade/passividade que surge já nos trabalhos iniciais de Freud sobre o 
desenvolvimento sexual fazendo série, posteriormente, com as oposições fálico / 
castrado e masculino / feminino, respectivamente. Essa oposição foi Introduzida por 
FREUD (1972a) no artigo Os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, é, 
porém, na conferência de 1933 – Feminilidade – (FREUD, 1976n) que se encontra 
a síntese de seus pontos de vista sobre esta questão. Não é a passividade em si 
que caracteriza o feminino, mas a busca de um fim passivo, cuja obtenção exige, por 
vezes, muita atividade. Freud atribui esta tendência feminina a uma extensão do 
modelo sexual à vida da mulher de modo geral, sem desprezar, no entanto, a 
variabilidade individual do poder modelador da sexualidade, nem a influência do 
meio. Freud estabelece uma seqüência lógica entre passividade –› ambivalência –› 
masoquismo. A bissexualidade original se molda, na mulher, ao predomínio da 
passividade, tanto por contingências biológicas (anatômicas) como sociais. O fim 
 51 
passivo é o alvo genital da sexualidade feminina. Para atingi-lo, no entanto, deverá 
abdicar (ou sublimar) o fim ativo de suas moções pulsionais, o que se faz às custas 
de suas tendências agressivas. Freud demonstra nesta conferência como a 
supressão da agressividade, que se institui no desenvolvimento da organização 
libidinal feminina, para que a passagem da menina fálica à mulher receptora do falo 
possa ocorrer, é reforçada socialmente, o que vem a favorecer “o desenvolvimento 
de poderosos impulsos masoquistas (...)” (FREUD, 1976n:144). Tais impulsos 
investem de um caráter erótico as tendências destrutivas voltadas contra o próprio 
eu da mulher, de modo que a sexualidade feminina assume um viés masoquista. 
Nesta vertente se desenvolveram as pesquisas de psicanalistas de peso como 
Helene Deutsch, Karen Horney e Melanie Klein. 
 
 Retomando o artigo de FREUD (1976n) de 1933, vê-se ressaltar com 
especial atenção o fato de que, no caso específico da experiência edípica nas 
mulheres, tudo que vem a se passar quanto ao investimento libidinal em relação ao 
pai, já foi vivido inicialmente em relação a mãe. Sendo assim, também para as 
meninas as fantasias primordiais de sedução são relacionadas à mãe e é também 
em relação a ela que se organiza inicialmente, o desejo de um filho. 
Referindo-se à fase adulta da mulher, Freud afirma, na Conferência em 
questão, que a escolha objetal desta é marcada pela inveja do pênis, importando 
assim uma maior demanda narcísica, em função de sua suposta inferioridade ou 
deficiência quanto ao falo. Isto faz a mulher mais dependente do amor e dos dons do 
homem (pênis e filho, por exemplo), na busca de reparação narcísica. O objeto de 
seu amor é aquele que puder amá-la com ou por sua falta. 
(...)Assim, atribuimos à feminilidade maior 
quantidade de narcisísmo, que também afeta a escolha objetal 
da mulher, de modo que, para ela, ser amada é uma 
necessidade mais forte que amar. A inveja do pênis tem em 
parte, como efeito, também a vaidade física das mulheres, de 
vez que elas não podem fugir à necessidade de valorizar seus 
encantos, do modo mais evidente, como uma tardia 
compensação por sua inferioridade sexual original. 
(...) Onde a escolha (objetal) pode mostrar-se 
livremente, ela se faz, freqüentemente, em conformidade com o 
ideal narcisista do homem que a menina quisera tornar-se. 
(FREUD, 1976n: 162). 
 
 52 
Nestas duas citações vê-se Freud tratar o narcisismo feminino na 
perspectiva do complexo de Édipo. A idealização do masculino como objeto de 
identificação, situando-se no plano do complexo de Édipo, parece, nas mulheres, 
dever ser pensada como segunda em relação a um primeiro plano identificatório. 
Assim, uma escolha objetal que se mostra livremente também pode revelar-se em 
conformidade com o ideal narcisista do (a) filho (a) amado (a) que se foi, ou gostaria 
de ter sido um dia. Estes são os modos narcísicos de escolha de objetos, descritos 
por FREUD em 1914 (1974b), escolhas de caráter pré-edípico, portanto. 
No final desta conferência Freud discute alguns possíveis problemas na 
relação conjugal das mulheres e atribui-lhes comocausa uma possível regressão 
libidinal a estágios pré-edípicos marcados pela ambivalência, onde o marido ou 
companheiro é tomado num deslocamento da imagem da mãe. Freud ressalta, 
ainda, a possibilidade de, frente ao nascimento de um filho, a mulher reviver sua 
identificação à mãe “contra a qual ela vinha batalhando até a época do casamento 
(...)” e assim, reproduzir o “casamento infeliz dos pais”. (FREUD, 1976n: 163). Esta 
afirmação parece revelar o caráter problemático de uma identificação à posição 
feminina final. Se no caso do menino a “normalidade” de sua identidade sexual está 
na identificação ao pai e ao abandono da mãe como objeto de desejo, em favor de 
todas as outras mulheres, no caso das meninas há também a interdição quanto ao 
objeto (o pai), mas a fonte de identificação (a mãe) é destituída de poder por sua 
posição de castrada quanto ao falo. Outra dificuldade, ainda, é que este processo de 
identificação da menina à mãe não se faz senão sobre um fundo de ressentimento 
de um amor primário fracassado. 
 
Parece importante destacar, na conclusão deste capítulo, o quanto a 
mítica edipiana - vertente sob a qual Freud supõe o reconhecimento psíquico do 
sujeito quanto à diferença entre os sexos - se apóia na anatomia. Se, por um lado, 
esta é uma fonte de equívocos, por outro, ela mantém no campo psicanalítico uma 
exigência à constante redefinição do papel do corpo na subjetividade. É impossível 
que se despreze o lugar de operador que a imagem do corpo assume na 
organização da sexualidade psíquica, independente de se considerar ou não a 
pulsão como um conceito relativo a algo que participa do campo biológico. O peso 
da anatomia parece central na constituição da sexualidade em sua face simbólica. É 
importante, porém, que se ressalte o apontamento freudiano de que a anatomia esta 
 53 
implicada no destino da sexualidade psíquica. É nesse sentido que se faz 
necessária a distinção entre mulher e feminino; a primeira, restrita à anatomia, o 
segundo relativo ao que se pode fantasiar ou simbolizar quanto aquilo que a 
anatomia oferece de possibilidades de gozo para uma mulher. Ainda assim, porém, 
o peso relativo da anatomia nos fundamentos da organização sexual psíquica, 
parece ser fonte de muitas divergências no campo psicanalítico. 
 
 
O estatuto do objeto filho 
 
Para que se possa compreender as implicações do filho na subjetividade 
materna é necessário que se qualifique seu estatuto de objeto. É preciso, no 
entanto, explicitar as várias vertentes em que a noção de objeto comparece na teoria 
freudiana. 
LAPLANCHE & PONTALIS (1986) destacam três formas sob as quais a 
noção de objeto aparece na teoria freudiana, sendo duas delas próprias ao campo 
da psicanálise, e a terceira proveniente da intersecção entre os campos 
psicanalítico, filosófico e biológico. Na primeira acepção o objeto é correlativo da 
pulsão, instrumento do qual esta se utiliza para atingir sua finalidade, a satisfação. 
Uma segunda postulação diz respeito ao amor, onde o objeto é visado numa 
pretensa meta de totalização do eu, este mesmo o protótipo do objeto. Segundo os 
autores a noção de objeto comparece ainda, numa perspectiva mais próxima à 
concepção filosófica de objeto do conhecimento, associada a uma perspectiva 
psicofisiológica de objeto da percepção. 
Autores vinculados às concepções lacanianas da psicanálise, todavia, 
buscam demarcar fortemente a não pertença ao campo psicanalítico desta terceira 
vertente. Nesta linha uma autora como RABINOVICH (1988) subdivide, também em 
três, as formas de comparecimento da noção de objeto na obra freudiana, 
privilegiando os surgimentos daquela noção que sustentam a construção lacaniana 
de objeto a. Apresenta como primeira teoria do objeto a da Interpretação dos 
Sonhos onde esta noção é vinculada à de desejo, o objeto sendo 
fundamentalmente perdido e reconstruído alucinatóriamente como percepção 
interna. É o objeto em jogo no processo primário. Um segundo surgimento do objeto 
se faz em torno da noção de pulsão: aqui o objeto é essencialmente parcial. A 
 54 
relação entre estas duas acepções de objeto pode ser resumida nas palavras da 
própria autora: “O objeto perdido do desejo é, (...), condição de produção do objeto 
pulsional na obra freudiana; este último adquire traços que lhe são próprios e que 
são inseparáveis do autoerotismo e da inclusão do corpo.” (op. cit p. 6). A terceira 
dimensão do objeto é a do amor. A autora sublinha porém, a noção do objeto falo, 
tardia na obra freudiana, e com Lacan ressalta uma possível excentricidade deste, 
como redefinidor das outras séries do objeto. 
 
Retomando a questão do estatuto do filho como objeto na obra de Freud, 
todo desenvolvimento teórico demonstrado no ítem anterior indica que ele é fálico. 
Poder-se-ia argumentar que tal viés se deve ao fato das maiores referências à 
maternidade terem sido feitas no contexto do complexo de Édipo e à lógica fálica. 
Importante lembrar que Freud também tratou do filho como objeto na vertente 
narcísica. No texto Sobre o Narcisismo. Uma Introdução FREUD (1974b) trata da 
relação entre a libido do eu e a libido objetal, comparando-a com o fluxo entre vasos 
comunicantes, o que dá elementos para que se pense o duplo estatuto do objeto-
filho. Sendo investido simultânemente pela libido narcísica e pela libido objetal, o 
filho pode ser tomado como mesmo e como outro pelo eu materno. 
Cabe que se tome aqui o texto de 1914 para se acompanhar o 
desenvolvimento que faz Freud quanto à vida erótica dos seres humanos como 
prova em favor da existência de um narcisismo primário. Nesta parte de seu artigo 
descreve o apoio das pulsões sexuais nas de autoconservação no início da vida 
erótica. A obtenção da satisfação erótica se viabilizando através dos mesmos 
objetos que garantem a sobrevivência (a mãe ou seus substitutos). Em seguida fala 
da descoberta clínica de sujeitos cuja escolha objetal tem como modelo o próprio eu. 
Presume, então, em todos os seres humanos, uma dupla condição do objeto em sua 
origem: 
Dizemos que um ser humano tem originalmente dois objetos 
sexuais – ele próprio e a mulher que cuida dele – e ao fazê-lo 
estamos postulando a existência de um narcisismo primário em 
todos, o qual, em alguns casos, pode manifestar-se de forma 
dominante em sua escolha objetal. (FREUD, 1974b: 104-105). 
 
 
O modelo do objeto é simultaneamente aquele que provê satisfação e o 
que é satisfeito. Sendo o objeto o elemento em torno do qual se orienta a pulsão, 
 55 
esta é outra forma de abordar-se a reversibilidade pulsional. Reversão que implica 
não só os dois polos sujeito e objeto, mas também o conteúdo pulsional. FREUD 
(1974c) em seu artigo metapsicológico sobre as Pulsões descreve como única forma 
de reversão do conteúdo pulsional a reversão do amor em ódio. Tal possibilidade 
explicaria, então, o surgimento de afetos derivados do ódio no seio de relações 
narcísicas conforme demonstrou LACAN em seus artigos O Estádio do 
Espelho...(1995c) e A Agressividade em Psicanálise (1995d), os quais serão 
abordados em capítulo subsequente. 
No trabalho sobre o narcisismo, Freud constrói os argumentos para 
postulação de um narcisismo primário como modo de organização libidinal prévio 
aos investimentos objetais, a fim de justificar as observações clínicas que indicam o 
retorno da libido para o eu em circunstâncias como as do sono, da doença orgânica, 
da esquizofrenia e outras. Nesta via o feminino lhe serve de sustentação. Faz uma 
diferenciação entre os modos de escolha de objeto típicos da masculinidade e da 
feminilidade. Embora reconheça não poder universalizá-los, atribui ao masculino o 
amor objetalcompleto, com seu traço de supervalorização sexual, originado da total 
transferência do amor de si (narcisismo) em favor do amor do objeto. Ao tratar do 
tipo feminino o texto se complexifica pois o autor trabalha em dois níveis: no âmbito 
estritamente psíquico (o feminino em oposição ao masculino), e no plano biológico 
(mulheres em oposição aos homens). Distingue o tipo de escolha feminino pela 
transferência sempre parcial da libido aos objetos em função da manutenção de um 
certo grau de narcisismo. Afirma que este tipo é o mais frequente e o mais 
verdadeiro. Para explicá-lo, se utiliza do desenvolvimento da sexualidade nas 
mulheres. Atribui a estas uma intensificação do narcisismo na adolescência graças 
ao amadurecimento dos órgãos sexuais, o qual lhes propicia um certo 
“autocontentamento”, desfavorável a uma escolha objetal completa. “Sua 
necessidade não se acha na direção de amar mas de serem amadas(...)” (FREUD, 
1974b: 105). Compara o fascínio exercido pelas mulheres (especialmente as mais 
belas), ao das crianças, dos grandes animais carnívoros, dos grandes criminosos e 
dos humoristas, em suas aparências de autosuficiência e/ou independência em 
relação aos objetos. Atribui o poder de encantamento destes objetos à sua 
capacidade de afastar qualquer coisa que possa interferir em sua integridade 
narcísica. 
 56 
Freud conclui apresentando duas situações onde as mulheres amam de 
modo objetal completo: “na criança que geram em seu próprio corpo” ou na 
manutenção do “anseio por um ideal masculino” (FREUD, 1974b:106). Tais 
afirmações parecem se esclarecer na seqüência do artigo quando Freud descreve 
os caminhos pelos quais se escolhe um objeto - através de si mesmo enquanto 
objeto amado e amável, ou através do outro enquanto objeto amador -, e os modos 
pelos quais se pode amá-lo – como amor de si (narcísico) ou como amor para outro 
(anaclítico). Parece possível que se conclua que Freud considera masculino o amar 
extensivo (anaclítico) que se dirige para alteridade, e feminino o amar intensivo 
(narcísico) dirigido à ampliação do próprio eu. Ainda assim, tais afirmações se 
prestam a equívocos. O amar narcísico pode ser entendido como amar a si mesmo 
através do objeto mas, também, amar o objeto como ao próprio eu. Esta última 
formulação coincide, no entanto, com a do amor objetal. Ao considerar o narcisismo 
como modo de organização libidinal, Freud atribui um valor genético, de 
fundamento, ao amor de si em relação ao amar os objetos. Assim a distinção entre 
o amar a si através dos objetos e o amar aos objetos através de si, não diz respeito 
à distinção entre os modos masculino e feminino de amar, mas ao modo neurótico 
ou não de fazê-lo. A experiência pulsional completa envolve os dois polos de 
satisfação, enquanto a neurose implica na fixidez da reversibilidade, mantendo-se 
sob recalcamento um dos polos. 
Freud finaliza a segunda sessão de seu artigo dedicando-se a explicar o 
amor dos pais aos filhos, na perspectiva narcísica. Supõe que o fundamento da 
supervalorização afetiva freqüentemente envolvida neste tipo de relação se deve à 
revivescência do narcisismo dos pais. Afirma tratar-se de um amor objetal completo, 
transformado a partir do amor narcísico dos pais. O amor ao objeto filho sendo 
sempre uma expansão do amor dos pais a si mesmos. 
Na terceira sessão do artigo Freud descreve a formação do ideal do eu 
como derivada do narcisismo prímario, compondo-se dos traços de si enquanto 
objeto amado. Construção que se dá pelas atribuições que o amor do objeto faz 
sobre o eu infantil e que são por ele percebidas enquanto atribuições de valor. 
Se o filho desejado é sempre investido pela libido narcísica dos pais, em 
tese sua presença, durante a gestação normal, deveria representar um incremento 
do amor próprio daqueles. A observação clínica demonstra, no entanto, que isto nem 
sempre ocorre. A tristeza, o desânimo, afetos próximos aos da melancolia ocorrem 
 57 
com certa freqüência em periodos iniciais da gravidez. Como explicar, na 
perspectiva narcísica, a ocorrência desses estados afetivos? É o que se pretende 
desenvolver a seguir. 
 
 
 
 
 
 58 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À procura da especificidade feminina 
 
“(...) É precisamente na avançada sociedade 
ocidental, que tenta melhorar ou ultrapassar a 
natureza, e que erige o individualismo e a realização 
pessoal como modelos, que a crua realidade da 
condição feminina emerge com dolorosa clareza. 
Quanto mais a mulher corre em busca de identidade 
e autonomia pessoais, quanto mais desenvolve sua 
imaginação mais feroz será a luta com a natureza – 
quer dizer, com as obstinadas leis físicas de seu 
próprio corpo.” 
Camille Paglia.1 
 
 
1C. PAGLIA (1992) “Sexo e Violência ou Natureza e Arte”. In: Personas Sexuais. Arte e Decadência de 
Nefertite a Emily Dickinson. 
 59 
O debate de 1920 e a produção de Helene Deutsch 
 
Nas décadas de 20 e 30 travaram-se intensos debates no campo 
psicanalítico referentes à teoria do estabelecimento das vias de construção da 
sexualidade nas mulheres. Autores como Karen Horney, Ernest Jones e Helene 
Deutsch, dentre outros, pareciam supor a necessidade de se produzir uma 
conceitualização da sexualidade psíquica das mulheres centralizada em sua 
especificidade anatômica. A teoria psicanalítica da organização da sexualidade 
psíquica infantil, construída em tôrno da genital, parecia dar o lugar de modelo à 
sexualidade masculina. Os debates se faziam não só quanto ao papel da anatomia, 
mas quanto ao que seria a particularidade, tanto do percurso, quanto do resultado 
final, fazendo diferir a sexualidade feminina da masculina. Discussões sobre o papel 
da vagina, do complexo de castração e do masoquismo, na constituição da 
sexualidade psíquica, formavam o núcleo de tais debates. Cabe ressaltar que estes 
debates se estenderam no campo desde então. Ainda em 1960, em Amsterdam, 
realizou-se um colóquio internacional de Psicanálise sobre o tema da Sexualidade 
Feminina, no qual LACAN apresenta uma compilação dos problemas teóricos 
relativos ao feminino organizados em tôrno da seguinte questão: “quais são as vias 
da libido outorgadas à mulher pelos faneros anatômicos de diferenciação sexual dos 
organismos superiores?” 2 ( 1993b: 704). Isto demonstra que os problemas relativos 
ao papel da anatomia na subjetividade ainda eram bastante candentes naquele 
momento da produção psicanalítica. 
 
No caso do tema abordado por este livro - os afetos deprimidos na 
gravidez - o peso do cenário biológico é bastante relevante. A gravidez é um 
processo biológico restrito (ao menos por enquanto...) ao corpo das mulheres. Este 
tipo de ocorrência ou mesmo de possibilidade responde por especificidades da 
organização libidinal nas mulheres? De que modo? Foi com este tipo de questão 
que se abordou a literatura psicanalítica pesquisada. Tomou-se como ponto de 
partida os autores que debateram diretamente com Freud a questão do feminino. 
Destes destacou-se o trabalho de Helene Deutsch uma vez que esta autora revela 
uma preocupação em teorizar as relações entre a função reprodutiva na mulher e a 
feminilidade. Sem dúvida, outros autores que trabalharam o feminino abordaram 
 60 
direta ou indiretamente a reprodução e a maternidade. O recurso a esta autora, se 
deve, especificamente, ao especial destaque que ela dá ao narcisismo na 
organização psíquica da mulher. Além disso, foi na teorização de Deutsch que 
encontrou-se a primeira referência à depressão na gravidez interpretada 
psicanaliticamente. 
 
Atualmente, os psicanalistas interessados nas experiênciasda 
maternidade e seus correlatos, têm retomado, com freqüência, as produções e os 
debates do início desta polêmica em tôrno do feminino, isto é os artigos das décadas 
de 20/30. Uma delas é AMARAL (1996) que em sua tese de mestrado descreve e 
analisa algumas produções desse período. Em relação a Helene Deutsch, apresenta 
uma análise aguda e extremamente pertinente sobre seu trabalho, salientando a 
correção da constatação daquela autora quanto ao campo onde poder-se-ia buscar 
uma especificidade do feminino - o do gozo. Este último é tomado na concepção que 
propõe LACAN, ou seja, como modo particular de experiência do limite da 
subjetividade na linguagem, limite do saber (1992). Ressalva, porém, que a 
teorização de Deutsch se faz numa direção essencialista, buscando simetrizar a 
sexualidade entre homens e mulheres e critica a postulação de uma finalidade ou 
sentido (a reprodução) no desenvolvimento da organização sexual psíquica. Amaral 
pretende demonstrar a disparidade da teorização de Deutsch em relação a de 
Freud. A posição adotada neste livro é a de que talvez não se trate exatamente de 
disparidades, mas de conseqüências lógicas de um tipo de leitura da obra freudiana 
onde o apoio do psíquico no biológico não é apenas metafórico mas real, suas 
relações não sendo necessariamente de causalidade, mas submetidas a ordens 
complexas de interações recursivas, onde se operam, simultaneamente, a 
“subjetivação do corpo” e a “corporificação da subjetividade” (PRADO Jr., 1998). 
Os artigos de Deutsch aqui trabalhados são aqueles coletados por Marie-
Christine HAMON (1994) e publicados num conjunto de textos psicanalíticos acerca 
do feminino denominado Féminité Mascarade, além do livro da própria Helene 
DEUTSCH (1952), La Psicologia de la Mujer; bem como nas produções de alguns 
comentadores dos trabalhos desta autora: Paul ROAZEN (1978), Olga SALAS 
(1990) e Nympha AMARAL (1996). 
 
2 Tradução da autora. 
 61 
Helene Deutsch tem um importante papel na elaboração teórica da 
psicanálise por ter participado do grupo que partilhou com Freud essa construção. 
Sua contribuição se deu, especialmente, no campo da psicologia feminina. Apesar 
de algumas contestações de Freud quanto às posições desta autora, ele respeitava 
sua produção a ponto de atribuir a ela e a R. Brunswick a descoberta da fase pré-
edípica de ligação da menina à mãe (ROAZEN, 1978). O trabalho de H. Deutsch, 
entre outros, leva Freud a reorganizar sua teoria edípica, abrindo mão da hipótese 
da simetria entre o desenvolvimento libidinal masculino e feminino, alteração que 
aparece em seu artigo Algumas Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica 
entre os Sexos ( FREUD, 1976i). 
 
Para Deutsch a peculiaridade do desenvolvimento libidinal das mulheres, 
seu caminho de acesso à posição feminina, seria o da passividade e do 
masoquismo. Segundo esta autora a vida sexual das mulheres se caracteriza por 
sofrer inibições não só de caráter social (estas inibições seriam secundárias) mas, 
também, constitucional. Tais inibições são defesas do ego frente aos conflitos entre 
as tendências sexuais e as de autoconservação. Através de um aumento do 
investimento narcísico o eu feminino se defende do masoquismo característico de 
suas tendências sexuais. Deutsch questiona, inclusive, a tese freudiana de que o 
narcisismo da mulher seja mais forte do que o do homem como produto da inveja do 
pênis : 
Ainda que esta explicação contribua num certo grau 
para nossa compreensão do narcisismo feminino, não julgamos 
que seja completa nem que constitua o fator essencial que se 
deva levar em conta.(...) Como as tendências sexuais da 
mulher se dirigem a objetivos perigosos para seu ego, este se 
defende e fortifica sua segurança interna intensificando seu 
amor a si mesmo, que se manifesta, então, como ‘narcisismo’. ( 
DEUTSCH, 1952: 177).3 
 
 O resultado desta inibição constitucional é um aumento da “atividade 
voltada para dentro” expressão que a autora prefere para descrever a passividade 
feminina. Deutsch estabelece uma analogia entre esta atividade dirigida para dentro 
nas mulheres e a atividade voltada para fora nos homens, ou seja, faz um 
paralelismo entre masoquismo nas mulheres e agressividade nos homens. A autora 
 
3 Tradução da autora. 
 62 
não se utiliza do termo sadismo no equivalente masculino. Há uma clara 
preocupação em desvincular o masoquismo feminino da perversão4. Masoquismo 
parece ser utilizado no sentido de predominantemente receptivo em oposição à 
masculinidade cuja característica seria a tendência intrusiva. Este tipo de movimento 
libidinal explica, segundo a autora, uma maior tendência à sublimação do erotismo, 
nas mulheres. 
Partindo do jogo entre as tendências masoquistas e narcísicas, a autora 
define três tipos femininos eróticos. Essa tipologia se estabelece apoiada ainda num 
terceiro elemento – os precussores emocionais das funções reprodutivas da mulher - 
ou seja, sua disponibilidade psíquica para maternidade. Deutsch supõe, portanto, 
um papel central à maternidade (realizada ou fantasiada) na organização psíquica 
do feminino. Quanto aos três tipos femininos eróticos poder-se-ia sintetizá-los 
através das nuances no equilíbrio entre as tendências narcísicas e masoquistas. No 
primeiro haveria um leve aumento nos traços de satisfação masoquista, enquanto no 
segundo a inclinação seria para o incremento do narcisismo. O terceiro tipo difere 
dos dois primeiros pela presença de um forte masoquismo moral. Importante 
ressaltar que esta tipologia não propõe designações nosográficas mas refere-se a 
“tipos normais”. Quanto à disponibilidade para maternidade, esta interfere na 
eleição dos objetos de amor por parte das mulheres, ou seja suas escolhas eróticas 
se fazem com vistas à atualização de suas tendências à maternidade. 
Para auxiliar na sustentação de suas hipóteses, a autora se utiliza de 
estudos na área da fisiologia sexual animal, comparando-as com a humana. Mostra 
que entre algumas espécies animais a fêmea só está submetida ou receptiva no ato 
do coito e na fecundação, todo o ciclo reprodutivo nestas espécies se deslanchando 
a partir da fêmea. No caso dos humanos, há uma total independência entre a 
sexualidade do homem e a da mulher, podendo aquele submeter por sua força a 
esta última. Deutsch atribui esta diferença à passagem ao bipedalismo do homo 
erectus que permitiu ao homem, dadas as diferenças de compleição física, dominar 
a mulher para o sexo, estabelendo-se este modo de aproximação sexual como 
modelo humano, o qual se reatualiza nas fantasias de estupro femininas. Tais 
 
4 “Para tranquilizar o leitor anteciparemos nossa exposição do masoquismo feminino assinalando que carece da 
crueldade, impulsos destrutivos, sofrimento e dor, com que se manifesta o masoquismo nas perverssões” 
(DEUTSCH, 1952: 180). Tradução da autora. 
 63 
fantasias associam a violência e a força masculina com o cuidado e a proteção que 
a mulher deseja. 
 
 
As divergências com relação a Freud 
 
No que tange aos pontos de divergência teórica em relação a Freud, o 
mais importante parece ser o papel equivalente que Deutsch atribui à vagina em 
relação ao pênis na organização da sexualidade, estabelecendo então uma 
equipotência fálica entre ambos. A questão da diferença psíquica entre os sexos, 
que em Freud se estrutura em tôrno da diferença anatômica, parece se deslocar na 
teoria de Deutsch para uma distinção no tempo e nos meios pelos quais se obtem a 
integraçãoe conseqüente satisfação da pulsão sexual. 
Para Deutsch a inveja do pênis, não se constitui como característica 
central ou o móvel da organização sexual feminina. A percepção da diferença 
anatômica não tem valor de fundação da diferença no campo psíquico. Para esta 
autora, é o estabelecimento de um caráter funcional aos órgãos sexuais que fornece 
à criança os indícios da diferença sexual. É quanto a este caráter funcional que as 
meninas sofreriam o trauma genital. Este se refere à dupla carência funcional – 
ativa e passiva – quanto aos órgãos sexuais. O clitóris, um pênis em menor 
dimensão, é insuficiente para penetração, para satisfação de impulsos 
ativos/agressivos. A vagina – órgão funcionalmente passivo – leva muito tempo para 
ser percebida pela menina, uma vez que depende do pênis, no coito, para sua 
percepção. 
Vemo-nos obrigados a supor que esta verdadeira 
incapacidade do órgão para satisfazer as moções pulsionais, 
ativas e agressivas, deve ter conseqüências importantes. Em 
primeiro lugar – em oposição à conduta do menino – essas 
pulsões que necessitam um órgão ativo ficam suspensas. 
Portanto, a insuficiência do órgão pode ser considerada como 
uma causa biológica e fisiológica das diferenças sexuais 
psíquicas. (...) O lugar do órgão ativo é ocupado por outro 
passivo-receptivo, a vagina. Este processo se produzirá mais 
tarde, e o mais notável é que entre esse giro em direção à 
passividade e a completa eficácia do órgão corresponde um 
grande espaço de tempo, durante o qual a menina pequena 
não tem este órgão a sua disposição. (...) Estes dois 
 64 
acontecimentos associados produzem o trauma genital 5. 
(DEUTSCH, 1952: 212-213) 
 
 
Deutsch se distingue de outras autoras contemporâneas suas, como 
Karen Horney e Josine Mueller, por exemplo, que supunham a percepção precoce 
da vagina com representações psíquicas a ela correspondentes. Os destinos dados 
a estas percepções respondendo pelo poder do complexo masculino na menina. 
Para H. Deutsch esta percepção é tardia: 
O despertar da vagina para um funcionamento 
sexual completo depende totalmente da atividade do homem, e 
a ausência de atividade vaginal espontânea constitui a base 
fisiológica da passividade feminina. (DEUTSCH, 1952: 216).6 
 
 
 
 
 
O apoio da função reprodutiva para organização da sexualidade feminina. 
 
Em seu artigo La psychologie de la femme en rapport avec ses fonctions 
de reproduction (DEUTSCH, 1994) a autora busca explicar como a procriação está 
relacionada a processos de reavaliação funcional e revaloração que a mulher tem 
que operar em relação a seus órgãos genitais. Este artigo se desenvolve no sentido 
de demonstrar que a vagina assume progressivamente sua função de recepção do 
pênis, no coito, e que este processo se faz orientado pelo desenvolvimento da 
organização libidinal. A autora supõe uma equivalência na economia libidinal entre 
boca e vagina, assim como entre mamilo e pênis. A boca se erogeneiza inicialmente 
de modo passivo–receptivo, através do mamilo; assim como, posteriormente, em 
equivalência regressiva, o pênis erogeinizará a vagina. 
Deutsch parte das concepções de FREUD (1972a) e ABRAHAM (1970) 
quanto às fases ou modos de organização da libido. Supõe que estas não se 
passam de modo linear mas cumulativo, amalgamando elementos de etapas 
anteriores. Além disso, presume uma organização que se dá não só de modo 
progressivo mas, também, regressivamente. Um ponto fundamental de sua 
construção teórica é a concepção de que a sexualidade feminina se dirige, em seu 
 
5 Tradução da autora. 
 65 
desenvolvimento, para procriação. Isto exige um investimento narcísico da vagina, 
para que esta tome sua função tanto no processo reprodutivo como na economia do 
prazer. 
Para quem alcançou a posição feminina, a tarefa 
última não é a satisfação do desejo infantil do pênis no ato 
sexual, mas uma verdadeira descoberta da vagina como órgão 
de prazer – por uma troca do pênis diante da posse real e 
equivalente da vagina. Este órgão novamente descoberto 
deverá se tornar para mulher – como o pênis para o homem, 
segundo Ferenczi, ‘uma miniatura do eu inteiro’, ‘um duplo do 
eu’ (DEUTSCH, 1994: 78).7 
 
 
Para a autora, a libido que investe a vagina advém de duas fontes: do 
corpo em geral com suas zonas erógenas e do clitóris. Em ambos os casos é 
através do contato com o pênis que estes investimentos se deslocam para a vagina. 
A libido proveniente do corpo como um todo responde pelo papel passivo da vagina 
na medida em que herda o caráter receptivo da boca em seu modo de relação 
primária com o mamilo. Segundo a autora, nas fases iniciais do desenvolvimento 
libidinal o “inconsciente estabelece uma equivalência entre o pênis paterno como 
órgão de sucção, e o seio materno.” (DEUTSCH, 1994: 79). Já a libido proveniente 
do clitóris é responsável pelo caráter masculino também atribuível à vagina. A 
atividade orgástica é suposta equivalente à uma ejaculação masculina “atenuada”. 
 
Importante salientar que a teorização de Helene Deutsch se ancora, 
também, nas teorias de FERENCZI (1990), especialmente no que se refere ao papel 
teleológico do coito na organização psíquica. Para esse autor não só a sexualidade 
se desenvolve no sentido da genitalidade, como isto responde por uma melhor 
adaptação do organismo ao meio, uma vez que a prevalência de um erotismo 
disperso por todo o corpo interferiria na funcionalidade dos órgãos e, portanto, nas 
condições de sobrevivência deste organismo. O coito representa o ponto terminal de 
uma organização sexual que se dá de modo pangenético, reproduzindo o processo 
inteiro em cada etapa de sua organização. O autor supõe um tríplice processo de 
identificação: entre o organismo total (que se representa no ego) e o órgão genital, 
entre o ego e o parceiro sexual, e entre o ego e a secreção genital. O alvo final da 
 
6 Tradução da autora. 
7 Tradução da autora. 
 66 
evolução da sexualidade sendo um “regressar ao corpo materno” situação primária 
de bem estar, onde ainda não teria havido a ruptura dolorosa entre o ego e o meio 
ambiente. (FERENCZI, 1990: 24). 
Se considerarmos o processo genital sob esse 
ângulo que eu qualificaria de ‘bioanalítico’, estaremos em 
condições de compreender, enfim, por que o desejo edipiano, o 
desejo de coito com a mãe, é reencontrado com essa 
regularidade quase enfadonha por sua monotonia como 
tendência nuclear na análise dos homens neuróticos. O desejo 
edipiano é a expressão psíquica de uma tendência biológica 
muito mais geral que impele os seres vivos ao retorno ao 
estado de repouso de que desfrutavam antes do nascimento. 
(FERENCZI, 1990: 24-25). 
 
Nas concepções de autores como Ferenczi, Abraham e Deutsch, a 
organização sexual psíquica parece não só se apoiar, mas ser determinada pela 
organização genital. Nesse sentido, a obra teórica de Deutsch busca a 
especificidade da sexualidade da mulher, desvinculando-a de uma posição de 
sombra da sexualidade do homem e, considerando a anatomia e a fisiologia 
feminina como centro e alvo da organização sexual psíquica da mulher. Esta 
reconsideração do papel da anatomia não a afasta, no entanto, de uma concepção 
da primazia fálica na organização da subjetividade. A autora relativiza, porém, o 
papel fálico do pênis, neste processo. Por outro lado, esbarra às vezes, no próprio 
excesso de ênfase na anatomia, o que a faz tratar fatores constitucionais e 
anatômicos como empecilhos a um pleno acesso à feminilidade. Por preservar a 
exclusividade da lógica fálica como o modo de funcionamentoda sexualidade no 
campo psíquico, sem, no entanto, abrir mão de uma via de sexualização específica 
da mulher, a autora faz equivaler a vagina ao pênis, restando a bissexualidade e o 
clitóris como obstáculos à plena feminilidade: 
Se não houvesse para mulher esta funesta 
disposição à bissexualidade e o clitóris com suas tendências 
masculinas, como seria simples e evidente para ela a via em 
direção a uma mestria harmoniosa de sua existência! 8 
(DEUTSCH, 1994: 95). 
 
 
Afirmações como estas demonstram o grande esforço da autora em 
buscar a especificidade da sexualidade feminina, embora num claro hibridismo entre 
 67 
o estabelecimento de uma lógica de regência inconsciente própria ao feminino e, a 
descrição de uma psicologia da mulher, condições que se apoiam sem serem 
idênticas. 
 
 Prosseguindo na análise do artigo de 1924, encontra-se um relevo 
quanto ao papel da gravidez no processo de organização da sexualidade psíquica 
da mulher, bem como uma abordagem do problema da depressão na gravidez. A 
gravidez e o parto se inscrevem no conjunto da organização libidinal, a qual se 
desenvolve rumo a genitalidade. Ambos constituem-se como prolongamentos do ato 
sexual, mais especificamente do coito, o qual representa o restabelecimento de uma 
forma primária de relação aos objetos: a incorporação oral. A culminância desse 
processo no parto corresponde a um retorno a uma situação sem ambivalência, 
onde as fronteiras entre sujeito e objeto se apagam. Esta proposição parece se 
articular à tese freudiana de que todo desenvolvimento do ego, para além do 
narcisismo, visa sempre o retorno a este estado original (FREUD, 1974b: 117). 
Na perspectiva do coito como um processo de incorporação, a vagina 
passa de continente do pênis a continente do filho. A função reprodutiva que no 
caso do homem é alcançada diretamente no ato sexual com a ejaculação e a 
satisfação orgástica, na mulher, sofreria um desdobramento: a primeira fase, o 
orgasmo; a segunda, a gravidez e o parto. O parto seria a conclusão de uma 
experiência, tanto biológica quanto psíquica, que se inicia no coito. O orgasmo para 
mulher já encerraria, em si, elementos da satisfação completa só obtenível no parto. 
A autora fala do orgasmo feminino como um parto não ocorrido, um “missed labour”. 
(DEUTSCH, 1994:85) 
Ao centrar na incorporação, fora da ambivalência, a equivalência entre o 
mamar e o coito-parto, Deutsch parece estar fazendo equivaler o filho (sua 
representação) enquanto resultado do coito, a uma primeira organização erógena do 
eu que se pré-figura na fase oral primitiva da organização libidinal. A gestação 
parece repetir a organização do eu. 
 
 
 
 
8 Tradução da autora. 
 68 
O afeto deprimido na gravidez 
 
Quanto à depressão na gravidez, a autora a explica partindo da 
proposição freudiana acerca da pulsão de morte, identificando esta última com a 
destrutividade. Seguindo a proposição de FREUD, em O Ego e o Id (1976e), de que 
a pulsão de morte se manifesta quando as pulsões sexuais estão satisfeitas, 
Deutsch afirma que a gravidez e o parto poderiam despertar os temores da 
manifestação destas pulsões destrutivas, por representarem o cume da satisfação 
erótica para mulher. Dada a analogia entre a organização fálica da sexualidade na 
mulher e no homem, para ambos a descarga da tensão genital significa o ápice da 
satisfação sexual, e a abertura, portanto, para a manifestação da pulsão de morte. A 
depressão na gravidez seria, assim, um efeito das moções pulsionais destrutivas. 
Tal afirmação parece se esclarecer na análise teórica que a autora faz das relações 
entre o eu materno e o objeto libidinal bebê, as quais serão descritas no contexto da 
gravidez. 
A autora descreve uma complexa economia libidinal entre o coito e o 
parto, que se manifesta no trato com o objeto pênis-criança, o qual é incorporado no 
ato do coito sendo também introjetado psiquicamente, passando a ser parte 
constitutiva do eu. As relações entre o eu e este objeto (pênis-bebê) se passam em 
dois níveis: de um lado o objeto é tomado como parte integrante do próprio eu, 
portanto, numa relação narcísica, de outro, como objeto derivado das series 
identificatórias. Aqui, então, como outro em relação ao eu materno. 
 
 Deutsch aborda, ainda, a economia dos afetos na gravidez referindo-se à 
ambivalência amor-ódio. Segundo esta autora, a regressão libidinal a estágios 
precoces de organização tais como a fase oral tardia e a fase anal sádica, marcados 
pela ambivalência, responderiam pela duplicidade de afetos com os quais as 
representações do bebê são investidas quando de sua incorporação e introjeção 
simultaneamente como objeto interno e externo ao eu. Para Deutsch, a hiperemese, 
assim como as contrações uterinas durante a gravidez, são expressões destes 
modos respectivos de trato com o objeto. A autora afirma que em ambos os casos é 
de uma libido narcísica que se trata, investindo o bebê enquanto parte do corpo 
próprio da mãe, porém parte a ser dela destacada. Este processo se apoia na 
equivalência simbólica entre fezes-bebê. A manutenção do feto na gestação, bem 
 69 
como a separação do bebê em relação ao corpo real e simbólico da mãe, se apoiam 
sobre esta equivalência. 
No texto, Helene Deutsch esclarece que a libido que aflui ao eu, atraída 
pela introjeção do objeto bebê, reatualiza um investimento desta mesma ordem, 
correspondente à identificação paterna. Neste sentido, o bebê ocupa para a mãe o 
lugar de Ideal do Eu, tornando-se assim o eixo de seus processos sublimatórios. Por 
outro lado, tal identificação desliza, por vezes, para vertente superegóica, podendo 
se tornar fonte de conflito com o eu. A autora define dois tipos de mulheres 
conforme suas reações à gravidez: umas que adoecem, se deprimem e se enfeiam 
à medida que o bebê se desenvolve; outras que parecem estar no apogeu de suas 
capacidades físicas e psíquicas durante a gestação. Em relação às primeiras, em 
cujo grupo supõe poder encontrar experiências de melancolia na gravidez, afirma: 
No primeiro caso, o narcisismo da mulher sofreu em 
benefício da criança. De um lado o superego se apropriou do 
eu; de outro lado a criança, enquanto objeto de amor, atraiu 
para si uma tal quantidade de libido que o eu se tornou 
empobrecido.9 (DEUTSCH, 1994: 91) 
 
Vê-se, então, que o tratamento dado pela autora a esta tipologia, e, 
conseqüentemente à melancolia na gravidez, é de ordem metapsicológica. Envolve 
um aspecto dinâmico e topográfico - o conflito entre instâncias psíquicas – além de 
um econômico, referente ao deslocamento da libido entre o eu e o objeto. A ênfase 
no caráter opressivo do Ideal do Eu corresponde, ainda, ao enfoque dado por Freud 
à questão da melancolia em Luto e Melancolia ( 1974d) 
 
Deutsch termina este artigo ampliando a demonstração da analogia entre 
o fim sexual masculino (a descarga sexual), e o feminino (o parto). Ainda ancorada 
na analogia fantasmática entre a atividade do pênis e do seio, a autora propõe que 
na lactação se realiza para mulher, pela segunda vez, uma identificação ao papel 
fálico masculino. No coito o pênis assumiu o papel do mamilo, erotizando a vagina; 
na lactação o mamilo se faz pênis erotizando a boca do bebê...Se não se toma 
exclusivamente os aspectos anatômicos desta descrição, ela se configura numa 
clara indicação de que, para esta autora, o desenvolvimento da sexualidade psíquica 
feminina tem como fim não só a transmissão genética mas, especialmente, a 
 
9 Tradução da autora70 
transmissão da potência erógena. Dito de outro modo: o objetivo da sexualidade 
feminina é não só a transmissão da vida, mas da vida desejante. 
 
 
Um narcisismo feminino 
 
Buscou-se mostrar, até o momento, como Helene Deutsch privilegia o 
narcisismo no delineamento da sexualidade feminina. Cabe ressaltar o modo 
específico com que a autora trata esta organização libidinal nas mulheres. Em seu 
artigo Erotismo: A Mulher Feminina (DEUTSCH, 1952) parte das concepções 
freudianas, especialmente as desenvolvidas no artigo de 1914 (1974b), 
desenvolvendo-as de modo bastante particular. Atribui ao narcisismo um papel 
central na organização da sexualidade psíquica feminina: seu papel seria o de fiel da 
balança entre a feminilidade normal e a neurótica e sua função seria exercer uma 
certa regulação em relação às moções pulsionais passivo-masoquistas que 
predominariam nas mulheres. Considera o aumento do narcisismo como efeito da 
luta das pulsões de autoconservação em relação às sexuais, uma vez que os 
objetivos sexuais femininos tenderiam a pôr o eu em perigo. A autora faz uma crítica 
à afirmação freudiana de que uma mulher feminina não ama mas se deixa amar. 
Afirma que o amor feminino é naturalmente passivo-narcisista. “Se este amor não é 
patologicamente deformado, pode comparar-se a um fogo que irradia calor.” 
(DEUTSCH, 1952: 179). 
Como já foi dito acima, a autora compreende a estutura psíquica feminina 
como se organizando em torno da tensão entre a sexualidade passivo-masoquista e 
o narcisismo erótico mas também autoconservador. Um terceiro elemento que define 
a estrutura feminina é a disponibilidade para maternidade. “A eleição pela mulher 
dos objetos amados está, de certo modo, determinada por seus laços emotivos 
passados, e por sua capacidade psicológica para a maternidade.” (DEUTSCH, 
1952:180) 
 Como compreender esta disponibilidade à que a autora se refere? Não 
parece tratar-se de uma mera descrição fenomenológica relativa à psicologia da 
mulher, uma vez que tal disposição é de caráter estruturante. Deutsch relaciona esta 
disponibilidade para a maternidade aos laços amorosos femininos. O vínculo com o 
objeto de amor se faz numa dupla determinação: em relação a um modelo paterno e 
 71 
a um um modelo filial – o objeto é recolhido ora na serie do pai idealizado e 
hiperestimado, ora na série do filho promissor “que necessita que a mulher a ele se 
identifique para aumentar sua confiança em si mesmo.” (DEUTSCH, 1952: 187). O 
elemento comum é o vínculo através da identificação, seja a uma forma realizada 
(paterna) ou por realizar-se (filial). 
Um aspecto da teoria do feminino de Deutsch que parece importante 
salientar é o que ela considera um traço comum às mulheres: sua facilidade para 
identificar-se a seus objetos de amor. Traço indicativo de riqueza interna. Importante 
lembrar que FREUD (1976d) em seu artigo de 1921 Psicologia de Grupo e Análise 
do Ego trata a identificação como a expressão do modo mais primitivo de laço 
emocional. Primitivo, neste caso, não parece ter um caráter valorativo, mas referir-
se ao estatuto inicial , básico, da identificação como modo de relação do eu ao 
objeto. 
 
 Em O Ego e o Id de 1923, no capítulo dedicado a formação de superego 
e suas relações com o ego (eu) Freud trata tanto das identificações primárias, 
anteriores a qualquer relação objetal, como da identificação ao objeto que já foi 
investido anteriormente pela libido. Descreve este último movimento como o 
principal processo na formação do ego (eu). Ainda buscando especificar as relações 
entre investimento objetal e identificação Freud afirma: 
(...) De qualquer maneira, o processo [de 
identificação pós abandono do objeto] especialmente nas fases 
primitivas de desenvolvimento, é muito freqüente, e torna 
possível supor que o caráter do ego é um precipitado de 
catexias objetais abandonadas e que ele contém a história 
dessas escolhas de objeto. Naturalmente, deve-se admitir, 
desde o início, que existem diversos graus de capacidade de 
resistência, os quais decidem até que ponto, o caráter de uma 
pessoa [seu ego] desvia ou aceita as influências da história de 
suas escolhas objetais eróticas. Em mulheres que tiveram 
muitas experiências amorosas, não parece haver dificuldade 
em encontrar vestígios de suas catexias de objeto nos traços 
de seu caráter. (FREUD, 1976e: 43-44). 
 
 
Freud não especifíca neste trecho a natureza dessa capacidade de 
resistência a qual parece responder por uma maior ou menor fixidez do eu. Pode-se 
supor uma referência ao que vem a desenvolver a seguir: o supereu. Chama 
atenção porém, a introdução do exemplo das mulheres e suas relações amorosas 
 72 
num contexto onde descrevia a formação do aparelho psíquico. Em se considerando 
que num texto de Freud, uma afirmação não seja nunca desprovida de importância, 
pode-se supor que o exemplo clínico indica uma particularidade da organização 
egóica nas mulheres. Cabe lembrar que Freud sempre considerou lábil o superego 
feminino em função da particular relação das mulheres com o complexo de 
castração. Seguindo imediatamente o trecho descrito acima, Freud se refere à 
possibilidade de vigor simultâneo tanto da identificação quanto do investimento 
objetal em relação a um mesmo objeto. Julga que esta concomitância pode, por 
vezes, responder pela manutenção da relação objetal (este ponto será retomado em 
capítulo subsequente). Estes parecem ser os pontos de sustentação para 
concepção de Deutsch quanto ao predominio das identificações amorosas nas 
mulheres e seu papel “enriquecedor” da subjetividade.10 
 
Retornando a H.Deutsch, parece necessário que se esclareça qual a 
natureza do vínculo ao filho durante a gravidez, uma vez que esta autora supõe a 
regressão libidinal da gestante a estágios primários de organização libidinal, 
estágios pré-ambivalentes. A ênfase dada a corrente afetiva de ligação das 
mulheres a seus objetos, permite que se levante a questão de se o vínculo com o 
objeto é sempre de natureza sexual, seu caráter terno sendo resultado de 
sublimação ou dessexualização, como propunha Freud, ou se existiria uma corrente 
terna, desvinculada da sexual e de natureza própria, provavelmente derivada de 
pulsões de autoconservação como viriam a propor BALINT (1986 e 1993), com sua 
teorização do amor primário, e BOWLBY (1990), com sua teoria do apego, como 
formas de relação objetal primárias. O fato de a autora em questão referir-se a este 
investimento como libidinal parece definir seu caráter sexual. A concepção de 
Helene Deutsch parece apontar no sentido de uma corrente única sexual, 
modalizada em masculino e feminino, esta última modalidade se distinguindo da 
corrente masculina pelo predomínio do objetivo passivo e do modo de satisfação 
 
10 CORRÊA (1995) em seu artigo Um disparador e suas consequências psíquicas, buscando uma correlação 
entre o conceito de desmetido de Ferenczi e o conceito de hemorragia psíquica de Freud, analisa a questão das 
identificações nas mulheres, em relação à economia libidinal, tal como apresentadas nos textos freudianos. 
Afirma que a plurivocidade do precipitado de identificações das mulheres – os traços de seus muitos amores – é 
o que lhes confere ganho psíquico. Este ultimo é entendido como a ampliação e complexificação das vias de 
resposta (descarga) do aparelho psíquico, em oposição à passividade [ou a maior fixidez] das organizações 
psíquicas estabelecidas em conformidade com identificações impostas, ou escassas, que dificultariam o 
empreendimento das ações específicas. 
 73 
narcísica. A diferença entre masculino e feminino se centraria, assim, não na 
natureza dovínculo, mas no modo de acesso ao objeto. 
No que se refere, então, ao objeto filho, o texto de 24 parece descrever os 
tempos e o modo de constituição deste objeto, através de um modelo de dinâmica 
libidinal própria à gravidez, enfatizando os aspectos clínicos da transformação da 
representação do filho, de objeto narcísico (objeto de amor de si), para objeto de 
amor... A construção desse objeto, repetiria a história de construção da subjetividade 
materna. 
 
Em relação às alterações afetivas durante a gravidez, Helene DEUTSCH 
fala de “tendências hostis se manifestando igualmente nas modificações 
passageiras de caráter, tipicamente anais, na mulher grávida” (1994, p.88). Atribui-
as ao reavivamento da equivalência fezes- bebê e considera tais sentimentos de 
desgosto como deslocamentos para alimentos, pessoas ou situações, dos desejos 
expulsivos (anais) em relação ao bebê. Ressalta, porém, que tais atitudes hostis 
tendem a se modificar em torno do quinto mês de gestação “com os primeiros 
movimentos do bebê” . A autora supõe uma dupla vetorialidade na mudança que 
então se passa: de um lado o amadurecimento do investimento libidinal por parte da 
mãe tende a uma representação do filho como objeto separado; por outro, o 
desenvolvimento da criança para uma certa autonomia pressiona na direção do 
amadurecimento descrito acima. Numa interpretação kleiniana poder-se-ia 
considerar que a movimentação do feto pode servir como signo da integridade do 
objeto, portanto, da integridade dos conteúdos internos da gestante, que não teriam 
sido, então, alvo da retaliação por parte de sua própria mãe, em face dos desejos 
agressivos da gestante para com ela. Essa integração da imagem do objeto permite 
sua separação em relação ao eu materno, sem conseqüências destrutivas para este 
último (KLEIN, 1996). 
 
 Deutsch discute, também, como o narcisismo, que tem função de 
proteger o ego da mulher de suas tendências masoquistas em relação a seus 
parceiros, freqüentemente fracassa em sua função defensiva quando da relação da 
mulher ao filho. Paradoxalmente, a maternidade que, numa ótica estritamente fálica, 
poderia representar a realização de uma posição narcísica para mulher, numa 
perspectiva como a apresentada por Deutsch representa também seu fracasso. A 
 74 
posse do filho, mesmo que se a considere em sua vertente fálica, elimina a ferida 
narcísica anterior, relativa ao falo, liberando a libido para outros investimentos 
amorosos, especialmente no próprio filho. Isto, por sua vez, submete a mulher às 
suas tendências passivo-masoquistas, agora em relação ao filho. A tendência às 
posições masoquistas nas relações entre mães e filhos é um dado observado na 
clínica psicanalítica. A autora afirma que a escolha de não ter filhos em mulheres 
com traços fortemente femininos e maternais pode representar, neste sentido, uma 
tentativa de salvaguarda do eu . 
 
É necessário que se ressalte que a posição da autora quanto à 
maternidade não caracteriza uma normativização. A disposição para maternidade é 
uma tendência, simbólica, apoiada na disposição biológica da espécie. Nas palavras 
da própria autora, maternidade designa a “(...)capacidade para subordinar seus 
interesses individuais aos da espécie. A espécie está representada pelo filho, mas a 
atitude maternal pode ser dirigida a outras pessoas ou coisas.” (DEUTSCH, 1952: 
190). Fica assim evidente o intrincamento ou apoio do destino pulsional às 
necessidades biológicas não só do indivíduo mas também da espécie. Apoio que a 
autora parece sustentar com toda conseqüência ao considerar, na reprodução e na 
sexuação psíquica, a função de transmissão da eroticidade, conforme já afirmado 
anteriormente. 
 
 75 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A metapsicologia da melancolia como modelo de 
compreensão do afeto deprimido na gravidez. 
 
“Como as partes diferem e as funções 
variam, a melancolia, conforme a parte que ocupa 
ou atravessa, engendra paixões diversas: no 
coração, um estremecimento, no estômago, uma 
fome devoradora, no cérebro, as ilusões 
enganadoras, e nos outros órgãos, os problemas 
correspondentes às suas funções.”1 
Timothy Bright2. 
 
1 Tradução da autora 
2T. BRIGHT (1996: 129) Traité de la Mélancolie de 1586. 
 76 
 
A teoria de Freud 
 
Em diferentes momentos da produção psicanalítica de Freud, pode-se 
constatar seu interesse pela melancolia. Em sua correspondência a Fliess, o 
Rascunho G testemunha sua atenção à descrição dos processos psíquicos 
subjacentes a este quadro clínico (FREUD, 1977). Sua data provável é 7 de janeiro 
de 1895. Nesse momento, a abordagem teórica da melancolia se faz em torno da 
dinâmica da libido, como luto pela perda da libido. Em 1917 Freud aborda 
novamente este tema em Luto e Melancolia (FREUD, 1974d), artigo escrito em 
1914, provavelmente na esteira do artigo sobre o Narcisismo, como indica seu editor 
inglês. Nele, a melancolia é abordada em sua forma clínica associada à mania. 
Freud mantém a comparação dos processos melancólicos àqueles envolvidos no 
luto, ressaltando, agora, porém, a regressão libidinal ao narcisismo. Em 1924, em 
seu Neurose e Psicose (FREUD, 1976f), dá à melancolia o estatuto de neurose 
narcísica, distinguindo-a tanto das neuroses de transferência como das psicoses. 
Supõe, então, uma organização metapsicológica específica a estas afecções, 
baseada em sua nova teoria do aparelho psíquico. Neste artigo sua ênfase recairá 
no conflito entre o ego e o superego. 
 
No período de escrita do Rascunho G, Freud se encontrava em pleno 
processo de pesquisa das relações entre as funções somáticas e as psicológicas, 
que resultaria no Projeto para uma Psicologia Científica (FREUD 1977), trabalho 
parcialmente abandonado pelo autor, em favor da construção de um conjunto teórico 
de caráter metapsicológico. O rascunho sobre a melancolia se inseria naquela linha 
de pesquisa. Nele, Freud parte da relação entre a melancolia e estados somáticos 
(como a anestesia sexual, a neurastenia provocada por masturbação e coito 
interrompido, as manifestações somáticas da ansiedade intensa) e verifica que a 
semelhança entre estes quadros clínicos se deve a uma diminuição no nível da 
excitação somática que investe as representações de objeto. 
Para analisar estas diferentes apresentações da melancolia, Freud parte 
de dois eixos: o movimento da libido e o afeto que lhe corresponde. Afirma que em 
qualquer estado melancólico o que se observa é uma perda no âmbito da libido, e 
 77 
um afeto semelhante ao luto. Descreve o mecanismo psíquico subjacente à 
melancolia do seguinte modo: 
Podemos imaginar que se o ps. G [grupo sexual 
psíquico] se defronta com uma grande perda da quantidade de 
sua excitação, pode acontecer uma retração para dentro (por 
assim dizer) na esfera psíquica, que produz um efeito de 
sucção sobre as quantidades de excitação contíguas. Os 
neurônios associados são obrigados a desfazer-se de sua 
excitação, o que produz sofrimento. Desfazer-se associações 
sempre é doloroso. Com isso, instala-se um empobrecimento 
da excitação (no seu depósito livre) – uma hemorragia interna, 
por assim dizer – que se manifesta nos outros instintos e 
funções. Essa retração para dentro atua de forma inibidora, 
como uma ferida, num modo análogo ao da dor. (FREUD, 
1977: 281-282). 
 
Esta descrição da melancolia é prevalentemente econômica. A falha ou 
perda se passa no campo pulsional, o efeito é uma inibição dos investimentos 
libidinais e sofrimento psíquico (dor). 
 
Em Luto e Melancolia esta tese inicial guarda sua pertinência, entretanto, 
a questãodo objeto assume relevância. Neste artigo a ênfase recairá nos vínculos 
com o objeto. Daí a importância da distinção entre a perda do objeto real (no luto) e 
a perda do objeto ideal (na melancolia). Também será necessário distinguir o vínculo 
objetal de uma identificação, pelo tratamento diverso que é dado ao objeto nas duas 
situações. 
Freud reafirma a propriedade da analogia entre estes dois estados 
psicológicos - luto e melancolia - por ambos envolverem uma perda, cujo resultado é 
um conjunto de traços mentais, muito semelhantes: 
 (...) um desânimo profundamente penoso, a cessação do 
interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, 
a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição do 
sentimento de auto-estima a ponto de encontrar expressão em 
auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa 
expectativa delirante de punição. (FREUD, 1974d: 276). 
 
A ausência de perturbação da auto-estima e suas conseqüências, nos 
processos de luto, serve de chave para compreeensão de importantes diferenças 
metapsicológicas quanto aos dois processos. Freud examina em que consiste o 
trabalho do luto e em seguida tenta compará-lo aos estados melancólicos. Afirma 
que a constatação da ausência do objeto leva o eu a um período alucinatório da 
 78 
presença daquele, visando à manutenção do vínculo, antes prazeiroso. O 
desinvestimento da representação de tal objeto exige que o desligamento da libido 
se realize em relação a cada lembrança ou expectativa relacionada a ele (trabalho 
do luto). A conformação à realidade tende a impor-se, no caso do luto, e a conclusão 
deste trabalho torna o eu novamente livre e desinibido. 
 Na melancolia, todavia, a natureza da perda é diferente – é no campo do 
ideal – e ocorre fora do plano da consciência. O sujeito melancólico não sabe o que 
perdeu, o que torna o trabalho de desligamento libidinal, por parte do eu, mais difícil 
e enigmático. Além disso, o complexo melancólico, em seu caráter inconsciente, “se 
comporta como uma ferida aberta, atraindo a si as energias catexiais (...) 
provenientes de todas as direções, e esvaziando o ego até este ficar totalmente 
empobrecido” (FREUD, 1974d: 286). Essa concepção de um furo ou de uma ferida 
na organização do eu, que absorve todo movimento libidinal do sujeito melancólico, 
responde, também, por sua dificuldade em refazer novos investimentos. 
Avaliando a questão da auto-estima na melancolia, Freud conclui que os 
ataques a si, tão impróprios à natureza narcísica do eu, são, na verdade, ataques ao 
objeto deslocado para o eu. Tal deslocamento ocorre, em função de duas pré-
condições: uma forte fixação mas uma fraca catexia objetal. Estas condições são, 
aparentemente, contraditórias. Entretanto, baseado numa constatação de Otto Rank, 
FREUD afirma: 
(...) essa contradição parece implicar que a escolha objetal é 
efetuada numa base narcisista, de modo que a catexia objetal, 
ao se defrontar com obstáculos, pode retroceder para o 
narcisismo. A identificação narcisista com o objeto se torna, 
então, um substituto da catexia erótica,(...) Essa substituição 
da identificação pelo amor objetal constitui importante 
mecanismo nas afecções narcisistas (...) Ele representa, 
naturalmente, uma regressão de um tipo de escolha objetal 
para o narcisismo original. (1974d: 282) 
 
Forte fixação e fraco investimento do objeto seriam característicos, então, 
do modo de vínculo narcísico. Ao especificar a diferença entre a identificação 
histérica e a narcísica, Freud afirma que na primeira o investimento libidinal ao 
objeto é mantido, enquanto, na segunda, é abandonado. Situa ambas no contexto 
da formação dos sintomas, atribuindo à identificação narcísica um papel mais 
primitivo. Reafirma, todavia, que as identificações expressam a existência de algo 
em comum entre o eu e o objeto, “que pode significar amor” (FREUD, 1974d: 283). 
 79 
Assim, não basta o recurso ao vínculo narcísico para compreender a melancolia. A 
explicação de seu caráter auto-acusatório e auto-culpabilizador deve vir de outra 
fonte. É na própria natureza dos vínculos entre o eu o o objeto que Freud vai buscá-
la, recorrendo ao caráter ambivalente dos vínculos objetais nas fases iniciais da 
organização libidinal. 
Freud conclui que a melancolia toma emprestado alguns de seus traços, 
ao luto; e os outros, à regressão libidinal ao narcisismo. Devido aos processos 
regressivo, e à ambivalência, o vínculo amoroso se transforma em agressão, 
atacando o eu do melancólico, agora identificado ao objeto. A catexia libidinal, 
nestes casos, sofre dupla vicissitude: parte dela regride para o narcisismo e outra 
parte se transforma em sadismo devido à ambivalência. Daí a possibilidade do 
suicídio, como agressão ao eu tomado pelo objeto. Do ponto de vista 
metapsicológico, a melancolia se processa como efeito de uma regressão libidinal 
ao narcisismo, devida a alguma sorte de ataque ao eu (perda), onde a ambivalência 
afetiva (inconsciente) revela sua face de sadismo na forma de agressões ao eu 
identificado ao objeto. 
 
 Uma afirmação de Freud, entretanto, coloca de modo muito condensado 
questões de bastante relevância. Discutindo a dinâmica do trabalho psíquico na 
melancolia, constata a rigidez do eu atribuindo-a à afluência da libido para as 
representações ligadas ao conflito melancólico e explica a dificuldade em dormir, 
observada nestes pacientes, como devida a esta fixidez da catexia libidinal no 
complexo conflitivo. 
O que provavelmente é um fator somático, fator este 
que não pode ser explicado psicologicamente, torna-se visível 
na melhoria regular da condição, que se verifica por volta do 
anoitecer. Essas considerações nos levam a perguntar se uma 
perda no ego, independente do objeto3 - um golpe puramente 
narcisista contra o ego -, não bastará para produzir o quadro de 
melancolia, e se um empobrecimento da libido do ego, 
diretamente por causa de toxinas, não será capaz de produzir 
certas formas de doença. (FREUD, 1974d: 286). 
 
Embora Freud esteja se referindo a processos somáticos – tóxicos – 
afetando a estrutura egóica, parece pertinente que se deduza que outros processos, 
que não a regressão libidinal da relação objetal para relação narcísica, podem 
 80 
também ser responsáveis pelo aparecimento de estados melancólicos. Conforme 
indicado na citação acima, a perda no ego pode se referir a algo que o afete em sua 
organização básica, nuclear. Se o narcisismo primário é o recobrimento pela libido 
de um conjunto de traços identificatórios primitivos, formador do eu, poder-se-ia 
pensar no efeito doloroso provocado por tudo que afete o arranjo original destes 
traços. Retomando o rascunho G, conforme citado acima, o desinvestimento de 
traços é sempre doloroso. 
Esta afirmação, aparentemente isolada no texto, parece indicar que, do 
ponto de vista etiológico ou, no que se refere à disposição para a afecção, o peso 
relativo da estrutura do eu, de sua flexibilidade para suportar o “golpe narcísico”, na 
produção dos sintomas, está em conexão estreita com a dinâmica pulsional e o 
conseqüente trato (vínculo) com o objeto. Esta posição será claramente indicada 
em 1924 no artigo Neurose e Psicose (1976f). 
 
Baseando-se nesta afirmação acima, parece possível supor que a 
presença do feto no corpo da mulher pode representar uma perda no eu. A perda 
do estatuto narcísico de filha, e/ou mulher, reorientado no sentido do tornar-se mãe, 
poderia responder pela presença de afetos melancólicos durante a gravidez. Em 
algumas mulheres, ou mesmo em alguns períodos da gravidez, a atenção do 
parceiro ou do entorno em geral, voltada de modo prevalente para a gestação, pode 
representar uma perda no planonarcísico. O ser amada através do filho implica, 
num certo nível, a perda do ser amada por seu próprio eu. É freqüente escutar-se a 
queixa por parte das gestantes quanto ao excesso de atenção ao “corpo gestante” e 
perda de atenção ao “corpo erógeno” da mulher grávida, especialmente por parte do 
parceiro. 
 
 Retornando aos textos freudianos, observa-se que, em 1923, quando 
publica O Ego e o Id, formalizando sua nova tópica do aparelho psíquico, a 
explicação da dinâmica subjacente à melancolia será centrada nas relações entre o 
ego e o superego. A supremacia da instância crítica fica evidente tanto na 
melancolia quanto na neurose obsessiva. Na neurose obsessiva, no entanto, o 
objeto ao qual se destina o sadismo superegóico é um objeto ao qual o eu se 
 
3 Grifo da autora. 
 81 
vincula, um objeto externo ao eu. Já na melancolia, o fato do objeto ter sido incluido 
no eu, faz com que seja a este último (ao eu) que se dirijam os ataques, 
aumentando os riscos de autodestruição. O maior risco de suicídio na melancolia se 
deve justo a esta identificação. A neurose obsessiva estaria mais protegida pela 
manutenção do vínculo agressivo com um objeto exterior ao eu. “Podemos perceber 
que o que garante a segurança do ego é o fato de o objeto ter sido retido.” [retido 
como objeto, portanto, separado do eu]. ( FREUD, 1976e: 70). 
Importa ressaltar que, nesta segunda tópica, as forças pulsionais são 
supostas duais, podendo se fusionar e desfusionar. Ao eu cabe administrar a 
satisfação dessas tendências pulsionais opostas, em relação às exigências da 
realidade, e àquelas oriundas das instâncias ideais. Em relação à melancolia a 
perspectiva proposta em O Ego e o Id é a de que através do processo de regressão 
libidinal, provocado por frustração, ocorre um desintrincamento pulsional onde o 
superego passa a mobilizar as moções destrutivas e as dirige contra o ego. 
Conforme indica Freud, o superego surge ao final do complexo de Édipo, por 
identificação aos modelos parentais, processo que implica na dessexualização das 
relações a estes objetos de amor. Entretanto, a dessexualização implica na 
desfusão pulsional. “Essa desfusão seria a fonte do caráter geral de severidade e 
crueldade apresentado pelo ideal - o seu ditatorial ‘farás’” (FREUD, 1976e: 71). 
 
No artigo de 1924, Neurose e Psicose, Freud qualifica a melancolia como 
uma neurose narcísica. Num esforço de aperfeiçoamento do poder de descrição 
clínica de seu novo esquema do aparelho psíquico, propõe como diferencial 
nosográfico as fontes de conflito do ego. Assim, “As neuroses de transferência 
correspondem a um conflito entre o ego e o id; as neuroses narcísicas, a um conflito 
entre o ego e o superego, e as psicoses, a um conflito entre o ego e o mundo 
externo.” (FREUD, 1976f: 192). Termina este pequeno artigo questionando-se sobre 
as circunstâncias em que o ego pode enfrentar estes conflitos sem “cair enfermo”, e 
conclui que os determinantes serão o fator econômico (magnitude das moções 
pulsionais envolvidas) e a plasticidade do ego em deformar-se, ou mesmo clivar-se, 
evitando, assim, seu colapso. 
 
 
 
 82 
Amor e Melancolia: os domínios do objeto 
 
Seguindo as proposições freudianas quanto à melancolia, visando 
relacioná-las com o objeto desta pesquisa, acompanhar-se-á as relações entre o 
estar amando e o estar melancólico. 
 Freud toma o amor intenso e o suicídio melancólico como exemplos de 
situações onde o eu é dominado pelo objeto. Cabe notar que afeto deprimido e 
gravidez desejada parecem relacionar-se com estes dois pólos. Uma gravidez 
ensejada a partir do desejo de um filho envolve um enorme investimento amoroso 
quanto às representações deste objeto. Nesse sentido, a dimensão do filho como 
objeto de amor pode ser de ordem tal que sua sombra venha a se abater sobre o eu 
total da mulher, inibindo seus outros investimentos afetivos ou manifestações 
simbólicas. 
O que parece importante destacar são as identificações constitutivas do 
ser mãe, relativas ao narcisismo e ao eu feminino, e relacioná-las ao desejo da 
mulher que espera um filho. Dito de outro modo: qual a relação entre a constituição 
narcísica da mulher na posição de mãe e o filho como objeto? Como essa relação 
pode afetar o sujeito mulher ou quando o amor pelo filho gestado pode ser inibidor 
das produções subjetivas da mulher? 
 
A temática das identificações interessa aqui por sua participação tanto na 
teoria freudiana da melancolia - modelo que se está utilizando para compreensão do 
afeto deprimido -, como por sua inclusão freqüente nas abordagens psicanalíticas 
da maternidade. Partindo-se da teoria freudiana, a identificação ao papel maternal é 
suposta ocorrer como resultado da experiência edipiana, por identificação à mãe. O 
desejo é, inicialmente, de dar um filho à mãe e, posteriormente, de ter um filho do 
pai. Mas é identificada ao lugar da mãe que a mulher poderá gerar filhos. A literatura 
descreve, também, a necessidade de identificação da mulher ao filho, na 
maternidade4. Esta identificação parece referir-se ao reconhecimento dos limites 
 
4 Exemplos desta concepção de que a mulher grávida se identifica ao feto podem ser encontrados em DEUTSCH 
: “A ’regressão maternal’ definitiva é alcançada durante a gravidez pela identificação com o bebê.” (1994: 92) ; 
LANGER: “A mulher grávida se identifica com o feto, revivendo assim sua própria vida intrauterina” 
(1964:182); WINNICOTT: “Existe comunicação, ou não, [entre mãe e bebê] dependendo do fato de a mãe ser 
ou não capaz de se identificar com o bebê (...). Isto leva a um estudo das transformações que ocorrem com a 
mãe (ou pai) no que diz respeito à gravidez e à paternidade.(...) Nesta situação a mãe é tanto o bebê quanto ela 
própria (...).” (1996: 95); BALINT: “Libidinalmente, a mãe é receptora e doadora na mesma extensão que seu 
 83 
quanto aos referenciais (tanto imaginários como simbólicos) nos quais se inscreve a 
subjetividade. A fragilidade maturacional dos primórdios da vida humana, 
fundamento sobre o qual se estrutura a subjetividade desejante, parece ser 
reatualizada na gestação e nas relações iniciais da mãe com o filho recém-nascido. 
Retomar-se-á, então, a temática das identificações na teoria psicanalítica 
de modo que se possa examinar as semelhanças entre sua ocorrência na gravidez e 
nos processos melancólicos e de luto. 
 O conceito de identificação vai se especializando progressivamente na 
obra de Freud, até assumir valor central na constituição do aparelho psíquico. Essa 
centralidade é correlativa ao papel essencial atribuído ao complexo de Édipo com 
seu corolário de identificações e escolhas objetais. Na segunda tópica, as 
identificações respondem pela formação das subestruturas psíquicas, a partir do id. 
A identificação narcísica, apresentada sob esta denominação em Luto e Melancolia, 
já fora postulada em Totem e Tabu como um modo primário de relação ao objeto 
definido por sua introdução ou incorporação no eu. Este primeiro tipo de laço ao 
objeto se associa ao modo mais elementar de experiência pulsional, a constituição 
oral do objeto. 
 Com a teorização do narcisismo e a divisão pulsional em pulsões sexuais 
e pulsões do eu, a identificação narcísica se torna correlata aos investimentos do eu. 
A escolha objetal narcísica se faz sob um modelo identificatório, em conformidade 
com o que se é, o que se foi, o que se gostaria de ser ou alguém que foi uma vez 
parte sua (FREUD,1974b: 107). Na segunda tópica, especialmente com a teorização 
da dissoluçãodo complexo de Édipo e, da construção do supereu como seu 
herdeiro, a idéia de especialização do aparelho a partir do id dá muito relevo às 
identificações como traços das relações primitivas. Neste momento da obra de 
Freud, a identificação narcísica ou incorporativa, considerada anterior às relações 
objetais e tida como uma relação maciça ao objeto, será denominada identificação 
primária. 
 Em síntese, parece possível supor que o processo de identificação 
primária ou narcísica diz respeito a alguma sorte de alteração (ou formação) do eu 
total, mediante a relação ou intervenção de um objeto também total, isto é, sem 
discrimanação exata de seus traços ou atributos. Daí a possibilidade de situar-se 
 
filho; ela experencia seu filho como uma parte de seu próprio corpo e ainda como algo estranho e hostil, do 
 84 
este modo de identificação tanto numa primeira constituição do eu onde as 
distinções se fazem por critério incorporativo (o que é prazeroso é eu, o deprazeroso 
é não-eu), quanto nos processos relacionados à melancolia. Nesta última, a 
vinculação do eu ao objeto é de tal ordem que o sujeito não reconhece o que perdeu 
nele (nos atributos do objeto), não podendo, assim, fazer seu luto. O luto do objeto 
implica no reconhecimento destes atributos, no reinvestimento do vínculo em cada 
um deles para a posterior retirada da libido. Na melancolia o luto não se faz porque o 
objeto indiscriminado resta incorporado ao eu. Nem na identificação primária, nem 
na melancolia há relação objetal em sentido estrito. 
 
No caso da identificação da mulher ao papel materno não se trata de uma 
identificação primária mas de uma identificação oriunda do complexo de Édipo, onde 
o objeto filho poderá se inscrever na série dos objetos fálicos, o que já o vincula, 
também, ao narcisismo da mãe, porém não como único objeto possível, uma vez 
que, por definição, os objetos fálicos são sempre substituições de um hipotético 
objeto primeiro. Que relações entre o eu materno e o objeto fálico filho poderiam 
responder, então, pela inibição dos investimentos libidinais maternos com o 
conseqüente estado de tristeza? 
Retomar-se-á a discussão sobre o amor e a melancolia, em parêntese, 
visando encontrar um encaminhamento de resposta a essa questão. 
 Amor e Melancolia parecem ser situações extremas que permitem 
demonstrar o caráter plástico do eu, sua capacidade de sofrer alterações nas lides 
com o objeto. Na perspectiva da relação do eu ao objeto, suicídio melancólico e 
fascinação amorosa aparentemente se identificam, porém é necessário esclarecer a 
que se devem suas diferenças. Seu ponto em comum é o domínio que o objeto 
exerce sobre o eu, a identificação ao objeto. Todavia, esta não pode responder 
sozinha pela alteração no eu que o coloca em risco, como no caso do suicídio 
melancólico. Parece que no suicídio melancólico há um significativo aporte de ódio 
dirigido ao objeto, que não se observa na fascinação amorosa. 
Outro problema é que também na paixão amorosa a identificação 
narcísica ao objeto seguida da fragilização do eu ocorre somente em algumas 
situações específicas. Outros efeitos podem também ser observados: o incremento 
 
mesmo modo que a criança em relação ao corpo da mãe.” (1986: 100). As traduções são da autora. 
 85 
da auto-estima, o aumento dos cuidados dedicados não só à própria imagem, mas à 
vida subjetiva num sentido amplo. Como explicar essa diferença no interior da 
experiência amorosa? Trata-se de algum gradiente de investimento libidinal que vai 
regressivamente do amor como investimento objetal ao amor como fascínio 
narcísico? Qualquer experiência amorosa pode, então, se inscrever e deslizar por 
qualquer ponto desta série? Ou, ao contrário, o amor enquanto investimento objetal 
seria uma experiência envolvendo aspectos metapsicológicos diferentes daqueles 
presentes na fascinação amorosa? Na obra freudiana parece possível encontrar 
apoio para ambas as posições. A introdução na teoria de modalidades ou 
subestruturas do eu – os ideais – indicam que na tópica de 1920 há uma opção 
pela segunda hipótese. 
No capítulo VIII de Psicologia de Grupo e a Análise do Ego (1976d), artigo 
de 1921, Freud trabalha as questões do direcionamento da libido aos objetos e suas 
conseqüências para o eu na fascinação amorosa. Neste caso, está buscando 
explicar o submetimento apaixonado dos indivíduos ao poder hipnótico dos líderes. 
Trata deste efeito hipnótico como equivalente do vínculo amoroso, ressaltando na 
experiência amorosa a idealização dos atributos do objeto em conformidade com o 
narcisismo. Freud encaminha sua argumentação no sentido de mostrar que é esta 
idealização que revela um processo subjacente de subsunção do eu ao objeto. 
Neste ponto, faz uma diferenciação entre a identificação ao objeto e este outro 
processo amoroso que leva à servidão do eu, a idealização. Afirma que na 
identificação o “(...) o ego enriqueceu-se com as propriedades do objeto (...)”, na 
idealização fascinante “(...) empobreceu-se, entregou-se ao objeto, substituiu o seu 
constituinte mais importante [o ideal do eu] pelo objeto.” (1974b: 111). Mas a 
identificação é um processo que se refere ao eu, enquanto a idealização é um 
processo referido ao objeto, como salienta Freud. O próprio autor se mostra 
insatisfeito com a distinção econômica entre estes dois processos, apresentada 
nestes termos. Opta, então, por uma distinção dinâmica, diferenciando o vínculo 
entre o eu e o objeto em cada uma delas: 
No caso da identificação, o objeto foi perdido ou 
abandonado; assim ele é novamente erigido dentro do ego e 
este efetua uma alteração parcial em si próprio, segundo o 
modelo do objeto perdido. No outro caso [idealização], o objeto 
 86 
é mantido e dá-se uma hipercatexia dele pelo ego e às 
expensas do ego.5 (FREUD, 1976d: 144). 
 
É na idealização, portanto, que se dá o esvaziamento da libido narcísica. 
Estas conclusões parecem contradizer as proposições teóricas sobre a melancolia. 
Lá, é justamente à identificação narcísica posterior à perda do objeto que se 
atribuem as inibições de investimento do eu. Por outro lado, naquele texto Freud já 
afirma o caráter ideal da perda na melancolia, indicando um processo de idealização 
dos atributos do objeto. Este parece um apontamento quanto à ligação íntima entre 
esses dois processos (identificação narcísica e idealização). 
 No artigo sobre a Psicologia de Grupo citado acima, FREUD se 
questiona se seria “inteiramente certo que a identificação pressupõe que a catexia 
de objeto tenha sido abandonada” conjeturando sobre a possibilidade de “haver 
identificação enquanto o objeto é mantido.“(1976d: 144). Em O Ego e o Id (1976e) 
esta possibilidade é tomada como certa. O tema das identificações é retomado no 
contexto de elaboração das origens do ideal do eu. Ali, além de atribuir às 
identificações o papel de formadoras do “caráter” do eu, enquanto fonte de traços 
dos vínculos objetais precoces, é destacado seu papel na administração das 
moções pulsionais. Ao identificar-se ao objeto o eu se oferece como objeto para 
satisfação das exigências das pulsões. 
 Freud enfatiza que a identificação narcísica com o objeto implica uma 
alteração na qualidade do vínculo, dada a alteração do objetivo pulsional. Dito de 
outro modo, a identificação implica numa dessexualização. Faz ainda uma diferença 
entre os possíveis desfechos das identificações, mostrando que nem sempre elas 
implicam a introduçãodo objeto abandonado no eu. Alega, porém, que no caso das 
mulheres esta alteração do eu é bem mais freqüente. O que parece uma indicação 
no sentido da particular plasticidade do eu feminino. Esta plasticidade seria devida 
ao modo especial com que a castração afeta as mulheres. Dada a ausência do falo 
imaginário no corpo, o eu da mulher é que assumiria, então, este lugar fálico: daí a 
ameaça de castração configurar-se como ameaça da retirada do amor por parte do 
objeto. 
 
 
5 Grifo da autora. 
 87 
Essa discussão sobre o papel patógeno da identificação narcísica parece 
relevante no caso dos afetos na gestação pois este tipo de identificação se impõe 
em qualquer gravidez desejada. Parece evidente que o amor da mulher dirigido ao 
filho enquanto objeto necessariamente deixa traços no eu materno. Essa 
identificação é, porém, secundária ao investimento do filho no lugar de objeto 
separado do eu. Por outro lado, a inflexibilidade dos ideais que orientam as 
identificações secundárias pode responder pela rigidez do lugar que ocupará o filho 
como objeto em relação ao eu materno, conforme pretende-se demonstrar a seguir. 
 
 
Uma concepção metapsicológica da depressão. 
 
Utilizar-se-á as indicações de Marie-Claude LAMBOTTE (1997) 
apresentadas em O Discurso Melancólico, por tratar-se de uma obra vigorosa de 
análise fenomenológica e metapsicológica da melancolia. Esta autora propõe como 
hipóteses metapsicológicas da melancolia a “ausência ou enorme fragilidade da 
imagem especular, devida ao desfalecimento primeiro da imago materna.” 
(1997:197). Baseada nas formulações lacanianas do Estádio do Espelho como 
organizador da função do eu, considera que a melancolia se constrói nos “avatares 
da formação do eu e de seus modelos “(op. cit, 201)6. 
 
A imagem especular, antecipadora de uma totalidade identificatória do eu, 
foi pensada por Lacan como campo - espaço - onde a origem simbólica do sujeito 
vem a operar. Com a proposição do estádio do espelho, LACAN (1955c ) apresenta 
as linhas que confluem para formação original do eu. A prematuridade do bebê 
humano a qual engendra uma especial dependência do semelhante que lhe prove 
cuidados (em geral a mãe). Este semelhante com seus desejos particulares 
interpreta os movimentos da criança7 como portadores de sentido. E a linguagem 
 
6 Lambotte supõe a origem da melancolia na fase pré-especular, na operação de destacamento de uma metáfora 
referenciadora do sujeito no simbólico, a qual orienta, também, a formação da imagem especular. A autora 
distingüe, todavia, a melancolia das psicoses. O que se operaria na entrada do sujeito no simbólico não seria uma 
foraclusão do significante paterno, mas uma identificação ao objeto enquanto resto de operação simbólica. O 
sujeito melancólico reconheceria a castração, sem ter, porém, os instrumentos ilusórios, fantasísticos, para lhe 
fazer face. 
7 Lacan se utiliza da palavra infans para designar a criança antes de seu acesso a linguagem. 
8 Tradução da autora. 
 88 
onde esta interpretação se inscreve como enigmática. É, portanto, na relação da 
criança ao enigma do desejo deste outro que a compreende segundo seus próprio 
desejos, que se desencadeia o desejo inconsciente daquela (criança). Esta dinâmica 
implica a anterioridade (apenas lógica) de uma identificação ao outro como 
semelhante, que possibilita à criança a formação de uma imagem, uma silhueta de 
um si mesmo - um eu ideal - em torno da qual as questões do ser e do desejo vão 
se dar. Trata-se da mesma identificação à qual Freud referiu-se como anterior à 
relação objetal. Nos termos lacanianos o que se passa então é a “(...)transformação 
produzida no sujeito quando assume uma imagem”, cuja assunção indica uma 
“matriz simbólica em que o eu se precipita de forma primordial (...) essa forma é 
mais constituinte do que constituída; (...) simboliza a permanência mental do eu, ao 
mesmo tempo que prefigura sua destinação alienante; (...)”8 ( 1995c: 87-88 ). 
Lacan lembra, ainda, que esta captura pela imagem, nos moldes como se 
dá no sujeito humano, é indicativa da insuficiência da realidade orgânica como fonte 
da subjetividade. O processo de subjetivação do humano depende do 
estabelecimento de uma dialética a qual, a partir deste eu formal, liga a criança aos 
outros semelhantes, através do desejo destes últimos expressos no conjunto da 
linguagem. Lacan sublinha o corte destacado por Freud quanto à natureza do desejo 
humano que subverte a ordem das necessidades. Toda construção da imagem 
subjetiva se fará mediada por significantes. A linguagem explode a necessidade em 
planos diversos - imaginário, simbólico e real – nodulados entre si, porém 
dissimétricos. As faces do objeto vão se alterar, então, conforme o plano de 
articulação subjetiva em que estejam envolvidas. No estádio do espelho a 
configuração prevalente do objeto é a imaginária onde, ao assumir uma imagem, a 
criança se reconhece como aquilo que falta ao outro, se institui como objeto de amor 
do outro. A saída desta relação especular faz-se pela identificação da criança a um 
traço (significante) do desejo do outro expresso em suas demandas. Esse traço – 
suposto objeto ideal do outro – formará o ideal de eu da criança. O objeto é agora, 
porém, um objeto que se circunscreve na linguagem. 
 
Na concepção acima descrita, o narcisismo primário seria a forma de 
designar a dinâmica libidinal deste momento, onde o outro - com sua imagem e sua 
 
 
 89 
linguagem - tem poder alienador do eu, sendo, portanto, fonte da imagem e do 
desejo da criança, conseqüentemente, alvo de sua agressividade. Segundo Lacan, a 
agressividade é uma tendência correlativa às identificações narcísicas, 
determinantes da estrutura formal do eu e dos objetos. Nas palavras do autor: 
Essa forma se cristalizará em efeito na tensão 
conflitual interna ao sujeito, que determina o despertar de seu 
desejo pelo objeto de desejo do outro: aqui, o concurso 
primordial se precipita em competência agressiva, e dela nasce 
a tríade do próximo, do eu e do objeto (...)9. (1995d: 106). 
 
Ou ainda, 
Na origem, antes da linguagem, o desejo só existe 
no plano da relação imaginária do estado especular, projetado, 
alienado no outro. A tensão que ele provoca é, então, 
desprovida de saída. Quer dizer, não tem outra saída (...) 
senão a destruição do outro. (1986: 197-198). 
 
 
Desta teoria de Lacan, onde a agressividade é concebida como 
correlativa da tensão entre a estrutura narcísica e a subjetividade em seu caráter 
simbólico, é possível destacar-se uma série de inferências clínicas, especialmente 
aquelas relativas aos ideais, como é o caso da melancolia e da depressão. 
 
Assim, Lambotte propõe que a ausência de um olhar materno que 
destaque a imagem da criança como um objeto potentemente prazeroso para as 
relações com o Outro, é a condição da melancolia. Um olhar materno que 
transpassa a criança, perdendo-se num horizonte sem limites, não pode oferecer a 
necessária moldura para constituição de uma fantasia que dê contorno, ainda que 
ficcional, à subjetividade desta. Completando, então, sua hipótese metapsicológica a 
autora propõe que: 
(...) à falta de uma imagem especular suficientemente 
investida, o melancólico se esforçaria em atenuar esta falha de 
ilusão ou de imaginário – e, por isso mesmo, de desejo – 
negando vigorosamente tudo o que se assemelharia a logro e 
mentira frente a uma verdade encontrada muito cedo: a da 
irredutível ficção que define o sujeito. (op. cit, 207). 
 
 
9 Tradução da autora.90 
É na relação do melancólico aos objetos que se verá a força de um ideal 
esmagador, desqualificando qualquer destas relações como passíveis de sustentar 
sua imagem ideal, que não se pretende imaginária. 
Seguindo Lacan, Lambotte se apóia na teoria kleiniana da constituição do 
supereu. A origem deste, ligada à incorporação de objetos bons e maus, em 
conformidade com a imago materna, exigirá da criança (de seu eu) a constante 
vigilância para proteger os bons dos maus objetos, com os conseqüentes 
sentimentos de angústia e culpa. A autora toma desta construção a idéia de um 
supereu materno arcaico que se interporia entre a criança e o espelho e afirma: 
 (...) a imagem de um modelo cujo grau de idealidade impede 
todo comprometimento com o mundo exterior, engendrando um 
sentimento de inferioridade e impotência que imediatamente 
faz deslanchar um processo de inibição. (...) mais que da perda 
do objeto, o sujeito melancólico sofreria de uma identificação 
originária que, através da indiferença ou do fechamento da 
posição materna, retornaria a um supereu ancestral cuja 
transmissão na expressão da falta teria como conseqüência 
invalidar a priori todas as relações humanas. (op.cit, 211). 
 
Em síntese, é a constituição de um eu-ideal que não pode se dar, uma 
vez que o que o sujeito melancólico introjetou não foi um traço, um significante que 
o refere à ordem simbólica, mas um ideal formal, que reduz inteiramente suas 
possibilidade de identificação com alguma imagem ideal de si como objeto para o 
Outro. Lambotte hipotetiza, então, que a ausência desta imagem impele o sujeito a 
deslocar o Ideal do Eu para os objetos exteriores. Recobre-os com os traços de ideal 
visando regressivamente incorporá-los, em busca da reconstrução protética (a qual 
não se efetiva) de sua própria imagem. 
Parece importante salientar que esta autora também distingue a 
melancolia da depressão. O que do lado da melancolia seria o olhar vazio da mãe, 
seu discurso desafetivizado, na depressão corresponderia a um olhar de ódio, e a 
um discurso pontuado de queixas. Assim, a melancolia parece associada à ausência 
de um Ideal de Eu, ou à sua presença formal, arcaica, não metaforizável, ao passo 
que a depressão parece ancorada na presença deste Ideal enquanto traço do 
sadismo do Outro. 
 
 
 
 91 
Algumas articulações com a depressão na gravidez. 
 
Como já apresentado em capítulo anterior (À procura da especificidade 
feminina) crê-se possível articular a depressão na gravidez à dinâmica dos ideais, 
em especial à imagem de um Ideal Materno. 
A depressão na gravidez pode estar referida, então, não necessariamente 
à ausência ou fragilidade de uma imagem de sí (eu ideal) constituída pelo olhar 
materno10, mas à rigidez ou fixidez do ideal do eu. 
O ideal do eu responde pelo estabelecimento da via desejante 
preferencial do sujeito. Compõe-se do conjunto dos significantes que, ao fixar 
imaginariamente o desejo numa certa via libidinal, pacifica a rivalidade dirigida ao 
outro. A função da identificação edipiana é apaziguar essa agressividade 
deslocando a sexualidade (o desejo) para outros objetos que não aquele apontado 
pelo desejo do Outro. E esse deslocamento se faz orientado na via do ideal do eu. 
Assim, ao referir-se a depressão na gravidez à rigidez do ideal do eu 
materno, o filho é tomado como falo e representa a recomposição da imagem 
narcísica da mulher enquanto objeto de amor. O traço do objeto ideal do desejo do 
outro – o ideal do eu – é deslocado para o filho. A prevalência é da relação 
imaginária à maternidade. É nesse sentido que se poderia falar de identificação 
narcísica ao filho. 
Parece possível supor, nestes casos, não necessariamente a presença de 
um supereu arcaico ou sádico, mas de um ideal de eu inflexível. Ao invés da 
ausência de imaginário que caracteriza as estruturas melancólicas, poder-se-ia falar 
de um excesso imaginário, próprio às neuroses, relacionado ao papel materno da 
mulher. Assim, no momento em que o desejo se apresenta organizado em torno da 
demanda de um filho, a pregnância imaginaria do papel fálico desse filho para 
mulher leva à idealização deste objeto, tendo como efeito a identificação do eu 
materno ao objeto filho. Como já apontava Helene Deutsch far-se-ia, assim, um 
deslocamento do ideal do eu para o filho. 
Se o ideal do eu for aqui entendido como traço do desejo do Outro, com 
valor de significante que orienta a construção de uma imagem ideal do sujeito, ter-
 
10 Não se pretende excluir a existência de casos de depressão na gravidez oriundos da estrutura melancólica ou 
depressiva da mulher. Pretende-se, ao contrário, limitar o alcance destas proposições aos episódios depressivos 
ocorridos estritamente em referência à maternidade, cuja ocorrência é possível a qualquer mulher. 
 92 
se-ia uma imagem pouco flexível deste sujeito mulher, onde o ser mãe equivaleria à 
possibilidade de ter o falo através do filho. 
 
Na ocorrência da gravidez real, porém, esta imagem ideal tende a sofrer 
abalos, ou mesmo a perder-se, uma vez que a realidade do filho no ventre, dado o 
complexo de sensações que provoca, pode fazer bascular o objeto fálico de sua 
vertente imaginária, revelando a castração por sua presença real e excedente no 
que diz respeito ao conjunto de sentidos modulados pelo complexo edípico. Isto 
não se daria, no entanto, sem forte carga afetiva. Um filho que participa da fantasia 
da mulher no lugar do objeto fálico, ocupa o lugar do objeto de gozo – fetiche -, 
objeto de sutura da castração materna, conseqüentemente, fonte de horror para a 
mulher neurótica. A presença de um objeto em posição de satisfação do desejo 
incestuoso causa horror, sendo o incesto aqui entendido como a liquidação – 
impossível – do desejo. No plano da narrativa edipiana, seria o desejo de dar o falo 
à mãe, extingüindo assim, no Outro, a castração e o desejo. 
 
 AMARAL (1996) ao analisar, em sua dissertação de mestrado, algumas 
conseqüências clínicas da maternidade para subjetividade feminina, descreve com 
clareza como o filho tomado enquanto objeto de preenchimento fálico pode produzir 
horror: 
(...) é como horror, como insuportável, que a emergência da 
possibilidade da relação incestuosa com o pai é vivida. Isto se 
traduz, no laço com o bebê, através da súbita aparição da 
fragilidade da criança. O corpo do bebê, objetificado, aparece 
em sua dimensão carnal, deserotizada, como passível de ser 
usado, abusado, destruído. Aí emergem as idéias rejeitadas 
com repulsa, de que ‘eu poderia esmagá-lo com as minhas 
próprias mãos’. Isso que escapou ao recalque e surgiu para o 
sujeito como possibilidade, não podendo ser novamente banido 
de seu campo de saber, horroriza e apavora. (1996: 109) 
 
 
 De outro lado, há a vertente em que a mãe se toma, em fantasia, como 
objeto de satisfação para o Outro, representado pelo filho. Mais uma faceta possível, 
no plano fantasístico, do deslocamento do ideal do eu para o filho. Esta também 
pode ser uma fonte de afetos depressivos na gestação. Sua manifestação clínica é 
 93 
permeada pela angústia que, aqui, indica a presença de um objeto (a imagem da 
própria mulher) em posição de garantir o gozo do Outro (representado pelo filho). 
 Lacan articula o que escapa do jogo especular, o que não se reflete na 
imagem narcísica, como objeto a, causa do desejo do sujeito, que buscará 
preencher, através da linguagem, essa falta em sua imagem. É como busca de um 
objeto, o falo, que o desejo se instala para o sujeito. O falo, no entanto, é um 
significante inscritível na linguagem. Quando aspectos do objeto não representáveis 
na linguagem aparecem, o quese tem é angústia. 
Ao colocar o filho no lugar de seu ideal de eu, a mulher o toma como 
Outro, e a si como objeto de gozo daquele. Mais uma vez utilizar-se a a descrição 
feita por AMARAL (1996) quanto à este quadro: 
Ela [a mulher], que demandara ter um filho para 
suturar a falta que reconhecia em si, vê-se, ela própria, 
demandada por aquilo que ambicionara ter(...) Este filho é 
agora tomado como pólo de todas as demandas irrecusáveis a 
que o sujeito–mulher deve responder. Isto se apresenta na 
clínica como uma perda-de-si irreversível, irreparável.11 Algo 
exige sem nomear o que quer. É a reinstauração massiva 
deste Che vuoi? Insaciável que remete à perspectiva de 
extinção, esgotamento, desaparecimento do sujeito-mulher. 
(1996:111). 
 
 
 Sublinhou-se os sentimentos de perda irreparável e irreversível de si, 
pois parecem corresponder ao que Freud designou quanto a melancolia através da 
formulação de que a sombra do objeto recai sobre o eu. Essa descrição 
corresponde, também, àquela feita por Helene Deutsch quanto às mulheres que 
adoecem e/ou tornam-se feias na gravidez, pelo efeito superegóico que a imagem 
do filho exerce sobre elas. Outra manifestação desta tomada de si mesmas como 
objetos de gozo do filho, por parte de algumas mulheres, pode ser observada na 
rigidez com que são consideradas as tarefas de cuidado do bebê, transformadas 
assim em árduas batalhas. Em relação à amamentação, por exemplo, é freqüente 
escutar-se ditos referentes a um sentimento de aprisionamento, de opressão que a 
função de aleitamento promoveria. Parece possível que tais afirmações se 
inscrevam na cadeia das idealizações das funções maternais, o que as enrijece, 
tornando-as pouco metaforizáveis. 
 
11 Grifo da autora 
 94 
A queda, então, deste ideal imaginário da posição materna, exigiria da 
mulher um forte trabalho de luto, o qual poderia manifestar-se pela dor e até por 
certa inibição característica deste trabalho elaborativo, tomando o quadro o aspecto 
deprimido. 
 
 Fica evidenciado que o filho para mãe, nesta formulação, se inscreve na 
vertente que vai do narcisísmo ao objeto fálico, até sua queda ou revelação como 
alteridade. Esta queda, ou perda imaginária - seja do filho como falo, seja da mãe 
como falo do filho - levaria, na melhor das hipóteses, ao luto, o qual permitiria à 
mulher reinvestir seu papel de mãe, fora dos cânones de qualquer ideal, mas no 
amor de objeto a esse outro sujeito, estranho, porém seu filho. Esta tomada do filho 
como unheimliche - estranho – talvez represente a concepção do filho na 
perspectiva feminina tal como apresentada por Lacan – fálica mas não-toda. É o que 
se pretende desenvolver no próximo capítulo. 
 
 
A dor psíquica, um trabalho de objeto. 
 
A presença de dor psíquica nos casos de melancolia, de depressão ou no 
de luto, conduziu esta pesquisa a uma breve abordagem deste tópico, 
especialmente pelo que ele pode revelar da relação do sujeito ao objeto. 
A questão da dor interessa a Freud desde suas primeiras elaborações 
como se pode observar em sua correspondência a Fliess. Nas abordagens que faz 
da melancolia e do luto, deixa sempre sublinhada a necessidade de compreensão 
metapsicológica dos processos de dor como condição para o entendimento mais 
amplo daqueles fenômenos. A concepção da dor apresentada no Projeto vai 
percorrer toda sua obra, “(...)a dor consiste na irrupção de grandes Qs [quantidades 
de energia] em psi”. (FREUD, 1977: 408-409). A idéia subjacente é de que o 
ultrapassamento de certos limites, estabelecidos pelas experiências precoces de 
desprazer, são percebidas como dor. Desde trabalhos como o Rascunho G de 1895, 
até o Adendo C de Inibição Sintoma e Angustia de 1926, passando por Luto e 
Melancolia de 17, mesmo com as modificações de suas concepções quanto à tópica 
do aparelho psíquico, e com a complexificação da dinâmica de funcionamento deste 
aparelho, o processo econômico básico relativo à dor permanece entendido como 
 95 
ultrapassagem de limites, acarretando um excesso de carga libidinal diante da 
impossibilidade de inscrever como representações certos aportes do real, 
incompatíveis com o funcionamento homeostático do aparelho psíquico. 
 
No trabalho de 26, Inibição Sintoma e Angústia, em seu Adendo C, 
FREUD (1976l) traz importantes distinções quanto às relações entre a dor, a 
angústia e o luto. A questão que orienta sua reflexão diz respeito às condições em 
que a perda de objeto produz angústia e às condições em que produz dor (neste 
momento a dor é correlativa ao luto). Todo desenvolvimento é feito no sentido de 
mostrar que não se encontrará diretamente na perda do objeto a explicação nem de 
um, nem de outro. A dor é uma reação à perda do objeto, enquanto a angústia é 
uma reação ao perigo da perda. Freud compara os processos implicados na dor 
física, onde é suposta uma hipercatexia das representações egóicas da parte doente 
do corpo, com a dor psíquica. Reafirma que as condições econômicas de ambas são 
as mesmas. No entanto, no que diz respeito ao campo psíquico, separa dor e 
angústia, referindo esta última ao investimento narcísico, e a dor à relação com o 
objeto. 
Uma representação de objeto que esteja altamente 
catexizada pela necessidade instintual [pulsional] desempenha 
o mesmo papel que uma parte do corpo catexizado por um 
aumento de estímulo. A natureza contínua do processo catexial 
e a impossibilidade de inibi-lo produzem o mesmo estado de 
desamparo mental. Se o sentimento de desprazer que então 
surge tem o caráter específico de dor (um caráter que não 
pode ser descrito mais exatamente), em vez de manifestar-se 
na forma reativa de ansiedade [angustia], plausivelmente 
podemos atribuir isso a um fator do qual ainda não fizemos 
suficientemente uso em nossas explicações – o alto nível de 
catexia e ‘ligação’ que predomina enquanto ocorrem esses 
processos que conduzem a um sentimento de desprazer. 
(FREUD, 1976l: 197). 
 
No rascunho G, entretanto, Freud apresentara uma perspectiva da dor 
como relacionada ao desligamento associativo ou ao desinvestimento libidinal que 
aparentemente se opõe a esta última definição da dor como continuidade da catexia, 
ligação com alto nível de investimento, caracterizando um certo modo de fixação. A 
contradição é só aparente se se entender que o alto nível de catexia de uma 
representação implica o redirecionamento de todos os investimentos laterais para 
essa representação em foco. Esta concepção parece mesmo sustentável como 
 96 
explicação da dor, pois pode-se observá-la também em situações de investimento 
amoroso sem perda de objeto. Expressões do senso comum como “amo tanto que 
chega a doer” parecem corroborar esta hipótese. 
 
Discutir-se-á, a seguir, o tratamento dado por Lacan ao Adendo C, 
quando o aborda em seu seminário sobre a Angústia (1996). A partir desta leitura 
lacaniana examinar-se-á algumas proposições teóricas trazidas por Nazio quanto a 
este mesmo adendo freudiano referente à angústia, à dor e ao luto. 
 
No seminário proferido durante os anos de 62 e 63, ao buscar rigorizar o 
conceito de objeto a, LACAN (1996) trabalha, em vários momentos, com a teoria 
freudiana do luto, destacando da noção de perda de objeto os diferentes estatutos 
do objeto na teoria psicanalítica. Parece necessário, aqui, que se retome alguns 
aspectos do conceito de objeto tal como propostos na teoria de Lacan. Este é 
abordado numa tripla dimensão: enquanto objeto imaginário do estádio do espelho, 
gestalt antecipatória de uma imagem de si, de um eu; como objeto simbólico, objeto 
perdido da teoria freudiana, sobre cuja ausência se constrói, via linguagem,o desejo 
inconsciente; e como objeto a, resto da operação simbólica, real inassimilável às 
outras duas posições, porém condição lógica dos dois outros modos de 
comparecimento do objeto. A ênfase dada por Lacan à estrutura linguageira do 
inconsciente e do desejo se ancora na separação radical entre o objeto da 
necessidade e o objeto do desejo. Separação que este autor destaca na obra de 
Freud com o conceito de Das Ding forjado no Projeto (FREUD, 1977). 
 A proposição mais inovadora, no entanto, foi o conceito de objeto a. Sua 
concepção se liga à operação de constituição subjetiva na linguagem. Ao 
estabelecer a linguagem como campo de surgimento subjetivo será necessário forjar 
alguma materialidade à causa ou razão desta subjetividade. Lacan constrói este 
conceito para representar o resto, o vazio, o por-vir, a falta de uma última palavra 
quanto à razão subjetiva, funcionando simultaneamente como seu limite e causa. 
Além das acepções de vazio e resto, o objeto a é destacável no movimento 
pulsional, como miríade de objeto, “estilhaços” de objeto aos quais não se reduz. 
Nesta vertente, descreve-se como partes destes estilhaços os primeiros objetos 
(parciais) delineados no jogo de demandas entre a criança e mãe, através dos 
corpos de ambas (BAUDRY, 1996). 
 97 
No seminário de 62-63, então, Lacan teorizará a angústia como ligada à 
esse objeto – o objeto a –, sua presença indicando a separação entre o movimento 
do desejo e a possibilidade de gozo. Se a angústia é sempre de castração como 
constatou Freud em Inibição Sintoma e Ansiedade [Angústia], e se esta é estrutural 
na fundação da subjetividade, a presença do objeto a indica, simultanemante, a 
vinculação do desejo do sujeito às demandas do Outro inscritas na linguagem, e a 
impossibilidade de satisfazê-las todas, resultando na impossibilidade de chegar à 
razão última da própria subjetividade. 
No plano da constituição subjetiva, a imagem narcísica do sujeito, suporte 
de uma estrutura gramatical mínima – a fantasia – liga o desejo do sujeito ao Outro, 
é uma primeira configuração de si como objeto. Esta imagem afasta a angústia 
proveniente do desordenamento pulsional original, orientando-o em relação a uma 
demanda proveniente do Outro. Como tal imagem não responde pela totalidade da 
subjetividade, o que dela resta não simbolizável permanece como objeto a, causa de 
desejo para o sujeito. 12 
 
Ainda neste seminário Lacan retoma o Adendo C utilizando-se da 
distinção entre as noções de objeto narcísico e objeto a, para estabelecer a 
diferença entre o trabalho do luto e a melancolia. Segundo ele, o árduo trabalho do 
luto sobre cada traço do vínculo com o objeto perdido reflete a busca de restauração 
do vínculo fundamental entre sujeito e objeto, ou seja, a reconstituição da relação 
entre a imagem de si como objeto e a falta estrutural a partir da qual o desejo se 
organiza. Em suas próprias palavras: 
O problema do luto é o da manutenção dos vínculos 
por onde o desejo esta suspenso, não do objeto a (...) senão 
de i(a), pelo qual todo amor, enquanto este termo implica a 
dimensão idealizada que expressei, está estruturado 
narcisicamente. (1996: sessão de 3/7/63). 
 
 
12 No seminário R.S.I., LACAN (1990) descreve a angústia como provocada pela invasão de real no imaginário. 
Essa retificação da teorização sobre a angústia postulada em R.S.I. é devida a ampliação das articulações teóricas 
de Lacan relativas ao conceito de objeto a . Enquanto no seminário A Angústia a ênfase se dá sobre a vertente do 
objeto como resto da operação simbólica, índice, portanto, da castração, em R.S.I. a tônica recai sobre seu papel 
de nodulador dos registros simbólico, imaginário e real, com os quais opera o psiquismo humano. Esta pesquisa 
centra-se nas proposições teóricas apresentadas no seminário 10 (A Angústia) tanto em função da ênfase que traz 
quanto a posição do objeto relativamente à castração, como pelo tratamento que Lacan dá, alí, ao objeto no 
trabalho do luto e na melancolia. 
 98 
 Já na melancolia, Lacan aponta tratar-se de um ataque à própria 
imagem visando, porém, o objeto mas enquanto objeto a. A perda a que se refere o 
melancólico é a perda fundamental da subjetividade. O melancólico parece 
capturado no logro que representa a imagem narcísica. Atacando a própria imagem 
visa atacar a inconsistência (ou perda) fundamental do objeto do desejo. 
 
Juan David NASIO (1997), em seu trabalho denominado O Livro da Dor e 
do Amor, ao discutir o problema da dor psíquica debate as formulações de Freud em 
Luto e Melancolia, à luz das observações trazidas pelo Adendo C, e pelas 
formulações lacanianas conforme apontadas acima. 
O autor faz, inicialmente, uma distinção entre sofrimento e dor, e opta por 
esta última como um fenômeno de maior precisão para o debate metapsicológico. 
Considera a dor como afeto limite, indicador, para consciência, de uma tensão 
pulsional que ultrapassou os níveis de prazer-desprazer que garantiam a 
homeostase no funcionamento do aparato psíquico. A dor seria a expressão de uma 
percepção endopsíquica. Seguindo as indicações freudianas, Nasio propõe uma 
leitura onde a dor mais do que referida à perda, se relaciona ao trabalho de luto. 
Constata com Freud que o que provoca a dor é o intenso direcionamento da libido 
para os traços representativos do objeto, etapa prévia ao desligamento libidinal 
destes. Nas palavras do próprio autor, “A dor não é pois dor de perder, mas de 
apertar fortemente demais os laços com a representação do outro ausente.” (op. cit 
p.166). Por seu caráter de elemento de passagem entre um investimento objetal a 
ser desfeito e outro por vir, a dor recebe no trabalho de Nasio o estatuto de objeto 
pulsional. 
 
Esta proposição teórica parece útil para que se compreenda a dor na 
gestação como um afeto indicativo da mudança na qualidade do vínculo da 
subjetividade da mãe em relação ao filho como objeto, conforme se buscará discutir 
adiante. 
 
Quanto aos objetos que podem provocar dor quando de seu 
desaparecimento, Nasio os qualifica como aqueles cuja presença “nos assegura a 
indispensável insatisfação” (op.cit, p.36), designação do objeto a teorizado por 
Lacan. A ameaça de sua perda é fonte de angústia, enquanto a efetivação de sua 
 99 
perda provoca dor. Segundo Nasio, os objetos cuja perda parece insubstituível são 
aqueles cujos traços se identificam aos de um outro primitivo, suporte da alteridade, 
através do qual o sujeito se constituiu como efeito suposto de seu desejo (do Outro). 
Ainda segundo Nasio, apoiado na teoria lacaniana da fantasia, o objeto cuja perda 
causa dor é aquele que sustenta a fantasia, o Outro a quem o sujeito falta. Em suas 
próprias palavras: 
“O que se perde com a morte do ente querido é, 
primeiro, a imagem de mim mesmo que ele me permitia amar. 
O que perdi, antes de tudo, é o amor a mim mesmo, que o 
outro tornava possível. Isso significa que o que se perde é o eu 
ideal, ou mais exatamente o meu eu ideal ligado à pessoa que 
acaba de desaparecer. (...) Ele não era meu eu ideal, mas o 
suporte real desse eu.” ( opus cit, p. 163). 
 
 
Para Nasio, a identificação ao objeto perdido seria o terceiro passo do 
trabalho do luto. O autor tende a não tratar a identificação narcísica ao objeto como 
um processo patológico em si. Considera que somente quando esta identificação “se 
dissemina pelo conjunto do eu e se cristaliza sob a forma de uma identificação 
congelada com a imagem do objeto perdido” (op.cit, p.168) o resultado será um luto 
patológico. 13 
 
Seguindo estas indicações de Nasio, poder-se-ia supor que, na gravidez 
desejada, a dor esteja relacionada ou àqueda do filho enquanto objeto fálico, ou à 
queda da mãe enquanto objeto fálico para o filho. Este ponto será desenvolvido no 
próximo capítulo. 
 
O recurso à teoria lacaniana relativa aos diferentes estatutos do objeto 
parece necessário à clarificação da relação da subjetividade materna ao filho como 
objeto. Em seu Seminário 20, Lacan parece privilegiar a vertente de objeto a do filho 
 
13 Cabe sublinhar que Nasio trata o luto patológico como característico da melancolia em oposição 
ao luto normal. Não diferencia o luto patológico como cartacterístico da neurose obsessiva, em oposição a 
melancolia , separação que corresponderia melhor ao texto freudiano. 
LAPLANCHE, trabalhando também sobre o luto e a melancolia em seu seminário a Angústia, 
afirma: “Esquematicamente, tem-se no luto: perda de objeto; no luto patológico: perda de objeto mais 
ambivalência, mas sem identificação com o objeto perdido; na melancolia, os três elementos: perda de objeto, 
identificação e ambivalência.” (1987: 308). Embora correspondendo efetivamente à distinção teórica 
estabelecida por Freud, clinicamente é possível observar-se a identificação ao objeto perdido, também no luto. 
 
 100 
para a mãe. Afirma: “Para esse gozo que ela [a mulher] é, não-toda, quer dizer, que 
a faz em algum lugar ausente de si mesma, ausente enquanto sujeito, ela 
encontrará como rolha esse ‘a’ que será seu filho” (LACAN, 1985: 49). Apesar de 
um certo mal gosto na metáfora utilizada – “rolha” - Lacan parece designar ao filho o 
lugar do objeto que pode responder pelo recentramento da mulher no campo do 
gozo fálico. Como objeto a o filho é, porém, simultaneamente causa de desejo da 
mulher e resto não simbolizado de seu desejo. Nesta última vertente o filho pode 
remete-la para além do gozo fálico. 
Se se tomar, no entanto, a vertente imaginária do filho como objeto fálico, 
seu papel será de garantir a unidade narcísica, a imagem fálica da mulher. Poder-
se-ia dizer que a imagem narcísica da mulher enquanto mãe se constrói tanto em 
referência aos traços de identificação à sua mãe como em referência ao filho. A não 
aceitação da castração materna e/ou a permanência de uma relação rivalitária à 
própria mãe, pode levar a uma intensificação da relação imaginária ao filho como 
fonte de traços narcísicos para mulher. Esta última pode cristalizar-se em afirmações 
tais como, “eu, como mãe, sou o que falta a este filho”. Proposição extremamente 
perigosa, mas presente no imaginário feminino. A não relativização desta imagem 
pode responder pela dor de muitas mulheres grávidas quando se sentem como não 
estando “à altura” de ocupar este lugar materno. 
 
 
 101 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Estranhas Entranhas 
 
 
 
O terceiro anjo brotou entre meus galhos 
meu corpo feito árvore, madeira de barco. 
Anjo esperado, logo um homem, 
dramaticamente um homem, mas meu filho. 
 
Meu corpo foi barco, meu sangue foi pasto, 
mas teu olho que me encara busca a vida. 
Não tenho respostas: tenho, como tu, homem 
menino, 
todas as perguntas, e a estranheza de ser 
porto de repouso, e ponto de partida. 
 Lya Luft1. 
 
1L. LUFT (1984: 103) Mulher no Palco. 
 102 
Um corpo estranho 
 
 
A condição de desconhecido do objeto real filho e sua gestação na 
intimidade do corpo da mulher, podem ser fonte de estranhamento e angústia. A 
evocação da idéia de um corpo estranho não parece distante daquilo que as 
mulheres experimentam em alguns momentos da gravidez. É na série do 
estranhamento despertado pela presença do filho como objeto, realidade corporal 
estranha, porém entranhada no corpo e no eu materno, que se pretende tratar, aqui, 
dos afetos depressivos durante a gestação, portanto, como o estranho/familiar - 
unheimliche – freudiano. 
Interessante notar que mesmo no campo da imunologia o feto enquanto 
corpo estranho em relação ao corpo materno se reveste de uma estranheza 
peculiar, desafiando as regras usuais de reatividade imunológica. Como afirmam 
VAZ e FARIA, “Cerca de 25% das mulheres primigravídicas desenvolvem 
anticorpos IgG dirigidos a epitopos do HLA fetal. Estes anticorpos, em presença de 
complemento, podem lisar celulas fetais in vitro, mas não são citotóxicos in vivo” 
(1993: 199). Embora reconhecendo a impropriedade metodológica de articular-se 
hipóteses de um campo teórico sobre outro, é quase inevitável supor-se que o 
sistema orgânico vivo da mãe pode “reconhecer” de algum modo este corpo 
estranho filho, inibindo a reação a ele. O que corrobora a idéia do filho gestado como 
um estranho/familiar. 
 
Na psicanálise, campo de eleição preferencial deste livro, as questões 
relativas ao corpo exigem alguns estabelecimentos prévios. Qual o corpo que a 
psicanálise aborda? -O corpo erógeno, pulsional, circunscrito pela linguagem. O que 
significa um corpo desenhado por experiências de prazer/desprazer recobertas de 
sentidos e significações oriundas inicialmente do meio e, posteriormente, tomadas 
como referenciadoras da particularidade subjetiva. 
A presença do filho no corpo da mulher grávida, exige sua presença na 
subjetividade2. Nada que é do corpo acede, porém, ao psiquismo sem mediação da 
 
2 Segundo LERENA (1997), pesquisas no campo da genética têm demonstrado que somente 25% das 
fecundações em humanos resultam em gravidezes. Em tôrno de 75% são abortadas espontaneamente, antes 
mesmo da nidação, portanto, sem que sejam claramente percebidas pelas mulheres. As causas destes abortos 
precoces são muito variadas e de difícil pesquisa. Contudo, algumas hipóteses podem ser levantadas mesmo no 
 103 
linguagem. A construção simbólica do filho como objeto de desejo da mulher se 
inicia muito antes da concepção daquele, e embora a extensão desta construção 
possa perdurar ao longo da existência de ambos (mãe e filho), uma primeira fase 
desta construção parece só se concluir com o nascimento, quando a mãe pode 
defrontar-se com um sujeito real, invariavelmente diferente daquele imaginarizado 
antes e/ou durante a gravidez, processo que culmina (ou não...) numa adoção 
verdadeira deste pequeno outro como objeto de amor. 
Durante a gestação, porém, é na condição de mesmo e de outro que o 
filho se situa no corpo materno, simultaneamente, familiar e estranho. Embora esteja 
se desenvolvendo no corpo da mãe, é ali, também, um alheio, estrangeiro, um 
alienante do corpo materno. As acepções do verbo alienar, na lingua portuguesa, 
parecem oferecer uma boa visão do estatuto do corpo da mulher quando em 
gestação de um filho. Segundo FERREIRA alienar significa “1.Transferir para outrem 
o domínio de; tornar alheio; alhear(...) 2. Desviar; afastar(...) 3. Indispor; 
malquistar(...) 4. Alucinar; perturbar(...) 5. Desviar; apartar (...) 6. Enlouquecer; 
endoidecer; alhear-se.” (1975: 69-70). O corpo da mulher durante a gravidez se 
torna, ao menos parcialmente, um corpo cedido a outrem, e, por vezes, 
enlouquecido por esse outro. 
Algumas metáforas usadas no campo da saúde incidem negativamente 
sobre este sentimento de estranheza promovendo um aspecto ameaçador da 
experiência de gestação. Na tentativa de salientar a necessidade de alguns 
cuidados especiais com a saúde do organismo da gestante é ressaltado o caráter 
relativamente compulsório com que o feto, para seu desenvolvimento, se utiliza das 
“reservas” maternas ( hormônios, vitaminas etc...). A ênfase na atenção da mulher 
às suas próprias necessidades orgânicas é feita, por vezes, aprofundando o 
sentimento de que o bebê (o feto) estaria “retirando”,“roubando”, “utilizando-se 
egoisticamente” do corpo da mãe. 
 
É necessário sublinhar, no entanto, que no psiquismo o corpo próprio só 
se apresenta como imagem e como exigência de trabalho ou pulsão. Assim sendo, o 
 
campo das produções teóricas sobre o psiquismo. Parece necessária uma sorte de percepção endopsíquica e um 
imediato investimento narcísico neste “corpo estranho” - o embrião – para que possa ser tomado, pelo eu 
materno, como “corpo próprio”. 
 104 
corpo real já é fonte de estranhamento independente da presença desse outro corpo 
– o do filho – cuja presença implica em mais estranhamento. 
O fato de, na gestação, a mulher ver-se alheada parcialmente de seu 
corpo, pode promover um efeito, no imaginário, semelhante ao da experiência 
especular onde o sujeito se percebe apenso ao desejo do outro. Os efeitos 
agressivos e rivalitários desta experiência serão mediatizados quando o desejo do 
filho estiver lastreado além dele próprio e das referências narcísicas da mãe. Dito de 
outro modo, ceder o corpo a um outro – o filho – pode não ser uma experiência de 
perda para mulher quando este filho é um dom recebido e retribuído a um homem – 
o parceiro – aquele por quem a mulher foi desejada na sua condição de semblante 
de objeto causa de desejo, e amada. Algumas vezes, porém, não é como amada 
que a mulher gesta um filho e, ainda assim, cede amorosamente seu corpo a ele, o 
que indica que, mesmo nestas circunstâncias, esse filho foi considerado um dom do 
Outro. 
 
 As relações entre o que é relativo ao corpo e suas implicações no eu, 
foram tratados por Freud em vários momentos de sua obra; aqui serão destacados 
seus apontamentos na segunda tópica . Em O Ego e o Id (1976e), Freud atribui ao 
corpo o estatuto de objeto por excelência, através do qual o eu se funda. No campo 
dos objetos perceptíveis, especialmente graças às experiências táteis, o corpo 
próprio tem lugar privilegiado por oferecer ao aparelho psíquico sensações de duas 
espécies: de interioridade e de exterioridade. Nesta segunda tópica freudiana, o eu, 
instância psíquica mediadora da busca de satisfação das moções pulsionais e das 
exigências culturais fixadas em ideais, se organiza (se forma) a partir de uma 
projeção ideativa ou mental do corpo, não como corpo biológico, mas como 
antecipação gestáltica de uma superfície limite entre externo e interno. A matéria 
sob a qual se constrói esta superfície é tratada, no texto que ora se aborda, como 
pulsão associada à linguagem. Freud discute a formação do eu à partir do id, sede 
das pulsões, como “(...) aquela parte do id que foi modificada pela influência direta 
do mundo externo, por intermédio do [sistema] Pcpt-Cs(...) (1976e: 39), ou seja, 
como transformação da pulsão em percepção (interna), inserida no sistema de 
sentido por sua participação na linguagem; conjunto de traços das primeiras 
experiências de objeto; experiência de objeto enquanto reflexo da experiência de 
sujeito promovida pelas pulsões. O corpo – seja como imagem, seja como fonte de 
 105 
sensações – dá conformação ao eu. Freud afirma neste artigo que o eu é “primeiro e 
acima de tudo um ego corporal “(op.cit p. 41). 
 
No desenvolvimento do conceito de objeto algumas linhas se mantêm 
vigorando desde os primeiros esboços desta noção no Projeto..., até as obras 
posteriores a 1920. A dupla vertente do objeto – coisa e atributo – bem como seus 
efeitos no psiquismo – exigência de trabalho e trabalho de vinculação, 
respectivamente – fora esboçada em 1895 e depois retomada no capítulo IV de 
Além do Princípio do Prazer, de 1920. 
No Projeto..., o ego é postulado como uma organização entre neurônios 
catexizados, criada pelas experiências primitivas de satisfação e dor, cuja função é 
orientar as novas excitações através das facilitações e inibições. O objeto aparece, 
ali, como o que se constrói entre o traço de memória (neste momento, representado 
como catexia num grupo de neuronios) e a percepção, possibilitando ou não a 
descarga. 
 Assim, tanto os traços do complexo perceptivo, como do complexo 
mnêmico, passam pelo processo de juízo afim de que a descarga possa ser 
autorizada. Nas palavras de FREUD: 
Assim, juízo é um processo “psi” que só se torna 
possível graças à inibição exercida pelo ego e que é evocado 
pela dissemelhança entre a catexia de desejo de uma 
lembrança e uma catexia perceptiva que lhe seja semelhante. 
Daí se deduz que a coincidência entre essas duas catexias se 
converte num sinal biológico para pôr fim à atividade do 
pensamento e iniciar a descarga. Quando as duas catexias não 
coincidem, surge o impulso para a atividade do pensamento, 
que voltará a ser interrompida pela repetição da coincidência. 
(1977: 434). 
 
 
Quanto ao complexo do objeto, seja o da memória, seja o da percepção, 
sua conformação implica em partes estáveis (coisa) e partes cambiáveis (atributos). 
O julgamento só sendo dirigido às segundas. Freud descreve três confrontos 
possíveis entre a memória e a percepção, numa situação d0e desejo: uma primeira, 
onde haveria identidade entre ambas, a segunda, onde a parte núclear 
permaneceria idêntica restando o trabalho de encontrar possíveis identidades nas 
partes variáveis e, finalmente, a terceira situação onde não haveria nenhuma 
identidade entre os traços do objeto percebido e aqueles da satisfação primeva 
 106 
transformados em memória. Freud destaca o maior ganho psíquico neste último 
caso, por implicar em mais trabalho (maior produção de pensamentos) no sentido de 
buscar vias de identidade que permitam a descarga da tensão do desejo. Parece 
possível pensar-se que o filho gestado (especialmente o primeiro) se encontra para 
subjetividade da mãe nesta terceira categoria, dado o caráter totalmente inusitado 
desta experiência, e sua profunda implicação no corpo/eu da mulher. 
 
No trabalho de 1920, a temática da constituição dos objetos no psiquismo 
é retomada no contexto da reteorização das pulsões em pulsões de vida e pulsão de 
morte. Para fundamentar a pulsão de morte, FREUD (1976c) busca expandir, aos 
limites, as possibilidades de regência do psiquismo pelo princípio do prazer. Nesta 
via, reafirma o psíquismo como um aparato cuja competência essencial é a da 
vinculação de estímulos (externos e internos), e no qual as experiências como as 
dos sonhos traumáticos, dos jogos de repetição infantis e da própria transferência, 
indicam a repetição como meta, independente do princípio do prazer. Nestas 
experiências se observa o limite do sistema de vinculação. A repetição - sempre 
idêntica – revelando a pouca possibilidade de ligação (e, conseqüentemente, de 
descarga), ou, o mínino de vinculação fazendo tela à angústia da desorientação 
frente a irrepresentabilidade das forças que acossam o aparelho. No polo oposto 
encontra-se a pulsão e seu “influxo de energia” inundando o aparelho e exigindo o 
máximo de vinculação, em cuja ausência sobrevém, também, a angústia. Esta última 
está, portanto, nos dois polos de funcionamento do aparelho psíquico. FREUD 
esclarece este processo nos seguintes termos: 
(...) Quanto mais alta a própria catexia quiescente do 
sistema, maior parece ser a sua força vinculadora; 
inversamente, entretanto, quanto mais baixa a catexia, menos 
capacidade terá para receber o influxo de energia e mais 
violentas serão as conseqüências de tal ruptura no escudo 
protetor. (1976b: 46). 
 
Como afirma CORRÊA (1994) em seu artigo Revisão do Conceito de 
Objeto em Psicanálise, as experiências como as dos sonhos traumáticos, dos jogos 
de repetição infantis “abrem caminho parao estudo de formações cujo estatuto, 
entre coisa e objeto, entre corpo e psiquismo, não se confunde com as formações do 
inconsciente.” (1994: 23). Para que o filho possa, então, ser compreendido numa 
 107 
perspectiva que ultrapasse a de um sintoma da mulher, a noção de objeto como 
portador de um núcleo resistente à representação parece de grande valia. 
 
LACAN (1988), em seu seminário sobre a ética da psicanálise, retoma 
esta vertente do objeto – a coisa, Das Ding – e salienta sua posição de exclusão e 
seu papel imantador, nuclear na constituição de todo movimento desejante pelo qual 
se caracteriza o aparelho psíquico. Sendo a coisa a parte do objeto que não suscita 
pensamento, sua localização é anterior à ordenação da subjetividade em torno da 
busca de repetição das experiências de satisfação. Assim, sua retomada no plano 
do desejo o ressitua como objeto a ser reencontrado, porém impossível. Nas 
palavras de Lacan: 
 (...) o Ding é o elemento que é, originalmente, 
isolado pelo sujeito em sua experiência do Nebenmensch 
[semelhante] como sendo, por sua natureza, estranho, Fremde. 
(...) 
O Ding como Fremde, estranho e podendo mesmo 
ser hostil num dado momento, em todo caso como o primeiro 
exterior, é em torno do que se orienta todo encaminhamento do 
sujeito. (...) 
O mundo freudiano, ou seja, o da nossa experiência 
comporta que é esse objeto, das Ding, enquanto o Outro 
absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar. (1988: 68-69). 
 
 
É bem verdade que Lacan retoma esta noção apresentada no Projeto... 
para com ela distinguir uma das vertentes do objeto, a de objeto causa de desejo. 
Parece possível, no entanto, considerar-se que um filho ocupa, enquanto objeto da 
subjetividade da mãe, um lugar de substituto privilegiado de Das Ding. O próprio 
Lacan destaca este privilegio do objeto- filho para mulher, como se pode observar na 
citação apresentada na página 99. 
Em sua tese de doutoramento, A experiência do excesso – por uma 
revisão da loucura dos artistas, CORRÊA (1998) ressalta o importante passo de 
Lacan, no seminário sobre a Ética da Psicanálise, quando, analisando a noção de 
das Ding, o propõe não só como núcleo irrepresentável - núcleo coeso - mas como 
núcleo afetado pelo significante, tornando-se, neste sentido, causa, empuxo à 
representabilidade, na linha proposta por Freud em mais Além do Princípio do 
Prazer. 
 108 
Acredita-se que o trabalho de elaboração que um filho objeto de desejo 
traz à subjetividade materna encontra-se na categoria descrita acima. Todas as 
construções mentais que a mãe possa fazer quanto ao filho gestado (e mesmo o 
nascido) ou quanto a si como mãe serão díspares em relação às suas experiências 
primárias, exigindo intensa elaboração psíquica, uma vez que a maternidade não se 
constitui, exclusivamente, como uma experiência de satisfação, mas, especialmente, 
como uma experiência de total reorganização subjetiva. 
Além disso, não é só como alienante que o filho ocupa o corpo da mãe. É 
luminosa e indescritível a alegria com a qual esta experiência pode ser vivida. 
Acredita-se que isto se deva não só ao fato da mulher estar gerando um 
complemento fálico - o que restringiria este afeto a um prazer narcísico - mas, ao 
saber que o filho gerado pode ser tomado como outro, como diverso, e, portanto, 
exigência de vida ao corpo e à subjetividade materna. O acesso a essa alegria pode 
passar, no entanto, pelo susto, a dúvida, o estranhamento, que fazem bascular o 
filho de sua posição fálica em relação a subjetividade materna. 
Se o corpo é em princípio potência (e não força pré-direcionada), cujas 
possibilidades de produção estão nele sob a forma de virtualidades e cuja 
presentificação reordena (ou renova) toda a subjetividade (BORGES 1996), a 
recepção destes adventos parece comocionar inevitavelmente o sujeito em questão. 
E o estranhamento parece ser uma das faces desta comoção. 
Resta ainda discutir-se como esse complexo objetal – o filho – pode ser 
fonte de estranhamento e como isto pode produzir dor ou um afeto deprimido. 
 
 
Estranhos afetos 
 
A questão do afeto é delicada e fundamental, no campo psicanalítico. Sua 
abordagem não corresponde às concepções psicológicas dos afetos, nem dos 
sentimentos. Na teoria psicanalítica a análise do afeto se faz vinculada à 
sexualidade. Mesmo antes de ser compreendida pela metapsicologia como 
elemento pulsional, seu tratamento esteve ligado a um raciocínio econômico relativo 
à sexualidade e à formação de sintomas. O afeto está mais ligado à idéia de 
transformação do que de expressão. Isto pode ser observado desde as concepções 
de 1895, no Projeto, onde as experiências de prazer e desprazer são concebidas 
 109 
como delimitando a complexificação do aparelho psíquico, até as proposições de 
1926, quando a angústia é concebida como afeto por excelência, “sinal” indicativo, 
retroativamente, da história das construções sintomáticas e transformações 
subjetivas. 
O afeto foi tratado nos artigos metapsicológicos como um representante 
pulsional paralelo ao representante ideativo, responsável pela transformação em 
consciência da parcela quantitativa da pulsão não associada aos traços de 
palavras. Na discussão que FREUD faz sobre o tema, no artigo O Inconsciente, 
parece deixar clara a sua conexão com a instância da consciência. Indica, ali, que 
pensar o afeto como inconsciente seria incompatível com a sua função psíquica, 
qual seja, a de revelar, na consciência, a pressão pulsional. Reafirma ainda esta 
posição em O Ego e o Id. 
Outro aspecto importante quanto à questão do afeto é que, na 
psicanálise, este esteve sempre associado à angústia. De modo sintético poder-se-
ia afirmar que em grande parte da obra de Freud a angústia esteve articulada à idéia 
de transformação da libido quando represada a sua satisfação. Na segunda tópica, 
porém, uma outra concepção se configura, paralelamente a esta. A angústia como 
afeto fundamental - experimentada no nascimento através do sentimento de 
desamparo - passa a ser o protótipo das experiências de angústia subseqüentes. 
Em Inibições, Sintomas e Ansiedade [Angústia] (1976l) Freud faz uma diferença 
entre angústia automática e angústia como sinal, correspondendo a primeira à 
manifestação ou reação do eu diante de um afluxo pulsional intenso cujo 
ordenamento pela linguagem, fornecedor de sentido no plano da consciência, fosse 
difícil ou impossível. A segunda (angústia como sinal), ainda como uma reação do 
eu, teria a função de deflagrar movimentos defensivos que pudessem impedir o 
desenvolvimento da angústia e o conseqüente colapso das funções do eu. Como 
Freud sempre insistiu que todo desenvolvimento da sexualidade e, portanto, do 
desejo inconsciente, estavam ligados à angústia de castração (perda dos 
representantes fálicos), a angústia do nascimento ou desamparo toma valor, 
retroativamente, como experiência afetiva que se reedita na angústia de castração. 
 
Já em LACAN a questão do afeto é tratada exclusivamente como 
angústia. Em seu seminário de 62/63 A Angústia (1996), afirma que a angústia é a 
experiência essencial do sujeito em relação à sua contingência na linguagem, sendo 
 110 
também, portanto, o cerne da experiência psicanalítica. Lacan considera, neste 
seminário, que a angústia é o afeto evocado quando uma imagem subjetiva (imagem 
do sujeito como objeto do gozo do Outro) resiste à sua queda, frente à pressão 
pulsional que insiste na exigência de novas representações. Ainda em reparo à 
proposição freudiana Lacan afirma que a angústia “não é sem objeto”. O objeto da 
angústia é esta imagem em queda desvelando a castração ao fundo. 
Assim, parece mesmo necessárioque, ao tratar-se psicanaliticamente de 
um afeto, se o articule à angústia, seja de modo direto, seja nas suas vertentes de 
estranhamento, luto ou dor psíquica, isto é, através das manifestações do 
destacameto do objeto a. 
 
 A gestação, com suas transformações corporais observáveis e/ou 
sensíveis, parece contribuir para o sentimento de estranheza. Este afeto é tomado 
aqui, na perspectiva apresentada por FREUD em 1919 em seu artigo O Estranho, 
como “(...) aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, 
e há muito familiar.” (1976b: 277). Na segunda parte deste artigo Freud parte das 
constatações de Jentsch sobre os aspectos psicológicos do estranhamento e dá 
destaque à incerteza intelectual quanto à vitalidade de um objeto como uma 
condição particularmente favorável para a evocação daquele sentimento. Se o 
objeto tem vida ou não, ou se um destes estados aparenta o seu oposto (algo vivo 
parece morto ou o contrário), são questões que provocam estranheza. Um 
parêntese parece necessário: nada mais próximo do que experenciam as gestantes 
em relação à vitalidade do feto. Isto pode ser observado no aumento considerável da 
demanda por ultrassonografias, por parte das gestantes, como se buscassem alí a 
garantia desta vitalidade, oferecendo-lhes uma sorte de certeza intelectual afim de 
minimizar, ao menos temporariamente, o estado de estranheza, de angústia, quanto 
a esse objeto que portam em seus corpos. 
Quanto ao artigo de Freud, este amplia ainda mais a constatação de que 
a incerteza intelectual quanto à vitalidade dos objetos é fonte de estranheza e a 
aproxima da vida emocional infantil quando freqüentemente se atribui vida a objetos 
inanimados (brinquedos, por exemplo). Articula este processo à clivagem do eu, à 
criação de um duplo imaginário, sede, seja de perfeições, seja dos defeitos do eu, 
provocado pelo narcisismo primário. Aqui, novamente, um aspecto que permite 
associação com a relação mãe-filho: freqüentemente o bebê é associado às 
 111 
bonecas da infância – são bonecas com vida -,(as meninas, especialmente, são 
geralmente chamadas na infância de “boneca”), prestando-se, assim, facilmente a 
ocupar o lugar de duplo materno. Voltando ao artigo de Freud, este faz, alí, uma 
correlação com o que virá a ser na segunda tópica o supereu. Atribui a esta 
instância simultaneamente crítica e ideal a posição de sucedâneo do duplo narcísico 
infantil. Após o processo de recalcamento dos atributos do eu estabelecidos num 
duplo, o traço de seu retorno é, por vezes, vivido com estranheza. A repetição 
involuntária de um traço infantil recalcado, desorganiza o sistema de referências 
egóicas podendo provocar a sensação de desamparo e estranheza. 
 Constatando, porém, a não universalidade desta ocorrência (todo 
estranhamento advém de material familiar que sofreu recalque, mas nem todo 
recalcado retorna associado ao sentimento de estranheza), Freud busca distinguir 
as fontes específicas deste sentimento. Faz, então, uma separação entre a 
estranheza oriunda de um abalo na crença de algum aspecto da realidade, e aquela 
originada no retorno de complexos infantis recalcados. Afirma que em ambos os 
casos “a coisa toda é simplesmente uma questão de ’teste de realidade‘(...)”. No 
primeiro caso, o abalo se dá no campo material dos fenômenos, ao passo que no 
segundo, o questionamento é quanto a estabilidade de algo da realidade psíquica. 
Quando o estranho se origina de complexos infantis, 
a questão da realidade material não surge; o seu lugar é 
tomado pela realidade psíquica. Implica numa repressão 
[recalque] real de algum conteúdo de pensamento e num 
retorno desse conteúdo reprimido [recalcado], não num cessar 
da crença na realidade de tal conteúdo (1976b: 309) 
 
 
Parece possível supor que, no primeiro caso - o da instabilidade no 
campo material - o abalo se dá em relação às crenças do sujeito: opera-se uma 
alteração no campo do sentido a que o sujeito está referido, e o que se desorganiza 
(parcialmente) é a orientação do sujeito no simbólico. No segundo caso, é a própria 
referência subjetiva simbólica que se desestabiliza com o retorno do recalcado. O 
retorno de traços identificatórios recalcados ameaça cristalizar o sujeito em certas 
significações, o que é fonte de angústia. Parece possível conceber que uma face da 
experiência do estranhamento, é vivida como perda – perda da mobilidade 
simbólica, da multiplicidade de possibilidades de comparecimento subjetivo, daí uma 
possível semelhança com os processos de melancolia e de luto. Sua outra face, o 
 112 
estranhamento proveniente das alterações na “realidade material”, também vivido 
com angústia, parece, porém, convocar ao trabalho psíquico na busca de encontrar 
traços de identidade com a “realidade psíquica”. 
 No caso da gestação tanto a realidade material – o corpo da mulher 
grávida – , como a realidade subjetiva, são fontes de estranhamento por suas 
rápidas transformações. O sentimento de estranheza aparece na fala de gestantes 
tanto em referência ao corpo, como à subjetividade. O corpo feminino, sede de 
inúmeras transformações, torna-se presente na consciência, saindo de sua posição 
de fundo, de palco, passando a protagonista. Ainda que a mulher retorne à forma 
física semelhante àquela anterior a gravidez, há um discurso que aparece quase 
sempre como queixa, que o corpo ”nunca mais voltou ao que era”; outras vezes são 
apontadas, mesmo sem o caráter de queixas, mudanças corporais ocorridas após a 
gravidez – “meu cabelo ficou mais liso” ou “mais crespo”, “meu peito diminuiu “ ou 
“aumentou”, etc... Enfim, é como se fosse dito “não sou mais a mesma pessoa”, e a 
ênfase não é propriamente no resultado, mas na mudança em si. PAIM (1998) em 
seu estudo etnográfico Marcas no corpo: gravidez e maternidade em grupos 
populares, constatou que, entre as mulheres entrevistadas para aquele estudo, as 
marcas corporais deixadas pela gravidez ( estrias, cicatrizes, manchas etc...) eram 
apresentadas como registros de uma ascese da mulher a um status de mulher 
adulta, serviam como signos de um ideal (social, no caso) de maternidade atingido. 
 Acredita-se que tais sentimentos, expressos através da referência às 
mudanças corporais, digam respeito a alterações no cerne do eu da mulher que, 
pela gestação, deslocou um de seus eixos de orientação subjetiva: a condição de 
mulher-filha, para a condição de mulher-mãe. A mudança no plano corporal parece 
representar, para o conjunto do eu, o traço da gestação com suas experiências de 
estranhamentos e enigmas. Uma espécie de proximidade da coisa – das Ding – 
essa ausência da razão última, esse núcleo enigmático da essência humana, que a 
mulher contacta com a experiência deste objeto privilegiado: o filho. Estranho porque 
fálico mas não-todo em relação à subjetividade da mãe, e de materialidade também 
estranha porque radicalmente outro. 
Este investimento de atenção e libido sobre o corpo em transformação 
significa um reinvestimento narcísico. Seja como realização de uma imagem 
idealizada, seja como afastamento desta, ocorre uma quebra na estabilidade de 
certos aspectos narcísicos. Embora só em algumas gestantes se possa obsevar 
 113 
quadros de profunda desorganização mental com perda de referência subjetiva, na 
maioria das gestações pode-se constatar algum período de desorientação da mulher 
quanto à sua potencialidade simbólica. A presença do filho como corpo estranho 
associada à pregnância dos aspectos etogramáticos que as transformações 
corporais da gravidez representam, levam em maior ou menor grau, à experiência 
de estranhamento, por parte da gestante. Acredita-se, ainda, que se esta 
experiência nãoocorre durante a gravidez, ocorrerá quando do nascimento da 
criança, aparecendo, possívelmente, nos quadros de depressão pós-parto. 
 
 
Estranhar, uma prática feminina. 
 
 Quando a mulher toma contato com o fato de estar grávida – mesmo nas 
gravidezes muito ansiadas – ocorre, freqüentemente, um sentimento de susto 
seguido da dúvida quanto ao desejo de ter um filho. A certeza antecipada quanto ao 
desejo parece vacilar na iminência de sua realização, mesmo que seja 
imediatamente reavida. O susto e a dúvida parecem também indicar que não é só 
como falo que o bebê é esperado. De um lado, esta dúvida refletie o temor de 
extinção do desejo que a posse do filho traria. Indicação de sua posição fálica 
excessivamente imaginarizada. De outro, porém, a dúvida liga-se à radical alteridade 
de que se reveste o filho como objeto. A radicalidade da experiência de gerar no 
próprio corpo este ser de pura diferença, parece marcar-se na subjetividade feminina 
através de um assustador sentimento de inexorabilidade ligado à condição materna. 
 Autoras como BENHAÏM (1992) e AMARAL(1996) descreveram o 
sentimento de irreversibilidade da maternidade como fonte de angústia na gravidez, 
do seguinte modo: 
A passagem do estado de mãe ao estado de não-
mãe não pode se realizar, não contém qualquer elemento 
natural. Quando a mãe perde seu filho, surge uma posição 
inalcançável, aquela do retorno impossível.O estado de mãe é 
irreversível. A regressão (mãe–>não-mãe) não se realiza no 
psiquismo. (BENHAÏM, 1992: 89). 
 
Longe de ser um episódio biográfico pareado a 
outros, porém, em uma direção bastante diversa da beatitude 
apontada por Freud, o advento da maternidade tem efeitos 
definitivos sobre a subjetividade feminina. Estes efeitos são 
 114 
comumente relatados como sendo da ordem de um sentimento 
de irreversibilidade, vivido imediatamente após a chegada do 
primeiro filho3, denotando que algo está definitivamente 
modificado, sem retorno, na vida da mulher. (AMARAL, 1996: 
91-92). 
 
 
O sentimento de irreversibilidade da condição de mãe, parece, também, 
se apoiar (não no sentido de determinação mas de suporte) nas mudanças 
corporais da gestação, com seus traços permanentes, as quais correspondem a 
mudanças na gramática fantasmática da mulher em vias de tornar-se mãe. As 
ocorrências no plano do corpo biológico parecem deixar traços psíquicos de 
irreversibilidade que se reinscrevem como traços simbólicos nas mudanças da 
imagem do corpo, no sentido descrito no subcapítulo anterior. Podem também, 
todavia, aparecer sob uma forma de estranhamento, ou mesmo, angústia, diante 
desta vinculação quase absoluta da subjetividade da mãe à do filho. 
 
Retomando a questão da dúvida quanto ao desejo do filho, poder-se-ia 
considerá-la como inerente à própria lógica fálica que rege (parcialmente...) o 
desejo, uma vez que o objeto fálico é sempre um substituto do objeto original (ou 
natural) ausente. Sendo o falo um significante e não um signo, é próprio à sua 
natureza a discordância, fonte dos processos metonímicos e metafóricos de 
articulação do desejo, podendo a excessiva pregnância imaginária de um objeto 
levar à paralisia do desejo (fonte de agressividade para o sujeito, como descreveu 
Lacan). 
 
 Importa ressaltar que em toda extensão da psicanálise o filho é tido como 
um objeto privilegiado do desejo da mulher. Nas obras dos mais diversos autores – 
inclusive na de Lacan – o filho é tomado como o equivalente fálico natural, para a 
mulher, do pênis para o homem. Por outro lado, na mítica individual prevalente na 
clínica psicanalítica, a interdição do incesto bem como sua aspiração se organizam 
em torno da idéia de mãe enquanto origem e objeto perdido. Como salienta LACAN 
no Seminário 7: 
 
3 Em função dos dados clínicos que orientaram a presente pesquisa, julga-se que tais sentimentos podem iniciar-
se durante a gravidez. 
 115 
(...)tudo o que se desenvolve no nível da 
interpsicologia criança-mãe e que expressamos mal nas 
categorias ditas de frustração, da gratificação e da 
dependência não é senão um imenso desenvolvimento da 
coisa materna, da mãe na medida em que ela ocupa o lugar 
dessa coisa, de das Ding. (1988: 86) 
 
 
 Lacan, todavia, redimensiona o valor do falo na economia do desejo 
quando lhe atribui um estatuto de significante e, ainda, quando postula o desejo 
feminino como referido ao falo mas não-todo. É nesta outra via do desejo - a do não-
todo fálico - que se quer abordar, agora, o estatuto do filho para mulher. O 
estranhamento seria um indicador deste caráter do objeto filho para a subjetividade 
da gestante. 
 
Em seu Escrito de 1960 – Idéias Diretivas Para Um Congresso Sobre 
Sexualidade Feminina – LACAN se pergunta “se a mediação fálica drena tudo o que 
pode manifestar-se de pulsional na mulher, e principalmente, toda corrente do 
instinto materno”4 (1995b: 709). Propõe como solução estabelecer-se que tudo o que 
seja analisável seja sexual, mas que nem todo o sexual seria accessível à análise. 
Parece afirmar que o analisável é o que está adstrito à ordem fálica, porém já aponta 
o que será formalizado em 72 e 73 em L’ Etourdit e Mais. Ainda, ou seja, que a 
divisão sexual apontaria para uma ordem sexual além da fálica. 
Nestes seminários do início da década de setenta, Lacan retoma a 
questão da divisão sexual não como complementaridade, mas como dissimetria e 
suplementaridade. Se em Freud a diferença sexual só se inscrevia no inconsciente 
como positividade instaurada pelo falo – o que respondeu bem à lógica subjacente 
às produções masculinas -, com Lacan, ver-se-á a postulação da lógica do não-todo 
fálico para as mulheres. Enquanto na vertente masculina a universalidade fálica é 
sustentada por um elemento (pai primordial) que, não estando submetido a ela, faz o 
limite do campo, no caso feminino, a universalidade é contraditada pela 
contingência. O caráter mítico da formulação masculina é revelado por uma outra 
lógica que aponta não haver nenhum falante não submetido à castração, porém, 
nenhum submetendo-se a ela por inteiro. 
 
4 Tradução da autora. 
 116 
Sendo a realidade subjetiva regida pela lógica do significante, a 
positividade da vertente masculina estaria na sua condição de sujeito representado 
entre significantes, referido à possibilidade de ocupação do lugar de falo simbólico. 
Dito de outro modo: face a abertura do campo da linguagem e a ausência de um 
significante demarcatório da diferença sexual, a afirmação identificatória mínima do 
humano só poderia se fazer na afirmação da condição de sujeito da linguagem. Na 
tábua da sexuação construída por Lacan no Seminário 20, do lado do masculino é 
que se encontra o sujeito cindido entre significantes e o falo simbólico. A constituição 
de seu desejo dependeria, no entanto, da articulação a um objeto (a) situado 
alhures. Trata-se da construção da fantasia onde o objeto é revestido de uma 
expectativa de complementaridade, impossível em realidade. É no outro lado da 
tábua da sexuação que se localiza este objeto - no campo do feminino - o que afirma 
a mulher como sintoma do homem. 
Quanto à vertente feminina da sexuação, sua referência não seria o 
sujeito, mas sua causa – a ausência de um significante totalizador da linguagem – 
representada no destacamento do objeto (objeto a). É dúplice, portanto, a face 
feminina da sexualidade: ora objeto causa do desejo masculino (posição que a 
mulher só ocupa como semblante), ora afirmação vivida, porém não dizível, de tudo 
que excede a possibilidade de simbolização. 
 Segundo LACAN, para a mulher que “por sua essênciaela não é 
toda”(1985: 98), não haveria universalidade possível. Seu gozo é “para além do falo 
(...) Há um gozo dela sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a não ser que o 
experimenta – isto ela sabe” (1985:100). Lacan aproxima este gozo suplementar da 
mulher à experiência mística. A positividade do gozo feminino se revelaria no 
endereçamento de sua realidade ou ‘identidade” para além do significante fálico, 
portanto, para além do que a língua pode expressar. O feminino seria, então, da 
ordem da experiência que faz empuxo ao dizer. Sobre essa questão, VILTARD 
(1996), ao final de seu verbete sobre o Gozo no Dicionário Enciclopédico de 
Psicanálise, se pergunta sobre onde a mulher ancoraria seu pouco de ser uma vez 
que não seria como sujeito que ela encontraria sua referência feminina. Reafirma , 
então, a posição expressa por Lacan em dois seminários já avançados em sua obra 
– Mais, Ainda (1985) e RSI (1990) -, onde os filhos, enquanto objetos a, são 
designados como a referência por excelência da mulher no feminino. 
 117 
 Em seu livro Variáveis do Fim da Análise, SOLER (1995) analisando a 
posição do filho na teoria de Lacan, se refere à carta enviada por este a Jenny 
Aubry, onde afirma “é dado a uma mulher como mãe, o que não é dado a nenhum 
homem, ver aparecer no real o objeto mesmo de sua existência” (LACAN, apud 
SOLER, 1995: 131). A autora destaca que o filho é, na teoria de Lacan, um objeto 
real, destacado do corpo da mãe, objeto cuja “ereção de vivente” só é alcançavel 
pela mãe; seu ser presentificando a causa de desejo parental como impossível a 
dizer. Soler sublinha uma diferença entre a mãe na teoria de Freud e na de Lacan: 
A mãe freudiana é a que obtém o substituto do falo 
sob a espécie de criança. Nesse texto, Lacan não fala do 
substituto do falo, mas de uma espécie de presentificação real 
do mais impossível de dizer. Poderíamos então muito bem 
desenvolver as diferenças entre a mãe freudiana e a lacaniana; 
esta última distingue-se da outra, não só porque vale por seu 
desejo e não por seu amor, mas também porque tem a mais 
um acesso ao real, fato não sublinhado por Freud.” (SOLER, 
1995: 131). 
 
 
Assim, a maternidade para o feminino, em Lacan, parece revestir-se de 
importância especial. Tomando-se sua afirmação no seminário 20 de que o homem 
só se remete à divisão sexual orientado pela castração ao passo que a mulher só o 
faz enquanto mãe, e que o filho como objeto a é o que vem barrar o gozo excêntico 
desta última (LACAN, 1985), pode-se compreendê-la tanto na perspectiva de que é 
o filho que centra a mulher no campo das possibilidades discursivas, mas, também, 
como sendo ele – o filho – o limite, e assim, uma forma de “lembrança” ou 
“testemunho” dessa realidade além do significante que o feminino experiencia. 
Quanto ao fato de o gozo feminino não se positivar senão como 
experiência, parece útil utilizar-se, aqui, a noção de experienciador apresentada por 
Corrêa em sua tese de doutoramento. Ancorada na concepção lingüística de que 
papeis semânticos universais se inscrevem como competência dos falantes, destaca 
um, apresentado por Ray Jackendoff, que é o beneficiário ou dativo ético no qual o 
indivíduo se encontra na posição de acolher um evento que a ele se dirige. 
Preferindo a nomenclatura experienciador, a autora a põe em paralelo com as 
noções de agente e paciente. Em suas próprias palavras: “Se o agente faz e o 
paciente sofre, o experienciador acolhe, deixa que por ele passem as linhas do 
acontecimento”. ( CORRÊA, 1998: 53). É nesse sentido que a particularidade da 
 118 
experiência da gestação no corpo da mulher lhe franqueia o acesso a um gozo 
especial, não-todo fálico, estranho ao universal da ordem masculina. 
 Se a produção de objetos no campo dos significantes – no campo da 
lógica fálica – serve à produção de discurso e ao liame social, a experiência da 
maternidade parece inscrever cada mulher que dela participa, no limite entre o 
definível e o indefinível, entre o dizível e o indizível de si mesma e de seu gozo. É 
neste aspecto que parece articulável o gozo feminino e a experiência do 
estranhamento. 
 
A dor da qual por vezes se recobre essa experiência pode ser entendida 
na extensão do masoquismo erógeno compreendido como estado fundamental do 
aparelho psíquico face a pressão pulsional, uma das leituras a ser depreendida do 
artigo freudiano O Problema Econômico do Masoquismo (FREUD, 1976j). Ali, 
Freud, tentando compreender como a dor poderia ser compatível com o princípio do 
prazer, retoma a proposição que fizera nos Três Ensaios..., onde afrima que em um 
grande número de processos internos a excitação sexual sobreviria como efeito do 
aumento, além de certos limites, das intensidades de excitação envolvidas. Amplia, 
ainda, esta argumentação, associando os processos de sadismo e masoquismo à 
“parcelas” da pulsão de morte que, transformadas em agressividade e destrutividade 
seriam dirigidas para fora ou mantidas associadas à libido, respectivamente. 
Descreve o masoquismo, então, como uma das faces da organização pulsional onde 
o sujeito aparece submetido, como objeto, do desejo de outrem (ser devorado, ser 
espancado, ser copulado). O que parece fundamental, entretanto, é que Freud 
admite, neste artigo, a existência de um masoquismo primário. 
Se se compreender esta operação de associação da pulsão de morte à 
pulsão de vida e o trabalho desta última como a vinculação ou busca de 
representabilidade para pressão pulsional, parece esclarecer-se que o masoquismo 
erógeno ou primário seja a condição básica da estrutura subjetiva. O modelo para 
pensar como doloroso todo contato com o aspecto real (não representado) do objeto 
pode ser formulado mediante a experiência do desamparo (Hilflosigkeit) provocada 
pelas pulsões - “agressão dolorosa por um corpo estranho interno” ( LAPLANCHE 
apud ANDRÉ, 1996: 113) – sem que a criança disponha de aparelhos mínimos de 
organização fantasística para fazer face às excitações endógenas. 
 119 
Assim, se o filho for tomado como esse objeto “estranho” que faz 
“exigência de trabalho” ao psiquismo materno, pode-se considerar que sua presença 
possa evocar uma forma de “dor”. A dor da convulsão subjetiva provocada por sua 
presença de objeto que ultrapassa em muito ao falo. 
 
 119 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Considerações Finais 
 
 
 
“ (...) Não sei há quanto tempo (horas ou anos) 
Fausto e Parsifal se dedicam a retraçar os seus 
itinerários, tarô após tarô, sobre a tábua da 
taverna. Mas cada vez que se inclinam sobre 
as cartas sua história se lê de um outro modo, 
sofre correções, variantes, ressente-se dos 
humores da jornada e do curso dos 
pensamentos, oscila entre dois pólos: o tudo e 
o nada.(...)” 
Italo Calvino1
 
1 I. CALVINO (1993) O Castelo dos Destinos Cruzados. P.: 123. 
 
 
 
 120 
 
O quadro clínico “depressão na gravidez” compõe-se, sem sombra 
de dúvida, de uma ampla gama de aspectos constituintes. Entretanto, abordá-
lo dentro dos limites deste livro, exigiu recortes e, com isso, implicou riscos de 
imprecisões. Parece importante que se enfatize, então, algumas linhas com as 
quais se esquadrinhou o problema, destacando que se reconhece a 
possibilidade de tratá-lo em outras direções conceituais, dentro da própria 
psicanálise. 
Desde o princípio deste trabalho pareceu necessário distinguir dois 
planos nos quais a depressão na gravidez se insere: um o da “psicopatologia”, 
o outro o da “normalidade”. No primeiro plano, trata-se de descrevê-la sob a 
ótica do conflito, da perturbação; no segundo, busca-se explicá-la como uma 
ocorrência possível, esperada,inerente mesmo à sexualidade feminina. Mais 
uma vez, o tempo disponível para confeção deste trabalho só permitiu que 
essas diferenças fossem apontadas, tendo-se trabalhado apenas alguns 
aspectos tanto d’uma quanto d’outra visada. 
A perspectiva desta pesquisa é de que, se por um lado, a dor 
psíquica (depressão) na gravidez é percebida como algo sintomático, portanto 
episódico e circunstancial, restrita a algumas formas de organização psíquica, 
por outro, parece situar-se no âmago da experiência feminina da gravidez. 
Depressão na gravidez e masoquismo erógeno parecem ligados enquanto 
experiências subjetivas que articulam sexo e sexualidade. Em ambas há uma 
exacerbação da experiência de submetimento, tanto à pressão do desejo 
inconsciente que caracteriza a sexualidade – simbólica por excelência - quanto 
à pressão biológica da natureza reprodutiva do sexo. 
A busca de coerência no delineamento das áreas e conceitos 
psicanalíticos que poderiam auxiliar a compreensão deste quadro clínico, fez 
com que a teoria de Freud fosse o eixo central em torno do qual se 
problematizou a questão. Assim, a maternidade e o feminino, bem como a 
melancolia e o estranhamento, formam o núcleo da abordagem desta pesquisa. 
Tendo Freud discutido a questão da maternidade em relação à 
organização da sexualidade psíquica, portanto, no contexto do complexo de 
Édipo, suas considerações quanto à maternidade apontavam para uma 
experiência adstrita ao eixo narcísico-fálico. Problematizando esta teorização, 
 121 
tomou-se alguns trabalhos de Helene Deutsch, autora que ressaltou o caráter 
especial do narcisismo nas mulheres, não como efeito da “inveja do pênis” mas 
como defesa frente à tendência pulsional feminina ao submetimento 
(masoquismo). Além disso, Deutsch tratou de modo especial o papel da 
maternidade na sexualidade das mulheres. O centramento de sua teoria nas 
questões do narcisismo na mulher ofereceu subsídios para uma primeira 
abordagem psicanalítica da depressão na gravidez. A autora afirmava que o 
filho poderia ocupar o lugar de ideal do eu da gestante, fonte de deslocamento 
dos ideais paternos e, daí, transformar-se em superego, tiranizando, assim, o 
eu da futura mãe. 
Partindo destas indicações foram buscados os apontamentos de 
Freud quanto à melancolia. Tendo percorrido os principais artigos onde 
abordou o tema, observou-se que a clivagem do ego e a dinâmica dos ideais 
eram alguns dos problemas centrais descritos como relativos à melancolia. 
Importante salientar que poder-se-ia destacar outros aspectos da dinâmica 
melancólica, como por exemplo o “negativismo”, para, através deles, extrair 
conseqüências relativas à depressão na gravidez. No entanto, o apontamento 
de H. Deutsch norteou o recorte a ser feito. 
Passou-se, então, à pesquisa dos autores atuais que tratam do tema 
da melancolia. Dentre estes destacou-se o trabalho de Lambotte como uma 
das tentativas mais completas de abordagem metapsicológica do problema. 
Seguindo as indicações desta autora, apoiadas na teoria lacaniana do 
narcisismo e da relação especular ao Outro - indicações estas que apontam 
para o poder mais ou menos deformante do “outro” que suporta o lugar do 
espelho - extraiu-se algumas considerações relativas à depressão na gravidez. 
Considerou-se que se a gravidez é desejada, nesse momento em que o corpo 
se define como hospedeiro de um outro, pode surgir angústia. Esta, será, ou 
não, destinada a novas produções discursivas referentes à subjetividade da 
mulher, conforme a flexibilidade dos ideais narcísicos dessa gestante. Se a 
representação do bebê se constrói em acordo com os traços do ideal do eu, a 
flexibilidade destes traços é necessária para que o reinvestimento narcísico 
secundário que a gestante necessita desenvolver, implique em incremento do 
amor-próprio e da auto-estima da mulher, com a conseqüente passagem ao 
pleno amor de objeto na figura do filho. A rigidez do ideal do eu materno, ao 
 122 
contrário, não permite que a presença do feto no corpo da mulher represente 
moldura estável para o ego materno. Donde a gestante não poder tomar-se na 
imagem de mãe, permanecendo, quanto a essa posição, numa relação 
desprovida de investimento, mas identificada narcisicamente ao feto. 
 
Retomando o percurso realizado neste trabalho, embora estivesse 
claro que os conflitos envolvendo as diferentes faces do eu não recobriam todo 
o universo etiológico da depressão na gravidez, parecia necessário que se 
delineasse, especialmente, a segunda vertente na qual se insere a depressão 
na gravidez, isto é, no campo da “normalidade” feminina. 
Partindo-se da noção de que o corpo real é fonte de estranheza para 
o psiquismo, considerou-se este excedente de estranhamento que representa a 
presença viva de um outro, no corpo materno. Tomou-se esta noção (estranho) 
como uma experiência no limite entre os planos afetivo e intelectivo frente às 
oscilações seja da realidade material, seja da psíquica (afinal, a primeira 
sempre se reduz a esta última). Tomou-se, ainda, a noção de juizo proposta no 
Projeto... , como o trabalho psíquico deslanchado pelo complexo do objeto. 
Seguindo indicações lacanianas relativas ao feminino buscou-se, então, 
articular a concepção do filho enquanto objeto-não-todo fálico, e a exigência de 
reorganização, de redescrição que ele importa para subjetividade materna. Por 
fim, considerou-se que a “dor” pode ser o indicador da exigência de produção 
de novas inscrições no ordenamento subjetivo, que o complexo objetal filho 
representa para o psiquismo da mulher grávida. 
 
Antes de terminar parece necessário destacar que o objetivo deste 
trabalho foi o de ressaltar a possibilidade de ocorrência de certas experiências 
subjetivas na gravidez - aquelas revestidas de um matiz de angústia e/ou 
tristeza – em qualquer mulher. Ao tentar compreender psicanaliticamente tais 
experiências buscou-se encontrar instrumentos de intervenção clínica para 
aqueles que de algum modo se ocupam da mulher e da gravidez. 
 
 
 
 123 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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para obtenção do grau de Mestre em Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fundação 
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Dados da Autora 
 
 
Marcia Zucchi é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São 
Paulo em 1976. É também psicanalista filiada à Escola Brasileira de Psicanálise- 
Seção Rio, e Mestre em Ciências da Saúde, área de especialização saúde mental 
da mulher, pelo Instituto Fernandes Figueira – FIOCRUZ. Atua na clínica 
psicanalítica desde 1983. Tem artigos publicados na área e este seu livro de 
estréia é resultado da pesquisa realizada para obtenção do grau de Mestre. 
 
Considerando que os afetos depressivos podem ser freqüentes, mesmo 
em gravidezes desejadas, a autora buscou, na teoria psicanalítica, os elementos 
da dinâmica própria à sexualidade feminina que pudessem responder por estas 
manifestação. Neste percurso são levantadas as principais formulações teóricas 
de Freud e Helene Deutsch quanto à maternidade em sua relação com a 
sexualidade feminina. São assinaladas, ainda, as permanências e transformações 
da teoria de Freud relativas à melancolia, uma vez que este aparato conceitual é 
uma das principais referências para o estudo da depressão no campo 
psicanalítico. A autora recorre, também, à teorização lacaniana sobre o feminino 
para, com ela, articular a experiência da passagem à condição de mãe - através 
da gestação – com o estranhamento, tal como descrito por Freud. A dor psíquica é 
tratada,por fim, como o efeito da “exigência de trabalho” que esse estranhamento 
impõe ao aparelho psíquico da gestante.

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