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Artigo Acolhimento estratégia ou função

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Artigo
Acolhimento: estratégia ou função?
 
Marco Portela[1]
 
Introdução
Recentemente, os profissionais da área da saúde, além das demandas normais e esperadas, se depararam com uma demanda específica[2] advinda dos gestores, ou seja, uma demanda determinada pelo Ministério da Saúde e implantada através da política de humanização do SUS. Este texto foi pensado inicialmente devido às novas iniciativas do Ministério da Saúde que, ao ampliar a Política Nacional de Humanização (PNH – Humaniza SUS) determinou em 2004 a adoção de uma nova estratégia de atendimento no serviço público se saúde: o acolhimento.
Desde então, gestores e trabalhadores tem se esforçado para implantar esta nova estratégia. Haja vista o surpreendente número de artigos encontrado ao buscar a palavra acolhimento no Google acadêmico: “aproximadamente 63.700 resultados”, em grande parte artigos publicados em sites como Bireme, Medline, Scielo e sites de Universidades. Nesta busca, observamos que em sua maioria são artigos de profissionais da saúde e que escrevem na perspectiva do acolhimento como estratégia de humanização nos serviços públicos, desde a atenção básica até os serviços de maior complexidade como as urgências e emergências. Aparecem também artigos na área social com crianças e adolescentes ou moradores de rua[3].
Toda esta profusão de artigos mostra como este é um tema atual e amplamente debatido em todo o território nacional, pois encontramos artigos de universidades de norte a sul do país. Interessante que em sua maioria os trabalhos são recentes, ou seja, depois da adoção da estratégia do acolhimento em serviços de saúde e, portanto deflagrados pela política de humanização do Ministério da Saúde. Apesar de a maioria ser escrito por psicólogos, muitos artigos são produzidos também por enfermeiros, assistentes sociais e outras categorias profissionais, não só na área da saúde, mas também na social. É humanamente impossível fazer um estudo ou pesquisa aprofundada de tamanha produção em curto período de tempo.  Mesmo por que neste trabalho não vamos focar no acolhimento enquanto estratégia, tema da maior parte dos artigos, mas sim como função.
Porém, algumas questões se colocam no caminho que devem ser pensadas e refletidas. Mas, afinal o que é acolhimento? É uma política do SUS? Uma técnica ou procedimento? Uma estratégia ou uma função? Quem deve praticar o acolhimento? É um imperativo para todos ou somente para certas categorias de profissionais da saúde? Em que consiste? Como exercê-lo? E quanto ao acolhimento psicológico com suas especificidades? Este texto busca refletir sobre estas questões, sem pretender trazer respostas prontas, mas sim, dar uma contribuição a esta discussão que diria ser de suma importância não só para o serviço público de saúde, mas também para a iniciativa privada e para todos aqueles que lidam e cuidam de pessoas.
De forma que, no primeiro capítulo vamos definir acolhimento, partindo de um sentido mais geral. No segundo capítulo vamos pensar o acolhimento em termos clínicos, ou seja, como uma função ao mesmo tempo relacional e técnica. No terceiro capítulo vamos definir o acolhimento psicológico e fazer considerações sobre sua práxis no ambulatório de um hospital de urgências e emergências, lembrando que aqui não temos a pretensão de descrever ou relatar alguma experiência de implantação do acolhimento, mas sim, pensar o acolhimento psicológico em termos de função, de técnica, numa perspectiva clínica. Este texto pretende ser mais conceitual, ainda que sem esquecer a prática.
Mas afinal, o que é acolhimento?
Na busca de definição para o termo, esbarramos em um obstáculo imprevisto e que nos causou estranhesa. O termo acolhimento não foi encontrado em nenhum dicionário técnico de psicologia[4], nem mesmo o dicionário da APA tem este verbete. Consultamos também os grandes manuais de psicologia no índice remissivo e a palavra acolhimento praticamente não aparece e nas poucas vezes em que aparece não é definida, é como se seu significado estivesse subentendido sendo usada de forma genérica. Por outro lado os artigos citados acima em sua maioria se limitam a definir acolhimento de acordo com a cartilha do Ministério da Saúde (2006), ou seja, ressaltando seu aspecto institucional ou político estratégico.
O dicionário de português assim define acolhimento: “s.m. Ação ou efeito de acolher; acolhida. Modo de receber ou maneira de ser recebido; consideração. Boa acolhida; hospitalidade. Lugar em que há segurança; abrigo. (Etm. acolher – e + i + mento)” (Dicionário de português on line )[5].
Já no site Humaniza SUS do Ministério da saúde acolhimento designa:
“Recepção do usuário, desde sua chegada, responsabilizando-se integralmente por ele, ouvindo sua queixa, permitindo que ele expresse suas preocupações, angústias, e ao mesmo tempo, colocando os limites necessários, garantindo atenção resolutiva e a articulação com os outros serviços de saúde para a continuidade da assistência quando necessário” (Rede Humaniza SUS).[6]
A Cartilha “Acolhimento nas práticas de produção de saúde” amplia este significado:
“Acolher é dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, dar crédito a, agasalhar, receber, atender, admitir (FERREIRA, 1975). O acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas várias definições, uma ação de aproximação, um “estar-com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão. Essa atitude implica, por sua vez, estar em relação com algo ou alguém. É exatamente nesse sentido, de ação de “estar com” ou “estar perto de”, que queremos afirmar o acolhimento como uma das diretrizes de maior relevância ética/estética/política da Política Nacional de Humanização do SUS” (Ministério da Saúde, 2006)
A cartilha completa explicando que como ética se refere ao ato de acolher o sujeito em suas diferenças, dores, e necessidades; estética fala da invenção de estratégias que contribuam para a dignificação da vida e do viver e, assim, para a construção de nossa própria humanidade; política porque implica o compromisso coletivo de envolver-se neste “estar com”, potencializando protagonismos e vida nos diferentes encontros.
Malta (1998) fala do acolhimento como uma relação “usuário-centrada”. Teixeira (2005) o denomina “tecnologias de conversas” (apud Solla, 2005, p.499). Para Solla (2005) “acolhimento, além de compreender uma postura do profissional de saúde frente ao usuário, significa também uma ação gerencial de reorganização do processo de trabalho e uma diretriz para as políticas de saúde (Solla, 2005, p. 501).
Tradicionalmente, a noção de acolhimento no campo da saúde tem sido identificada ora como uma dimensão espacial, que se traduz em recepção administrativa e ambiente confortável; ora como uma ação de triagem administrativa e repasse de encaminhamentos para serviços especializados (Solla, ibdem). O autor, numa perspectiva política diz que o acolhimento deve “garantir a resolubilidade que é o objetivo final do trabalho em saúde” (Solla, 2005, p. 495). Franco et al diz que todo serviço deve ser organizado de forma a “atender a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde, garantindo acessibilidade universal” (apud Solla, ibdem)
Silva Junior e Mascarenhas elencam quatro dimensões ou características do acolhimento:
“acesso – geográfico e organizacional; postura – escuta, atitude profissional-usuário e relação intra-equipe; técnica – capacitação dos profissionais e aquisição de tecnologias, saberes e práticas; reorientação de serviços – projeto institucional, supervisão e processo de trabalho” (Silva Junior e Mascarenhas apud Solla, ibdem).
Em várias das definições acima, já se colocam as duas perspectivas em que podemos abordar a questão do acolhimento, como estratégia de humanização dos serviços de saúde, portanto estamos aqui na dimensão política. E o acolhimento como postura ou como função, na relação do profissional com o cliente, e aqui estamos no âmbito da clínica. A perspectiva política tem sido abordada por grande parte dos artigos e pesquisas, de formaque vamos abordar o tema em termos conceituais e clínicos e definir o acolhimento psicológico especificamente.
Considerando, segundo a cartilha do Ministério da Saúde, que o acolhimento não é prerrogativa de uma categoria profissional, mas de todas aquelas que lidam diretamente com o paciente ou com pessoas, podemos concluir que, cada profissional irá praticar o acolhimento de acordo com as especificidades de sua categoria profissional. Portanto, o acolhimento, em seu sentido mais amplo tem algo em comum a todas as profissões assistenciais (incluindo a medicina), porém, irá também ter características diferentes, segundo os objetivos e idiossincrasias de cada profissão.
A função de acolhimento
Falamos de acolhimento no sentido de dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, agasalhar, receber, atender, um estar-com, em suma, uma atitude de inclusão. Importante ressaltar que o acolhimento como função clínica deve ser praticado não só na porta de entrada de um serviço ou na triagem, mas também e principalmente ao longo de todo o tratamento e de todo processo de produção de saúde.
“É preciso não restringir o conceito de acolhimento ao problema da recepção da ‘demanda espontânea’… O acolhimento na porta de entrada só ganha sentido se o entendemos como uma passagem para o acolhimento nos processos de produção de saúde” (MS, 2006).
Sem dúvida que se conseguíssemos fazer com que todos os profissionais da saúde, de todas as categorias entendessem e exercessem sua função com acolhimento isto viria a se constituir numa grande mudança paradigmática e numa das diretrizes de maior relevância da Política Nacional de Humanização do SUS.
No entanto, o núcleo ou célula onde o acolhimento ocorre – ou deveria ocorrer – está na micro-relação entre profissional e paciente, ou seja na dimensão clínica. E não importa qual categoria, todas fazem clínica. Mas em essência, em que consiste o acolhimento? Quando falamos de função não se trata de uma tarefa objetiva a ser cumprida, algo estático ou pontual que ora fazemos ora não fazemos. O acolhimento enquanto função é antes de tudo uma atitude ou postura permanente ante o outro, que deve ser exercida na mesma medida da demanda do cliente, sujeito ou pessoa, ou mesmo família e equipe. Portanto, não se trata só da construção de um vínculo ou relação, mas implica também uma técnica ou manejo técnico.
Relação e técnica
A função de acolhimento, portanto tem um aspecto ligado a relação e outro à técnica. É o que denomino “técnica relacional” (Portela, 2013), termo paradoxal que trás em seu bojo uma contradição. Neste contexto relação está ligada a idéia de espontaneidade e autenticidade, enquanto a técnica é seu oposto, se refere a algo instrumental, repetitivo, generalizante. Mas, ao utilizar uma técnica ou manejo técnico, isto em si, já se constitui num tipo de vínculo, ou seja, um vínculo instrumental, mediado por uma técnica, vínculo este que Buber (1960) chamaria eu/isso e Binswanger (apud Giovanette, 1990) relação plural.
A relação eu/isso se caracteriza por um vínculo utilitário, de uso, de objeto. Aqui as relações são mediadas por papéis e máscaras. No setting terapêutico o fenômeno da transferência é um exemplo de relação eu/isso. A relação eu/tu é um momento mais espontâneo, de encontro e sinergia, mais autêntico, criativo e telemático, em que ambos (terapeuta e cliente) se despem da estereotipia dos papéis, relaxam suas defesas, tiram suas máscaras e permitem expressar seu ser de forma mais espontânea e plena, trata-se da ralação dual de Binswanger.
De forma que são dois os tipos de vínculos possíveis na relação profissional/cliente, um telemático e outro instrumental. Ambos ocorrem simultaneamente no aqui e agora e em via de mão dupla, do cliente para o profissional e vice-versa. Este não é o espaço para desenvolver esta temática com profundidade, mas apenas o suficiente para compreendermos a função do acolhimento. Apesar de a relação ser a base do processo terapêutico, não se pode prescindir da técnica. Na práxis clinica temos basicamente dois tipos de técnica, as que denomino direcionais e as relacionais.
Importante observar que, quando se ressalta que a relação deve predominar sobre a técnica, estamos dizendo da relação autêntica, ou seja, o processo deve estar fundamentado numa relação de confiança, de segurança, autêntica e espontânea, ou na sua busca. As técnicas são como as ferramentas de um carpinteiro. Este deve conhecer bem seu ofício, mas sem as ferramentas não conseguiria executá-lo. Na terapia, a relação sustenta o processo e as técnicas servem como instrumentos para amenizar as defesas e resistências, incrementar, facilitar e agilizar.
A utilização da técnica ou de um manejo psicoterapêutico se constitui por si numa relação instrumental. Porém, esta não irá, em absoluto, comprometer nem a relação, nem o processo terapêutico em si, posto que está a serviço do mesmo, isto é, da construção e do crescimento. Relações instrumentais predominam no nosso dia-a-dia, e só são negativas quando interrompem o processo de comunicação, ficam estereotipadas, se enrijecem, calcificam e se tornam resistência ao processo natural de expansão e crescimento.
As técnicas relacionais recebem este nome devido se constituir num manejo que se encontra na fronteira da relação e da técnica ou de uma relação espontânea e de uma instrumental. Isto possibilita ao terapeuta ser ele mesmo, pessoa, autêntico, congruente, empático e ao mesmo tempo manejar algum aspecto do processo terapêutico. O método não diretivo de Rogers é um exemplo de técnica relacional. Interessante observar que, ao contrário das técnicas direcionais[7], as técnicas relacionais são sutis em sua aplicação e o próprio cliente muitas vezes não percebe que estamos fazendo algum manejo.
Na práxis clínica, dentre tantas, elencamos três técnicas relacionais ou manejos importantes de se fazer para o sucesso do processo terapêutico, a saber: ativação do aqui-agora, “principal fonte de poder terapêutico… o melhor amigo do terapeuta” (Yalom, 2006, p. 54); relação entre transparência e transferência (Yalom, 2006), isto é, até que ponto o terapeuta se vela ou se revela ao cliente, manejando os momentos transferências (instrumentais, eu/isso) e telemáticos (autênticos, eu/tu) respectivamente; e a função continente (Zimermam, 2000), que é “uma das mais importantes do processo terapêutico, é fundamental para o terapeuta, pois através dela é que este irá regular o nível de angústia que circula em uma sessão de psicoterapia” (Portela, 2013, p. 172).
O conceito de função continente foi criado por Bion e alude à relação mãe/bebe que deve ser continente o suficiente para envolver a criança em uma atmosfera de segurança, ajudando-a a desenvolver sua própria capacidade de continência. Bion transpõe este conceito para a relação terapêuta/cliente e neste caso, se refere à capacidade de o terapeuta lidar com as angústias e demandas nele depositadas pelo cliente. Ser continente consiste em estar inteiro com o cliente ou paciente, acolhendo sua dor expressa em sua queixa, dar um significado e devolve-la desintoxicada da angústia e investida de um sentimento de segurança e confiança. Ora, hoje no nosso contexto, a função continente de Bion ganhou um novo nome, acolhimento.
Aqui chegamos ao ponto essencial do acolhimento como função, um ponto comum para todas as categorias profissionais, mas a partir do qual cada disciplina vai diferir na sua leitura, interpretação e intervenção. Trata-se da angústia. Em essência o objeto do acolhimento é a angústia, de perda, de vazio, de dor, de morte, devidamente ancorada em um trauma ou doença física ou psíquica e expressa através de demandas e necessidades endereçadas ao profissional e à instituição.
No acolhimento o profissional vai ter que lidar, portanto, com:
Certo nível de angústia, em geral mais elevado que o normal considerando o contexto;
Ancorada num trauma ou problema de saúde ou social.
Portanto, o termo técnica relacional apresenta uma contradição apenas aparente, pois se trata,como dito acima, de um manejo que se encontra na fronteira entre técnica (relação instrumental) e relação (relação autêntica) e que possibilita ao terapeuta ser espontâneo e congruente no mesmo instante em que maneja a angústia de forma a mantê-la num nível que o cliente seja capaz de tolerar, processar e elaborar.
Exercer a função de acolhimento significa lidar com esta carga de angústia que será nele depositada de forma a gerar no paciente um sentimento de segurança e confiança. Ao mesmo tempo avaliar a queixa concreta ou sintoma e dar os devidos encaminhamentos para uma maior eficácia e resolubilidade. O nível de angústia vai variar de acordo com a intensidade e importância do trauma ou perda. Quanto maior a angústia mais capacidade de acolhimento e resolubilidade deve ter o profissional.
O Acolhimento Psicológico
Durante todo este percurso falamos do lugar do psicólogo e não poderia ser diferente, porém, o que foi exposto sobre a questão do acolhimento até aqui, de certa forma, vale também para outras categorias profissionais. Vamos definir agora especificamente o acolhimento psicológico, mesmo por que, como vimos acima, não encontramos o verbete em nenhum dicionário técnico da profissão, apesar da função de acolhimento se constituir numa tarefa básica do psicólogo clínico ou psicoterapeuta. Vamos olhar o acolhimento também da ótica do psicólogo hospitalar. É a clínica ampliada e aplicada, de forma que vamos depois considerar o acolhimento psicológico no ambulatório de um hospital de urgência e emergência.
Na função de acolhimento está implícita uma relação de cuidado, de proteção, de continência, afinal, a dor pode ser física mas o sofrimento é sempre global, físico, psíquico e  por que não dizer, social e espiritual ou de sentidos. Para o psicólogo clínico ou psicoterapeuta a angústia é a matéria prima a ser moldada, a massa bruta batida e machucada pelas perdas, traumas e dores. É seu objeto primário. O psicólogo lida com a angústia em si, não só aquela ancorada no real do trauma e da carne, como também aquela imaginária, fantasmática, advinda do desconhecido, do non sense, do vazio, da morte.  
Acolhimento psicológico significa acolher a angústia através, não só de uma escuta diferenciada, como também do olhar, da expressão, do terapeuta presentificado em corpo no aqui e agora. Significa receber esta angústia sem julgamentos antecipados, sem preconceitos, sendo congruente e empático, ajudando o sujeito a restituir seu self, a dar sentido a seu trauma, resgatando sua história e seus projetos de vida.
Trata-se de uma função fundamental do terapeuta, um manejo técnico através do qual este regula ou maneja o nível de angústia que circula no setting terapêutico. Sabe-se que a angústia é o motor da terapia, mas ela deve estar num nível que seja assimilado pelo sujeito, que este tenha recursos para lidar e que lhe permita uma elaboração. Um nível muito alto de angústia estanca a palavra, bem como um nível muito baixo torna o processo terapêutico improdutivo.
Através da função do acolhimento o terapeuta maneja a angústia para que se mantenha num nível adequado e produtivo para o processo terapêutico. Quanto maior a angústia, mais continente (Bion apud Zimermam, 2000), deve ser o terapeuta, permitindo a expressão de dor, o pranto a comoção e sendo mais diretivo, com orientações e/ou sugestões. Quanto menos angústia, menos continente, menos diretivo e por outro lado mais analítico e reflexivo de forma a levar à elaboração, resignificação e superação do trauma.
 Acolhimento psicológico em um ambulatório de emergência
As demandas pelo serviço de psicologia no ambulatório de um hospital de urgência e emergência são as mais diversas. Cabe ao psicólogo fazer uma avaliação das mesmas e a partir daí definir as estratégias de intervenção e acompanhamento mais indicadas para cada caso. Por outro lado, não só estas demandas se alteram com o tempo como também o ferramental técnico-teórico que o psicólogo tem em mãos para atendê-las também pode mudar com a evolução do saber e da práxis clínica.
Um ambulatório de urgências e emergências é muito dinâmico, a média de permanência é pequena e em sua maioria o psicólogo vai atender poucas vezes, com freqüência se limitando a um ou dois atendimentos. No entanto, é um contexto de crise, em que é esperado um nível de angústia maior, acima do normal. Isto exige do profissional da saúde uma maior capacidade continente ou de acolhimento, cada um em sua função específica, mas todos exercendo a função de acolhimento que, como estratégia, passa a não ser prerrogativa somente de uma categoria profissional, mas de todas que lidam diretamente com o paciente.
Importante observar que, apesar do ambiente ansiogênico e de urgência, a grande maioria de pacientes de um ambulatório de urgências tem recursos internos ou externos[8]suficientes para lidar com seu trauma ou doença sem fazer sintoma e, portanto, sem precisar do psicólogo. Somos treinados para escutar, manejar e fazer emergir os afetos, mas num ambiente de urgência o psicólogo deve se limitar a atender às demandas que surgem de forma explícita e espontânea a partir da situação de trauma ou doença, perda e tratamento.
Portanto, em um ambulatório de urgências, o psicólogo é um interconsultor, ou seja, ele não precisa atender a todos, mas somente aqueles casos em que o sujeito não teve recursos suficientes para lidar de forma satisfatória com seu trauma e faz sintoma. Aqueles pacientes que fazem sintoma psicológico independente do tipo de trauma ou perda têm algo em comum, ou seja, um nível de angústia mais elevado que o normal para o campo, que eles não estão dando conta de processar e elaborar evoluindo para sintomas seja este de que ordem for.
Dado o contexto de urgência e a pequena permanência do paciente, é exigido do psicólogo[9] uma alta capacidade continente ou de acolhimento, aliada a uma boa capacidade de resolubilidade[10]. De forma que o acolhimento por si só, ou seja, somente a escuta empática compreensiva do sujeito não será suficiente na medida em que há um prejuízo à saúde e uma necessidade de tratamento. Daí a resolubilidade, o profissional, além da função de acolhimento deve atender e dar andamento de forma eficaz às necessidades e demandas do paciente. Isto faz parte intrínseca da função de acolhimento, pois a falta de uma resolubilidade gera insegurança e falta de confiança, comprometendo não só a função de acolhimento como toda a evolução do caso clinico.
Conclusão
Acolhimento, estratégia ou função? Podemos dizer que o acolhimento como função é uma excelente estratégia, e como estratégia depende da função, ou seja o acolhimento como estratégia é uma política do Ministério da Saúde que busca a humanização dos serviços. Mas para que tenha sucesso é preciso que faça parte da cultura da instituição. É de admirar que uma atitude que deveria ser espontânea e natural tenha que ser imposta. Nem todos têm a função de acolhimento desenvolvida, mas é uma habilidade que pode ser aprendida. Todos que lidam com o público, com pessoas, devem exercê-lo. Acolhimento não deve se restringir à porta de entrada, à triagem, mas estar presente em cada etapa do processo de produção de saúde. Cada profissional deve, além de exercer sua missão específica, de acordo com sua categoria, fazê-lo com acolhimento e resolubilidade de acordo com as necessidades e demandas de cada paciente. Acolhimento e resolubilidade são dois lados da mesma moeda, ambos têm que caminhar juntos.
Nos causou estranhesa também o fato de não encontrarmos nos dicionários técnicos de psicologia o termo acolhimento. Consideramos um termo ou conceito importante posto que retrata uma atitude ou postura fundamental do psicoterapeuta ou profissional da saúde para o sucesso do processo terapêutico ou tratamento. Procuramos demonstrar que a função de acolhimento é uma técnica relacional, se constitui antes de tudo em um manejo técnico que permite a construção de uma relação de confiança ao mesmo tempo que regula o nível de angústia.
Trata-se de umconceito novo no campo da psicologia, cujas discussões foram desencadeadas a partir das políticas de humanização. Tem sido muito discutido enquanto estratégia e neste trabalho procuramos discutir o tema no âmbito da clínica ou das micro relações. Não pretendemos aqui trazer respostas prontas ou definitivas mas apenas dar nossa contribuição neste debate de tamanha relevância para o desenvolvimento do saber e da práxis clínica.
 Maio 2014
 Bibliografia
 _ Dicionário de português on line. http://www.dicio.com.br/acolhimento, consulta maio/2014.
 _ Buber M. Yo y Tú 2.ª ed. Buenos Aires, Argentina: Galatea Nueva Visión, 1960.
_ GIOVANETTI, J.P. O existir humano na obra de Ludwig Binswanger. Síntese Nova Fase, v. 50, p. 87-99, 1990.
_Portela M. A técnica na psicoterapia existencial in Anais do I Congresso Internacional de Psicologia Existencial – conferências. Belo Horizonte: FEAD, 2013.
_ MINISTÉRIO DA SAÚDE – Secretaria de Atenção à Saúde – Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde 2.ª Ed. Série B. Textos básicos de saúde, Brasília – DF, 2006.
_ Rede HumanizaSUS. http://www.redehumanizasus.net/glossary/term/92, consulta maio/2014.
_ Solla J. J. Acolhimento no sistema municipal de saúde in Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 5 (4): 493-503, out./dez., 2005.
_ Yalom I.; Leszcz M. Psicoterapia de Grupo – Teoria e prática 5.ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
_ Zimerman D. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2.ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
 
[1] Psicólogo clínico e hospitalar, Mestre em Psicologia, especialista em Saúde Mental e Psicologia Hospitalar, docente na graduação e na pós-graduação da FEAD.
[2] Talvez um termo melhor fosse ‘determinação’.
[3] Não percorremos toda a extensão de artigos encontrados.
[4] Dicionário técnico de psicologia (Cabral e Nick, 3.ª Ed. São Pulo, Cultrix, s/d); Dicionários de psicanálise (Chemama, org. Porto alegre, Artes Médicas, 1995; Laplanche e Pontalis, Martins Fontes, 1995; Rondinesco, Zahar, 1998;) http://www.portaldapsique.com.br/Dicionario/A.htm; http://www.martinsfontespaulista.com.br/anexos/produtos/capitulos/531257.pdf; http://psicologiacademica.blogspot.com.br/2010/05/dicionario-de-psicologia.html. consultas  maio/2014.
[5] Dicionário de português on line. http://www.dicio.com.br/acolhimento, consulta maio/2014.
[6] http://www.redehumanizasus.net/glossary/term/92, consulta maio/2014.
[7] As técnicas direcionais recebem este nome por serem técnicas dinâmicas e que dependem de uma direção do terapeuta. Em sua maioria se utilizam, além da fala, também do corpo ou corporalidade. Exigem um manejo mais cuidadoso do terapeuta. O termo direcional foi usado para diferenciar do termo diretivo. Não são diretivas no sentido de se dar respostas prontas ou sugestões ao cliente. São técnicas já consagradas pela prática clínica, seja individual ou grupal. Técnicas da Gestalterapia, do Psicodrama, da Sistêmica, da Humanista como o focusing, dentre outras que podem e devem ser usadas no setting clínico.
[8] Recursos internos: a estrutura de personalidade, sua história, capacidades e habilidades, auto-estima, valores e crenças; recursos externos: família, religião, trabalho, amigos, etc. Esta lista é necessariamente incompleta, apenas alguns exemplos.
[9] Não só do psicólogo como também das demais categorias assistenciais.
[10] Infelizmente, com freqüência conseguimos esta resolubilidade mas esbarramos nos entraves da instituição ou da rede alternativa de serviços.

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