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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA Processamento e Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal - PCQ PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS Alcinéia de Lemos Souza Ramos Eduardo Mendes Ramos Paulo Rogério Fontes Universidade Federal de Lavras - UFLA Lavras – MG 2014 Ficha Catalográfica preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA Governo Federal Presidente da República: Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação: José Henrique Paim Fernandes Universidade Federal de Lavras Reitor: José Roberto Soares Scolforo Vice-Reitora: Édila Vilela Resende von Pinho Pró-Reitora de Pós-Graduação: Alcides Moino Júnior Pró-Reitor Adjunto Lato Sensu: Daniel Carvalho de Rezende Centro de Educação a Distância Coordenador Geral: Ronei Ximenes Martins Coordenador Pedagógico: Warlley Ferreira Sahb Coordenador de Projetos: Daniel Carvalho de Rezende Coordenadora de Apoio Técnico: Fernanda Barbosa Ferrari Coordenador de Tecnologia da Informação: André Pimenta Freire Processamento e Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal – PCQ – Luiz Ronaldo de Abreu SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 1 2 HISTÓRIA DOS PROCESSOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS .................................... 4 3 CAUSAS DAS ALTERAÇÕES EM ALIMENTOS ....................................................................... 12 3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS SEGUNDO A FACILIDADE COM QUE SE ALTERAM .......................................................................................................................................... 13 3.2 CAUSAS DAS ALTERAÇÕES DOS ALIMENTOS ............................................................ 14 3.3 CRESCIMENTO MICROBIANO ........................................................................................... 14 3.4 AÇÃO DAS ENZIMAS PRESENTES NOS ALIMENTOS .................................................. 15 3.5 ALTERAÇÕES QUÍMICAS NÃO ENZIMÁTICAS ...................................................... 151516 3.6 PRINCÍPIOS EM QUE SE BASEIA A CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS ..................... 20 3.7 MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS ........................................................... 21 4 CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS PELO FRIO ........................................................................ 23 4.1 PRINCÍPIOS DA REFRIGERAÇÃO ..................................................................................... 25 4.2 REFRIGERAÇÃO E ESTOCAGEM REFRIGERADA ........................................................ 26 5 CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS PELO CALOR .................................................................... 35 5.2.3 ESTERILIZAÇÃO ............................................................................................................ 414142 5.3 CINÉTICA DO TRATAMENTO TÉRMICO .......................................................................... 42 5.4 TRATAMENTOS TÉRMICOS UTILIZADOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS ............. 47 6 FERMENTAÇÃO ............................................................................................................................ 52 6.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 53 6.2 TIPOS DE FERMENTAÇÃO .............................................................................................. 545455 6.2.1 FERMENTAÇÃO LÁTICA ...................................................................................................... 55 6.2.2 FERMENTAÇÃO PROPIÔNICA ............................................................................................ 55 6.3 PRODUTOS FERMENTADOS DE ORIGEM ANIMAL DESENVOLVIDOS NO MUNDO .................................................................................................................................................... 555556 7 CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS POR DESIDRATAÇÃO ..................................................... 60 7.1 PREPARO E DESSECAÇÃO DE ALIMENTOS ................................................................. 61 7.1.1 PULVERIZAÇÃO ............................................................................................................... 61 7.1.2 SECADORES DE TAMBOR (DRUM DRYER) ................................................................ 63 7.1.3 LIOFILIZAÇÃO ................................................................................................................... 63 7.2 INSTANTANEIZAÇÃO .......................................................................................................... 64 8 IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS ................................................................................................... 66 8.1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 67 8.2 IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS ................................................................................... 686869 8.3 FONTES DE RADIAÇÃO .............................................................................................. 696970 8.4 DOSES E EFEITOS DA RADIAÇÃO ................................................................................... 70 8.5 PROCESSOS USADOS NA RADIAÇÃO ............................................................................ 71 8.6 INATIVAÇÃO MICROBIANA NOS ALIMENTOS ............................................................... 72 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 76 PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 1 1 INTRODUÇÃO PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 2 A preocupação com a qualidade e segurança dos alimentos é cada vez mais uma questão preocupante no contexto mundial. Essa preocupação com a qualidade e segurança alimentar tem sido focada nas etapas de produção devido aos grandes riscos atribuídos aos alimentos, por exemplo, contaminação microbiana (bactérias, vírus, parasitas e outros), contaminação química (agrotóxicos, metais pesados, toxinas). Todo alimento apresenta algum grau de deterioração durante o período entre a colheita e o consumo, que pode acarretar na perda das qualidades sensoriais e de valor nutricional, ou no crescimento de microrganismos patogênicos. Assim, o objetivo principal dos métodos de conservação é minimizar as alterações do produto prevenindo alterações a níveis indesejáveis. Como os componentes orgânicos e inorgânicos que formam os alimentos são, normalmente, sensíveis às variáveis do meio ambiente, estas alterações são afetadas por fatores físicos, químicos e biológicos. Entre estes fatores podem ser destacados: temperatura (altas e baixas), luz e outras radiações, oxigênio, ambientes úmidos ou secos, enzimas, microrganismos, contaminações e, em especial, o tempo. Mesmo com o conhecimento e aplicação dos diferentes métodos de preservação, alterações nos alimentos continuam a acontecer. É a velocidade destas transformações que irão definir a vida de prateleira de um produto. O Quadro 1 apresentaa vida de prateleira de alguns alimentos quando armazenados a 21ºC. Normalmente, alimentos que apresentam baixa umidade, alta concentração de açúcar, ácido ou sal, ou alimentos que foram submetidos a tratamentos específicos, apresentam maior tempo de vida de prateleira. QUADRO 1: Vida de prateleira de alguns alimentos armazenados à temperatura de 21oC. Produto Tempo (dias), à 21oC Carne in natura 1 - 2 PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 3 Peixe in natura 1 - 2 Frango in natura 1 – 2 Carne e peixe salgados, secos e defumados 360 ou mais Frutas in natura 1 – 7 Frutas secas 360 ou mais Vegetais frescos 1 – 2 Raízes 7 – 20 Sementes secas 360 ou mais Fonte: Desrosier e Desrosier (1977). O termo “vida de prateleira” está diretamente relacionado com método de conservação, com condições de estocagem e com as características de aceitabilidade do produto pelo consumidor. A aceitabilidade pelo consumidor varia com a pessoa e, em especial, com a sua cultura. Para um grande número de alimentos, a aceitabilidade está relacionada com características microbiológicas e, ou sensoriais que podem ser modificadas devido à deterioração dos alimentos. Assim, um processo de preservação eficiente é aquele que elimina ou minimiza a níveis aceitáveis, os fatores causadores de deterioração do alimento. Um dos mais importantes aspectos da Ciência de Alimentos é o entendimento e o controle do processo de deterioração do alimento. Vale ressaltar que um grande número de produtos processados que existem hoje surgiu como forma de preservar o alimento, como os produtos desidratados, defumados, queijos, produtos fermentados, entre outros. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 4 2 HISTÓRIA DOS PROCESSOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 5 A primeira pessoa a indicar o papel dos microrganismos na alteração dos alimentos foi Kircher, um monge, que em 1658 examinou cadáveres em decomposição, carne, leite e outras substâncias e viu o que denominou “vermes” invisíveis a olho nu. Entretanto, como suas descrições careciam de precisão, suas observações não tiveram uma ampla aceitação. Somente em 1860, Louis Pasteur conseguiu compreender e demonstrar o papel dos microorganismos na alteração dos alimentos. Pasteur demonstrou que o azedamento do leite era produzido por microrganismos e que o calor era capaz de destruir microrganismos indesejáveis existentes no vinho e na cerveja. Entretanto, mesmo antes de Pasteur, diversos experimentos buscavam formas para conservar os alimentos, muitos deles impulsionados pelas guerras. Em 1756, Spallanzani demonstrou que o caldo de carne de vaca que havia sido submetido à ebulição durante uma hora, e que havia ficado fechado, permanecia estéril e não se estragava. Spallanzani realizou este experimento para refutar a teoria da geração espontânea da vida. Porém não convenceu quem sustentava esta teoria visto que estes acreditavam que seu tratamento eliminava o oxigênio, elemento que consideravam indispensável para a geração espontânea. No final do século XVIII, com a França em guerra e preocupado com a qualidade dos alimentos distribuídos para os soldados, Napoleão ofereceu um prêmio para aquele que desenvolvesse um método que garantisse a qualidade das rações alimentares utilizadas pelos soldados. Naquela ocasião, Nicolas Appert descobriu que, se um alimento fosse suficientemente aquecido em um contêiner fechado, o alimento seria preservado. Appert recebeu, em 1809, um prêmio de 12.000 francos pela descoberta. Em 1810 publicou o livro “O Livro de Utilidades Domésticas: a Arte de Preservar Substâncias Animais e Vegetais por Muitos Anos”. Logo em seguida, em 1810, um inglês, Peter Durand, tirou patente de um produto similar, mas empregando a lata. Era um recipiente confeccionado de chapa de ferro recoberta de estanho. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 6 Por não ser científico, Appert provavelmente desconhecia a importância em longo prazo de sua descoberta e por que razão era eficaz. Esta foi a origem do enlatado tal como se conhece hoje em dia. Este acontecimento teve lugar uns 50 anos antes de Pasteur demonstrar o papel dos microrganismos na alteração de vinhos franceses, avanço que deu origem ao descobrimento das bactérias. Em 1861, Winslow introduziu o uso da salmoura de cloreto de cálcio, conseguindo alcançar temperaturas de 116C, diminuindo assim o tempo de tratamento térmico. Porém, logo depois, Raymond Chevallier Appert, sobrinho de Nicolas, introduziu a esterilização em autoclaves pelo uso de vapor, que foi aperfeiçoada por A. K. Shriver, em 1874, nos EUA. Durante a segunda metade do século dezenove, como consequência das descobertas científicas da época, desenvolveu-se então a Bacteriologia, de enorme importância para a humanidade, e com ela a era científica da conservação dos alimentos. Nos quadros a seguir (Quadros 2 e 3) estão apresentados algumas datas e acontecimentos mais significativos na história da conservação de alimentos e das intoxicações causadas pela ingestão de alimentos. Alguns procedimentos que foram usados na luta contra a deterioração dos alimentos são da época não científica, de caráter empírico e feito por observações inteligentes e trouxeram uma grande contribuição para a ciência e a tecnologia na atualidade. Dentre estes procedimentos podem ser citados: 1. armazenamento em ambiente seco, limpo e fresco, para cereais, sementes, azeite, gorduras e açúcar; 2. dessecação pelo calor solar ou por proximidade do fogo; 3. defumação; 4. a salga e a cura, com ou sem dessecação; 5. a cocção em melado ou em xaropes; PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 7 6. a conservação em ácidos (vinagre), álcoois ou gorduras; 7. a fermentação lática; 8. o emprego de baixas temperaturas. Os progressos simultâneos da tecnologia, ao desenvolver máquinas e equipamentos mais perfeitos e instrumentos de controle mais exatos, fizeram possível a aplicação de recursos antes desconhecidos ou fora do alcance dos pesquisadores, facilitando o emprego em escala industrial de processos mais efetivos, tanto na esterilização comercial, como na desidratação, na refrigeração e no congelamento em grande escala. A ciência estudou o efeito do calor, do frio, da desidratação, a atividade das enzimas e dos distintos microrganismos e foram estabelecidas as condições ótimas para sua inativação, compatíveis com a manutenção dos caracteres organolépticos e o valor nutritivo. A ciência e a tecnologia têm permitido também aperfeiçoar os envases, melhorar os processos e criar instrumentos de controle exatos, tornando as condições atuais da indústria moderna muito diferente quando comparada com as condições de um século atrás. A difusão do conhecimento e dos progressos alcançados tem levado a um aumento constante de alimentos conservados praticamente livre de riscos e de intoxicações, e do prestígio da indústria que salva da destruição enormes quantidades de alimentos em benefício da humanidade. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 8 QUADRO 2: Desenvolvimento dos processos de conservação de alimentos. ANO PESQUISADOR/LOCAL DESCOBERTA 1782 Químico sueco Enlatado em vinagre 1810 Appert (França) Patenteou a conservação dos alimentos mediante o enlatamento 1810 Peter Durand Obteve uma patente britânicapara conservar alimentos em recipientes de vidro, de aço ou de outros metais. 1835 Newton Concessão de patente para fabricar leite condensado 1839 A.L.A. Fastier Patente francesa para utilizar uma solução de salmoura com o fim de elevar a temperatura de ebulição da água. 1841 S. Gldner e J. Wertheimer Obtiveram patentes britânicas para soluções de salmoura baseadas no método de Fastier. 1842 H. Benjamim Patenteou congelamento de alimentos por imersão em salmoura com gelo e sal. 1843 I. Winslow Primeiro a experimentar a esterilização mediante vapor. 1853 R. Chevalier-Appert Obteve patente para esterilizar alimentos em autoclave. 1854 Pasteur Inicia suas investigações em vinho. O aquecimento para eliminar os microrganismos indesejáveis foi utilizado em escala comercial em 1867-1868. 1855 Grimwade (Inglaterra) Foi quem primeiro fabricou leite em pó. 1850 Gail Borden(EEUU) Patente para produzir leite condensado açucarado. 1861 Salomon Introduziu o uso de soluções de salmoura. 1874 Inicio do uso extensivo de gelo no transporte de carne por via marítima. 1880 Inglaterra Inicia-se a pasteurização do leite. 1882 Krukowitsch Observou o efeito letal do ozônio sobre as bactérias causadoras de alterações. 1916 R. Plank, E. Ehrenbaum e K. Reuter (Alemanha) Conseguiram o congelamento rápido de alimentos. 1917 Franks Consegue uma patente para a conservação de frutas e hortaliças em atmosfera de CO2. 1920 Bigelow e Esty Bigelow, Bohart, Richardson e Ball Publicaram o primeiro estudo sistemático da termorresistência dos esporos a temperatura superiores a 212 o F. Publicaram o método geral para calcular os tratamentos térmicos; este método foi modificado por C.O. Ball em 1923. 1922 Esty e Meyer Determinaram que para os esporos de C. botulinum z=18 o F. 1929 França Uma patente é expedida para o uso de radiação de alta energia para o tratamento térmico de alimentos. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 9 1943 B.E. Proctor (Estados Unidos) Foi quem primeiro usou radiação ionizante para conservar a carne dos hamburgueres. 1950 Se generalizou o uso do valor D. 1954 Inglaterra Patenteou o uso do antibiótico nisina para ser utilizado em um queijo tratado industrialmente para controlar defeitos devidos a clostrídios. 1967 Estados Unidos Idealizada e instalada a primeira instalação comercial para irradiar alimentos. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 10 QUADRO 3: Intoxicações causadas pela ingestão de alimentos. ANO PESQUISADOR DESCOBERTA 1820 Justinus Kemer Descreveu a intoxicação por embutidos (que toda probabilidade era botulismo) e sua elevada taxa de mortalidade. 1857 W. Taylor de Penrith (Inglaterra) Incriminou o leite como transmissor da febre tifoide. 1870 Francesco Selmi Antecipou sua teoria da intoxicação por ptomainas para explicar a enfermidade contraída por ingestão de determinados alimentos. 1888 Gaertner Isolou pela primeira vez Salmonella enteritidis em carne que havia originado 57 casos de intoxicação alimentícia. 1894 T.Denys Foi quem primeiro relacionou os estafilococos com a intoxicação alimentaria. 1896 Van Emengem Descobriu o Clostridium botulinum. 1904 G.Landman Identificou a cepa do tipo A do Clostridium botulinum. 1906 Identificada a intoxicação por Bacillus cereus. 1926 Linden, Turner e Thom Fizeram a primeira descrição da intoxicação alimentaria por estreptococos. 1937 L.Bier e E. Hazen Identificaram a cepa E do Clostridium botulinum. 1937 Identificada a intoxicação paralítica por marisco. 1938 Illinois Foi atribuído ao leite casos de gastroenterites por Campylobacter. 1939 Schlefstein e Coleman Identificaram pela primeira vez a gastroenterite por Yersinia enterocolítica. 1945 McClung Primeiro a demonstrar o papel etiológico do Clostridium perfringens (welchii) nas intoxicações alimentares. 1951 Fujino (Japão) Demonstrou que Vibrio parahaemolyticus era um agente de intoxicações alimentares. 1955 S. Thompson Observou a semelhança entre o cólera e a gastroenterite por E.coli nas crianças. 1960 Moller e Scheibel Identificaram a cepa do tipo F de C. botulinum. Primeira informação sobre a produção de aflatoxina por Aspergillus flavus. 1965 Identificação da giardíase transmitida por alimentos. 1969 Gimenez e Ciccarelli Isolaram pela primeira vez o tipo G de C. botulinum. 1971 Maryland (Estados Unidos) Primeiro caso de gastroenterite por Vibrio parahaemolyticus de origem alimentício. 1975 L.R.Koupa; e R.H.Deibel Enterotoxina de Salmonella. 1976 Nova York Primeiro surto de gastroenterite por Yersinia enterocolitica. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 11 1978 Austrália Gastroenterite de origem alimentaria pelo virus Norwlk. 1979 Florida Gastroenterite de origem alimentícia por Vibrio cholerae do tipo no-01. Anteriormente Checoslováquia (1965) e na Austrália (1973). 1981 Estados Unidos Identificação de surto de listeriose transmitida por alimentos. 1982 Estados Unidos Primeiros surtos de colite hemorrágica de origem alimentícia. 1983 Ruiz-Palacios et al Descreveu a enterotoxina de Campylobacter. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 12 3 CAUSAS DAS ALTERAÇÕES EM ALIMENTOS As deteriorações que podem ocorrer ao alimento, afetando sua qualidade, podem ser de divididas em dois tipos: química e biológica. A deterioração PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 13 química envolve as mudanças de qualidade induzidas por reações físico- químicas e, ou bioquímicas que ocorrem com ou sem a intervenção de fatores físicos, como oxigênio, dióxido de carbono, água, luz, etc. A deterioração biológica, por sua vez, refere-se às mudanças oriundas do desenvolvimento de agentes biológicos como bactérias, fungos, leveduras, parasitas e insetos. Ambos os tipos de deterioração resultam em mudanças nas propriedades sensoriais (sabor, textura, aparência, etc.) e no valor nutritivo (conteúdo de vitaminas, valor proteico, etc.) dos alimentos. Geralmente, estas deteriorações não ocorrem de forma isolada e a extensão de suas reações depende do tipo de alimento. Por exemplo, algumas frutas, como morangos, são facilmente deterioradas pela presença de fungos. Por outro lado, ervilhas perdem rapidamente seu sabor e apresentam uma textura indesejável, devido a reações induzidas por enzimas. 3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS SEGUNDO A FACILIDADE COM QUE SE ALTERAM A suscetibilidade do alimento à deterioração depende de sua composição química e das tecnologias empregadas em seu processamento. Assim, ao avaliarmos a facilidade com que os alimentos se deterioram, os mesmos podem ser classificados da seguinte forma: alimentos estáveis ou não alteráveis - são aqueles que não se alteram a não ser que sejam manipulados sem cuidado; alimentos semialteráveis - se estes alimentos são manipulados e armazenados adequadamente podem permanecer sem alteração por muito tempo, como batatas, nabos e nozes; alimentos alteráveis - neste grupo se incluem a maioria dos alimentos mais importantes que se consomem diariamente e que alteram com facilidade, a não ser quando se empregam métodos de conservação convenientes. As carnes, pescados, a maioria das frutas e hortaliças, os ovos e o leite pertencem a este grupo. A maior parte dos alimentos pode ser incluída com facilidade em um dos itens desta classificação; porém, existem alguns que por se encontrarem no limite entre os grupos são difíceis de seremclassificados. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 14 3.2 CAUSAS DAS ALTERAÇÕES DOS ALIMENTOS Os alimentos estão sujeitos a alterações causadas por diferentes agentes, que podem ser agrupados da seguinte forma: microrganismos, em especial, bactérias, fungos filamentosos e leveduras, não apenas devido ao crescimento como também pela simples atividade metabólica; atividade de enzimas presentes no alimento; reações químicas de formação de produtos indesejáveis ou de degradação de compostos importantes; infestação de insetos, parasitas e roedores; mudanças físicas, tais como as causadas por exposição do produto a temperaturas impróprias; ganho ou perda de umidade pelo alimento; danos mecânicos. Na quase totalidade dos casos, estes agentes não atuam isoladamente; várias formas de deterioração podem acontecer simultaneamente, a depender do alimento e das condições ambientais. As principais causas de alteração dos alimentos serão discutidas a seguir. 3.3 CRESCIMENTO MICROBIANO O tipo de alteração causada pelo desenvolvimento de microrganismos nos alimentos vai depender do tipo e da quantidade de microrganismos presentes, bem como do meio ambiente. A maioria dos alimentos crus contém uma grande variedade de microrganismos contaminantes como bactérias, leveduras e mofos. Devido às condições ambientais em que os alimentos são estocados, apenas uma pequena proporção dos microrganismos presentes se desenvolve. O desenvolvimento microbiano promove alteração do meio de forma a permitir PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 15 que outros microrganismos venham a se desenvolver. O maior problema com microrganismos em alimentos é decorrente da contaminação destes por microrganismos presentes no ambiente ou nos utensílios e manipuladores. Assim, a água de lavagem de manteiga pode conter bactérias de putrefação superficial; os equipamentos de uma fábrica podem contaminar os alimentos durante sua elaboração com microrganismos patogênicos; as máquinas lavadoras podem incorporá-los aos ovos e os barcos sujos podem contaminar o pescado. 3.4 AÇÃO DAS ENZIMAS PRESENTES NOS ALIMENTOS Muitas enzimas são indesejáveis no alimento e, por isso, devem ser inativadas. Como outras proteínas, as enzimas podem ser facilmente desnaturadas de várias maneiras, principalmente pelo calor. Assim, para inativar a maioria das enzimas basta aplicar temperaturas na ordem de 70º a 80º C, durante 2 a 5 minutos. Algumas enzimas importantes em alimentos estão citadas no Quadro 4. QUADRO 4: Relação de enzimas e suas características principais. Enzima Características Amilases Atuam sobre a ligação 1,4 de polímeros da glicose como o amido e o glicogênio, transformando-os em moléculas de menor tamanho. Invertases Atuam sobre a sacarose transformando-a em uma mistura de açúcares redutores (glicose e frutose). Lactase Atuam sobre a lactose, transformando-a em glicose e galactose. Pectinesterase Catalisa a remoção de grupos metoxílicos da molécula de pectina e de ácido pectínico para dar ácido péctico. Papaína Enzima proteolítica usada no amolecimento de carnes. É extraída do látex do mamoeiro. Renina Encontrada no estômago de bezerros, usada na elaboração de queijos. Glucose-Oxidase Oxida a glucose para ácido glucônico com a produção de água oxigenada. 3.5 ALTERAÇÕES QUÍMICAS NÃO ENZIMÁTICAS Entre as principais alterações químicas não enzimáticas encontram-se a oxidação lipídica e o escurecimento não-enzimático dos alimentos. Oxidação Lipídica PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 16 A oxidação lipídica é a principal causa de deterioração de vários alimentos, alterando sua qualidade sensorial (sabor, aroma, textura e cor), seu valor nutricional, sua funcionalidade e toxidez. Embora a oxidação se inicie na fração lipídica, outros componentes também são afetados, como proteínas, vitaminas e pigmentos. A oxidação pode ser definida como o processo no qual o oxigênio é adicionado ou hidrogênio, ou elétrons, é removido. O componente que é reduzido e ganha elétrons é o oxidante. Em alimentos, o oxidante mais comum é o oxigênio, embora outras substâncias químicas adicionadas ou endógenas possam também servir como oxidante. As reações de oxidação podem ser influenciadas por diversos fatores, como calor, luz, reações de ionização, traços de metal (cobre e ferro, principalmente), pelas metaloproteínas e pela lipoxigenase. No mecanismo de auto-oxidação ocorrem reações em cadeia, que podem ser separadas em três estágios denominados início, propagação e término. Início RH R• (Radical livre) Propagação R• + O2 ROO• (radical peroxil) ROO• + RH R• + ROOH (peróxido) Término ROO• + ROO• ROO• + R• produtos inativos R• + R• PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 17 O mecanismo de formação do primeiro radical livre ainda não está devidamente esclarecido, mas pode ser formado por irradiação, tratamento térmico e pela reação com íons metálicos. Por definição, radical livre são substâncias químicas que apresentam número ímpar de elétrons, sendo, portanto, altamente energéticos e instáveis, podendo ser formados pela ação direta de alguma fonte de energia externa (luz, calor e radiação). No período de propagação ocorrem as chamadas reações em cadeia. Teoricamente, a reação continua até que todo o oxigênio ou toda a molécula do ácido graxo (RH) tenham sido utilizados. No período final (término), os radicais reagirão entre si, para formar moléculas inativas. Escurecimento Não-Enzimático O escurecimento não-enzimático é o resultado da descoloração provocada pela reação entre a carbonila e os grupos amina livre, com formação do pigmento denominado melanoidina. Embora a reação de escurecimento não-enzimático ocorra principalmente entre açúcares redutores e aminoácidos ou proteínas, outras reações (como a degradação do açúcar, bem como a degradação oxidativa do ácido ascórbico e a adicional condensação com compostos carbonílicos formados ou com grupos amina presentes) também produzem pigmentos escuros. As reações de escurecimento químico não enzimático em alimentos estão associadas com o aquecimento e armazenamento e podem ser divididas em três mecanismos (Quadro 5). PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 18 Quadro 5: Mecanismos das reações de escurecimento não- enzimático. Mecanismo Req. O2 Req. NH2 pH Ótimo Prod. Final Maillard _ + Alcalino Melanoidina Caramelização _ _ Alcalino/Ácido Caramelo Oxidação Vit. E + _ Ligeiram. ácido Melanoidina De modo geral, essas reações são indesejáveis do ponto de vista nutricional e estético. O escurecimento ou “browing” químico é o nome que se dá a uma série de reações químicas que culminem com a formação de pigmentos escuros conhecidos com o nome genérico de melanoidinas. As melanoidinas são polímeros insaturados coloridos de variada composição. Em alguns produtos, a reação é desejável quando leva à melhoria da aparência e do “flavor”: crosta do pão (destruição de 70% da lisina), café torrado, chocolate, cerveja, carne de peixe assado, porém indesejável em produtos como leite e derivados (destruição da lisina durante tratamento térmico), sucos, vegetais, produtos desidratados e concentrados, cereais e derivados (destruição da lisina durante a secagem). As reações de escurecimento não-enzimático, além de produzirem “flavor” agradável, aroma e coloração, em certas condições podem formar coloração e “flavor” indesejáveis ealterar a qualidade do alimento durante o processamento e armazenamento. Estas reações provocam significantes perdas de certos aminoácidos (lisina, arginina, histidina e triptofano), diminuição da digestibilidade da proteína e, portanto, redução do valor nutritivo, formação de alguns inibidores e compostos tóxicos. Alimentos ricos em açúcares redutores são muitos reativos, mas outros fatores influenciam a reação, como temperatura, pH, umidade, tipos de açúcar e amina, O2 e SO2. A velocidade da reação é influenciada pela natureza dos componentes reativos (Aas, proteína, peptídio e açúcares). Isto significa que cada tipo de alimento pode apresentar um escurecimento específico. Geralmente, a licita é o aminoácido mais reativo, em razão da presença do grupo amino epsílon livre. Reação de Maillard Envolve uma série de reações que se iniciam com a combinação entre o PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 19 grupamento carbonila de um aldeído, cetona ou açúcar redutor, com o grupamento amino de um aminoácido, peptídeo ou proteína, formando depois a chamada base de Schiff, sofrendo o rearranjo de Amadori, (isomerização da aldosilamina N-substituída), a degradação de Strecker (perda de CO2) e culminando com a formação de pigmentos escuros. Furfural tem sido identificado como uma substância intermediária formada no processo que, poderá produzir melanoidinas. C O HH C O H H C C C Furfural Mecanismo do Ácido ascórbico O ácido ascórbico tem sido considerado como o responsável pelo escurecimento de sucos cítricos concentrados, principalmente os de limão e tangerina. O ácido ascórbico, quando aquecido em meio ácido, irá formar o furfural, que poderá sofrer polimerização, originando compostos de coloração escura. C C C C C C O H 2 O H O H O H O H H O H Ácido Ascórbico Caramelização PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 20 A caramelização ocorre quando compostos polidroxicarbonilados (açúcares ou certos ácidos) são aquecidos a temperaturas relativamente altas. Irá ocorrer uma desidratação dos açúcares com a formação de aldeídos muitos ativos. Hidroximetilfurfural é muitas vezes um produto intermediário, sendo capaz de sofrer polimerização originando as melanoidinas. C O HH C C C C C O O H H H H HMF A conservação que está evoluindo e aperfeiçoando-se de acordo com o progresso da Ciência e da Tecnologia, tem-se introduzido variantes e novas técnicas ou processos, assim como também progrediu no envase de produtos processados. As condições atuais são bem diferentes das que predominavam há alguns anos atrás. A ciência esclareceu aspectos tão importantes como os que se referem à composição dos alimentos e o papel de cada componente na nutrição e sua estabilidade frente aos processos, de conservação, assim como também as causas da alteração microbiológica, biológica ou química e seu mecanismo, muito se tem estudado sobre os aditivos, contaminantes e sua toxidez. 3.6 PRINCÍPIOS EM QUE SE BASEIA A CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS A conservação dos alimentos se baseia em impedir que os agentes deteriorantes sejam capazes de atuar, prejudicando assim a qualidade do alimento. Em relação à deterioração causada por microrganismos, a decomposição pode ser diminuída garantindo que a manipulação dos alimentos ocorra em condições de assepsia, evitando que os microrganismos cheguem aos produtos, eliminando os microrganismos existentes ou colocando obstáculo ao crescimento e atividade microbiana. Em relação à decomposição química, a melhor forma de prevenção é através da inativação das enzimas presentes no alimento ou através da PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 21 colocação de obstáculos que impeçam o desenvolvimento das reações químicas. 3.7 MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS A indústria atual dispõe de diferentes tipos de procedimentos que compreendem: a) Conservação mediante o emprego de temperaturas altas: O emprego do calor é utilizado para inativar as enzimas presentes nos alimentos e para destruir os microrganismos presentes. Apesar de promover algumas alterações nos alimentos, quando bem aplicado, o calor garante a conservação dos alimentos por longos períodos, especialmente quando combinados com outras técnicas, como a estocagem refrigerada, envase asséptico, etc. b) Conservação mediante o emprego de Baixas Temperaturas: Usado para retardar as reações químicas e a ação das enzimas, e atrasar ou inibir o crescimento e atividade dos microrganismos que se encontram nos alimentos. Quanto mais baixa a temperatura mais lentas serão as reações químicas, as ações enzimáticas e o crescimento microbiano. Uma temperatura suficientemente baixa inibirá o crescimento de todos os microrganismos. c) Conservação por Dessecação: Qualquer método que reduza a umidade de um alimento é uma forma de dessecação. Assim a adição de sal ao pescado ou à carne produz produtos altamente estáveis, bem como a adição de açúcar para a elaboração de leite condensado. A redução da quantidade de água livre do alimento cria uma barreira ao crescimento microbiano e à atividade enzimática, mas potencializa as reações de oxidação. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 22 d) Conservação por Aditivos: A conservação de alimentos por uso de aditivos consiste na adição de substâncias químicas ao alimento com o objetivo de evitar a deterioração ou decomposição dos alimentos. O conservador antimicrobiano ideal deve possuir um amplo espectro de atividade antimicrobiana; não ser tóxico ao homem ou animal; ser economicamente viável; não afetar o sabor original dos alimentos; não ser inativado pelo processamento dado ao alimento; não deve favorecer a seleção de cepas resistentes; e deve ser mais capaz de destruir do que inibir os microrganismos. e) Conservação por Fermentação: A fermentação representa mais um processo de conservação de alimentos e baseia-se na proliferação de certos microrganismos não prejudiciais à saúde humana e que formam, durante o seu metabolismo, produtos geralmente ácidos que modificam o pH de maneira que impedem a proliferação de microrganismos deteriorantes. Além desta fermentação ácida, é empregada também a fermentação alcoólica, onde o álcool também vai restringir o crescimento dos microrganismos deteriorantes. f) Conservação por Defumação: A defumação consiste em uma ação prolongada da fumaça a baixa temperatura, impregnando o produto lentamente com o calor e os princípios emanados da destilação da madeira e, também, é empregada a quente, que se traduz por um cozimento mais ou menos completo durante a operação. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 23 4 CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS PELO FRIO PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 24 O armazenamento pelo frio é um dos métodos mais antigo de preservação de alimentos. Historiadores estimam que as cavernas, cujas temperaturas são naturalmente baixas, devido à evaporação da água sempre presente, eram utilizadas para estocagem de alimentos há mais de 100.000 anos atrás. Uma gravura egípcia do ano de 3.500 AC ilustra um escravo abanando um leque de frente para um pote de argila. O efeito refrigerante, devido à evaporação da água, também seaplica neste caso. Entre os anos 500 AC e 1.800 DC, mercadores transportavam gelos e neves por longas distâncias. No entanto, apenas após 1875, quando o sistema mecânico de refrigeração por amônia foi suficientemente desenvolvido para suportar a refrigeração comercial, é que se iniciou a produção a de gelo e a conservação de alimentos no comércio. Em meados de 1915, os refrigeradores eram construídos em larga escala, mas eram grandes demais para serem utilizados em casas individuais. Entretanto, no final dos anos de 1930 e início dos anos 1940, o desenvolvimento de compressores menores permitiu a criação de unidades de refrigeração menores e mais baratas, tornando possível o seu uso doméstico. Com a venda de refrigeradores e congeladores domésticos se tornando mais comum, a moderna indústria de alimentos congelados cresceu rapidamente. Durante os últimos 65 anos, várias pesquisas foram conduzidas na busca por melhorias na qualidade e estabilidade de produtos refrigerados e congelados. Houve grandes avanços no processamento de alimentos congelados e no desenvolvimento de embalagens para diferentes produtos armazenados a baixa temperatura. Atualmente, a estocagem refrigerada tem importância marcante no comércio mundial e determina as condições econômicas da indústria de alimentos. Sem a refrigeração mecânica durante o transporte, a comercialização de muitos alimentos perecíveis não poderia ser possível. Ainda, com os centros urbanos cada vez maiores e com a produção de alimentos se concentrando em áreas cada vez mais distantes, não seria possível comercializar toda a gama de frutas e vegetais produzida. O armazenamento refrigerado permite a oferta de uma grande variedade de alimentos durante todo o ano, equalizando os preços de mercado. Sem a refrigeração, os preços seriam muito baixos nos períodos de produção e muito altos nos períodos de entressafra, isso se estes não se tornassem impróprios para consumo antes de sua comercialização. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 25 4.1 PRINCÍPIOS DA REFRIGERAÇÃO A refrigeração, ou resfriamento, é um processo de remoção de calor de um corpo ou de um ambiente. A capacidade de refrigeração é medida em quilowatts (kW), mas outras unidades que representam a quantidade de calor ou trabalho, como caloria (Cal), joule (J) e a unidade térmica britânica (Btu), também são usadas. Existem vários sistemas de refrigeração e estes podem ser classificados pelo método usado na remoção de calor. Neste caso, dois são de suma importância para a indústria de alimentos: Sistema de refrigeração mecânica, que gera frio em ambiente fechado usando a eletricidade como fonte de energia; e Sistema criogênico, em que a fonte de frio é um gás liquefeito, geralmente nitrogênio líquido (N2) ou dióxido de carbono (CO2). Sistema de Refrigeração Mecânica O sistema de refrigeração mecânica é, atualmente, o sistema mais utilizado no processo de refrigeração de alimentos, especialmente na etapa de armazenamento. Embora a instalação deste tipo de sistema possua um elevado preço, a sua manutenção é relativamente barata. No sistema de refrigeração mecânica, o calor é removido da câmara de refrigeração e conduzido a um local onde pode ser facilmente descartado. Esta transferência de calor é obtida pelo uso de um refrigerante que, como a água, muda de estado – de líquido a vapor. A chave para se entender este processo é baseada em duas observações. A primeira é que a temperatura de um gás aumenta quando este é comprimido e nenhum calor é removido do sistema e, de forma similar, sua temperatura reduz quando este expande. A segunda observação é que calor deve ser fornecido a um líquido para que este vaporize a uma temperatura constante. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 26 Sistema Criogênico Uma fonte alternativa de frio importante para a indústria de alimentos são os refrigerantes criogênicos. Um composto criogênico é um refrigerante que muda de fase, pela absorção do calor latente, para refrigerar um alimento. Os dois refrigerantes criogênicos mais usados são o nitrogênio líquido e o dióxido de carbono. Em contraste com o sistema de refrigeração mecânica, o sistema criogênico é aberto, o que significa que o meio refrigerante é consumido e não re-circulado. O meio refrigerante deve estar em contato com o alimento, embalado ou não, para obter a energia calorífica necessária para suprir o calor latente de vaporização ou sublimação, produzindo elevados coeficientes de transferência de calor e refrigerando rapidamente o produto. Tanto o nitrogênio líquido quanto o dióxido de carbono são inertes, isentos de cor e odor, ideais para o uso na refrigeração de alimentos. No entanto, é necessária a preocupação com a segurança dos operários durante o processamento, uma vez que ambos podem causar problemas de queimadura pelo frio e asfixia. 4.2 REFRIGERAÇÃO E ESTOCAGEM REFRIGERADA A refrigeração pode ser definida como a operação unitária em que a temperatura do alimento é reduzida a valores acima do seu ponto de congelamento. A redução da temperatura retarda as reações que deterioram o alimento, sendo geralmente aceito que a maioria dos sistemas biológicos apresenta um coeficiente de temperatura (Q10) entre 1,5 e 2,5, ou seja, a redução em 10ºC na temperatura acarreta numa redução média de 50% na taxa de reação. Desta forma, é comum considerar alimentos refrigerados aqueles cujas temperaturas foram reduzidas a valores entre 16 e -2ºC, mas os refrigeradores comerciais e domésticos geralmente operam a temperaturas em torno de 4 e 7ºC. A maioria dos microrganismos patogênicos e deterioradores cresce rapidamente a temperaturas acima de 10ºC, mas alguns deterioradores são capazes de crescer a temperaturas abaixo de 0ºC. Com a redução da temperatura, o crescimento microbiano é retardado, mas não cessa. De fato, mesmo a temperaturas próximas do ponto de congelamento, algumas reações, incluindo o crescimento de muitos microrganismos, continuam numa taxa que PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 27 limitam o tempo de vida-útil do alimento a um período relativamente curto. A refrigeração previne, de forma satisfatória, o crescimento de microrganismos termófilos e mesófilos, embora nestas condições os psicrófilos possam deteriorar o alimento. Felizmente, não existem patógenos psicrófilos e, desta forma, a refrigeração do alimento a temperaturas abaixo de 5-7ºC retarda o crescimento de deterioradores e previne o crescimento da maioria dos patógenos. Temperaturas desta ordem também reduzem a velocidade das reações enzimáticas e retardam a respiração de alimentos frescos. No entanto, nem todo alimento pode ser refrigerado a temperaturas muito baixas; por exemplo, frutas tropicais e subtropicais sofrem injúrias quando armazenadas a temperaturas entre 3 e 10ºC acima do seu ponto de congelamento. Assim, os alimentos podem ser agrupados de acordo com duas formas de armazenamento refrigerado: aqueles em que a temperatura de refrigeração é mantida entre 10 e 15ºC, ideal para algumas frutas e vegetais, como batatas, pepinos, bananas, entre outras; e alimentos mantidos a temperaturas entre -2ºC e 7ºC, ideal para um grande número de alimentos perecíveis (peixe, carne, leite, iogurtes, etc.). O grande benefício da refrigeração é a extensão da vida-útil do alimento sem causar alterações na qualidade sensorial (textura, sabor, cor) e nas propriedades nutritivas, desde que regras simples sejam garantidas e que o período de estocagem não seja excessivo. Por isso, os alimentos refrigeradossão percebidos pelos consumidores como “frescos”, ou mesmo, “saudáveis”, mas deve ser enfatizado que a refrigeração não melhora a qualidade de um produto. A refrigeração de produtos perecíveis deve ser aplicada, sempre que possível, imediatamente após a sua obtenção, e mantida durante todo o período comercial, incluindo transporte, armazenamento e comercialização, até o seu consumo. Poucas horas de atraso entre a obtenção e a refrigeração é suficiente para permitir alterações consideráveis no alimento, não apenas no ponto de vista da deterioração microbiana, mas também nos atributos de qualidade. No entanto, a refrigeração rápida do alimento não significa apenas colocá-lo no refrigerador. A refrigeração consiste na retirada de calor do alimento e, se este for grande, o tempo para remoção suficiente do calor pode ser muito longo, de forma a permitir uma deterioração considerável antes que a temperatura efetiva de preservação seja alcançada. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 28 Outra preocupação durante o armazenamento refrigerado é o controle da umidade relativa (UR), que deve ser muito bem executado. Se o ar da câmara tiver muita umidade, esta condensará na superfície do alimento refrigerado. Se a condensação for excessiva, fungos poderão crescer na superfície em temperaturas comuns de refrigeração, deteriorando o produto. Por outro lado, se o ar for muito seco, o produto poderá perder água rapidamente da sua superfície, acarretando em problemas de textura. Nesta última condição, frutas e hortaliças irão murchar e carnes poderão apresentar o fenômeno da “queima pelo frio”, que altera a textura e cor da superfície e provoca maiores quebra de peso. O Quadro 6 sumariza a temperatura e umidade relativa de estocagem para os principais alimentos perecíveis, apresentando a sua vida-útil aproximada e parâmetros termodinâmicos necessários para o cálculo da carga térmica. Mesmo quando se armazena o alimento em UR adequada, maiores perdas de umidade podem ocorrer quando este é armazenado em longos períodos de estocagem, uma vez que há uma contínua migração da água do alimento para a atmosfera refrigerada, devido à condensação do vapor refrigerado sobre a superfície fria do alimento. Nestas condições, os alimentos devem ser protegidos contra a perda de umidade superficial. Carnes, por exemplo, são embaladas, geralmente a vácuo, em sacos plásticos selados. Queijos maturados em temperatura refrigerada também são embalados em filmes plásticos ou cobertos com cera. A cera não só reduz a perda de umidade superficial, como protege o queijo da contaminação microbiana, especialmente de fungos. Ovos podem ser cobertos com óleo mineral comestível, que ao tampar os minúsculos poros da casca, retardam a perda de umidade e de dióxido de carbono. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 29 Quadro 6. Propriedades de alimentos perecíveis A li m e n to T e m p e ra tu ra d e E s to c a g e m ( o C ) U m id a d e R e la ti v a ( % ) V id a -u ti l1 U m id a d e ( % ) T e m p e ra tu ra d e C o n g e la m e n to ( o C ) Calor Específico (kJ/kg. o C) C a lo r la te n te d e fu s ã o ( k J /k g ) A b a ix o d o P o n to d e C o n g e la m e n to A c im a d o p o n to d e c o n g e la m e n to CARNES E DERIVADOS Bovina (Carcaça com 60% carne magra) Fresca 0 a 2 88-92 7 a 42 d 49 -1,7 2,90 1,46 164 Congelada -23 90-95 9 a 12 m Fígado 70 -1,7 3,43 1,72 2,35 Cordeiro (65% de carne magra) Fresco 0 a 2 85-90 5 a 12 d 61 -1,9 3,2 1,61 204 Congelado -23 90-95 8 a 10 m Frango Fresco 0 a 2 7 d 74 -2,8 3,53 1,77 248 Congelado -23 9 a 10 m Peru 64 3,28 1,65 214 Ovo (inteiro) Fresco 0 a 1 85-90 8 a 9 m 74 -0,6 3,53 1,77 247 Congelado -23 12 m Suínos 0 a 2 85-90 3 a 7 d 35-42 2,60 1,31 124 Barrigada (33% de carne magra) 30 2,42 1,22 101 Paleta (67% de carne magra) 49 -2,2 2,90 1,46 164 Pernil (74% de carne magra) 56 -1,7 3,08 1,55 188 Bacon 19 2,15 1,08 64 Presunto 57 3,10 1,56 191 PESCADOS Peixe Fresco 0 a 5 90-95 5 a 20 d 62-85 Congelado -23 90-95 8 a 10 m Atum 70 -2,2 3,43 1,72 235 Bacalhau 78 -2,2 3,63 1,82 261 Lagosta 79 -2,2 3,65 1,84 265 Ostras 80 -2,8 3,68 1,85 268 Salmão 64 -2,2 3,28 1,65 214 LEITES E DERIVADOS Leite (3,7% de gordura) 87 -0,6 3,85 1,94 291 Leite condensado 27 -15,0 3,25 1,18 90 Manteiga 0 a 2 80-85 2 m 16 2,07 1,04 54 Queijo 0 a 2 65-70 40 -6,9 2,68 1,34 134 PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 30 Camembert 52 2,98 1,50 174 Cheddar 37 -12,9 2,6 1,31 124 Sorvete -26 meses 63 -5,6 3,25 1,63 211 1 m = meses; d = dias. Observação: 1 Btu = 0,252 kCal = 1,055 kJ Fonte: modificado de NEVES FILHO (1991), POTTER e HOTCHKISS (1995), HEBER (2000) e AKED (2002). 4.3 CONGELAMENTO E ESTOCAGEM CONGELADA O congelamento é a operação unitária em que a temperatura do alimento é reduzida a valores abaixo do seu ponto de congelamento, que para a maioria dos alimentos é próximo de -2ºC. A estocagem congelada refere-se à estocagem do alimento a temperaturas que o mantenha congelado, sendo que condições ótimas geralmente requerem temperaturas iguais ou menores que - 18ºC. Enquanto a refrigeração e estocagem refrigerada preservam alimentos perecíveis por semanas ou meses, a depender do alimento, o congelamento e estocagem congelada podem preservar o alimento por meses ou mesmo anos, se devidamente embalados. A preservação de alimentos por congelamento ocorre por vários métodos. A redução da temperatura a valores abaixo de zero causa uma significante redução na taxa de crescimento dos microrganismos e, consequentemente, na redução da deterioração devido a atividade microbiana. Outras reações que ocorrem naturalmente no alimento, como reações enzimáticas e oxidativas, também sofrerão a mesma influência da temperatura. Associado a isto, a formação de cristais de gelo durante o congelamento do alimento reduz a água disponível para as reações (atividade de água). À medida que a temperatura é reduzida, mais água é convertida ao estado sólido, resultando na concentração de solutos na água não-congelada e reduzindo a quantidade de água disponível para as reações de deterioração. Da mesma forma que citado no item anterior, a taxa com que o calor é removido durante o congelamento é dependente de vários fatores (peso, tamanho e forma, densidade, conteúdo de água, calor específico, condutividade térmica, temperatura inicial e final, etc.). Durante o congelamento, o calor sensível deve ser removido para reduzir a temperatura do alimento ao seu ponto de congelamento. Quando a temperatura do alimento alcança o ponto de congelamento, cristais de gelo são formados e o calor latente de cristalização é liberado. O PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 31 calor latente de todos os componentes do alimento (água, gordura, etc.) deve ser removido para que este congele. No entanto, a maioria dos alimentos contém uma elevada quantidade de água e os outros componentes requerem uma quantidade relativamente pequena de calor latente. A parcela de calor retirada durante o congelamentoé bem maior do que a parcela necessária para se estocar o alimento congelado. Esta diferença de calor entre o processo de congelar e estocar congelado é, ainda, bem maior do que refrigerar e estocar refrigerado, sendo o produto geralmente congelado em um sistema separado da estocagem. A qualidade de um alimento congelado não é influenciada apenas pelas condições iniciais de congelamento, mas também pelas condições do armazenamento congelado. Mudanças químicas e físicas podem acontecer, e estas ocorrem em taxas que dependem da temperatura. As alterações químicas mais comuns em alimentos durante a sua estocagem congelada são: oxidação lipídica; escurecimento enzimático; deterioração de sabor; desnaturação proteica; e degradação de pigmentos e vitaminas. A recomendação da temperatura de -18ºC para a estocagem congelada de alimentos é baseada em dados substanciais que representam o compromisso entre qualidade e custo. Sobre circunstâncias normais, esta temperatura é suficiente para prevenir o crescimento de todos os microrganismos, uma vez que patógenos não crescem a temperaturas inferiores a 3,3ºC e os deterioradores que normalmente contaminam os alimentos têm seu crescimento cessado em temperaturas em torno de -9,5ºC. Para reações enzimáticas, no entanto, temperaturas próximas de -18ºC não são tão baixas, visto que algumas enzimas retêm atividade a temperaturas tão baixas quanto -73ºC, embora estas reações sejam extremamente lentas. As reações não-enzimáticas também não são completamente inibidas a -18ºC, mas ocorrem de forma muito lenta abaixo desta temperatura. Casos específicos, no entanto, devem ser considerados. Por exemplo, peixes são particularmente instáveis à estocagem congelada. Isto se deve a várias razões, mas a oxidação lipídica em peixes gordos é o principal motivo da sua menor vida-útil sob congelamento do que em outras carnes. Neste caso, o uso de temperaturas de congelamento mais baixas, como -30ºC, favorece a sua qualidade por um período de tempo maior. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 32 De fato, a qualidade dos alimentos congelados poderia ser bem maior se estes fossem armazenados a temperaturas mais baixas que a -18ºC. O congelamento de alimentos a temperaturas próximas de -30ºC não é difícil e nem tanto custoso. Entretanto, a manutenção do alimento a esta temperatura durante o transporte e armazenamento é extremamente cara. Outra consideração importante é a de que tecidos animais e vegetais diferem quanto à resistência ao congelamento. Tecidos vegetais apresentam uma estrutura mais rígida, devido à parede celular associada à membrana celular, podendo ser facilmente danificada pelos cristais de gelo formados. Já tecidos animais, possuem uma estrutura mais flexível, que permite sua extensão durante a formação de cristais de gelo, não se rompendo, de forma que sua textura é menos afetada. Esta diferença na resistência ao congelamento também explica os efeitos adversos da taxa de descongelamento. Os danos causados pelo processo de descongelamento são maiores do que no processo de congelamento. Devido ao baixo diferencial de temperatura e a maior capacidade de transferência de calor do gelo do que a água, a temperatura do alimento sobe rapidamente durante o descongelamento para o ponto de congelamento (faixa crítica), permanecendo nesta temperatura por um longo período de tempo. Nesta situação, ocorre o fenômeno de recristalização, que envolve o aumento dos cristais de gelo, devido ao fato de que pequenos cristais são, termodinamicamente, menos estáveis do que cristais maiores. Assim, as moléculas de água migram de cristais menores para sítios de água não congelada para recristalizar, formando cristais maiores e acarretando nas mudanças indesejáveis já mencionadas. Além disso, durante o descongelamento, a água pode não ser reabsorvida nas regiões originais, levando à formação de exsudados e, assim, a célula não recupera seu tugor e forma original, com conseqüências negativas à textura do alimento. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 33 Fatores que afetam a perda por exsudação durante o descongelamento são: tamanho e localização dos cristais de gelo; velocidade de descongelamento; extensão da reabsorção de água; estado do tecido antes do congelamento; e capacidade de retenção de água do tecido. Nos tecidos vegetais a água exsudada não é absorvida pela célula, o que torna a taxa de congelamento ainda mais importante. Já nos tecidos animais uma significante reabsorção de água é observada durante o descongelamento. Recomenda-se que o descongelamento de carnes seja conduzido em temperaturas de refrigeração, mas trata-se de um processo extremamente lento. No caso da carne inteira, é, ainda, necessário observar que a taxa ótima de descongelamento é dependente da taxa de congelamento. Poucos problemas resultam do descongelamento rápido de uma carne congelada rapidamente. Já o descongelamento lento de uma carne que foi congelada rapidamente, resulta numa recristalização, com consequente formação de cristais maiores, ocasionando a exsudação da água. Por outro lado, um descongelamento rápido de uma carne que sofreu um congelamento lento, não permite que os fluidos nos espaços extracelulares sejam reabsorvidos, acarretando numa rápida perda de exsudado. Consequentemente, os efeitos adversos de um congelamento lento podem ser minimizados pelo descongelamento lento, que permite que algum fluido seja reabsorvido. Infelizmente, a aplicação desta relação entre a taxa de descongelamento e a taxa de congelamento implica, obviamente, no conhecimento das condições em que a carne foi congelada, o que nem sempre é possível. Devido a estas considerações é que se sugere que a carne seja descongelada a baixas temperaturas, num processo lento, mas que permite a difusão de água no tecido descongelado e sua realocação na fibra muscular, favorecendo a qualidade da carne e não acarretando em riscos quanto à questão microbiológica. Por outro lado, os requerimentos comerciais usualmente demandam por PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 34 um descongelamento mais rápido possível. No entanto, o descongelamento rápido, com o uso de temperaturas mais elevadas (ambiente ou água quente), favorece o crescimento microbiano, devido à temperatura relativamente alta na superfície externa da carne, especialmente em cortes grandes, e pode ocasionar mudanças sensoriais indesejáveis. PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 35 5 CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS PELO CALOR PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 36 Dentre todos os métodos de conservação de alimentos, a utilização de temperaturas elevadas se apresenta como um dos mais eficientes e utilizados; esse método tem como base os efeitos destrutivos sobre os microrganismos. Supostamente, a destruição de microrganismos pelo calor é devida à coagulação de suas proteínas, especialmente à inativação das enzimas necessárias ao metabolismo celular. A intensidade de calor necessária para a destruição microbiana ou seus esporos, varia em função do tipo de organismo a ser destruído, seu estágio de desenvolvimento, do tipo de alimento onde este se encontra, de outros métodos de conservação que serão utilizados de forma associada, dos efeitos deletérios que o calor exerce sobre o alimento, dentre outros. Na maioria das vezes, a escolha de uma determinada temperatura a ser aplicada a um determinado alimento édeterminada em função do rigor da destruição, ou seja, muitas vezes o objetivo é a completa destruição dos microrganismos e seus esporos, outras vezes torna-se necessário a destruição total ou parcial das células vegetativas sem a preocupação de eliminar seus esporos, em alguns casos, somente uma parte dos esporos é alvo de destruição. O termo “tratamento térmico” refere-se ao processo em que um produto alimentício é submetido a elevadas temperaturas, com o objetivo de inativar microrganismos e, ou enzimas indesejáveis, permitindo que o alimento permaneça seguro e com características sensoriais desejáveis por mais tempo. É um dos métodos mais importantes e o mais amplamente utilizado na preservação de alimentos durante as últimas décadas, mas até o final do século XIX, a conservação de alimentos pelo calor era conduzida sem muito conhecimento de sua base científica. 5.1 FATORES QUE AFETAM A TERMORRESISTÊNCIA MICROBIANA Vários fatores afetam a resistência dos microrganismos ao calor, sendo que mais de dez já foram exaustivamente estudados e suas influências estabelecidas. Dentre esses fatores podem-se destacar os descritos a seguir. Binômio tempo/temperatura PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 37 A relação tempo/temperatura no processo de destruição microbiana é parâmetro fundamental no processo de conservação de alimentos pelo uso do calor. Via de regra, o tempo necessário, sob condições definidas para a destruição de células microbianas ou esporos, diminui à medida que a temperatura empregada aumenta; entretanto, aparece com certa frequência exceções a essa regra. Essa regra evidentemente parte do pressuposto que o efeito do calor é imediato e que não existe nenhum impedimento mecânico. Dessa forma, deve- se considerar o tamanho do vasilhame onde se efetua o aquecimento, bem como seu tipo (vidro, metal, plástico etc.). É importante ter em mente que em embalagens maiores a penetração do calor é mais demorada e que a temperatura estabelecida deve penetrar em todo o alimento a ser tratado termicamente. Do mesmo modo, o material com o qual as embalagens são feitas possui diferentes índices de condutividade térmica, exemplificando, em uma embalagem de metal o calor é conduzido com mais facilidade que em uma de plástico. Teor de umidade do alimento A resistência das células microbianas ao calor aumenta à medida que a umidade do meio onde se encontram diminui, sendo a aplicação do calor em um meio mais aquoso (calor úmido) um agente bactericida mais potente que o mesmo calor aplicado em um meio mais sólido. Esse fato pode ser bem compreendido pelo fato de a desnaturação das proteínas acontecer mais facilmente em meio mais aquoso e como descrito anteriormente, a desnaturação proteica é a principal causa de destruição microbiana pelo uso do calor. A razão pela qual a água desnatura as proteínas ainda não está completamente elucidada, entretanto acredita-se que o calor úmido potencializa a formação de grupos –SH livres, isso leva a um aumento da capacidade de absorção de água pelas proteínas; a maior hidratação, permite uma maior ruptura pelo calor, das forças que estabilizam as estruturas proteicas. Fica claro dessa forma, que o binômio tempo/temperatura deve ser estabelecido para cada alimento em particular e nunca se deve utilizar o mesmo binômio para alimentos com teor de umidade diferente. Dessa forma, o PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 38 tratamento térmico estabelecido para um leite in natura não pode ser o mesmo para um leite concentrado (leite que foi parcialmente desidratado). pH do alimento Geralmente os microrganismos são mais resistentes ao calor quando estão em um alimento cujo pH é o ótimo ao seu desenvolvimento, que de um modo geral está próximo da neutralidade (pH 7,0). Quando esse valor se distancia para baixo ou para cima, a termorresistência do microrganismo diminui; entretanto, a acidificação é mais efetiva nesse processo que a alcalinização. Face a isso pode-se claramente deduzir que o tratamento térmico em alimentos ácidos pode ser mais brando quando comparados a alimentos próximos à neutralidade. A manipulação do pH como meio de aumentar a eficiência do tratamento térmico nem sempre é possível pois, sabidamente este tem influência direta no sabor. Concentração de sal O cloreto de sódio (sal de cozinha) é normalmente o sal presente em quantidades maiores em alimentos. Em baixas concentrações, 0,5 a 1,5%, esse sal tem um efeito protetor sobre os microrganismos, provavelmente por diminuir a atividade de água do alimento. Entretanto, em quantidades maiores o efeito do sal como agente inibidor de microrganismo é somado ao efeito do calor, aumentando a eficiência do tratamento térmico no processo de destruição de microrganismo do alimento. Efeito protetor da gordura De um modo geral, a presença de gordura no alimento aumenta significativamente a resistência térmica dos microrganismos que muitas vezes é denominada “proteção gordurosa”. Isso acontece em função principalmente de dois fatores: o primeiro seria o fato de a gordura afetar diretamente a umidade celular e o segundo pela proteção física que a gordura exerce, principalmente em alguns alimentos, particularmente o leite. No caso particular do leite pasteurizado, que no Brasil na esmagadora maioria não é homogeneizado, a gordura tem um efeito protetor extremamente importante, pois os grumos de gordura protegem os microrganismos naquele período de 15 PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 39 a 17 segundos que o leite fica exposto a uma temperatura de 73 a 77 C. Efeito do açúcar A presença de açúcar no alimento aumenta a resistência térmica dos microrganismos, Provavelmente isso acontece pela diminuição da atividade de água causada pelo açúcar. Efeito das proteínas e outras substâncias A proteção que as proteínas conferem à termorresistência dos microrganismos é bem conhecida. Consequentemente, alimentos ricos em proteínas devem receber um tratamento térmico mais elevado ou por um período mais longo, quando se deseja obter os resultados esperados. Considerando um número idêntico de microrganismos, a presença de partículas coloidais no alimento exige maior rigor térmico em seu processamento. Um exemplo claro disto pode ser observado na Tabela 7.3, onde o ponto térmico letal para a Escherichia coli é de 63 C para o soro de queijo e de 65 C para o leite desnatado. Vale lembrar que a maior diferença entre esses dois produtos é a maior concentração de proteínas no leite desnatado. Outros fatores também são importantes na resistência térmica dos microrganismos, dentre esses podem-se destacar: fase de crescimento, efeito da temperatura de crescimento, concentração inicial de esporos, condições prévias das bactérias e esporos, etc. 5.2 TRATAMENTOS TÉRMICOS UTILIZADOS NA ELABORAÇÃO DE ALIMENTOS Na utilização do tratamento térmico no processamento de alimentos, tendo sempre em mente o binômio tempo/temperatura, deve-se levar sempre em consideração os efeitos que o calor provoca sobre os alimentos. Deve-se também considerar os outros processos como, por exemplo, o frio, embalagens, etc. que serão utilizados na conservação desse alimento tratado termicamente. As diferenças existentes entre os alimentos determinam também diferenças em seus tratamentos térmicos. Esse tratamento quando não elimina PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 40 completamente a flora microbiana do alimento deve, pelo menos, destruir todos os patogênicosque teriam condições de se desenvolverem nas condições de conservação daquele alimento e prevenir ou retardar o crescimento dos sobreviventes. Como existe grande diversidade de alimentos, cada um com características próprias e diferentes objetivos do tratamento térmico, os binômios tempo/temperatura requeridos nos mais diversos processos podem ser classificados como a seguir: 5.2.1 BRANQUEAMENTO Tratamento térmico brando, geralmente aplicado em frutas e vegetais, que tem como objetivo principal a inativação de enzimas naturais antes do processamento. Dependendo da severidade do tratamento, o branqueamento pode destruir alguns microrganismos. No entanto, não é, por muitos autores, considerado um processo de conservação per si, mas sim um pré-tratamento. 5.2.2 PASTEURIZAÇÃO Tratamento térmico que visa a destruição da flora patogênica contaminante e a extensão da vida-útil do produto, pela inativação de enzimas e microrganismos deterioradores sensíveis ao calor. Envolve a aplicação de temperaturas relativamente altas, geralmente abaixo do ponto de ebulição da água (100ºC), mas o produto ainda irá conter muitos microrganismos capazes de crescer, limitando a vida-útil de alimentos e obrigando o seu armazenamento em condições que minimizem o crescimento microbiano, geralmente a refrigeração. A pasteurização pode aumentar a vida-útil por semanas ou meses, a depender do produto e do sistema de armazenamento. Como o processo de pasteurização utiliza temperaturas mais baixas (menos que 100 C), ela é utilizada: quando tratamentos térmicos mais elevados causam danos à qualidade PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 41 do produto; quando um dos objetivos perseguidos é a destruição de microrganismos patogênicos; quando os agentes de alterações nos alimentos não são muito termorresistentes; quando os microrganismos sobreviventes são controlados por outros meios de conservação, como, por exemplo, a refrigeração; quando se eliminam agentes competitivos, permitindo uma fermentação benéfica. Como a pasteurização não tem como objetivo destruir totalmente os microrganismos, alguns métodos de conservação devem ser empregados de forma complementar a pasteurização, dentre estes podem-se destacar: conservar o produto pasteurizado sob refrigeração; evitar a contaminação, geralmente colocando o produto em uma embalagem hermeticamente fechada; manter condições anaeróbicas, como nos recipientes fechado a vácuo; adicionar altas concentrações de açúcar; adicionar conservantes químicos, como os ácidos orgânicos. O leite é, de longe, o produto no qual o processo de pasteurização é mais utilizado. Por isso na vasta maioria das vezes utiliza-se esse produto na descrição dos processos de pasteurização. 5.2.3 ESTERILIZAÇÃO O termo “esterilização” refere-se à completa destruição microbiana de um alimento ou produto. Isto significa dizer que toda flora microbiana, patogênica ou deterioradora, assim como enzimas, será inativada e o produto se PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 42 apresentará estéril. No entanto, a esterilização de alimentos não é possível, devido à presença de esporos microbianos termorresistentes. Assim, o termo esterilização comercial é mais adequado, uma vez que se aplica a alimentos que, após tratamento térmico suficiente, contém um número pequeno de esporos bacterianos, mas que não irão se desenvolver durante o armazenamento do produto. Se, no entanto, forem isolados do alimento e submetidos a condições ideais, os esporos podem germinar e se multiplicar. Produtos esterilizados comercialmente apresentam vida-útil de dois anos ou mais à temperatura ambiente e, mesmo após longos períodos, a deterioração ocorre devido a mudanças na textura ou sabor e não ao crescimento microbiano. A esterilização de alimentos é feita em unidades envasadas e a granel, a aplicação térmica em produtos acondicionados é mais conhecida por apertização, enquanto a designação esterilização é usualmente conferida a processos que apresentam características especiais e inclusive alguns deles que utilizam temperaturas mais altas como, por exemplo, o U.H.T. (ultra high temperature). 5.3 CINÉTICA DO TRATAMENTO TÉRMICO O patógeno mais termorresistente encontrado em alimentos é o Clostridium botulinum. No entanto, existem bactérias não-patogênicas mais resistentes que o Clostridium botulinum. O Bacillus stearothermophilus, por exemplo, forma esporos que são 20 vezes mais resistentes do que o Clostridium botulinum, mas requer elevada temperatura (48,9 a 54,4ºC) para crescer. Este microrganismo, embora não apresente risco à saúde humana, pode ocasionar problemas potenciais em produtos submetidos a elevadas temperaturas durante o armazenamento. Dois critérios principais devem ser considerados quando se deseja estabelecer um tratamento térmico para inativar esporos ou células vegetativas em alimentos. O primeiro é o conhecimento da cinética de inativação térmica ou a taxa de destruição dos microrganismos responsáveis pela contaminação e a sua dependência com a temperatura (binômio tempo-temperatura). A segunda, e não menos importante, é considerar as características de transferência de calor (penetração de calor) do alimento em questão, incluindo a embalagem que o contém, que determinam o perfil de temperatura no PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 43 produto durante o processo. A inativação térmica das células vegetativas e esporos geralmente segue uma reação de primeira ordem, ou seja, a variação da concentração de células viáveis com o tempo de processamento é proporcional à concentração de células viáveis presentes. Matematicamente a equação geral, dC/dt = - kC, pode ser usada para descrever a inativação térmica microbiana, onde: C = concentração de células viáveis; k = constante de proporcionalidade, definida como velocidade específica de morte ou destruição; e t = tempo. A integração da equação geral resultará em: ln (C0/C) = -kt, em que C0 = concentração inicial de células viáveis. Assim, numa representação gráfica de ln C versus o tempo de exposição do alimento a uma temperatura constante, a variação será linear. Esta variação também será linear para qualquer base logarítmica, obtendo-se, após algumas alterações algébricas, a seguinte equação: Log C = Log C0 - t/D Esta equação é conhecida como ordem logarítmica de morte, e demonstra que sob condições térmicas constantes o mesmo percentual da população microbiana presente irá ser destruído em um determinado intervalo de tempo, independente do número inicial de células viáveis. Em outras palavras, se uma dada temperatura inativa 90% da população microbiana inicial em um minuto de processamento, 90% das células sobreviventes serão destruídas no segundo minuto, 90% das que resistirem serão destruídas no terceiro minuto, e assim por diante. Isto demonstra a natureza exponencial da inativação microbiana (Figura 1). PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 44 Figura 1. Gráficos representando a reação de primeira ordem para a destruição térmica de esporos bacterianos, em escala semi-logarítmica. Para caracterizar o comportamento do fator estudado com relação à temperatura, foi definido o conceito de valor D. Por definição, o valor D, ou tempo de redução decimal, é o tempo em minutos, a uma temperatura específica, necessário para inativar 90% da população inicial em estudo ou, ainda, o tempo necessário
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